Filosofando em Preto e Branco

Por Wilson Roberto Rodrigues | 05/11/2024 | Crônicas

Ler a história da vida de Bento de Espinosa com a televisão ligada acaba dando nisso.

A leitura sugere que Deus deve ser entendido à luz da Razão, segundo as leis que Ele próprio criou. Parece tão óbvio! Isso implica, entretanto, em encarar de frente as incoerências dos textos sagrados, reconhecendo sua imperfeição e as circunstâncias históricas em que foram escritos. O efeito colateral é bater de frente com a voz poderosa dos “detentores da verdade” sugerindo a necessidade de se libertar deles. Espinosa escreveu isso no sombrio século XVII. Não é à toa que viveu fugindo da fogueira dos católicos, recebeu a charam, o equivalente à excomunhão dos judeus e quase foi massacrado pelos calvinistas de Amsterdã e Haia.

Já mudamos de milênio, mas a TV ainda nos mostra um Deus que vende produtos, cobra dízimos, constrói grandes Catedrais, como na Idade Média e funciona como cabo eleitoral, empoderando os donos dos “rebanhos”.

Nos corajosos livros precursores do Iluminismo, Espinosa vai além de Descartes, de quem foi seguidor. Por simples dedução, diz que milagres não podem existir. A necessidade de intervir nas leis da natureza significa admitir que a Criação seria imperfeita e, portanto, Deus, que se confunde com a própria natureza, não traduziria a perfeição. Por falar muito menos que isso Saramago teve que se autoexilar de Portugal, em pleno século XX.

A TV mostra um homem dizendo que sua fé lhe salvou a vida. Desistiu, por intuição, de entrar em um avião no momento da decolagem. O avião caiu. Atribuiu a Deus a intuição, até agradeceu-O. Como ignorar que só é possível creditar a Deus sua salvação, se creditarmos também a Ele a queda do avião? Não há como separar os dois fatos. Sou mais o Deus de Espinosa, que por sinal é o mesmo de Einstein. Ele não joga dados nem derruba aviões!

O filósofo nos diz que bom seria se chegássemos a um tempo em que a verdadeira religião fosse a da Razão. Assim, as superstições e o temor a um Deus punidor seriam eliminados, a verdadeira liberdade seria conquistada e o bem comum seria obtido pela plena capacidade racional de discernir o bem do mal. Dá para discordar disso?

Na TV começa um jogo do Timão, neste fatídico campeonato Brasileiro de 2024. Na arquibancada um cartaz na mão de um menino:

“Eu disse que não ia assistir, mas quem ama perdoa”.

Ainda bem que nos resta o time feminino. As Brabas estão salvando o orgulho corinthiano no momento! Pensando bem, podiam pôr a Gabi Portilho no lugar do Mosquito e a Tamires no do Wesley. Fariam bonito.

E agora? Cadê o Espinosa?

Mais de duzentos anos depois Freud diz ter matado a charada. Disse que o Homem, enquanto espécie, não pode prescindir do sentimento religioso. Se uma religião sair de cena, outra deve substituí-la. É da essência humana. Não sei se concordo com isso.

Vai Corinthians!!!