Filosofia de aposentado
Por Osorio de Vasconcellos | 13/12/2013 | CrônicasResumo: Mostra o perigo da lógica temporal, e recomenda começar invariavelmente pelo futuro, com escala no passado e desembarque no presente.
Filosofia de aposentado
Agora entendo por que a ansiedade insiste em ser a fiel companheira de todos nós, seres humanos. Também agora me dou conta de que existem, grosso modo, dois tipos de ansiedade. O tipo um considerado normal, saudável, e o tipo dois, prejudicial.
Tudo isso filosoficamente. Filosofia de aposentado, algo semelhante à cavalaria nos filmes de bang-bang, que acudia quando os índios se preparavam para o ataque final.
Ansiedade normal seria aquela inerente à condição humana. Aquela capturada na fórmula de Heidegger, onde fica bem claro a obscuridade da ideia de que começamos pelo futuro, fazemos escala no passado e por fim aterrissamos no presente.
Nascemos com a disposição de fazer alguma coisa ainda não feita, projetados na direção de fazê-la, dispostos a uma futuralidade. Por exemplo, mamar. Mamar não apenas uma vez, mas mamar pelos tempos em fora. Essa disposição condiciona o futuro, ou melhor, é o futuro em potencial, assim como a semente é a árvore.
A diferença está na ansiedade, que a perspectiva do futuro desenvolve no bebê, e na semente não.
Depois do futuro, na sequência, é o passado que se manifesta. E o faz na “cultura” que o bebê traz do útero, a qual cultura lhe possibilita o fácil reconhecimento e exploração do peito materno.
Só depois de deixar bem claras as suas disposições e de mostrar que está habilitado a levá-las a bom termo, é que o bebê se instala no presente, e começa a interagir com o mundo à sua volta. Da mãe ele absorve o calor e a maciez do corpo, o sorriso, a voz, o perfume. Do ambiente, os sons, os movimentos, as sombras, e assim por diante.
Daí pra frente, até chegar ao termo dos seus dias, ele sempre estará inserido numa situação presente.
A ansiedade anormal começa a manifestar-se quando esse esquema – futuro > passado > presente - que representa ser a realidade estrutural do nosso modo de existir, sofre alterações.
Tal como acontece quando uma pessoa se encontra numa determinada situação presente sem ter cumprido antes os estágios preliminares da disposição, e do adestramento compatível com o curso aleatório das possibilidades. Vale dizer, sem o farol de uma projeção.
Exemplo: na ativa ele era dentista. Aposentado, parou de atuar na profissão. Vendeu o consultório e todas as ferramentas de trabalho. Tornou-se um aposentado e nada mais. Dito de outro modo, isolou-se do futuro, cortou relações com o passado e, assim destituído, cumpre a incontornável determinação de permanecer no presente, ao inteiro comando da autoridade normativa anônima. Terá de se reciclar. Caso contrário, será destruído pela ansiedade, se antes o não for pela angústia.
Mas não há necessidade de remexer os baús para flagrar casos da espécie.
Caídos no presente sem passado e sem futuro encontram-se aos montes no caldeirão da chamada cultura pós-moderna. Ali ninguém traça disposições nem vislumbra possibilidades, como fazem os adeptos da ansiedade do tipo um. Ali os ansiosos do tipo dois entregam-se ao hobby da eterna transitoriedade, enquanto vão eliminando tudo o que havia de sólido até então: por exemplo, eliminam a diferença entre social e cultural, (teoria e realidade) entre ações criativas e destrutivas (arte e pastiche), entre aprender e esquecer (efeitos do Google), e assim por diante.
Epa! É melhor parar por aqui. Começo a perceber que essa carapuça leva jeito de caber na minha cabeça. É o que dá se meter a ... Não. Este arremate vou fazê-lo em verso:
Não podia dar
Noutra coisa
Não podia
Querer filosofar
Na aposentadoria.