FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DE MARILENA CHAUÍ
Por SAMARA CRISTINA FELIPE DA SILVA | 04/04/2025 | FilosofiaFILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DE MARILENA CHAUÍ
PHILOSOPHY OF EDUCATION FROM MARILENA CHAUÍ'S PERSPECTIVE
Samara Cristina Felipe da Silva
RESUMO: O presente artigo tem como principal objetivo realizar uma análise sobre a filosofia da educação sobre o olhar crítico da filosofa Marilena Chauí, discutindo suas contribuições que a filosofia traz para educação e como ela reflete sobre a estruturada do sistema educacional, ao mesmo tempo que envolve aspectos sociais que são influenciados direta e indiretamente pela educação, refletindo sobre como a educação, sendo um direito universal, se relaciona com a desigualdade social, qual o papel do educador e os desafios enfrentados no contexto social. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que investiga como a ideologia afeta diretamente os processos de educação e ajuda na permanência das estruturas que regem o sistema de ensino, analisando como a educação tem o potencial para aumentar as desigualdades reverter essa situação, sendo instrumento de emancipação e transformação positiva no contexto de vida do indivíduo, a depender do contexto ideológico que a fundamenta
Palavras-chave: Educação, ideologia, desigualdade.
ABSTRACT: The main objective of this article is to carry out an analysis of the philosophy of education from the critical perspective of philosopher Marilena Chauí, discussing her contributions that philosophy brings to education and how it reflects on the structure of the educational system, while also involving social aspects that are directly and indirectly influenced by education, reflecting on how education, being a universal right, relates to social inequality, what the role of the educator is and the challenges faced in the social context. This is a bibliographical research that investigates how ideology directly affects the processes of education and helps in the permanence of the structures that govern the education system, analyzing how education has the potential to increase inequalities and reverse this situation, being an instrument of emancipation and positive transformation in the context of the individual's life, depending on the ideological context that underlies it.
Keywords: Education, ideology, inequality.
1 INTRODUÇÃO
A princípio, acreditava que o papel da educação era apenas garantir a aprendizagem dos alunos, sem refletir sobre os objetivos e a estrutura que sustenta o ensino. Contudo, ao ingressar no curso de Pedagogia na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte em 2021, comecei a compreender as complexidades dos sistemas organizacionais, políticos e concepções que sustentam as práticas educacionais, o que despertou meu interesse e curiosidade sobre esse aspecto.
Durante o curso, a disciplina "Educação e Realidade" despertou especial interesse, principalmente ao ser apresentado o documentário Para o Dia Nascer Feliz, dirigido por João Jardim. A obra retrata o cotidiano de alunos e professores em escolas de três estados brasileiros, evidenciando condições totalmente distintas em diversos aspectos e revelando a precariedade da educação no país. Essas condições chamaram a minha atenção enquanto estudante, levando-me a perceber a divisão existente na educação brasileira. Tornou-se evidente como a qualidade do ensino varia drasticamente: enquanto jovens da periferia enfrentam condições limitadas e ineficientes, alunos de famílias com maior poder aquisitivo têm acesso a instituições de ensino de alto padrão. Essa segmentação no sistema educacional do Brasil destacou como as disparidades econômicas impactam diretamente as oportunidades de aprendizado e as perspectivas de vida dos indivíduos na sociedade.
Mais um pouco adiante, na mesma disciplina foi apresentado os textos e vídeos com entrevistas de Marilena Chauí, o que aflorou ainda mais minha curiosidade e interesse sobre a temática, pois as considerações tão afiadas e autênticas da filósofa respondiam brilhantemente aos meus por quês, por que tanta desigualdade? Por que melhores oportunidades às pessoas com maior poder econômico? Por que os pobres são marginalizados? Por que mesmo sendo direito constitucional, as pessoas não têm acesso ao básico para sobrevivência?
Marilena Chauí trata com clareza assuntos da sociedade brasileira, que evidencia a forma hierarquizada do sistema social. Seus argumentos abordam contextos políticos, econômicos, culturais que percorrem as margens e adentram diretamente nas circunstâncias problemáticas que retratam a realidade do brasileiro, nas quais se percebem a influência da educação em todos os parâmetros, pois compreende que a educação é o elemento primordial para construção de uma sociedade promissora. Porém, quando ela entra em prática de forma a não priorizar a formação do indivíduo de maneira reflexiva e emancipatória, ela impulsiona as desigualdades.
Tais fatos transformaram inteiramente minhas percepções limitadas sobre a funcionalidade da educação no País. Por esse motivo, optei pela abordagem dessa temática para meu trabalho de conclusão de curso, e para tratar de um assunto que envolve tanta complexidade é que estabeleci a abordagem sobre a perspectiva de Marilena Chauí justamente pela referência que ela possui na área, sobretudo pela seriedade e pelo compromisso de investigar, compreender e explicar os percalços que envolvem a educação na sociedade brasileira de forma aberta e sem dissimulações.
Esses acontecimentos modificaram minha forma de pensar sobre a eficácia da educação no Brasil, e me incentivou na escolha deste tema para o meu trabalho final de graduação.
Para abordar a complexidade do assunto, escolhi o ponto de vista de Marilena Chaui, justamente pela competência, seriedade e dedicação em investigar e elucidar, de maneira crítica e esclarecedora, os desafios que circundam a educação na sociedade brasileira, trazer a discursão sobre a filosofia da educação em sua perspectiva é refletir sobre a estruturada do sistema educacional de uma forma que abrange os aspectos sociais que são influenciados direta e indiretamente pela educação.
Na história da educação no Brasil, na qual, desde sempre permeiam as desigualdades, Marilena Chauí debate de forma filosófica sobre os aspectos importantes que nos ajudam a entender como funciona a desigualdade educacional e as consequências de um sistema social estruturado para manter privilégios e exclusões.
Por isso, meus estudos foram orientados por questionamentos diversos, tais como: o que é Filosofia da Educação? O que é educação para Marilena Chauí? Qual o papel do educador segundo Marilena Chauí? Como educação se relaciona com ideologia e direitos humanos? Como a educação relaciona-se com a desigualdade social na perspectiva de Marilena Chauí? Todas as inquietações conduziram ao seguinte problema de pesquisa: Sob a perspectiva de Marilena Chauí, como a educação, sendo um direito universal, se relaciona com a desigualdade social?
Em decorrência disso, o objetivo estabelecido foi refletir sobre como a educação, sendo um direito universal, se relaciona com a desigualdade social sob a perspectiva de Marilena Chauí. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre o tema. Essa exigiu a identificação de produção bibliográfica que seja confiável e relacionada ao tema. Conforme Gil (2002), os dados da bibliografia devem ser tratados, ou seja, feito um trabalho de fichamento do material lido e, em seguida, seja feita a redação do trabalho. Assim, li o material selecionado e procedi à leitura guiada a partir de questões norteadoras, como as citadas no início desta “Introdução”.
O presente artigo segue dividido em quatro seções: O campo da Filosofia da educação; a educação e o papel do educador para Marilena Chauí; a educação e a sua relação com a ideologia e os direitos humanos; e, por fim, a relação da educação com a desigualdade social na perspectiva de Marilena Chauí.
2 REVISÃO DE LITERATURA
Para o desenvolvimento deste trabalho, foi realizada pesquisa bibliográfica, com base em análises realizadas de obras que abordam o campo da filosofia no contexto educacional, o conceito de educação e o papel do educador perante a responsabilidade de educar, além de buscar compreender a relação que entrelaça a educação com as desigualdades existentes na sociedade brasileira.
A busca das obras foi realizada na base de dados da Scielo a partir de descritores como: filosofia da educação e Marilena Chauí. O levantamento de obras ocorreu na última semana de setembro de 2024. Diante do curto período para a realização do trabalho, foi selecionado um conjunto de obras que mais se aproximavam dos propósitos deste trabalho de conclusão de curso. As obras escolhidas foram importantes para dar fundamento as considerações presentes nesse artigo.
Os textos de Pagni (2015) e Gallo (2007), por exemplo, serviram de base para a discussão acerca do campo da filosofia. Apresentam uma breve recontagem da origem e desenvolvimento histórico que a filosofia da educação teve no Brasil. A primeira considera: “ao ensaiar uma gênese e desenvolvimento na filosofia da educação no Brasil, em uma constituição cultural múltipla e étnica diversificada como a brasileira se pode vislumbrar a emergência de uma particular experiência do pensar na educação” Pagni(2015). A obra de Gallo (2007), por sua vez, propicia uma reflexão acerca da constituição da filosofia da educação como campo disciplinar e destaca que “o filósofo da educação, não é um filósofo qualquer, mas alguém que habita o território educacional, que experimenta e vive seus problemas, e cria conceitos para enfrenta-los”.
Tratando de conceitos relevantes que enfatizam a importância de refletir sobre o contexto educacional, destaca-se o papel do educador. Nesse sentido, o texto de Jesus (2022) ganha evidência por abordar com bases nos preceitos de Chauí e outros teóricos questões fundamentais para compreender a relação entre professor e aluno, e as abordagens pedagógicas que tem influenciado essa relação.
Para tratar das ideologias de classe dominante que limita a formação crítica dos alunos, foram analisadas as obras de Souza, Araujo (2018), e Filho (2018) na qual enfatizam a necessidade e a importância de uma educação crítica e emancipadora. Na qual acreditam que “é necessário refletir sobre a presença da ideologia no meio educacional, [...], de modo a repensar sobre as práticas pedagógicas tendo como norte a proposta do ensino emancipatório que promova a autonomia do aluno “Souza, Araujo (2018).
As considerações de Santos (2018, p. 03) indicam que “a filosofia parte do visível e segue em direção ao invisível, uma vez que seu objeto formal se situa além do mundo dos fenômenos e da experiência sensível”. A obra contribuiu para validar a ideias de objetivos da filosofia quando ela busca se aprofundar em situações ligadas a educação que de início são imperceptíveis.
Para concluir a pesquisa e abordar o tema que relaciona a educação com as desigualdades sociais existentes no Brasil, foi preciso recorrer aos textos de Marilena Chauí (2016, 2022), bem como a textos relacionados à temática que também tem foco em seus estudos, como Santiago e Silveira (2016) e Oliveira (2017), nos quais todos traziam Marilena Chauí como referência. Essas obras constituíram a base essencial para a conclusão da minha pesquisa, pois suas reflexões ampliaram a análise sobre o papel da educação e as consequências que fragmentam a sociedade brasileira e tornam potentes os fatores que geram as desigualdades.
3 O CAMPO DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
A filosofia da educação é considerada como um campo investigativo que abrange o pensar e o refletir em torno de questões que fundamentam os aspectos de todo o universo educacional.
Nesse contexto, Santos (2018, p. 9) considera que “a Filosofia da Educação procura compreender a educação em sua integridade, interpretando-a por intermédio de conceitos gerais que guiem a escolha de objetivos e diretrizes educacionais.” Essa ideia explica de forma objetiva os preceitos da Filosofia da Educação e sua incumbência que sustenta as fundamentações teóricas que norteiam os propósitos e diretrizes educacionais.
Pagni (2015, p.15), analisa de que maneira a formação múltipla e diversificada do país influência as tradições teóricas que delineiam as práticas educativas e os pensamentos que a circunda, nisso ele “diagnostica quais as tradições das práticas e as perspectivas teóricas que sustentaram a experiência do pensar na educação brasileira” Pagni (2015, p.31) discutir sobre momentos diferentes na história da educação no Brasil, ele desenvolve uma reconstrução histórica de como se deu a evolução da filosofia na educação, descrevendo como o conflito entre os adeptos do campo ideológico e os defensores do campo teórico-filosófico influenciaram esse campo, Pagni (2015, p. 15), explica:
Tais grupos eram constituídos de intelectuais que atuavam em campos específicos da cultura e, mesmo com posições teóricas divergentes entre si, buscavam elaborar um discurso universal, assentado em enunciados e proposições que fossem capazes de diluir essas diferenças e aquelas especificidades, para conferir unidade às ideias, principalmente, às doutrinas por eles elaboradas e postas em circulação.
Dito isto, o autor evidencia a busca dos campos ideológicos e teórico-filosóficos para determinar uma base sólida de ideias que fossem além das discordâncias entre os pontos de vistas entre os grupos que apesar de terem ideias e teorias diferentes, tentavam criar um discurso comum para unificar essas diferenças.
Contudo, Pagni (2011) argumenta que na ação educativa, não há uma única maneira de pensamento filosófico, enquanto se pode analisar, refletir e questionar as práticas, princípios e normas instituídas, nesse sentido ele destaca que:
Ao tentar compreender esses problemas conceitualmente em suas particularidades nas realidades socioculturais e nas ações políticas educacionais das quais emergem, a composição, a readaptação ou a criação de conceitos se fazem, mais do que justificáveis, permissão para elaborá-los e para a fabricação de sentidos às proposições apresentadas por esses assuntos históricos, sobretudo, em contextos como o da sociedade brasileira. (Pagni, 2015, p. 17).
Dessa forma, ele destaca como a forma de pensar filosoficamente sobre as práticas educativas pode possibilitar a construção de caminhos na educação com maior diversidade, liberdade e principalmente voltados para uma educação emancipatória, superando assim as práticas hegemônicas. Contudo, para compreender os problemas e as complexidades existentes no campo educacional brasileiro, considerando acima de tudo a seus aspectos culturais, sociais e políticos, é de fato benéfica a incorporação de múltiplas perspectivas teóricas para que haja a busca por soluções que se ajustem à diversidade e às particularidades de cada circunstância.
Na década de 1970, ocorreu fato marcante para a filosofia da educação. Gallo (2007) faz menção a isso quando se refere à origem e ao desenvolvimento da filosofia da educação como disciplina. Segundo ele:
A constituição do campo da disciplina de filosofia principia na década de 70, os estudos se privilegiam nos anos 80, período em que as pesquisas nos programas de pós-graduação ganham visibilidade. ja nas décadas de 90 e 2000 houve a consolidação do campo. (Gallo, 2007, p. 268).
A consolidação da Filosofia da Educação como disciplina, fortalece a educação, pois a implementação desta matéria não é meramente uma questão acadêmica, mas um avanço estratégico para a consolidação da educação como instrumento de formação da identidade nacional, de incentivo a valores morais e sociais, além de direcionar uma prática pedagógica que harmonize teoria e prática. Gallo (2007, p. 276) sugere que “o essencial é tomar a filosofia como uma atividade, uma prática e uma criação”. Pois para ele a filosofa aparece necessariamente como ação e não como algo sempre já presente, ou dado de antemão.
4 A EDUCAÇÃO E O PAPEL DO EDUCADOR PARA MARILENA CHAUÍ
Consagrada como um dos principais nomes da filosofia e intelectualidade no Brasil, Marilena Chauí[1] apresenta pensamentos críticos relevantes sobre a sociedade brasileira, defende “um ensino que percorra o trabalho do pensamento dos filósofos, cientistas e artistas, mas que também se debruce sobre experiências novas”, conforme Santiago e Silveira (2016, p. 256).
Suas considerações sobre o contexto sociopolítico da sociedade brasileira apresentam análise objetiva e sensata sobre os principais aspectos da educação no país, o seu funcionamento perante as condições de formação dos cidadãos e os desafios e implicações geradas por uma sociedade que historicamente foi construída com bases multifacetadas em que a cultura é pluralizada e marcada por grandes desigualdades. “Chauí criou um estilo de reflexão, sobre as questões politicas, sociais e culturais que, alinhavam uma arguta e sensível percepção da realidade nacional”, conforme Santiago e Silveira (2016, p. 261).
Chauí trata em suas reflexões sobre o tema da Educação de modo a considerá-la com dois propósitos. O primeiro ela aborda a educação como campo de informação que tem como objetivo bem explícito o treinamento prático visando a preparação dos sujeitos para o mercado de trabalho, ou seja, relevante com uma ação tecnocrática, nisso, o propósito da educação se volta propriamente para a formação de cidadãos para atuação no mercado de trabalho. Em segundo a educação como campo de formação que abrange aspectos voltados para aprendizagem, e o desenvolvimento crítico e emancipatório do indivíduo, Chauí (2016, p. 254) afirma que:
Evidentemente, poder-se-ia argumentar dizendo que a diferença entre as duas concepções se estabelece num outro plano, ou seja: num dos casos, há uma opção humanista na qual o estudante, como homem, é o fim da educação, enquanto, no outro caso, há uma opção tecnocrática na qual o estudante, e o ser humano, é meio ou instrumento da educação.
Nisso, a autora evidencia a distinção entre a educação com uma perspectiva humanista e a educação com uma perspectiva tecnocrática. A humanista almeja educar o aluno em sua integralidade, focando na sua aprendizagem intelectual e de sua capacidade crítica. A tecnocrática objetiva totalmente o oposto, visa apenas o progresso econômico, instrumentalizando o aluno afim de adaptá-lo ao mercado de trabalho. Segundo Chauí (2016, p. 254), “um dos casos, há uma opção humanista na qual o estudante, como homem, é o fim da educação, enquanto, no outro caso, há uma opção tecnocrática na qual o estudante, e o ser humano, é meio ou instrumento da educação.”
A filósofa compreende a complexidade que cerca a educação brasileira e as suas implicâncias no desenvolver social. Chauí (2016, p. 254) considera:
Em geral, costuma-se opor educação como formação e educação como informação, oposição que reaparece quando se distinguem aprendizagem e treinamento, conscientização e pragmatismo, espírito crítico e autômatos. Aqueles que privilegiam o polo formação/ aprendizagem/conscientização têm a esperança de que a educação possa ser um instrumento de conhecimento e de transformação do real, graças à sua compreensão crítica. Não podemos também ignorar o fato de que tais oposições implicam uma outra, qual seja, entre uma visão humanista e uma visão tecnocrática da educação.
O trecho destaca o pensamento de Chauí, deixando evidente o seu posicionamento em relação à educação tecnocrática, ou seja, aquela na qual o indivíduo serve de instrumento da educação, tornando-se refém de doutrinas preestabelecidas, recebendo o conhecimento de forma tradicional e mecanizada, onde “o ato educativo, se concebido através de uma lógica tecnocrática, tende a eliminar o sentido da espontaneidade inerente ao educar”, segundo Jesus (2022, p. 313).
Nesse contexto, o aluno não alcança o desenvolvimento de sua capacidade de raciocínio; ao contrário, limita-se a absorver o que lhe é imposto, conduzindo sua existência sem o potencial de transformar sua realidade social. A educação como formação, por sua vez, considera o indivíduo como o fim do aprendizado, nela o aprendizado é voltado para o desenvolvimento crítico a fim de que o aluno seja levado a compreender o mundo no qual vive e discernir sobre questões da sua própria realidade e principalmente que seja capaz de transformar o que julga necessário.
Para Chauí (2016), tanto a educação humanista quanto a educação tecnocrática são resultados de ideologia que nos leva a compreender a ideologia como normas preestabelecidas. Segundo a estudiosa:
Fixam e prescrevem de antemão o que se deve e como se deve pensar, agir e sentir. Com o objetivo de impor os interesses particulares da classe dominante, esse corpus produz uma universalidade imaginária. A eficácia da ideologia depende, justamente, da sua capacidade de produzir um imaginário coletivo em cujo interior os indivíduos possam localizar-se, identificar-se e, pelo autorreconhecimento assim obtido, legitimar involuntariamente a divisão social. As maneiras nas quais os indivíduos deveriam pensar e agir, levando os interesses de uma classe dominante que dominam o meio social, formando a percepção coletiva moldada em seus interesses de forma que os sujeitos formalizam, aceitam e validam de forma inconsciente a divisão social. (Chauí, 2016, p. 245).
Dessa maneira, é possível perceber o entrelaço que há entre a educação e a ideologia, pois Chauí, a partir de uma visão pautada na reflexão histórica, busca compreender a educação considerando aspectos políticos, sociais, econômicos, culturais e psicológicos da sociedade brasileira, construída em cima de ideologias que estrutura e organiza a educação com normas espelhadas no funcionamento empresariais. Esse modelo valoriza apenas como competentes aqueles que possuem conhecimentos e técnicas específicas, fortalecendo a supremacia das classes dominantes sobre as minoritárias, dando forma as estruturas hierarquizadas, causando como consequência o autoritarismo de uma classe sobre a outra.
Dentro deste contexto, a ideologia, conforme definida na filosofia como “um conjunto de representações e normas que determinam modos de agir e pensar através de uma totalidade imaginária, uma ‘verdade’ cindida do real.” Jesus (2022), atua como ferramenta para ocultar as divisões sociais, transformando as crenças e ideais das classes dominantes em princípios universais, aplicáveis a toda a sociedade, e, dessa forma, distorce o verdadeiro objetivo da educação, que deixa de ser a busca pelo saber para se tornar um meio de produção. Nesse processo, a educação é utilizada como instrumento de opressão, naturalizada pela cultura, que reproduzir e legitimar os sistemas aristocráticos, disfarçados por uma falsa ordem e mascaradas pelas ilusões de equidade, enquanto ocultam as reais intenções que limitam as classes dominadas, dando ascensão as desigualdades sociais.
O professor desempenha um papel de muita importância na formação do indivíduo, sua função vai muito além da transmissão do conhecimento, é dele o papel de instigar e dar condições necessárias para o desenvolvimento integral de seus alunos, suas atribuições são amplas e perpassam os muros das escolas, já que transmitem valores que inspiram aos alunos a agirem de maneira condizente com princípios morais. Contudo, ao longo do tempo, as funções e o papel do professor passaram por transformações significativas, muitos caminhos, desafios e embates cercavam questionamentos sobre sua importância e desempenho e valor no âmbito educacional.
Considerando tal contexto, a luz das considerações de Chauí sobre o papel do educador, é que se interpela a carência de reconhecer os aspectos que circundam a denominação do papel do educador não somente como transmissor de conhecimento, mas que haja o reconhecimento fundamental de suas práticas e que isso ocorra de modo a impulsionar a promoção da transformação na vida dos educandos, ou seja, que o seu oficio seja de agente responsável por promover a reflexão, o pensamento crítico, intencionando desenvolver, de forma integral, fazendo-os capazes de se tornarem cidadãos conscientes na sociedade na qual vivem.
Para entrar em tal temática, é necessário considerar os modelos de ensino nos quais os professores estão inseridos. Pagni (2015) acredita na importância do diálogo entre professores e alunos. Ou seja, no processo pedagógico as relações entre saber e poder poderiam ser modificadas na medida em que o professor e o aluno ao invés de se relacionarem entre si se relacionassem com o saber e o buscassem por meio do diálogo. Assim declara:
Se nas relações pedagógicas prevalecesse o diálogo, nos termos mencionados, seria garantido não apenas o acesso aos saberes, como também a expressão das particularidades das condições étnicas e culturais dos alunos e a potencialidade criativa do professor que, ao pensar os problemas emergentes de sua práxis cultural e educativa, por assim dizer, poderia criar outros modos de subjetivação, diversos dos existentes. (Pagni, 2015, p. 36).
Dito isto, percebe-se a relevância da construção mútua do saber respaldada na reciprocidade do respeito e na valorização da diversidade, onde a ruptura das relações hierárquicas convencionais constitui uma forma mais democrática e inclusiva para o aprendizado.
Chauí faz uso da sua vivência pessoal enquanto docente para refletir sobre o papel do educador, destacando a importancia do lugar do saber, sobre isso Jesus (2022, p. 314) reitera:
Chauí, a partir de seu relato enquanto professora, e de uma avaliação precisa quanto ao ser professor, orienta nossa atenção para o lugar do saber; nessa proposição ela realoca professor e aluno a certa distância do saber, numa referência à postura docente ante os processos de ensino-aprendizagem, e, com isso, realiza a crítica a posições que insinuam ser possível algo como ‘transmissão de conhecimentos.
O autor aborda um conceito fundamental na educação, especialmente na reflexão crítica sobre a perspectiva tradicional de ensino, no qual se observa a necessidade de repensar a forma como o conhecimento é transmitido, já que costumeiramente ocorre de modo conduzido e padronizado, na qual é imprescindível que haja transformações nesses métodos, Chauí propõe o diálogo como instrumento para reconsiderar as práticas tradicionais existentes. Sobre isso, Pagni (2015, p. 36) afirma que:
A autora propõe o diálogo como meio de trazer à superfície não apenas um saber que não se sabe e que estaria pronto para emergir, orientando a práxis humana, como também as diversidades étnicas e a multiplicidade das culturas envolvidas, levando à reflexão de professores e alunos o que restou de seu ethos um momento de instrumentalização da cultura.
Nessa concepção observa-se a importância que o diálogo tem entre alunos e professores e de como a participação dialógica promove uma forma reflexiva de aquisição do conhecimento, onde se promove o respeito à diversidade além de propiciar condições para uma educação mais dinâmica e apta a enfrentar os desafios e as complexidades das realidades nela existentes.
Ao debater sobre o papel do professor, observa-se que essas estruturas se sustentam na ilusão do poder hierárquico. Considerando, no entanto, a alta porcentagem de professores da educação básica oriundos da classe média, e tendo em vista que, ao serem inseridos nesse contexto, tendem a reproduzir esses hábitos, é possível notar que acabam perpetuando tais tendências. Segundo Santiago e Silveira (2016, p. 276):
Ao discutir a função do professor, é essencial considerar que a maior parte dos professores do ensino fundamental e médio se encontra nos níveis baixos da classe média social, sendo assim, influenciados pelos princípios dessas classes, a educação é considerada como fonte de informações e formação para a conquista de um diploma, o que reforça a ideologia predominante. Nesta perspectiva, valores como a competição pessoal, a busca incessante por êxito e a rejeição da solidariedade são vistos com naturalidade, Santiago, Silveira (2016, p. 276) afirmam que:
A maioria dos professores do ensino fundamental e médio pertence aos estratos inferiores da classe média urbana e, portanto, a maioria adere ao ideário dessa classe, em que a educação é transmissão de informação e adestramento para a conquista do diploma, de maneira que a prática pedagógica visa a reforçar e não a criticar a ideologia dominante, que é tomada como a verdade das coisas. Nessa perspectiva, a competição individual, o vencer a qualquer custo, a recusa do companheirismo e da solidariedade é vista como natural (e, no caso da maioria das escolas privadas, é estimulada), e a sociedade tal como é tida como deve ser. O que quero dizer é que, neste caso, a conscientização (agora sem as aspas) teria que ser do próprio professor! Caso contrário, a “conscientização” é apenas reforço ideológico para que os alunos correspondam ao que é esperado deles socialmente.
Nessa visão, a filósofa reforça a importância do professor para desconstruir as ideias de práticas de ideologias dominadoras, e passa a tratar a educação como fonte de conscientização, pois sendo ele executor da educação diretamente ligado ao aluno, vem dele o poder de trabalhar a conscientização.
O educador possui a responsabilidade de mediar o conhecimento pautado em uma educação que evite o autoritarismo e o reforço ideológico, que se interessa exclusivamente nos resultados técnicos, e que tenha como princípio os propósitos de educar de forma autêntica onde aluno e professor se transformem e aprendam mutuamente. Nesse aspecto, Jesus (2022, p. 315) considera:
O que se oculta sob a capa ideológica do discurso competente é, portanto, o esfriamento das possibilidades inerentes ao gesto educativo de que tanto professor quanto aluno possam experienciar de uma forma humana e generosa a tradição da qual ambos são parte. Se, como indica Chaui, “o professor trabalha para suprimir a figura do aluno enquanto aluno, isto é, o trabalho pedagógico se efetua para fazer com que a figura do estudante desapareça no final do percurso” isto apenas poderá ocorrer à medida em que tanto um quanto outro possam aceitar certa assimetria constituinte da relação a fim de que não se produza um simulacro de diálogo incapaz de explicitar o que uma representação tal produz: autoritarismo e dominação sob o disfarce de pedagogia.
A partir dessa perspectiva, é possível compreender como a educação e a ideologia influenciam diretamente na relação professor/aluno e a assimetria que pode ser gerada nessa relação é nociva, pois, quando o professor não válida a participação do aluno, ele tende a agir de forma autoritária impondo os seus ensinamentos, implicando diretamente no processo educativo desses alunos, contrariando as concepções propostas por Chauí. Segundo a filósofa, o educador deve evitar a opressão pedagógica e a encenação de uma conversa, e sim agir condizente com métodos que transformem seus alunos em sujeitos pensantes, capazes de refletir, compreender e opinar sobre questões políticas, sociais, econômicas, culturais nas quais estão inseridos. Para isso é de fundamental importância que o professor não se limite a transmitir informações. Ele deverá, sobretudo, compreender o processo por traz da construção do conhecimento. Chauí acredita que:
O fundamental é que o professor seja capaz de compreender o trabalho do pensamento quando ensina, isto é, quando é capaz de fazer seus alunos acompanharem o trabalho do pensamento [...] essa compreensão permitirá que. Em primeiro lugar refletir sobre o sentido de sua própria experiência como professor; em segundo, propor temas de reflexão para seus alunos a partir das experiências deles, dando-lhes auxílios para que passem da experiência vivida à experiência compreendida, o que significa, na maioria das vezes, auxiliá-los a passar da ideologia ao pensamento e à crítica. Essa passagem é que é formadora tanto para o professor quanto para os alunos (Santiago, Silveira 2016, p. 275).
Essa análise reflete sobre a prática pedagógica destacando a importância de o educador entender como ocorre a aquisição do conhecimento de seus alunos e como o raciocínio evolui no processo de aprendizagem, evidenciando a necessidade de identificar a forma como os alunos estão assimilando e processando as informações.
A filosofia propõe que a relação professor/aluno não seja construída em cima da transferência de conhecimento, mas tenha como base a interação entre ambos, e na colaboração mútua, na qual os dois fazem o caminho do saber juntos. Desse modo, Jesus (2022, p. 315) considera que:
Na tensão professor-aluno, alude a filósofa, cabe ao professor o convite dirigido ao aluno não para que este busque imitar aquele, mas para que busque fazer junto. A diferença, também sutil, está em que sob aquele convite esconde-se o desejo do professor, e sob este coloca-se a necessidade de que o aluno realize sua própria experiência mundana, embora sob orientação de alguém experimentado numa dada tradição.
Refletindo sobre as considerações de Jesus (2022), compreende-se que o professor tem a função de proporcionar aos alunos meios que desenvolvam a consciência de forma autônoma, atuando como facilitador e orientador, na qual possa ajudar seus alunos a pensar por si mesmo, pois como afirmam Santiago e Silveira (2016, p. 275), “a consciência é uma conquista somente se for autônoma, isto é, conquistada pelos próprios sujeitos sociais e culturais, tanto na luta quanto no trabalho do pensamento”. Ao construir a consciência autonomamente, o sujeito se torna capaz de refletir criticamente sobre o que lhe é ensinado.
Para Chauí (2016) não se pode designar ao professor o papel do detentor do conhecimento, mas sim, considerá-lo como facilitador que ajuda a seus alunos na busca pelo conhecimento, nisso ela afirma:
Eu penso que o bom professor é aquele que não ocupa o lugar do saber, aquele que deixa o lugar do saber sempre vazio, que instiga os alunos a se relacionarem com o próprio saber pela mediação do professor, que faz com que todos compreendam que o lugar do saber estando vazio todos podem aspirar a ele. (Chauí, 2016, p. 271).
Deste modo fica evidente que para Chauí a concepção de bom professor se baseia na não detenção do saber, possibilita a construção do conhecimento e na busca de suas próprias percepções, fazendo do processo de ensino-aprendizagem um processo pautado na conquista do conhecimento por si mesmo.
5 A EDUCAÇÃO E A SUA RELAÇÃO COM A IDEOLOGIA E OS DIREITOS HUMANOS
Para discutir os impactos da ideologia dentro do cenário educacional, Chauí (2016) em sua obra “Ideologia e educação”, distingue as características do conceito de ideologia necessárias para sintetizar os objetivos relevantes que a faz ser geradora de consequências dentro do contexto educacional. A autora reconhece o desafio da junção das temáticas, pois são essenciais para refletir, de forma acentuada as especificidades de temas do campo educacional. Chauí (2016, p. 245) considera que:
A noção de ideologia pode ser compreendida como um corpus de representações e de normas que fixam e prescrevem de antemão o que se deve e como se deve pensar, agir e sentir. Com o objetivo de impor os interesses particulares da classe dominante, esse corpus produz uma universalidade imaginária. A eficácia da ideologia depende, justamente, da sua capacidade de produzir um imaginário coletivo em cujo interior os indivíduos possam localizar-se, identificar-se e, pelo autorreconhecimento assim obtido, legitimar involuntariamente a divisão social.
A ideologia age como um conjunto de convicções, regras e normas que orientam como os indivíduos devem formar suas percepções e atitudes, induz como se deve pensar, sentir e agir, deste modo ela se manifesta como ferramenta de dominação operando de modo silencioso, de forma que seu domínio não se demarca apenas ao que é dito, conforme Jesus (2022, p. 315) explica:
Os efeitos disso resultam em esquemas de dominação que se efetivam à medida em que sua eficácia está ligada ao que se esconde, num jogo de esquivas fundamentadas na lógica lacunar, no mais, pertinente ao discurso dominante. A interiorização de um discurso ideológico ocorre a partir da naturalização de pressupostos impossibilitados de passarem pela crítica quando estabelecidos como verdade; um esquema manifesto de forma patente, por exemplo, nas formulações do discurso competente.
Dessa maneira, é evidente que a ideologia molda as ideias, transformando-as em convicções e fatos incontestáveis. Tais discursos ideológicos fortalecem e validam a hierarquia nas divisões sociais, uma vez que integram as ideias, estabelecendo como a educação é vista, aplicada e aceita dentro da sociedade, gerando uma inversão da realidade. Esse processo resulta na divisão de classes, Chauí (1985, p. 106) afirma que: “A ideologia é uma das formas da práxis social: aquela que, partindo da experiência imediata dos dados da vida social, constrói abstratamente um sistema de idéias ou representações sobre a realidade”.
Chauí utiliza o termo "regra da competência" no âmbito educacional para se referir aos princípios que classificam os indivíduos considerados aptos, enquanto excluem os que não possuem o conhecimento necessário. Esta norma determina quem será excluído do fluxo de comunicação e informação, baseando-se em critérios estabelecidos por uma classe dominante, que define as regras e os critérios para classificar quem é considerado apto ou não. Segundo Chauí:
Essa regra não só reafirma a divisão social do trabalho como algo “natural”, mas sobretudo como “racional”, entendendo por racionalidade a eficiência da realização ou execução de uma tarefa. E reafirma também a separação entre os que sabem e os que “não sabem”, estimulando nestes últimos o desejo de um acesso ao saber por intermédio da informação. (Chauí, 2016, p. 249).
Dentro desse contexto, a regra de competência possui a autoridade e o poder na consolidação de hierarquia, na qual evidência o privilégio das elites e o rótulo de incompetência à população menos favorecida. Em outras palavras, a ideologia modela a ordem social, pois estabelece uma divisão entre quem exerce o poder e quem o obedece. Nisso, “a ‘racionalidade’ consiste pura e simplesmente em separar de modo radical aqueles que decidem ou dirigem e aqueles que executam ou são dirigidos” Chauí (2016, p. 249). Nesse aspecto, se esclarece a forma hierárquica das estruturas de poder dando ênfase às desigualdades.
Para Sousa e Araújo (2018, p. 04) o papel da ideologia é de desempenhar a dominação social por meio da educação. Os autores consideram que:
A ideologia se torna então um instrumento de dominação favorável e propício para contribuir com a alienação e o tecnicismo na sociedade, mais especificamente no contexto escolar, instrumento esse que gira em torno de interesses subjetivos.
Os autores deixam claro que a educação é induzida pelos preceitos da ideologia e como isso a leva para uma tendência tecnicista, na qual privilegia uma educação voltada para suprir as necessidades de mercado, o que contribui fortemente para a alienação de uma parte da sociedade de forma que desvia e silencia o foco de problemas complexos no ensino brasileiro. Sobre isso, Oliveira (2017, p. 210) considera que: “a ideologia impõe falsas dicotomias educacionais, falsas aspirações pedagógicas e desloca o problema do ensino de sua verdadeira raiz ao silenciar o discurso do aluno para consolidar o discurso sobre o aluno”.
Nesse contexto, a educação retrata a influência das políticas públicas. Chauí (2016, p. 249) afirma que há “discurso do poder que se pronuncia sobre a educação, definindo seu sentido, finalidade, forma e conteúdo”, agindo através da burocracia estatal que usa a legislação, os ministérios, as secretarias de educação para determinam o que é conveniente para a educação, conforme considera Chauí:
A burocracia estatal que, por intermédio dos ministérios e das secretarias de educação, legisla, regulamenta e controla o trabalho pedagógico. Há, portanto, um discurso do poder que se pronuncia sobre a educação, definindo seu sentido, finalidade, forma e conteúdo. Chauí (2016, p. 249).
Deste modo, pode-se perceber a concretização do ensino pelo viés de uma educação que é usada para estruturar e cumprir objetivos de quem domina o poder, no qual resulta no beneficiamento apenas das classes elitistas e propicia a redução do acesso igualitário à educação reduzindo, dessa forma, as oportunidades das classes menos favorecidas. Tais fatores se interligam diretamente à ideologia por validar e fortalecer a hierarquia social, uma vez que integram as ideias e as normas de forma naturalizadas estabelecendo como a educação é vista e aplicada e aceita dentro da sociedade, fazendo com que haja a efetiva divisão de classes, onde uma se subordina a outra que se faz de autoridade superior, criando uma inversão da realidade. Nesse contexto, Souza, Araujo (2018, p. 07) considera que “o papel que a ideologia exerce na sociedade, e mais especificamente no espaço escolar, a qual se apresenta como uma tentativa de mascarar a realidade em favor de um interesse das classes dominantes”.
Dentro de um contexto político, percebe-se que a sociedade democrática brasileira se incorpora em uma forma de ordem com o intuito de assegurar os direitos básicos, como é o exemplo da Educação, mas que assegura mesmo são os privilégios de uma cúpula que se vale da ordem ligada aos princípios da lei que na verdade servem de elemento de domínio, uma vez que não assegurar a proteção da sociedade contra as arbitrariedades e sim reprimem suas inconformidades. Chauí (2022, p. 13-26) explica que:
Embora a democracia apareça justificada como “valor” ou como “bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia, medida, no plano legislativo, pela ação dos representantes, entendidos como políticos profissionais, e, no plano do poder executivo, pela atividade de uma elite de técnicos competentes aos quais cabe a direção do Estado. [...] A democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia de cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais.
Chauí reflete sobre o funcionamento da democracia no Brasil, buscando compreender suas dinâmicas, desafios e implicações para a sociedade. Ela considera que a sociedade é democrática quando:
uma sociedade é democrática quando institui algo profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos. Essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática realiza-se socialmente como luta social e, politicamente, como um contra- poder social que determina, dirige, controla, limita e modifica a ação estatal e o poder dos governantes. Por isso, fundada na noção de direitos, a democracia está apta a diferenciá-los de privilégios e carências. (Chauí 2022, p. 10).
As considerações de Chauí, destaca a noção de que uma verdadeira democracia se manifesta ao definir direitos que são universais e intransferíveis. A democracia, ao estabelecer direitos, não só assegura a liberdade individual e coletiva, mas também promove a igualdade de oportunidades para todos os integrantes da sociedade, prevenindo que determinados grupos prevaleçam sobre outros com base em privilégios.
É fundamental compreender a diferença entre direitos, privilégios e necessidades para compreender a função da democracia na formação de uma sociedade sem desigualdades. Ao se basear nos direitos, a democracia procura corrigir essas distorções, fomentando a igualdade e assegurando que as necessidades fundamentais de todos os cidadãos sejam satisfeitas. Portanto, a democracia não se restringe a um sistema político formal, mas se expressa como um contínuo movimento social em busca de justiça e inclusão.
No contexto histórico brasileiro, no qual a sociedade é estruturada pela hierarquização, a polaridade que divide “a sociedade brasileira está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes (Chauí, 2022, p.13-26) que por um lado é formada pelas autoridades e uma classe burguesa, por outro a população composta pelas classes minoritárias. Existe uma dinâmica agressiva. Uma classe incumbe a idealização de pacificidade generalizada enquanto camufla as imposições autoritárias, fortalecendo seu poder e suas posições enquanto controlam os aspectos mais importantes da sociedade, de maneira a conservar os privilégios voltados pra si, sem se importar com as consequências que atingem os menos favorecidos.
Dito isso, Chauí acredita fielmente que o propósito de promover a igualdade é assentado em mentiras. Pois só se a firma a forma organizacional existente só ascende conflitos insensíveis que, impulsionam as desigualdades ao vincular a divisão da sociedade a sua estruturação.
Nesse cenário, enquanto alguns ocupam posições de grande privilégio, outros enfrentam carências extremas. Isso leva à conclusão de que não há meios viáveis para concretizar um acesso efetivo aos direitos humanos que garanta seguridade às pessoas que sofrem as consequências exacerbadas da negligência de uma organização que inferioriza os indivíduos e os coloca em situações cruéis de desamparo social.
6 A RELAÇÃO DA EDUCAÇÃO COM A DESIGUALDADE SOCIAL NA PERSPECTIVA DE MARILENA CHAUÍ
Entre tantos desafios enfrentados, a educação brasileira ainda é palco de grandes conflitos, justamente pela forma política vinda de modelos tecnicistas que as conduz, o perfil hierárquico e o autoritarismo mostram o elo herdado pelas classes privilegiadas contra a negligência e exploração das camadas mais pobres da sociedade.
Dito isto, Chauí volta sua atenção para a vulnerabilidade da massa popular, ao considerar que:
Nela, as leis sempre foram armas para preservar privilégios e o melhor instrumento para a repressão e a opressão, jamais definindo direitos e deveres concretos e compreensíveis para todos. No caso das camadas populares, os direitos são sempre apresentados como concessão e outorga feitas pelo Estado, dependendo da vontade pessoal ou do arbítrio do governante. Essa situação é claramente reconhecida pelos trabalhadores quando afirmam que “a justiça só existe para os ricos”. (Chauí, 2022, p. 07).
Sua percepção reflete a incredulidade das ações provindas da lei, que geralmente é usada como ferramenta de opressão, dando evidências à tradição cultural de hierarquia, que quando se relaciona ao campo educacional dificulta o exercício do direito universal a educação de qualidade, substanciando o acesso das pessoas de baixa renda, de certos grupos raciais e de gêneros, fazendo-os trilhar os caminhos da marginalização devido as faltas de oportunidades que poderiam ser preenchidas com a educação.
A educação é provedora da desigualdade por ela ser construída em cima de ideologias criadas e estabelecidas por uma elite dominante o poder de controlar e uniformizar o conhecimento, e rotular como desprovidos de inteligência os pertencentes a classe popular, Oliveira (2017 p. 206) considera que: “a regra da competência predetermina quem pode e quem não pode dizer algo a respeito da educação [...] associa-se à farsa da racionalidade e da eficiência técnica para silenciar a voz dos professores e dos estudantes”. Isso gera consequência graves para o ensino no Brasil, onde “o discurso da educação é silenciado, para que o poder fale sobre ela desvalorizando saberes práticos e experiências vividas”, conforme Chauí (2016, p. 250), e como efeito ascendendo a separatividade que promove a desigualdades nos níveis de educação. Os indivíduos bem sucedidos economicamente têm acesso a melhor educação, e os sem recursos financeiros sofrem com a educação que lhe é destinada, isso promove as condições de desigualdades sociais.
No contexto social, o papel da educação se relaciona diretamente com as diferenças de oportunidades, a desestruturação e a negligência na formação dos indivíduos caracterizada pela classificação econômica e social, cria uma dualidade desproporcional, quem recebe uma boa qualidade na educação tende a progredir profissionalmente, ser bem sucedido financeiramente e ter uma boa qualidade de vida, nisso inclui, boa escola para os filhos, acesso a boa saúde e a melhor segurança.
Já os indivíduos que têm a educação mal estruturada e negligenciada, vivem em cenários de vulnerabilidade que são causadores de problemas muitos complexos, a falta de acesso a uma boa educação é o maior fator de exclusão social, visto que se reflete na redução severa desses sujeitos de construir uma boa qualidade de vida, e transformar a realidade na qual vivem, levando ao crescimento de problemas que levam a impossibilitar o acesso aos direitos básicos, Chauí destaca que
O tratamento de pessoas como se fossem coisa, esse tratamento estruturalmente violento decorre do fato de a sociedade brasileira está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação dos direitos humanos. (Chauí, 2022, p.10)
Marilena Chaui, ao abordar a forma como as pessoas são tratadas, revela como certos preceitos circundam a sociedade brasileira, e como fazem agir de forma desumanizada, sendo essa desumanização resultado de uma divisão extrema da sociedade, na qual a minoria abastada desfruta de riqueza, poder e direitos, enquanto a maioria sofre com uma escassez absoluta de condições básicas de existência.
Dentro desta perspectiva de insensibilidade e desumanização, os indivíduos são feitos simples objetos de exploração, tratados como componentes dispensáveis de uma sociedade, nisso, tal tratamento leva à concretização de posturas violentas que surgem como consequências da organização de poder que estruturam a sociedade brasileira. Chauí destaca:
A desigualdade salarial entre homens e mulheres, entre brancos e negros, a exploração do trabalho infantil e dos idosos são consideradas normais. A existência dos sem-terra, dos sem-teto, dos desempregados é atribuída à ignorância, à preguiça e à incompetência dos “miseráveis”. A existência de crianças de rua é vista como “tendência natural dos pobres à criminalidade”. Os acidentes de trabalho são imputados à incompetência e ignorância dos trabalhadores. As mulheres que trabalham (se não forem professoras, enfermeiras ou assistentes sociais) são consideradas prostitutas em potencial e as prostitutas, degeneradas, perversas e criminosas, embora, infelizmente, indispensáveis para conservar a santidade da família. (Chauí, 2022, p. 09).
Assim, Chauí descreve adversidades no campo das dificuldades desse público. Essa reflexão é de fundamental importância para compreender como as desigualdades sociais estão inteiramente inseridas e solidificadas na sociedade brasileira de forma costumeira e naturalizada.
Na educação a premissa que sustenta a pobreza é justamente a inaptidão existente na falta de políticas públicas, e o descaso com a população em estado de vulnerabilidade, Chauí ao abordar tais questões, nos conduz a uma reflexão sobre a importância de olhar para essas questões, para que possa indagar os fatos e buscar meios que modifique essa realidade principalmente no que diz respeito ao âmbito educacional se "faz necessária uma reflexão que nos leva a analisar o presente modelo e parâmetro de ensino, entendido como tradicional, tecnicista, autoritário, entre outros termos pejorativos que demonstram seu caráter defasado" (Souza e Araújo (2018, p. 2).
Esse ponto de vista, discute a necessidade urgente de transformar os paradigmas da educação no Brasil, haja vista que os modelos de ensino praticado não suprem a carência da sociedade, muito pelo contrário, favorece a desigualdade na sociedade, nisso Santos (2018, p. 14) considera:
um sistema de educação erigido sem a participação crítica da filosofia e que não leve em consideração os valores da vida humana, constitui um sistema do qual tanto o ser humano como a vida são, para todos os efeitos e propósitos, eliminados. É um sistema de educação ao qual falta realmente educar a criança e, por conseguinte, não é verdadeiro para a vida, não podendo, portanto, ser resultado de um processo de humanização do saber.
O autor ressalta a importância de a educação exceder a mera transmissão do saber pautado em técnicas, pois ao negligenciar aspectos que dos princípios humanos e da capacidade de pensar do ser humano no processo educativo, que inevitavelmente precisa de transformação no modo de educar, para que haja uma intervenção educativa mais inclusiva, que respeite e valoriza as diversidades, sobretudo busque proporcionar o ensino voltado para o desenvolvimento crítico do aluno focando na sua formação como cidadão consciente. Conforme Chauí (2016, p. 254) “a conscientização seria justamente a formação de um espírito crítico.”
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente conclusão é resultado do estudo das obras que fundamentaram esta pesquisa, destacando a importância da filosofia no cenário educacional. Esta matéria é fundamental para entender e reconhecer as questões estruturais que originam as desigualdades sociais no Brasil. Essas desigualdades resultam de ideologias sustentadas pelos privilégios da classe elitista que dominam o meio econômico, que perpetuam a distribuição de vantagens entre os privilegiados, enquanto marginalizam os grupos socialmente mais vulneráveis.
Deste modo, considera-se evidente que a filosofia da educação é o meio eficaz capaz de identificar e questionar os princípios, propósitos e práticas educativas, sobretudo, ela oferece as condições para analisar, refletir e compreender as implicações relacionadas aos poderes e às bases que emergem e intensificam as desigualdades.
Olhar para esse contexto dentro da perspectiva de Marilena Chauí foi enriquecedor para entender que a educação no Brasil vem sendo frequentemente moldada por interesses de dominação e subordinação agravando cada vez mais as situações de pobreza.
Ao relacionar o papel do educador dentro desse contexto é certo que há uma enorme necessidade de superar as formas de ensino baseadas em transmissão de conteúdos, ou seja, o professor precisa se fazer de forma a conduzir o conhecimento de modo reflexivo, proporcionar condições para que seus alunos desenvolva a autonomia do seu pensar, e principalmente fazer com que criem habilidades para analisar, refletir, questionar e transformar as realidades onde estão inseridos. Ademais, é imprescindível que o educador proporcione aos alunos condições diversas e adequadas para explorar suas habilidades.
Para concluir, partindo dessas observações, é de suma importância que se reveja os propósitos das políticas públicas voltadas para a educação e que se reformule ou se crie novas políticas com objetivos de proporcionar mais acesso à educação de qualidade, mas que principalmente essas políticas que ambicionem um modelo de ensino voltado para um ensino emancipatório que dê a importância devida ao desenvolvimento das capacidades reflexivas e críticas dos alunos, para que a educação passe a ser instrumento de transformação, fazendo dos estudantes indivíduos preparados para opinar, questionar e enfrentar as divergências existentes em sua realidade.
REFERÊNCIAS
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[1] É professora emérita da Universidade de São Paulo, recebeu títulos de doutora Honoris por diversas universidades nacionais e internacionais. Foi secretária da cultura da cidade de São Paulo no governo de Luiza Erundina (1989 e 1993), é autora de diversos livros os quais tem como foco as reflexões acerca da filosofia, ideologia, liberdade e democracia, além de dedicar alguns de seus escritos a estudos e compreensões sobre as obras de Espinosa. (Santiago, Silveira 2016, p. 262)