FILME A VOZ DO CORAÇÃO (OS CORISTAS): UMA REFLEXÃO MEDIANTE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Por Ivone dos Santos Carneiro | 01/10/2016 | Direito

A voz do coração (Os Coristas). Produção: Arthur Cohn, Jacques Perrin. Direção: Christophe Barratier. Drama, França, 2004, 95min., colorido. Disponível em: . Acesso em: 14 set 2016.

A Voz do Coração ou Os Coristas, é um drama emocionante que pode render muitas reflexões quando visualizado de acordo com as normas jurídicas vigentes no Brasil. Nota-se a existência de muitos dispositivos que resguardam direitos ali desamparados.

Vemos por exemplo, que o Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tratado internacional ratificado pelo Brasil em 1992, prevê que deve ser assegurado o bem estar de todas as pessoas, isso não exclui as crianças que no internato às vezes eram isoladas das demais em um quarto escuro e sujo por dias, sendo impedidas de realizar atividades esportivas, de lazer e cultura. Por vezes chegavam a ser proibidas de ver até mesmo os pais. Uma extrema falta de respeito e de responsabilidade.

Essa circunstância também é confrontada no Art. 124 incisos V, VII, VIII, IX, X, XII, §1º. do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Similarmente no inciso IX do Art. 5º. da Constituição Federal de 1988 (CF/88), cláusula pétrea e garantia fundamental, é resguardada a liberdade de manifestação artística, situação que na trama do filme é suprimida. Tanto o professor quanto os alunos passam por momentos onde lhes são negados o direito de praticar as atividades de canto dentro do internato, embora fosse notório o bem que os ensaios do coral faziam a todos.

Salienta-se para essa situação, a LDB, Lei 9.394/96 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. A LDB, em seu art. 13, incisos III e IV, dispõe dentre os deveres do docente, zelar pela aprendizagem do aluno, verificando meios saudáveis para atender as crianças com menor rendimento, o que era desenvolvido pelo professor, até passar a enfrentar resistência da direção, essa resistência injustificada da diretoria no tocante aos ensaios dos coristas poderia ser entendida como uma afronta aos direitos dos professores e dos menores.

É importante lembrar que foi introduzida ao ordenamento jurídico brasileiro a Doutrina da Proteção Integral, uma garantia conjecturada através do art. 227 da Carta Magna. O dispositivo salvaguarda às crianças, adolescentes e jovens, o direito à vida, à saúde, à família e ao lazer, incumbindo para a obrigação de proteger tais direitos não só a família, mas também a sociedade em geral e o Estado, o que mais tarde foi reforçado no art. 71 do ECA.

Ainda no caput, o art. 227 da Carta Política coloca que devem esses menores ser protegidos de toda forma de negligência, violência e opressão, o que é corroborado no art. 5º. do ECA. Contudo, não é o que se vê acontecendo no decorrer da trama, as crianças que protagonizam o enredo sofrem violência moral e por vezes são oprimidas e julgadas responsáveis por atos que não cometeram, uma situação de completa ausência de proteção.

Ainda quanto a Doutrina de Proteção Integral, observa-se que as crianças passam a ser sujeitos de direitos e deveres, destinatários de absoluta prioridade, sendo sempre levado em consideração o estado de desenvolvimento do menor de dezoito anos, este princípio é perceptível em diversos artigos, dentre eles o 227 da Carta Magna, já citado, e o 143 do ECA que veda a disposição de atos policiais, judiciais ou administrativos envolvendo menores de dezoito anos.

No ECA, conforme preceitua o art. 121 §3º c/c art. 124 inciso V e VI, além das garantias fundamentais também pode-se verificar a previsão de medidas socioeducativas em caso de infrações, podendo o menor ser internado por no máximo três anos na mesma localidade ou próximo de onde residem seus pais ou responsáveis, sendo sempre tratado com respeito e dignidade.

Diferente da Doutrina da Proteção Integral, a superada Doutrina da Situação Irregular previa medidas severas para os menores infratores, na realidade a intenção do legislador na Lei 6.697/79 (Código de menores)  era apenas conjecturar eventuais intervenções em situações que pudessem causar riscos materiais ou morais.

Dessa maneira, os menores eram tratados como objeto de medidas sociais, sem a defesa de direitos mínimos para as crianças e adolescentes. Verifica-se que os meios de correção aplicados no internato, poderiam estar de acordo com a Doutrina da Situação Irregular, tendo em vista que o importante ali era verificar apenas a situação “irregular” do menor, isto é estar em circunstância de risco moral ou material, como se o adolescente tivesse uma patologia social, enquanto na verdade ele necessitava de educação, proteção e cuidados.

Analisando o texto do art. 18-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, vê-se que “a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto[…]”. Igualmente, no art. 53 verifica-se que “criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”, mantendo-lhe assegurados, dentre outros, o direito de ser respeitado por seus educadores.

Vale ressaltar que os direitos previstos na legislação brasileira na maioria das vezes não alcançam famílias carentes, pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade e que, na maioria das vezes tem esses direitos negados, ou pela falta de acesso à justiça ou mesmo por não saberem da existência de tais direitos.

Cabe aos operadores do Direito, em especial os advogados conhecedores da lei e aos universitários do curso de Direito, desempenharem o papel humanitário de lutar por uma sociedade mais justa e solidária com maior acesso à informação, oferecendo serviços gratuitos e participando dos programas de ensino pesquisa e extensão disponíveis nas universidades. Contribuindo assim com o papel da justiça no país, que é a transformação social.

 

 

 

 

Referências:

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 13 set 2016.

BRASIL. Lei 8.069/1990 Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: . Acesso em: 14 set 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado.  1988. Disponível em: . Acesso em: 14 set 2016.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Disponível em: . Acesso em: 15 set 2016.

BRASIL. Código de Menores. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/1970-1979/L6697.htm>. Acesso em: 15 set 2016.

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