Fiquei viúva, mas não morri

Por Romano Dazzi | 24/06/2009 | Crônicas

FIQUEI VIÚVA, MAS NÃO MORRI

De Romano Dazzi

 

O despertador me acordou, assustando-me como sempre.

Desde que meu marido me deixou, tenho acordado todos os dias às sete,  como quando ele estava comigo.  Faço minha ginástica, tomo meu café, leio o jornal, ando regularmente dois quilômetros. Estou forte e saudável. Sinto-me bem. 

Nestes quatro anos que passei sozinha, tenho tentado manter inalteradas as  rotinas que me são familiares , modificando o mínimo possível a minha maneira de viver.

Sinto ainda muita falta dele, mas a vida não tem volta;  meu desespero transformou-se aos poucos numa dor muda, e depois em uma resignação confortadora.

Eu o amava, ele me amava. Vivemos juntos por 30 anos. Felizes? Sim, posso dizer que fomos felizes. Principalmente quando vejo tanta incompreensão, tanto ódio, entre pessoas que decidiram passar juntas o resto da vida e que pouco tempo depois se sentem amarradas, acorrentadas, sufocadas.

Nós fomos felizes, sim.

Mas o tempo passou. Ele se foi; gostaria de ter ido eu, em lugar dele.

Mas é página virada, capítulo encerrado.  Preciso levar adiante minha vida.

Por sorte, não me falta o indispensável, desde que saiba moderar as despesas.

Mas agora, de repente, sinto-me vazia.  A solidão voltou, com  força total.

Então, estou procurando um companheiro, alguém disposto a dividir comigo os seus dias; e resolvi fazer um anúncio no jornal.

Nunca imaginei que fosse tão difícil::

 

“Viúva procura companheiro”.

É barato, mas generalista. Imagine quanto bagulho vem nesta onda.

Não. Tem que especificar melhor, quem sou eu, e quem eu quero.

Eu:

Viúva, de  idade média  (oops!  não, não!!)

Viúva de meia idade : (de quanto a  quanto vai a meia idade? de  40 a 60?  estou dentro, por um fio)

Ou então: Viúva,  nem velha, nem jovem, nem alta nem baixa, nem gorda nem magra.....Puxa! Assim não disse nada. É pura embromação.

Vou recomeçar:

Viúva..... mas porque devo dizer isso?

Senhora sozinha, (carente, sofrendo de solidão, dependente, pegajosa, solteirona, provavelmente ainda virgem, cheia dos fricotes)  Isso pega muito mal...Não, não vai.

Senhora agradável.....puxa, parece que estou me oferecendo...

Melhor dizer:

Senhora de boa aparência, séria,. distinta,

com um pouco mais de 40 anos, um pouco menos de 60 anos – agora sim, agora vai.

Um pouco menos que  80 quilos, um pouco mais que 50 quilos – sim, definitivamente vou indo bem...

Um pouco mais alta que 1,60,  um pouco mais baixa que 1,80,

Com beleza, inteligência e bom senso  entre 5 e 7  (numa escala de 1 a 10)

Educada, simpática, de boa conversa.

Com boa saúde (a toda a prova)

Desligada de atividades  sexuais há quatro looongos anos.

Gosta de cartas, dominó, xadrez – mas não de damas.

Aprecia cinema, teatro e música .

Pode viajar; está livre e desimpedida.

Sem parentes próximos – nenhum mesmo...

Com modesta renda própria  ......

 

Puxa, espera aí, espera um pouco.....: eu sou tudo isso? eu valho tudo isso?

O que estou esperando? 

Não é qualquer bobo, que vai me pegar!!!

 

Então vamos ao que quero:

 

Procura (não – melhor dizer “apreciaria encontrar”, ou   “está disposta a relacionar-se”

Aceitaria companhia..... Não, não vai.

ou

Coloca tudo isso que está ai em cima, a disposição de alguém que não seja um idiota qualquer, um otário, um boçal........” Chega, chega. está tudo errado.

 

Gostaria de conhecer um  senhor, com idade entre 50 e 70 anos.

De aparência agradável, saudável, ativo, inteligente, mas não demais,

sem vícios, salvo aqueles aceitos pela sociedade,.

com boa cultura,  alguma disponibilidade financeira,

disposto a dar e receber companhia, carinho e sexo

no limite do razoável e do possível.

Sem excessivo compromisso de parte a parte.

 

Seria exigência demais?

 

O anúncio saiu mais ou menos como descrito acima, porque na redação final, várias pessoas meteram o bedelho.

 

Chegou um monte de impropérios,

Elitista, discriminatório, contrário à fé, à moral, aos bons costumes....

Politicamente e ecologicamente incorreto....

E nas minhas necessidades pessoais, quem pensa? Santo Antonio?

 

Por outro lado, nenhum candidato que prestasse, nenhum que valesse o risco.

 

 

Um mês e quatro mil cartas depois, desesperada, pus um outro anuncio, que dizia simplesmente:

 

Viúva procura companheiro – para o que der e vier”

 

Agora estou feliz. Encontrei o que queria.

Não fiz um exercício da lei da oferta e da procura,

Não armei uma barganha de qualidades e defeitos.

Apenas um companheiro, um simples ser humano, para aproveitar comigo o pouco que me resta, da aventura de viver..