Filosofia Contemporânea: A Construção Do Edifício Filosófico De Arthur Schopenhauer

Por David Camilo | 10/08/2008 | Filosofia

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA: A CONSTRUÇÃO DO EDIFÍCIO FILOSÓFICO DE ARTHUR SCHOPENHAUER

David Camilo[1]

davidkent21@hotmail.com

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Para o que concerne a filosofia contemporânea muito se pode falar e, sobretudo, com base neste programa que foi apresentado no decorrer deste primeiro semestre do corrente 2008, e cujo programa de aprendizagem se denomina como já supra-citado. Porém, entre as tantas vertentes deste período da filosofia, nos deteremos a abordar com foco maior e num viés de cunho altamente importante o pensamento de um dos pensadores que mais contribuiram para a solidificação dos assuntos propriamente contemporâneos e também antigos, que desde sempre interrogam e incomodam ao homem. Falamos aqui do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) que nasceu na cidade de Dantzig na Prússia.

Arthur Schopenhauer nasceu a 22 de fevereiro de 1788 em Gdansk na Polônia, cidade que depois passaria à Prússia como Danzig, e voltaria a ser Gdansk após a Segunda Guerra Mundial. Sua mãe, Johanna, foi escritora, e seu pai Heinrich Floris Schopenhauer, foi negociante e era um homem irascível e dominador. Quando em 1793 Gdansk passou à Prússia, a família mudou-se para Hamburgo. Em sua visão do mundo, considerou ser a Vontade a última e mais fundamental força da natureza, que se manifesta em cada ser no sentido da sua total realização e sobrevivência. Iniciou estudos de medicina na universidade de Gottingen, mudando depois para filosofia, na universidade de Berlim. Sua tese Vierfach Wutzel der Zats uber zurechern Grund ( "Sobre a quádrupla raiz do princípio da razão suficiente") foi escrita em 1813. O difícil convívio com sua mãe com certeza marcou sua personalidade mas ela lhe permitiu conhecer intelectuais como Goethe (1749-1832), que freqüentavam sua casa em Weimar, centro da vida cultural alemã em sua época. Com a herança recebida do pai pôde viver sua vida de solteiro com relativo conforto e inteiramente entregue ao seu trabalho intelectual. Seu livro mais conhecido, Die Welt als Wille and Vorstellung ("O Mundo como vontade e representação") é publicado em 1818.

Arthur Schopenhauer referindo-se ao mundo diz: "Pois assim como este é, de um lado, inteiramente REPRESENTAÇÃO, é, de outro, inteiramente VONTADE" (SCHOPENHAUER, 2005, p. 45, grifos do tradutor). Com o presente fragmento, extraído do primeiro capítulo da obra O mundo como Vontade e como Representação, o autor menciona as duas principais divisões de toda sua filosofia, a saber, a do mundo como mera Representação e a do mundo como mera Vontade. É em torno do conceito Representação, que Schopenhauer desenvolverá toda sua construção filosófica.

Detendo-se no aspecto designado como entendimento, considerado por Schopenhauer como um fim para o conhecimento, toma-se então o primeiro livro de O Mundo como Vontade e como Representação, no qual o filósofo faz uma exposição detalhada acerca dos itinerários - as vias - que devem ser traçados para se chegar a um conhecimento. É sua epistemologia. A obra de 1818 é aberta por Schopenhauer com a afirmação: "O mundo é minha representação. Esta é uma verdade que vale em relação a cada ser que vive e conhece, embora apenas o homem possa trazê-la à consciência refletida e abstrata" (SCHOPENHAUER,2005,p.43).

O elemento norteador para Arthur Schopenhauer, ou seja, seu ponto de partida, é o de que não há verdade alguma mais certa e mais independente a não ser a de que todo o mundo existe para o conhecimento, sendo este o motivo que determina sua existência; e é tão somente objeto em ralação ao sujeito, ou seja, representação. Quando, pois, o homem conscientiza-se dessa realidade, "torna-se claro e certo que não conhece sol e terra alguma, mas sempre um olho que vê um sol, uma mão que toca a terra" (SCHOPENHAUER,2005,p.43). Desse modo, tudo o que tem sua existência no mundo está condicionado pelo sujeito e, desta forma, existe apenas para este. É este o "lado do mundo" do qual parte Schopenhauer. Veja-se nas palavras do próprio autor:

Verdade alguma é, portanto, mais certa, mais independente de todas as outras e menos necessitada de uma prova do que esta: o que existe para o conhecimento, portanto o mundo inteiro, é tão somente objeto em relação ao sujeito, intuição de quem intui, numa palavra representação. (SCHOPENHAUER, 2005, p.43).

Situando-se nessa condição, pode-se admitir duas metades do mundo como representação: a do objeto e a do sujeito. Essas partes são consideradas inseparáveis, uma vez que cada uma delas existe com a outra e também pode desaparecer com ela. A primeira dessas metades - a do objeto - tem como forma o espaço, o tempo, e a causalidade. A segunda, no entanto - a do sujeito – não se encontra em nenhuma dessas formas; ela se faz inteiramente presente em cada ser que representa.

Mediante estas primeiras considerações verifica-se que a razão analisada como sendo teórica tem um fim evidente e específico: o conhecimento. Schopenhauer, para expor seu processo de elaboração desse conhecimento – representação – parte do pressuposto de que há um princípio de razão suficiente[2]. Contudo, antes de se ater a tal princípio, é necessário compreender que, para a aplicabilidade do mesmo, deve haver um mundo que é o objeto do conhecimento e um sujeito constituído de corpo (sentidos) e de intelecto, no qual está o que se diz Entendimento[3].

Contudo, para poder considerar com profundidade a dimensão conceitual na qual Schopenhauer expõe sua teoria do mundo como Representação e, por conseguinte, desenvolver uma análise do comportamento da razão no interior desse mundo, é necessário que se tenha em mente algumas noções introdutórias quanto ao termo representação.

Em Schopenhauer, representação refere-se a uma "complexa atividade fisiológica no cérebro de um animal ao fim da qual se tem a consciência de uma imagem" (BARBOZA, 1997, p.30). Mas, ao que concerne a possibilidade da efetivação de um processo mental que leve a formação de imagens e, por conseguinte de conceitos, é o que agora será abordado.

De modo geral, o mundo é representado a partir de tudo aquilo que aparece como figura (forma) para o entendimento. Através dos órgãos dos sentidos, os primeiros dados fornecidos pela experiência conduzem à representação. No processo de "elaboração mental" para a definição de uma imagem o sujeito é ativo, e possui três formas puras e inatas de conhecimento para poder conceber o mundo que o envolve, quais sejam: o tempo, cuja essência é a sucessão; o espaço, cuja essência é somente a posição; e, por fim, a causalidade, que está sempre buscando as origens dos fenômenos. Essas formas constituem o denominado princípio de razão suficiente. Contudo, numa perspectiva kantiana, o mundo no qual se dá o conhecimento é o dos fenômenos, isto é, o que é visível.

No primeiro livro de O Mundo como Vontade e como Representação encontra-se a aplicabilidade do Entendimento. Por isso, sua natureza está ligada a epistemologia. Mediante as formas de entendimento se dão as intuições imediatas das coisas. O mundo, especificamente com esse viés, é uma conclusão do Entendimento. É preciso um trabalho intelectual de construção das coisas; é por isso que se pode afirmar que a realidade é um produto originado a partir de um efetivar do sujeito. Caso contrário, a teoria da representação não se fundamentaria.

Levando em consideração a relação sujeito-objeto no âmbito do conhecimento, a filosofia que Schopenhauer concebeu ainda em sua juventude é marcada por não pactuar com duas correntes filosóficas: o idealismo e o realismo. Quando Schopenhauer não toma o sujeito como ponto de partida não quer dizer que ele se coloca no plano de uma filosofia realista. Isso porque nem o objeto é tomado como ponto de partida. Por outro lado, não partindo do objeto, Schopenhauer não cai na dinâmica do idealismo que considera o sujeito como referência.

Deste modo, Schopenhauer não parte nem do sujeito nem do objeto, mas, ele toma a representação como seu ponto inicial, o ponto de partida. Isso é fundamental para a presente análise, pois, tudo no mundo é e somente é por um fundamento pelo qual é. E, todavia, é este o papel do entendimento abordado nesse primeiro sentido, ou seja, um papel cognoscitivo que fundamenta o mundo.

É imprescindível ter em mente que toda consideração de Schopenhauer em relação ao mundo como representação remete à realidade externa de tal mundo. Trata-se da realidade empírica. Mas realidade empírica, no sentido schopenhaueriano, é o fazer-efeito do sujeito. É a efetividade.

Com posicionamento contrário ao dogmatismo-realista e ao ceticismo, e referindo-se a eles, Schopenhauer afirma:

(...) tem-se de fazer uma correção de ambos, primeiro com o ensinamento de que objeto e representação são uma única e mesma coisa; em seguida, que o ser do s objetos intuíveis é precisamente o seu FAZER-EFEITO, exatamente neste consistindo a efetividade das coisas, e que exigir a existência do objeto exteriormente à representação do sujeito, bem como um ser da coisa efetiva diferente do seu fazer-efeito, não possui sentido algum e constitui uma contradição (SCHOPENHAUER, 2005, p.57, grifo do tradutor).

Nisso se fundamenta a tese de Schopenhauer que toma o conhecimento sobre a maneira de fazer efeito de um objeto intuído como condição que o esgota como objeto mesmo, ou seja, como representação fenomênica. Caso esteja fora dessa representação, o objeto não oferece nada para o conhecimento. Por isso se pode dizer que o mundo, quando dá sinal de si como causalidade pura, é perfeitamente real, pois é intuído no espaço e no tempo. Desse modo, o mundo que faz efeito é condicionado pelo entendimento e nada é sem ele. A causalidade, como categoria presente no entendimento, é também somente para o entendimento. Sendo assim,

o mundo inteiro dos objetos é e permanece representação, e precisamente por isso é, sem exceção em toda a eternidade, condicionado pelo sujeito, ou seja, possui idealidade transcendental. Desta perspectiva não é uma mentira nem uma alusão. Ele se oferece como é, como representação, e em verdade como uma série de representações cujo vínculo comum é o princípio de razão (SCHOPENHAUER, 2005, p. 57).

Dessa forma e com as palavras do próprio filósofo, o que mais acentuadamente caracteriza uma representação. Assim, passa-se à consideração do que é uma das "raízes" que fundamentam o mundo e fora inserida por Schopenhauer em sua tese doutoral intitulada Da quádrupla raiz do princípio de razão suficiente de 1813, qual seja, a da noção do princípio de razão do devir.

O corpo

Atuando no campo da cognoscibilidade humana, a noção de corpo em Schopenhauer apresenta-se como um recorte específico e inovador. Justamente devido ao corpo ser possuidor de órgãos de sentidos, ou seja, atuar no mundo fenomênico, é possível o trabalho do entendimento em vista da elaboração de intuições, pois somente nele (corpo) e com ele pode-se dar a intuição de cada indivíduo. Como afirma Schopenhauer, o corpo é um "objeto imediato, vale dizer, é um conjunto de sensações" (BARBOZA, 1997, p. 33). É importante ressaltar que, o corpo também é meramente representação, uma vez que, como todo o mundo, ele é visto só do ponto de vista da cognoscibilidade humana.

Em linhas gerais, o que se apresentou nesta primeira parte como a concepção do mundo intuitivo schopenhaueriano não é de nenhuma maneira transferido para um segundo plano ao inserir a análise referente aos conceitos abstratos, ficando assim evidente, a dimensão que abrange cada uma dessas vertentes. Isso faz com que fique claro que o conceito razão em Schopenhauer, sob um primeiro aspecto, é essencialmente instrumento para a possibilidade do conhecimento.

A VONTADE

Ao que tange a conceituação da Vontade feita por Schopenhauer, seria aqui, reduzir a definição do filósofo se suas palavras não fossem citadas. Em uma das passagens de tal conceituação encontra-se o seguinte:

Reconhecerá a mesma vontade como essência mais íntima não apenas dos fenômenos inteiramente semelhantes ao seu, ou seja, homens e animais, porém, a reflexão continuada o levará a reconhecer que também a força que vegeta e palpita na planta, sim, a força que forma o cristal, que gira a agulha magnética para o pólo norte, que irrompe do choque de dois metais heterogêneos, que aparece nas afinidades eletivas dos materiais como atração e repulsão, sim, a própria gravidade que atua poderosamente em toda matéria, atraindo a pedra para a terra e a terra para o sol, - tudo isso é diferente apenas no fenômeno, mas conforme sua essência em si[...] chama-se VONTADE (SCHOPENHAUER, 2005, p. 168).

Perceba-se como no presente fragmento extraído do primeiro livro de O Mundo... o filósofo expõe de forma assertiva no que consiste o conceito Vontade. E como o mundo inteiro é revelador desta Vontade, o homem, por sua vez, é o seu principal meio para isso, uma vez que este é a forma mais visível e mais perfeita de sua manifestação. Pelo fato do homem ser dotado de inteligência, nele a Vontade chega à consciência de si mesma.

Na manifestação da Vontade ocorre a afirmação da vida. Por esse fator, no pensamento schopenhaueriano, é um pleonasmo falar numa Vontade de vida, dado que uma subtende a outra. No entanto, o filósofo postula uma Vontade em geral que por sua vez se desdobra em vontades particulares. Com isso, salta-se aos olhos uma Vontade meta-física que tem as Idéias por seus atos originários. Aqui não se quer afirmar uma realidade "a parte" ao mundo, ou seja, fora dele, mas apenas além do visível.

Verifica-se que, o que Schopenhauer denomina como Vontade pode ser concebido como análogo ao conceito kantiano de coisa-em-si, uma vez que ela não pode ser vislumbrada no mundo fenomênico, sendo ela mesma o próprio noumenon. O conceito Vontade está associado ao fundo íntimo de todo fenômeno, à substância íntima, núcleo de toda coisa particular e do todo. Outros adjetivos que não podem ser excluídos numa tentativa de definição da Vontade em Schopenhauer são os de irracional e de cega. Ademais, com todo o risco do reducionismo, pode-se afirmar que quando se pensa em Vontade na filosofia de Schopenhauer, necessariamente, pensa-se em uma Vontade que quer vida a todo instante, a todo custo e, por isso fica constatado e "justificado" o pleonasmo em se falar de uma Vontade de vida.

Contudo, essa Vontade cega, infundada, que impulsiona o homem a um querer viver a todo custo, uma Vontade de vida que conduz ao sofrimento através da dor e do tédio, segundo Schopenhauer, não pode visar outro fim senão o de ser negada. A Negação da Vontade, por conseguinte, acontece estritamente de três modos: através da contemplação do belo (no âmbito da estética), por meio da boa ação por compaixão (ética) e, por fim, como máximo grau, através da ascese. Verifica-se, então, o outro papel da razão em Schopenhauer: o místico. Com base nisso, eis o motivo de uma possível terceira forma de razão no pensamento de Arthur Schopenhauer, qual seja, a ético-mística, mote central do presente estudo.

É, pois, importante que seja relatado sobre as duas principais formas de aniquilação ou negação da Vontade, quais sejam, a ética e a estética e, por conseguinte, sobre a negação total da Vontade sob o caráter ético-místico.

A Negação da Vontade na estética

Schopenhauer, apesar do carregado pessimismo presente em sua filosofia, refletiu alguns caminhos que direcionam para a "anulação" da dor. Um destes caminhos foram encontrados na contemplação estética, visto que esta proporciona ao sujeito um "perder-se" no objeto, fazendo assim ocorrer a anulação das dores do mundo. Não de maneira definitiva, mas sim momentânea.

Ao conceber o belo desinteressado como um movimento de afastamento da Vontade, o filósofo aponta um caminho que neutraliza o impulso do querer-viver, pelo menos por instantes. Tal desinteresse, que acompanha a arte ou o prazer negativo, é o que faz interromper o ciclo das carências que expressa o sofrimento do mundo. Tendo em vista que a Vontade é a substância íntima, o núcleo de toda coisa particular e do todo, ela se manifesta na força da natureza e no homem. Nessa manifestação ocorre a afirmação da vida; e, para tanto, permanece inalterável. Após ter-se manifestado e afirmado no mundo, ela pode ser negada. Justamente neste ponto, ao contemplar o belo a partir de uma experiência estética, a existência do indivíduo pode ser neutralizada de seus interesses e desejos. Como afirma Schopenhauer:

Em tal contemplação, tanto o artista na qualidade de gênio quanto o sujeito que contempla são levados a um ascetismo momentâneo na sua atitude contemplativa diante do belo.

Desta forma, em meio à contemplação, não se separa o sujeito que INTUI da INTUIÇÃO, mas ambos se tornam UNOS na medida em que toda a consciência é integralmente preenchida e assaltada por uma única imagem intuitiva e, sendo assim, aquele que concebe na intuição não é mais indivíduo, visto que o indivíduo se perdeu nessa intuição, e sim o atemporal / PURO SUJEITO DO CONHECIMENTO destituído de Vontade e sofrimento (SCHOPENHAUER, 2005, p. 246).

Na contemplação estética, a vontade contempla-se de maneira desinteressada, não sofre mais consigo, é puro olhar. Essa liberação do conhecimento da escravidão da vontade, esse esquecimento do eu individual e de seu interesse material, essa elevação da mente à contemplação da verdade sem influência da vontade são funções do gênio artístico e do asceta. Ou seja, a arte atenua os sofrimentos da vida quando nos apresenta o eterno e o universal por detrás do transitório e do particular. O espírito das aparências fenomenais, através da contemplação estética, se eleva à intuição dos modelos ideais, isto é, à primeira manifestação da essência do em-si.

A arte nos faz ir ao "lugar de origem" das coisas onde elas realmente "são". Remetendo-nos a este lugar pela contemplação desinteressada anulamos o querer-viver. O filósofo observa que, através da contemplação do belo numa experiência estética, a existência do indivíduo pode ser neutralizada de seus interesses e desejos.

Na contemplação do belo nos desvencilhamos de nós mesmos a ponto de atingir um "perder-se" totalmente, mesmo que momentâneo. Enfim, o homem se liberta da vontade e com ela da dor através da atividade da arte na qual as coisas não são mais vistas na sua conexão causal, mas na universalidade da idéia.

A Negação da Vontade na ética

A ética propriamente schopenhaueriana está embasada na compaixão. Compaixão entenda-se as ações virtuosas e desinteressadas presente em pessoas que atingiram tal grau de despojamento que passam a ter como suas as dores dos que a circundam. Com isso, a compaixão é também, pode-se dizer, sinônimo de de ações não-egoísticas.

Por compaixão, pode ser também entendido como o ato do despojamento. O fazer algo em busca de benefício está caracterizado como seu oposto, isto é, a não-compaixão.

Sendo assim, podemos destacar no ascetismo, uma forma para o efetivar da compaixão. Na Negação da Vontade, este é considerado o grau máximo, o ponto culminante para se atingir a mesma, sendo a outra forma encontrada na figura do gênio. Porém, o que diferencia estes dois estágios – a saber que a genialidade está associada à arte e o ascetismo a beatitude – é que na figura do gênio não há consciência, ou seja (ele não sabe) que está negando a vontade e todo seu impulso "instintivo-destrutivo". O asceta, por sua vez, sabe.

Mesmo estando agindo dentro de uma ética, o gênio, cujo é dotado de um auto grau de inteligência, age sem a necessidade de uma finalidade, uma meta a chegar. Já no asceta, percebe-se o grau em que, no início, do mesmo modo que o gênio, não se tem consciência, contudo, mais adiante, com a "tomada da consciência" via conhecimento, há um progresso notório e esforçado em busca de uma maior negação, culminando destarte, numa libertação final.

Em oposição a Freud, ou mesmo com o apresentado por Bocca[4] em aula, sendo a "mesma concepção deste pensador", o que menciona ele ser o pensador revolucionário na contemporâneidade é, por conseguinte leitor de Schopenhauer e foi com sua leitura sobre o elemento Vontade que denomina o seu inconsiente. É importante neste momento retornar-mos ao elemento Vontade para elucidar o que fora acima afirmado.

Da mesma forma como nos homens, a vontade seria o princípio fundamental da natureza. Para Schopenhauer, na queda de uma pedra, no crescimento de uma planta ou no puro comportamento instintivo de um animal afirmam-se tendências, em cuja objetivação se constituem os corpos. Essas diversas tendências não passariam de disfarces sob os quais se oculta uma vontade única, superior, de caráter metafísico e presente igualmente na planta que nasce e cresce, e nas complexas ações humanas. Essa vontade, para Schopenhauer, é independente da representação e, portanto, não se submete às leis da razão. Ao contrário de Hegel, o qual foi grande rival de Schopenhauer, para quem o real é racional (o oposto a Schopenhauer), a filosofia de Schopenhauer sustenta que o real é em si mesmo cego e irracional, enquanto vontade. As formas racionais da consciência não passariam de ilusórias aparências e a essência de todas as coisas seria alheia à razão: "A consciência é a mera superfície de nossa mente, da qual, como da terra, não conhecemos o interior, mas apenas a crosta". o inconsciente representa, assim, papel fundamental na filosofia de Schopenhauer. Sob esse aspecto, o autor de O Mundo como Vontade e Representação antecipou-se a alguns dos conceitos mais importantes da psicanálise fundada por Sigmund Freud (1856-1939).

O próprio Freud reconheceu a importância das idéias de Schopenhauer; em um de seus escritos afirma que certas considerações sobre a loucura, encontradas no Mundo como Vontade e Representação, poderiam "rigorosamente, sobrepor-se à doutrina da repressão".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como Representação. Trad. Jair Barboza. São Paulo: UNESP, 2005.

_______________________. BARBOZA, Jair. Metafísica do belo. São Paulo: Ed. UNESP, 2003.

BARBOZA, Jair. Infinitude subjetiva e estética: natureza e arte em Schelling e Schopenhauer. São Paulo: Ed. UNESP, 2005.


[1] Graduando do Curso de Licenciatura em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR.

[2] Este termo é um conceito de Schopenhauer ligado ao entendimento que se corresponde, numa perspectiva Kantiana, ao tempo, ao espaço e a causalidade, os quais são elementos constituintes do próprio princípio de razão suficiente e que existem na consciência, independente dos objetos que aparecem nessas formas, e que encerram todo o seu conteúdo.

[3] O termo é tomado propriamente como sendo um lugar onde o princípio de razão atua e numa perspectiva fisiológica, entendimento pode desgnar cérebro, crânio ou cabeça.

[4] Francisco Bocca desenvolve trabalhos a cerca da psicanálise tendo em Freud seu referêncial de pesquisa.