Ficcionalidade e Narrativa em O Escaravelho do Diabo

Por tatiana de Souza Fernandini | 23/03/2016 | Literatura

Ficcionalidade e Narrativa em O escaravelho do Diabo

            A ficcionalidade contida no romance policial O escaravelho do diabo reside na existência de uma realidade plausível ou fantástica. A trama gira em torno de um enredo que contém elementos da imaginação com certa lógica, ou seja, há situações que podem ser relacionadas com a realidade, com o verossímil.  Este romance policial tem como enredo um mistério na cidade de Vista Alegre criado pelos crimes cujo “inseto”(assassino assim chamado pelos personagens Alberto,  Inspetor Pimentel e Subinspetor Silva) teria deixado rastros antes de cometê-los: a entrega de um escaravelho cuja espécime teria a ver com a forma que assassinaria. E, também, tinha como vítimas pessoas naturalmente ruivas e com sardas. Itens curiosos para a trama, mas o investigador fala que “dentro da loucura, há uma certa lógica”. O que remete a ideia da verossimilhança.

            Mesmo que haja itens subjetivos no romance, que deixa em aberto nas entrelinhas, há algo coerente com a lógica. Algo muito utilizado para que a realidade da ficção seja possível é o conhecimento científico da área da entomologia como algo objetivo a fim de persuadir o leitor.  Até o espaço da biblioteca serve para convencer o leitor daquela realidade. No entanto, há momentos que se chega a pensar em uma realidade fantástica. Isto acontece após a tentativa de homicídio contra a senhora Rachel Sartunino. Ela ficou tão perturbada após o incidente e disse ao Alberto que o assassino tinha chifres e mãos vermelhas. Dados que deixam a entender que o assassino usaria máscara. Conforme o Inspetor Pimentel “É a única hipótese razoável — disse este — Ou isso, ou então teremos que admitir um fantasma ou uma aberração da natureza.” O razoável aqui seria o próximo da realidade, verossímil. Quanto a outra opção, seria voltada para a realidade fantástica, mas também característica da ficcionalidade. Depende de como o leitor considera verossímil.

                        Neste romance policial, como em qualquer outro, há elementos do gênero narrativo que condizem com a sua construção – personagem, ação, espaço e tempo. Conforme Antonio Candido, enredo (história), personagem (matéria) e ideias (significado) são elementos essenciais do romance. E delimitando mais ainda é um romance policial por ter elementos como medomistério, investigação, curiosidadeespanto e inquietação.

            Como a atividade proposta, limita-se a apenas um capítulo, este artigo vai tratar do capítulo XXIV, em que o assassino e o motivo dos assassinatos são revelados. Esta é a ação e enredo deste capítulo. O espaço é a França. O tempo é cinco anos após o último assassinato. Os personagens envolvidos são Alberto, Nathalie (namorada de Alberto) Dr Jean Renaud ( o mais famoso cardiologista de Paris) e o Psiquiatra Kurt Von Richter.

            O motivo do assassinato, tão falado pelo Inspetor Pimentel como a lacuna que faltava para encontrar o assassino, neste penúltimo capítulo, Alberto, irmão da primeira vítima – Hugo, já formado em medicina, cinco anos após o último crime, vai à França. Lá conhece o Doutor Jean Renaud. Num jantar na casa deste doutor oferecido a um famoso psiquiatra Kurt Von Richter, ao falar com este psiquiatra sobre uma mulher por quem era apaixonado e com quem casaria – Verônica - mostrou uma foto tirada na pensão da Senhora Cora O’Shea. Nesta foto estava também Mr Graz, que morreu no incêndio com a última vítima ruiva da cidade de Vista Alegre – O padre Afonso. Através desta foto, o psiquiatra Kurt reconheceu e trouxe a lógica do assassinato em série acontecido naquela cidade. Na verdade, Mr Graz era Rudolf Bartels, interno de um sanatório mental, em Genebra. O que o fez ser um interno é o motivo de seus assassinatos. Era especialista em insetos. Havia descoberto um besouro com aspecto demoníaco - ignicornius diabolicus. Numa comunicação oficial que revelaria sua grande descoberta para entomologistas de vários países, ao abrir a caixinha onde deveria estar o inseto viu que havia desaparecido. Descobriu que seu assistente, Hans Schultz, havia tirado antes da solenidade para ridicularizá-lo. Foi o suficiente para traumatizá-lo e levá-lo a insanidade mental. Detalhe: seu assistente era ruivo e sardento. Daí querer assassinar pessoas com as características de seu traidor.

            Até aí, apesar de plausível, o motivo ainda pode soar estranho. Talvez distante de uma possível realidade. Alberto parece ler o pensamento do leitor ao questionar ao psiquiatra, que conta toda esta história, se a reação de Mr Graz, agora Rudolf Bartels, não seria exagerada. Então, o psiquiatra convence o leitor ao dizer que alguém como o Sr Rudolf, que investiu toda a sua vida e seu amor em função daquela profissão com o acréscimo de uma tendência neuropática hereditária, ao ser traído, poderia desenvolver tal reação. Isto corrobora com a verossimilhança que poderia deixar a desejar.

            Antes desta solução, o enredo dentro de sua lógica deixa reticente a possibilidade para desvendar o mistério. Esta é a intenção do ficcionista - deixar múltiplos significados de interpretação. Como não houve mais assassinato após a morte do Padre, não haveria mais ruivos e sardentos na cidade ou o assassino não estaria mais na cidade. Entretanto, como em todo romance policial não há crime perfeito, esse não seria diferente.  Aquilo que trouxe a desordem social (a estranheza do crime) foi resolvida mesmo que não tenha havido punição ao malfeitor.

Referência Bibliográrica:

ALMEIDA, L. M. de. O escaravelho do diabo. São Paulo: Ática, 1974.