Ficção e Realidade

Por José Frazão Araujo Souza | 24/05/2013 | Crônicas

 Ficção e Realidade

                                                                                                                                     José Frazão

Recentemente evangélicos ficaram indignados com o final da novela Salve Jorge de Glória Perez. Primeiro, o folhetim sofreu boicote por causa do nome escolhido, que seria uma homenagem ao orixá Ogum, correspondente a São Jorge no candomblé no sincretismo religioso. Segundo, o destino dado pela autora à personagem “convertida”. Esse final soou como avacalhação da fé  evangélica.

Novela já foi considerada como passatempo de mulher, hoje faz parte da cultura brasileira.  Tabus como pedofilia, homossexualidade e tráfico de pessoas já são discutidos nos folhetins. Após a inclusão desses temas, as novelas tornaram-se objetos de interesse da sociedade e também de estudo nas universidades. A abordagem de assuntos de forma tão aberta foi possível, graças a transformações sofridas pela sociedade brasileira nos últimos anos, com o aumento de campanhas realizadas contra o preconceito e pela divulgação, por parte da mídia, do assunto como um fenômeno real que merece atenção e respeito em sua análise, o que gerou uma mudança de valores por parte das pessoas.

A relação entre telespectador e autor nem sempre é amistosa. Alguns no calor de suas emoções chegam a confundir os personagens com os atores. Houve até casos de agressão verbal a artistas que interpretavam vilões. O telespectador atribui ao autor a responsabilidade do destino dos personagens. Quando o destino não é o desejado do público, coitado do autor! É execrado sem dó nem piedade.

Quem não vibrou na década de 1970 com as peripécias dos Irmãos Coragem e não torceu por um final feliz entre Simone e Cristiano em Selva de Pedra? E quem não se sentiu um detetive para desvendar a misteriosa morte de Odete Roitman, em Vale Tudo, um dos “crimes” mais famosos na história da teledramaturgia?

Entendo que na obra de ficção o personagem deve ser respeitado no exercício de seu livre pensar. A sua vontade não deve estar mais sob o domínio do seu criador. No momento em que o personagem é dado à luz – num verdadeiro parto, - ele adquire vida própria, liberta-se da esfera de dependência subjetiva do seu autor e toma independência/consciência para seus atos e decisões. O destino que o personagem toma, faz parte de sua vontade, e não do desejo de quem o criou. Se não há coerência no seu pensar e agir frente à realidade vivida, a questão está com a própria incoerência de que a vida é constituída. O autor, através da independência dos seus personagens está retratando a vida como ela é, como dizia o dramaturgo Nélson Rodrigues. Seu papel é somente dar-lhes vida, o julgamento que fazemos dos atos dos personagens diz respeito somente a eles.