Filiação Socioafetiva
Por sandra pereira de sousa | 03/04/2008 | DireitoAtualmente, a discussão que se faz cada dia mais presente no direito de família é em relação à filiação socioafetiva.Autores que escrevem sobre o tema, cada um, em suas concepções e predominâncias, reforçam o crescente valor jurídico do afeto, que une pais e filhos, tendo ou não vínculo biológico entre eles.
Desta forma é que podemos, de forma unânime, aceitar que os fatos sociais trazem em seu bojo valores éticos e culturais determinantes ao estabelecimento da ordem jurídica e de sua aplicação pelo poder judiciário. Assim, a vigência do novo código civil e o principiar do século XXI testemunham tempos frutíferos de inquietude, valorizando as relações de mútua ajuda e afeto. Neste sentido, a família, basicamente, compõe um conjunto de pessoas formadas por pais e filhos, com finalidades, composições e papéis de pais e mães um pouco mais abrangentes que antigamente. Ademais, os membros das famílias não têm que ser, necessariamente, uma formação natural, ou seja, a família é uma Instituição formada biologicamente, psicologicamente e/ou sociologicamente, a qual o direito age, regulando estas relações de acordo com os interesses morais e o próprio bem estar social.
Logo, quando estabelecemos em nosso imaginário que a formação familiar e as relações mantidas nela, são harmônicas e responsáveis pela manutenção do amor entre seus membros, estamos partindo de uma premissa, no mínimo, com uma visão míope das complexas relações e motivações que orientam sua concepção.
Ocorre que operadores do direito vêem destacando esta evolução doutrinária mitigando os valores que informaram a elaboração do Código civil de 1916, com a legitimidade da família e dos filhos fundadas no casamento, dando lugar a uma nova dimensão que valoriza a igualdade e o afeto. A evolução do modo de estabelecimento da filiação, vai além dos laços de sangue, e a relação socioafetiva transcende a relação biológica, fazendo com que o princípio da igualdade se imponha como elemento decorrente do respeito à dignidade da pessoa humana.
E assim segue a evolução jurisprudencial quanto ao reconhecimento da filiação, que abandona a relação outrora necessária com o matrimônio, desvinculando-se, via de consequência, das noções de legitimidade e ilegitimidade. De acordo com João Baptista VILLELA, a paternidade passa a ser reconhecida pelo amor que se dedica à criança, prevalecendo o aspecto comportamental ao aspecto biológico. [1]
Desta forma, faz-se necessário reconhecer que a constituição familiar está exposta às questões inerentes a valores como amor e solidariedade, estimulada pelas novas comunhões e apreendendo a dinâmica dos novos tempos, adaptando a essa nova situação social. Isto, requer dizer que o ente familiar é um corpo que se reconhece no tempo.
Observa-se que a evolução histórica dos Institutos família e filiação, desenvolve, preliminarmente, conceitos e paralelos dessa realidade jurídica.
Frente a estes novos paradigmas, o reconhecimento à filiação recai sobre a atual concepção de família no direito, nos fatos sociais e na cidadania, contemplando o valor jurídico do afeto e a vigência do Novo Código Civil Brasileiro a partir de janeiro do ano de 2003.
Muito se discute sobre o tema, pois não são poucos os desafios da nova codificação e os dilemas do Direito de Família. O juiz confere vida ao direito possibilitando o dever-ser, o acontecer da norma, um processo que exige alto grau de consciência e autocontrole a ponto de considerar sempre o que for melhor para a criança, respaldado na solidariedade social e na promoção da justiça social, propiciando a dignidade humana. O juiz deve buscar encontrar a decisão justa inspirando-se na valorização do ser e não do ter, procurando além do que a lei propõe, algo mais adequado ao caso concreto.o do ter, procurando ala valorizaçaoignidade humana. criança.
Desse modo compreende-se que a filiação sem privilégios apresenta características nas transformações sofridas na construção desse novo panorama jurídico que vem se delineando em conformidade com a dinâmica social, enfatizando, especialmente, a filiação socioafetiva, fundada em princípios como: o melhor interesse da criança e o direito à igualdade.
Percebe-se que o direito de família passou a lidar com valores e conflitos de interesses inerentes a uma sociedade pluralista e complexa, valores, muitas vezes, incompatíveis com razões patrimoniais.
Logo, a pergunta que urge é: quem é filho? Sem a pretensão de alcançar esta resposta, passa-se a refletir o seguinte enunciado: "Não basta que o ente saiba, à luz da natureza, quem concorreu, pela cópula, para seu aparecimento à face da terra, é necessário que a relação natural ou real surja com valor de eficácia perante o ordenamento jurídico, na vida das relações sociais, alcance foros ou dignidade de vínculos jurídicos." (SILVEIRA, 1971, p.11) Afinal, cada doutrinador, legislador, intérprete, cidadão, enfim cada pessoa destinatária da garantia de direitos e deveres emanados do ordenamento jurídico tem sua resposta.
Com efeito, se a afetividade e convivência são elementos essencialmente fáticos, seria natural cogitar a possibilidade de seu desaparecimento a posteriori, uma vez que as relações interpessoais contemplam desentendimentos, fazendo o que era afeição se converter em indiferença ou desafeto. Neste caso, seria possível a desconstituição posterior do estado de filho em decorrência da interrupção da convivência e do afeto?
Como se vê, trata-se de um ponto crucial da teoria da filiação sócioafetiva, ainda pouco explorado e discutido, no entanto, tem-se que a posição predominante é que essa desconstituição posterior da filiação não é possível devido à proteção conferida pelo ordenamento à personalidade humana.
Contudo, espera-se que os juízes não se ocultem por meio de frases incompreensíveis e contorcidas. Ao contrário, sejam responsáveis quanto aos critérios para determinação da parentalidade, que tenham como base a contribuição dos Princípios Constitucionais à interpretação da Lei Maior, como ponto de partida nos caminhos a serem percorridos, que vão caracterizar o ordenamento jurídico, privilegiando uma análise histórica dos avanços dos referidos institutos, sobretudo no trato às questões relacionadas à filiação socioafetiva.
Referências Bibliográficas
BITTAR, Eduardo C. B. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e prática da monografia para os cursos de direito. São Paulo: Saraiva, 2001
BRASIL. Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006
DEL'OLMO, Florisbal de Souza (coord.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos: Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
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GALENO, Lacerda. Direito de Família: Ações de Paternidade. Casos selecionados. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
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REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO DE FAMÍLIA. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v.8, n.39, Dez./Jan., 2007.
RIGONATTI,Sérgio Paulo (coord.). Temas em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica. 1ª ed. São Paulo: Vetor, 2003
[1] VILLELA, João Baptista. Família hoje. A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.85.