FICHAMENTO - Desigualdade e tributação no Brasil do Século XX...

Por Augusto Kummer | 01/04/2017 | Direito

FICHAMENTO - Desigualdade e tributação no Brasil do Século XXI (pp. 199-224). Capítulo X. (BUFFON, Marciano. Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2014.)

O trabalho do autor baseia-se em um estudo acerca do modo de tributar brasileiro e suas implicações no atual contexto da desigualdade social. 

Em suas considerações iniciais, o autor ressalta que, em que pese ter havido alguma diminuição na desigualdade social existente no Brasil no início do presente século, não podemos negar que dificilmente tais avanços continuarão progredindo nos anos seguintes, posto que as políticas públicas responsáveis pelos mesmos possuem efeitos limitados no tempo. 

Sendo assim, entende que é chegado o momento de a tributação dar a sua parcela de contribuição para a redução da desigualdade social, pretexto este que motivou o exame das razões pelas quais o modelo de tributação adotado atualmente no Brasil mostra-se incompatível com o formato constitucional respectivo e quais seriam as sugestões viáveis e potencialmente úteis para que a tributação possa recuperar a sua histórica função de elemento imprescindível para minimização das desigualdades. 

Em um primeiro momento, fez-se uma análise de um dos problemas com os quais o Brasil vem convivendo ao longo de sua existência, qual seja, a desigualdade social, suas causas históricas e o cenário atual. 

Após breve diferenciação acerca da complexidade entre combater a desigualdade social e combater a pobreza extrema, houve o relato da origem histórica da desigualdade social existente no Brasil e na maioria do continente Latino Americano, que remonta ao período em que a escravidão compunha a realidade das colônias europeias aqui instaladas. 

Dentre inúmeros outros fatores que fomentaram o crescimento da desigualdade social, merece destaque também a questão da má distribuição das terras rurais, que eram praticamente dominadas por latifundiários exploradores do trabalho escravo. 

Após a abolição da escravatura, os negros e pobres, antes escravos mas agora livres, foram, com o passar do tempo, se alocando nas regiões periféricas dos grandes centros urbanos, em locais sem os mínimos requisitos para moradia e com extrema densidade populacional, evidenciando claramente a desigualdade social que perdura até então. 

Como forma de constatação da referida desigualdade, basta uma simples análise acerca do fato de que o Brasil ocupação a posição de 7ª maior economia do mundo e, ao mesmo tempo, a 13ª posição no ranking das piores distribuições de renda. 

Concluiu-se, afinal, que muito embora tenha se constatado, na última década, um quadro de melhora no processo de distribuição de renda e redução das desigualdades, isto se deu, como dito pelo autor, “apesar da tributação”, pois em decorrência desta poucas mudanças ocorreram no sentido de utilizar a sua potencialidade redistributiva de renda, notadamente pela via dos ingressos. 

Sendo as manifestações de riqueza atingidas pela tributação no Brasil a renda, a propriedade e o consumo de bens e serviços, passou-se ao estudo da composição da carga tributária brasileira, que é o índice obtido mediante a comparação entre a totalidade da riqueza produzida em um país (PIB) e o valor arrecadado a título de tributos. 

Segundo dados da Receita Federal, apontados no estudo Carga Tributária 2013, mais da metade (51,28%) do total arrecadado se deu sobre o consumo de bens e serviço. Enquanto o imposto sobre a renda se manteve em 18,10%, sobre a folha de salários a arrecadação foi de 24,98%, o que demonstra que a tributação brasileira se alicerça sobre o consumo e sobre o trabalho, uma vez que ambos correspondem a 76,26% do total arrecadado. 

Por outro lado, constata-se que em países mais desenvolvidos a renda e o patrimônio são o cerne da incidência dos tributos. 

A partir de tal diagnóstico, foi possível verificar que, a despeito de surtirem efeito positivo algumas políticas públicas implementadas com a finalidade de redução da desigualdade social, o modo de tributar se mantém inalterado, auxiliando com isso na minimização dos efeitos redistributivos de tais políticas. 

Com toda a análise até então realizada, se iniciou a apresentação de proposições voltadas à “utopia útil” da igualdade, de acordo com termo criado por Piketty. 

Nas palavras do autor, entre as propostas que melhor cumpriram a finalidade defendida por seu trabalho, especificamente voltadas para a realidade brasileira atual, pode-se elencar as seguintes; 

  1. Preservação do mínimo existencial, que em muitos casos é claramente desrespeitado, como por exemplo através da incidência de contribuição previdenciária sobre salário-mínimo, inexistência de limite de isenção, em certos casos, para incidência de tributos sobre patrimônio, bem como limite reduzido para isenção do imposto de renda das pessoas físicas. Em vista disso, resta verificável que o modo de tributar brasileiro não condiz com os princípios norteadores do dito Estado Democrático de Direito, quais sejam, dignidade da pessoa humana e capacidade contributiva.
  2. Tributação universal e progressiva da renda e do patrimônio, uma vez que, a despeito de a renda e o patrimônio serem as mais claras “expressões de riqueza”, são as que menos sofrem incidência de tributos, fato que acaba por evidenciar que no Brasil o modo de tributar, nas palavras do autor, é voltado a taxar os mais pobres e desonerar os efetivos detentores da riqueza nacional.
  3. Redução e unificação da tributação sobre o consumo, que, ao mesmo tempo em que é atualmente o maior fato de arrecadação para os cofres públicos (51,28% do total), atua como uma das características da tributação que mais interfere desfavoravelmente para a obtenção da sua função de redução de desigualdades.
  4. Tributação voltada à proteção do meio ambiente, que, embora não possua relação direta com a questão da desigualdade, não pode deixar com que não percebamos que em um cenário de degradação ambiental, os prejuízos suportados pela parcela da população economicamente mais fragilizada são inversamente proporcionais à sua capacidade contributiva, o que acaba por se constituir em um dos fatores que mantém a desigualdade. 

Concluiu-se, ao final, que a questão fiscal corresponde apenas a uma das causas da desigualdade, mas não se trata de uma causa que possa ser desprezada, uma vez que além de não cumprir com o seu papel de redutora de desigualdades, configura-se em uma espécie de redistribuição de renda às avessas. 

Concordo com o posicionamento tomado pelo autor após criteriosa análise do estudo demonstrado, em especial quanto ao que podemos chamar de ineficiência do sistema tributário nacional decorrente da má quantificação da incidência dos tributos, o que lhe confere, de fato, a qualidade de sistema de redistribuição de renda às avessas. 

Vale ressaltar que um dos principais fatores para tanto é a agressiva incidência de tributos sobre consumo de bens e serviços, o que acaba por afetar de forma mais gravosa a grande parcela da população que possui baixa renda e consequentemente baixa capacidade contributiva, fazendo com que estes gastem expressivas parcelas de sua renda na tributação incidente sobre suas necessidades básicas de consumo, em evidente afronta aos princípios da já citada capacidade contributiva e da dignidade da pessoa humana, ao passo em que o modo de tributar, ao onerar excessivamente o contribuinte de baixa renda, age de forma descompassadamente mais branda em relação ao contribuinte com significativa possibilidade de recolher maiores quantidades de tributos.