Fichamento: O poder de tributar no Estado democrático de direito

Por Letícia Farina Orso | 11/10/2016 | Direito

Fichamento: Torres, Ricardo Lobo. O poder de tributar no Estado democrático de direito. In: Torrês, Heleno Taveira. Direito e Poder: nas instituições e nos valores do público e do privado contemporâneos. São Paulo: Manole, 2005. P. 460-504.

Ricardo Lobo Torres foi Professor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atualmente aposentado. Livre-Docente em Direito Financeiro pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Doutor em Filosofia pela Universidade Gama Filho. Foi procurador do Estado do Rio de Janeiro, também aposentado dessa função.

“O objetivo desde capítulo é o de procurar surpreender algumas modificações do poder de tributar, dos pontos de vida fenomênico e ideológico, na passagem do século XX para o XXI, ou seja, na época da emergência do Estado Democrático de Direito.” P.460

“O Estado Patrimonial se desenvolve durante sete séculos (séc. XII à XVIII), é mantido pela riqueza do príncipe. Nele já se vislumbram algumas formas de imposição sobre a riqueza dos súditos, mas apoiada na razão de Estado e justificadas pelas necessidades do príncipe.”  p.461

“Com as revoluções liberais, afirma-se o Estado Fiscal, entendido como Estado de Direito, que passa a ser mantido fundamentalmente pela riqueza derivada do patrimônio ou do trabalho dos cidadãos.” P.461

“O Estado Liberal Fiscal caracterizou-se pela centralização do poder de tributar nas mãos do Estado, com a liquidação do poder periférico dos estamentos.” P.462

“O Estado Social Fiscal destacou-se pelo intervencionismo estatal sobre a economia e as relações sociais, bem como pela simbiose entre Estado e Sociedade. Nele floresceu a social democracia, paralelamente ao socialismo real prevalecente no Leste Europeu.” P.462

“O Estado Democrático Fiscal é a manifestação financeira do Estado Democrático de Direito que se inaugura no Brasil com a Constituição de 1988.” P.463

“[...] o tributo é o preço da liberdade individual ou da liberdade econômica, pois distancia o homem das obrigações pessoais para com o Estado, substituindo-as pela prestação pecuniária do contribuinte.” P.464

“Com a ‘exsurgência’ do Estado Democrático Fiscal, após a queda do muro de Berlim, assiste-se à maior limitação do exercício do poder de tributar do ponto de vista sistêmico, isto é, criam-se sistemas tributários destituídos de forte progressividade e em equilíbrio com os gastos públicos.” P.466

“[...] a sua verdadeira sede está na Declaração dos Direitos Fundamentais (art. 5° do texto de 1988) e no seu contraponto fiscal, que é a Declaração dos Direitos do Contribuinte e de suas garantias (art. 150 à 152). Com maior precisão, o poder de tributar finca suas raízes nos seus insis. XXII e XXIII do art. 5°, que proclamam o direito de propriedade e a liberdade de iniciativa, fornecendo o substrato econômico por excelência para a imposição fiscal.” P.468

“As limitações ao poder de tributar fundam-se nos direitos da liberdade anteriores e superiores à Constituição Tributária. O poder tributário, portanto, já nasce limitado pelos direitos fundamentais e só pode ser exercido sobre os frutos do patrimônio e do trabalho dos cidadãos, observadas as imunidades subjetivas e a igualdade entre os contribuintes; [...]” p. 470

“Já as limitações do poder de tributar são as imanentes, ou seja, aquelas que representam a autolimitação do próprio poder e de tributar no espaço aberto pelas imunidades e proibições de desigualdade.” P.470

“A imunidade, em outras palavras, exorna os direitos da liberdade e limita o poder tributário estatal, não sendo, de modo algum, uma simples garantia ‘principiológica’ como poderia dar a entender o caput do art. 150 da Constituição Federal.” P.470

“O poder de tributar manifesta-se por discriminações com relação à riqueza de cada um (capacidade contributiva). Quando o discrime recai sobre qualquer outro fator diferente da riqueza (por exemplo, raça, religião, cor, domicílio, nacionalidade, etc), torna-se inconstitucional.” P.471

“As garantias são solenidades tutelares constituídas pelo próprio poder do Estado. Podem ser principiológicas, institucionais ou processuais.” P.472

“Só com a sua divisão é que o poder fica contido e a liberdade, preservada. [...] A mesma coisa acontece com o poder tributário, que é uma parcela ou a emanação do poder estatal ou da soberania, ao lado do poder de polícia, do poder penal, do poder financeiro, do poder econômico, etc.” p.474

“[...] Não se trata de um poder independente, com a sua própria divisão, mas de um poder substancial que, com os demais poderes regulados pela Constituição, sofre a mesma limitação por meio do mecanismo da separação das funções de legislar, administrar e julgar, bem como de sua distribuição a órgãos diferentes.” P.475

“O sistema tributário internacional limita o poder tributário nacional ao fito de estabelecer regras e princípios de partilha de riqueza mundial pelos diferentes países. Cuida-se aqui, também, de autolimitação do poder de tributar, pois os ajustes decorrem da vontade das soberanias tributárias.” P.480

“Fenômeno surgido com a globalização e com a perda de substância das soberanias nacionais, afirmação hodierna das formulações de Kant, expande-se no sentido da convivência de diversas fontes jurídicas superiores aos poderes nacionais, inclusive no campo do Direito Tributário.” P.482

“O poder de tributar é também uma parcela do poder de financeiro, que abrange simultaneamente o poder de instituir e cobrar tributos e o poder de gastar. Grande parte dos problemas das finanças públicas atuais, no Brasil e no estrangeiro, veio do corte observado entre poder de tributar e poder de gastar, ou entre Direito Tributário e Direito Financeiro, que conduziu à irresponsabilidade fiscal e à própria crise fiscal que desestruturou e Estado de Bem-Estar Social.” P.483 e 484

“[...] O conceito de polícia (do Poder de Polícia), de rara ambiguidade, ultrapassou o limite inicial do controle estatal da segurança pública e da saúde e higiene para abranger as normas reguladoras do mercado e a intervenção indireta, que é aquela que se faz sobre a economia, seja para coibir os abusos do poder econômico, seja para minimizar os desníveis sociais.” P.484

“No Brasil, a doutrina também se encaminhou no sentido de recusar a substancialidade do fenômeno extrafiscal e a separação entre poder de polícia e poder tributário.” P.488

“Qualquer ato que constitua emanação da atividade estatal de disciplinar a liberdade individual em benefício do bem-estar geral, prestado ou posto à disposição do obrigado, constituirá a hipótese de incidência de taxa, nos estritos termos do art. 145 da Constituição Federal e do art. 77 do Código Tributário Nacional.” [como a expedição da carteira de identidade, a fiscalização de medicamento, entre outros] p.489

“As contribuições econômicas não deveriam ter natureza tributária, porque o seu fato gerador não é o exercício do poder de polícia, como acontece nas taxas. Os atos de poder de polícia direcionados à intervenção ou à regulação em favor do interesse de grupos ligados às atividades econômicas constitui a finalidade do ingresso, mas não o seu fato gerador. O abuso na criação das constituições econômicas enfraquece o Estado Fiscal, embora não o desnature.” P. 490

“O poder de tributar e o de punir não se confundem, embora estejam muito próximos em diversos de seus aspectos. [..] No entanto, prepondera a distinção fundamental entre os dois fenômenos, baseada na natureza do poder de que emanam. A pena emana do poder de punir, atribuído ao Estado no pacto constitucional; [...] em qualquer situação, porém, se está diante de um poder de natureza penal, ainda que especial, destinado a garantir a validade da ordem jurídica. Outra coisa é o poder tributário, de que emanam o tributo e a obrigação de contribuir para as despesas do Estado, com fundamento no dever de solidariedade.” P.492

“A ideia de contrato social e de tributo como libertação do cidadão e limitação do Estado tinha raízes na ideia de liberdade e no seu consectário lógico, que era a legalidade.” P.493

“A teoria do poder de tributar há que se aproximar da ética e, consequentemente, enfrentar o problema da legitimação. A sua missão é superar o positivismo, que se preocupou apenas com a legitimidade e que, por isso mesmo, perdeu-se na metodologia transformada em teologia [...].” p.495