Fisioterapia aquática na marcha hemiparética: relato de caso
Por Lilian Dornelas | 13/12/2010 | SaúdeObjetivo: Descrever o efeito da fisioterapia aquática na melhora do padrão de marcha de um indivíduo hemiparético. Material e Método: Trata-se de um relato de caso em que o indivíduo de 12 anos de idade, do gênero feminino, apresenta hemiparesia em decorrência de uma seqüela de retirada de tumor cerebral. Foi realizado atendimentos de fisioterapia aquática, 2 x por semana durante 06 meses. Foi feito filmagem para análise descritiva da marcha livre, aplicação do teste manual de força muscular e cronometrado o tempo gasto em relação uma distância percorrida, antes e após a intervenção. Resultados: Após a intervenção, o indivíduo apresentou melhora no desempenho da marcha quanto à força muscular e a velocidade. Conclusão: A fisioterapia aquática contribuiu para a melhora do padrão de marcha do indivíduo adolescente hemiparético, proporcionando mais segurança e condicionamento físico.
Introdução
De acordo com a Brain Injury Association1, Lesão Encefálica Infantil Adquirida (LEIA) é definida como uma lesão que ocorre após o nascimento e que não está relacionada com doenças hereditárias, congênitas, degenerativas ou trauma de parto. Dentre as principais causas de LEIA podemos destacar: o Traumatismo Crânio Encefálico (TCE), Encefalopatia Anóxica, Afecções Vasculares Encefálicas, Infecções do Sistema Nervoso Central (SNC) e os Tumores do SNC.
A evolução de uma lesão numa criança é distinta quando comparado a de um adulto. Isso porque o encéfalo da criança ainda está em desenvolvimento, enquanto que o de um adulto já atingiu a maturidade2.
Uma lesão encefálica em uma criança pode ter a vantagem da plasticidade neural, porém existe a desvantagem de um encéfalo ainda pobre em conteúdo. Nos pré-adolescentes e adolescentes, grande parte dos circuitos corticais já está bem estabelecida e este fato, juntamente com a neuroplasticidade, auxiliam no processo de reabilitação2.
Dentre os melhores recursos fisioterapêuticos a serem aplicados na reabilitação de crianças com LEIA, têm-se a fisioterapia aquática que desempenha papel fundamental em todas as fases do tratamento, sempre vinculado a um objetivo funcional3,4.
Quando o paciente se encontra na fase de leve comprometimento motor durante a marcha, ele apresenta vários padrões compensatórios que estão relacionados ao tipo de tônus, a distribuição topográfica do comprometimento e as seqüelas motoras. A fisioterapia aquática pode contribuir com atividades que proporcionem independência no meio líquido, atividades mais complexas, alongamentos e fortalecimento em grupos musculares específicos e melhora do desempenho da marcha3,4.
O objetivo deste estudo é descrever o efeito da fisioterapia aquática na melhora do padrão de marcha de um indivíduo adolescente hemiparético.
Material e Método
A pesquisa foi realizada no setor de Fisioterapia aquática da Associação de Assistência à Criança Deficiente de Minas Gerais, sendo previamente aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa em Seres Humanos.
Este estudo apresentou um indivíduo do gênero feminino, com 12 anos de idade, que, em outubro de 2007, apresentou queixas de alteração de comportamento e cefaléia constante, fez Ressonância Magnética que acusou lesão expansiva na região frontal à esquerda (5,0 mm), com etiologia a esclarecer. Realizou cirurgia em 01/11/07, com retirada do material, apresentando como seqüela disartria e hemiparesia a direita com maior comprometimento das extremidades de membro superior (mão) e de membro inferior (pé). Não realizou radioterapia, nem quimioterapia e iniciou uso de carbamazepina. Apesar de deambular de forma domiciliar, apresentava déficit de equilíbrio, de força muscular e de baixo condicionamento para andar.
Na pré avaliação (antes da intervenção) foi realizado filmagem do indivíduo em marcha livre e posteriormente foi feita a análise descritiva pela pesquisadora.
Levando em consideração o lado hemiparético (direito), segue abaixo nas Tabelas 1 e 2 as fases da marcha5.
Além disto, havia ausência de movimentação dos braços em virtude da paralisia da musculatura à direita, comprometendo o equilíbrio durante a marcha, causando um aumento rotatório do corpo, prejudicando o alinhamento biomecânico levando a uma diminuição da base de suporte e a passos diminuídos.
Para quantificar a força muscular foi aplicado o teste manual segundo a Academia Americana de Ortopedia6. Na Tabela 3 verifica-se o grau de força dos principais grupos musculares acometidos na marcha hemiparética.
Foi cronometrada a distância percorrida antes da intervenção, e assim, num percurso pré-determinado de 36 metros a paciente gastou um tempo de 36 segundos.
A escolha da técnica utilizada nos atendimentos de fisioterapia aquática foi com a abordagem hidrocinesioterapêutica. A hidrocinesioterapia é a base de todos os métodos e tem como fundamento a teoria do controle motor. Esta técnica pode ser definida como um conjunto construído de procedimentos, modalidades e condições aplicados individualmente no meio líquido com o objetivo de promover a manutenção e/ou melhora da capacidade funcional do paciente7,8.
As atividades no meio líquido tinham a duração de 45 minutos. Nos primeiros dez minutos da sessão, procediam aos alongamentos, mobilizações e descarga de peso/posicionamento para membros superiores/inferiores/tronco. Na seqüência (momento que durava 30 minutos), os músculos enfraquecidos foram os mais trabalhados (membros inferiores/tronco), sendo que, neste momento preconizou-se 30 minutos da terapia. Este trabalho de potência muscular, teve ênfase nas primeiras sessões, no uso dos princípios físicos do meio líquido (viscosidade/turbulência/empuxo)7 com três séries de 10 vezes cada. Com o avançar das sessões, passou-se a introduzir o peso (0,5Kg), mantendo as séries de três (10 vezes cada). Após 12 sessões, aumentou o peso para 1Kg mantendo as séries. No segundo mês de terapia (após 24 sessões), manteve-se o peso e passou para três séries de 15 vezes cada. E, após 12 sessões com este peso e série, passou-se para o peso de 2Kg com três séries de 15 vezes cada.
Dando seqüência à terapia (durante dez minutos), eram realizadas atividades dinâmicas para ganhar condicionamento físico, resistência muscular e velocidade nas atividades funcionais. Assim, foram feitas atividades como o pular sobre o step/tablado, agachar (encostar o quadril no chão da piscina), subir e descer escada. No final das sessões (cinco minutos restantes), foram proporcionados momentos de lazer para a paciente no meio líquido, como mergulhar, pular corda, brincar de "queimada", correr de "pique-pega" e brincar com bola.
Resultados
Após os seis meses de terapia aquática, observou-se melhora da marcha hemiparética quanto à força muscular (Tabela 4) e velocidade.
Durante a marcha, o movimento dos braços apresentou-se mais uniforme, e, na fase de apoio, observou-se melhora da ação dos abdutores de quadril, que permitiu uma maior estabilidade de tronco e força muscular de quadríceps, favorecendo uma melhor segurança e equilíbrio.
Na fase de balanceio, houve aumento da flexão de quadril e do joelho, com diminuição da hiperextensão no final desta fase. No entanto, também foi constatado que a paralisia dos dorsiflexores observada desde o início do tratamento manteve-se sem ganhos, não mudando o quadro após estes meses de terapia (sendo necessária a indicação de acessório - órtese suropodálica).
Foi realizada novamente a contagem (cronômetro) do tempo gasto em relação ao mesmo percurso (36 metros) realizado antes da intervenção e a paciente gastou 25 segundos e, além disso, SIC (paciente) relatou que passou a fazer caminhada de 30 minutos e a freqüentar as aulas de educação física na escola.
Discussão
A paralisia ou paresia dos músculos do lado do corpo contralateral à lesão cerebral levam a um desequilíbrio importante para a realização de atividades funcionais, tais como a marcha. A fraqueza muscular é refletida pela incapacidade ou impedimento de gerar força em graus normais e desejados. Pode ocorrer em razão da perda ou da diminuição na ativação das unidades motoras ou das mudanças fisiológicas no músculo plégico, seja pela denervação, pela diminuição da atividade física3.
Benefícios decorrentes do fortalecimento muscular de indivíduos saudáveis são largamente conhecidos. O desenvolvimento da resistência muscular e do condicionamento cardiovascular permite ao indivíduo realizar mais atividades antes que ocorra a fadiga muscular. Teixeira-Salmela et al10 comentam que a utilização do fortalecimento muscular na reabilitação de indivíduos com lesão de neurônio motor superior era contra indicada em décadas anteriores, pois, alegava-se que, a diminuição da potência muscular não estaria relacionada à fraqueza, e, sim, à hipertonia da musculatura espástica, com isso, o treinamento aumentaria e reforçaria o movimento anormal. Entretanto, tem sido demonstrado que a disfunção motora é causada por desequilíbrio muscular decorrente do desuso e da fraqueza muscular10,11,12.
Teixeira-Salmela e colaboradores (2004)10 realizaram um estudo com trinta pacientes hemiparéticos pós AVE com o objetivo de avaliar o desempenho funcional e a relação entre o grau de assimetria antes e após o treino de musculação, e, foi visto que, após o treinamento, ocorreram melhoras significativas no desempenho funcional sem alteração significativa na simetria.
No presente estudo, levando em consideração o lado hemiparético, durante a fase de apoio, o tronco inclinado ipsilateral e a queda da pelve contralateral foram em virtude da falta de equilíbrio corporal e da fraqueza dos abdutores de quadril. O joelho hiperextendido foi a primeira reação à carga no membro, que gerou uma maior estabilidade para um joelho sem controle (conseqüência da fraqueza muscular do quadríceps). Além disso, o apoio em flexão plantar foi devido à ausência do rolamento do calcanhar (paralisia da musculatura dorsiflexora) e da instabilidade na transferência de peso9. Na fase de balanceio, o tronco e a pelve inclinados posteriormente juntamente com a flexão do joelho realizada de forma excessiva foi uma ação compensatória em virtude da força inadequada de quadril, decorrente da fraqueza de flexor de quadril. O joelho fletido de forma exagerada foi um meio indireto de fletir o quadril e o pé manteve-se em constante flexão plantar devido à paralisia dos músculos da panturrilha8. Contudo, justificou-se a ênfase do trabalho de fortalecimento muscular nos grupos principalmente acometidos, pois, proporcionou após a intervenção, o fortalecimento da musculatura parética promovendo melhora da capacidade funcional e além disso, é sugestivo que alterações de tônus podem ser controladas pelo ganho de controle motor.
Num estudo feito no ano de 2004 em Belo Horizonte/MG, com o objetivo de avaliar o impacto de um programa de fortalecimento muscular na atividade funcional e na espasticidade em indivíduos hemiparéticos, foram submetidos a um protocolo de fortalecimento muscular, dez sujeitos durante 6 semanas. E, observaram que, todos os indivíduos apresentaram melhora significativa da atividade funcional (velocidade da marcha) e também da força muscular e não se observou aumento do tônus muscular em nenhum dos indivíduos10.
Conclusão
A fisioterapia aquática contribuiu para a melhora do padrão de marcha do indivíduo adolescente hemiparético, proporcionando mais segurança e condicionamento físico.
Referências
1- Brain Injury Association of América. Definitionof acquired brain injury adopted by Brain Injury Association Board of Directors. (última atualização 03/1997, citado em 08/2008). Disponível em: <//www.biausa.org>. Acesso em 25/08/2008.
2- Oliveira-Alonso GS, Silveira VC. In: Fernandes AC, Ramos ACR, Casalis MEP, Hebert SK. AACD Medicina e Reabilitação - Princípios e Prática. São Paulo: Artes Médicas, 2007, 898p.
3- Santos E, Borges D, Moura EW, Lima E, Silva PAC. Fisioterapia - Aspectos clínicos e práticos da reabilitação. São Paulo: Artes Médicas, 2007, 527p.
4- Paizan NLM, Sivla R, Borges MA. Hidroterapia: tratamento coadjuvante à cinesioterapia em pacientes com seqüelas, pós acidente cerebral vascular. Rev. Neurocienc, 2009, 17(4): 314-8.
5- Iwabe C, Diz Rocha MA, Barudy DP. Análise cinemática da marcha em indivíduos com Acidente vascular Encefálico. Ver. Neurocienc, 2008, 16 (4): 292-6.
6- Cipriano JJ, Jahn WT, White ME. Manual Fotográfico de Testes Ortopédicos e Neurológicos. São Paulo: Manole, 1999,446p.
7- Saccheli T, Accadio LMP, Rad ALM. Fisioterapia Aquática. São Paulo: Manole, 2008, 368p.
8- Gimenes RO, Fontes SV, Fukujima MM, Matas SLA, Prado GF. Análise crítica de ensaios clínicos aleatórios sobre fisioterapia aquática para pacientes neurológicos. Rev. Neurocienc, 2005, 13 (1): 5-10.
9- Perry J. Marcha Patológica. São Paulo: Manole, 2005, 210p.
10- Teixeira-Salmela L. F, Lima R. C. M, Lima L. A. O, Morais S. G, Goulat F. Assimetria e desempenho funcional em hemiplégicos crônicos antes e após programa de treinamento em academia - efeitos do fortalecimento muscular e sua relação com a atividade funcional e a espasticidade em indivíduos hemiparéticos. Rev. Bras. Fisioter, 2005, 9 (2): 227-33.
11-Junqueira R. T, Ribeiro A. M. B, Scianni A. A. Fortalecimento Muscular e a Atividade Funcional em Hemiparéticos. Rev. Bras. Fisioter, 2004, 8 (3): 247-252.
12- Fuscaldi L, Teixeira-Salmela1 P. C. S, Lima R.C.M, Augusto A.C.C,Souza A.C, Goulart F. Musculação e condicionamento aeróbio na performance funcional de hemiplégicos crônicos. Acta Fisiátrica, 2003, 10(2): 54-60.
TABELAS DE 1 A 4
Tabela 1 - Características das regiões corporais na fase de apoio da marcha hemiparética
Fase de apoio Características
OMBRO desalinhado, (+baixo),
levemente abduzido e
rodado externamente, com
semiflexão de cotovelo e mão caída;
TRONCO cifótico e inclinado ipsilateral;
PELVE queda da pelve contralateral;
coxa aduzida excessivamente ipsilateral;
JOELHO Hiperextendido;
PÉ flexão plantar (ausência do apoio de calcanhar);
Tabela 2 - Características das regiões corporais na fase de balanceio da marcha hemiparética
Fase de balanceio Características
OMBRO desalinhado, (+baixo),
levemente abduzido e
rodado externamente, com
semiflexão de cotovelo e mão caída;
TRONCO leve inclinação posterior do tronco;
PELVE flexão de quadril inadequada;
abdução voluntária;
inclinação pélvica posterior (sínfise para cima);
JOELHO flexão voluntária excessiva e rápida;
PÉ flexão plantar durante todo o balanço;
Tabela 3 - Grau de força muscular*(membro inferior à direita) antes da intervenção
Grupos musculares Grau de força muscular
Rotadores de tronco 4
Extensores de quadril 3
Flexores de quadril 2
Adutores de quadril 4
Abdutores de quadril 2
Extensores de joelho 3
Flexores de joelho 2
Dorsiflexores 0
Flexores plantares 0
*Segundo a escala adotada pela Academia Americana de Ortopedia6
Tabela 4 - Grau de força muscular*(membro inferior à direita) na pós intervenção
Grupos musculares Grau de força muscular
Rotadores de tronco 4
Extensores de quadril 4
Flexores de quadril 4
Adutores de quadril 4
Abdutores de quadril 4
Extensores de joelho 4
Flexores de joelho 4
Dorsiflexores 0
Flexores plantares 0
*Segundo a escala adotada pela Academia Americana de Ortopedia6