Fim da linha para a GM II

Por Alexsandro Rebello Bonatto | 02/06/2009 | Adm

A General Motors, maior ícone da indústria automotiva americana, pediu proteção contra credores no Tribunal de Falências do Distrito Sul de Nova York, alegando um desequilíbrio entre os seus US$82,3 bilhões em ativos e uma dívida total de US$172,8 bilhões com 100 mil credores.

A concordata da GM é a maior da história de uma indústria e a quarta maior dos EUA em termos de ativos, sendo ultrapassada pelos processos de Lehman Brothers, Washington Mutual e WorldCom. Sob proteção do Capítulo 11 da Lei de Falências americana - o equivalente à concordata (ou recuperação judicial, no Brasil) - a montadora recebeu uma injeção de US$30 bilhões do Departamento do Tesouro dos EUA (além dos US$19,8 bilhões já emprestados), que se transformarão em 60% de ações de controle da empresa reestruturada. Ou seja, a maior montadora americana, um ícone do capitalismo, é agora uma estatal.

O presidente americano, Barack Obama, admitiu que o processo de renascimento da empresa será "doloroso para os americanos", mas prometeu uma GM mais competitiva e ágil. "O dia de hoje marca o fim da velha GM e o início de uma nova GM, que vai fabricar carros do amanhã - seguros, de alta qualidade e econômicos", disse.

Além do suporte da administração Obama, o governo do Canadá também entrará no plano de recuperação emprestando US$9,5 bilhões e ficando com 12,5%, enquanto o fundo de pensão do Union Auto Workers, o sindicato dos trabalhadores na indústria, ficará com 17,5%. Os 10% restantes ficarão com os detentores de bônus da dívida da montadora, com os quais a empresa fechou um acordo neste fim de semana e que permitirá que estes sócios aumentem suas fatias.

Fundada em 1908, a GM comandou a indústria automobilística por mais de meio século com uma ampla gama de veículos, refletindo a promessa da companhia de oferecer "um carro para cada bolsa e propósito". A expressão "o que é bom para a General Motors é bom para o país" entrou para o léxico, apesar da citação levemente errada por Charles E. Wilson, presidente da GM no início dos anos 50. Mas foi então que a GM iniciou um demorado e lento processo de solapar a si mesma.

Suas forças, como a estrutura rígida que lhe proporcionou uma disciplina no início, se tornaram fraquezas, e ela perdeu a capacidade de entender o mercado americano que ajudara a criar, quando montadoras japonesas fisgaram até seus mais leais compradores.

Há oito meses apenas, Rick Wagoner, então seu presidente executivo, falou a centenas de empregados na comemoração do 100º aniversário da companhia: "Somos uma companhia pronta para liderar nos próximos 100 anos". Em vez de liderar, a GM será seguida por outras companhias falidas no caminho ao tribunal de falências.

Uma fábrica da GM era um bilhete para a prosperidade para as comunidades com sorte o bastante para recebê-la. A GM colocou Spring Hill, Tennessee, no mapa quando escolheu a cidade nas imediações de Nashville para sua fábrica do Saturn em 1985, fazendo a cidadezinha inchar com casas, motéis e restaurantes novos. Agora, autoridades municipais de todo o país, incluindo as de Spring Hill, esperavam ontem, nervosamente, os telefonemas que lhes diriam se as suas fábricas estariam entre as 14 cujo fechamento a GM anunciaria na última rodada de cortes.


Ao longo dos anos, os executivos da GM se tornaram práticos na arte de explicar seus problemas, atribuindo a culpa a todos menos a si próprios. A lista incluía o United Automobile Workers (o poderoso sindicato dos trabalhadores automotivos), por exigir uma cobertura de seguro-saúde e pensões (apesar de a GM concordar em provê-los); reguladores do governo, por imporem regras que, segundo a GM, reduziam a competitividade; o governo japonês, por ajudar seus fabricantes a entrar no mercado americano; e a mídia, por não valorizar os veículos da GM e os esforços da empresa para melhorá-los.

Com sede em Detroit, a GM disse que o pedido de concordata não é um reconhecimento de fracasso, mas necessário para organizar problemas e custos que ocorriam há décadas.

“O dia de hoje marca um momento definitivo na reinvenção da GM como uma empresa mais focada no consumidor e de custo competitivo, que, acima de tudo, pode rapidamente gerar resultados positivos. A crise econômica causou um grande distúrbio na indústria automotiva, mas com ela veio a oportunidade para que a gente reinvente nosso negócio”, disse, em comunicado, diretor executivo da GM, Fritz Henderson.

Fritz Henderson, deverá ser mantido no comando da "nova GM". Já a "velha GM", que deve ser liquidada, terá a supervisão de Al Koch, da firma AlixPartners. Ele já fez trabalho semelhante nas concordatas de Kmart e Enron.

Na petição de concordata, a GM informou ter ativos totais de US$ 82,3 bilhões e dívidas conjuntas de US$ 172,8 bilhões. A reestruturação prevê que a "nova GM" saia da concordata com apenas US$ 17 bilhões em dívidas -excluindo cerca de US$ 30 bilhões em créditos dos governos de EUA e Canadá.

Em entrevista em Nova York, Henderson disse que a divisão da empresa era a única saída possível. "Não há nenhum outro tipo de saída presente ou no horizonte."
Questionado sobre por quanto tempo ele acredita que o governo dos EUA terá de continuar como principal sócio da GM, Henderson respondeu: "Será uma questão de anos, não de meses".

Mesmo assim, segundo prevê o ambicioso plano de reestruturação, a "nova GM" já estaria pronta para entrar em funcionamento em um prazo estimado entre 60 e 90 dias. E, assim, poderá sair da concordata.

Em documentos do pedido de concordata da General Motors, Henderson disse que não há um plano alternativo ao esquema de venda dos ativos da empresa ao governo dos Estados Unidos. Ele afirmou que o Departamento de Tesouro dos EUA informou que só seguirá adiante com a operação se a venda de ativos for aprovada pelo Tribunal de Concordatas antes de 10 de julho.

A GM comunicou ainda que vai demitir quase 8 mil funcionários nos Estados Unidos até o fim do ano, reduzindo o quadro de empregados administrativos no país dos atuais 35,1 mil para 27.2 mil como parte do processo de concordata. Até 2012, 24 mil perderão seus empregos. A empresa vai oferecer pacotes de aposentadoria antecipada a seus 61 mil funcionários de chão de fábrica. Em 1979, a GM empregava 618 mil americanos, mais do que qualquer outra companhia na época.

Além disso, pretende eliminar a marca Pontiac, vender a Hummer e a Saturn, que também entrou em concordata ontem. A Casa Branca espera que a GM vá emergir da concordata bem menor, mas lucrativa. Em seu discurso, Obama evitou falar em "concordata" - demorou 20 minutos para pronunciar a palavra - e tentou passar otimismo.

Apesar do otimismo, os administradores da montadora terão muita batalha legal pela frente, tanto de acionistas insatisfeitos com a redução de suas participações quanto dos 1.100 donos de concessionárias GM que não se conformam de terem que fechar as portas em 18 meses e pretendem ir à Justiça. Tanto os recolhimentos para o fundo de pensão dos trabalhadores quanto benefícios de saúde serão mantidos, ainda que em novas bases, por exigência de Obama.

Bibliografia
Jornal O Estado de S. Paulo de 02 de junho de 2009 Jornal O Globo de 02 de junho de 2009
Jornal Folha de S. Paulo de 02 de junho de 2009