FESTA E RELIGIOSIDADE: COMO SE FEZ A FESTA DE SÃO JOÃO BATISTA EM ALDEIAS ALTAS-MA NAS DÉCADAS DE 1970 A 1990
Por FRANCISCA MARIA NEVES LOPES | 30/07/2015 | História
FESTA E RELIGIOSIDADE: COMO SE FEZ A FESTA DE SÃO JOÃO BATISTA EM ALDEIAS ALTAS-MA NAS DÉCADAS DE 1970 A 1990[1]
Francisca Maria Neves Lopes[2]
RESUMO
O presente trabalho traz uma reflexão acerca da cultura religiosa e festiva presente em Aldeias Altas-MA, no período que corresponde às décadas de 70 a 90 do século XX, trazendo como objeto para tal reflexão o festejo de São João Batista, padroeiro desta cidade. Nesta perspectiva convém estabelecer um paralelo entre História e Antropologia, visando uma melhor abordagem do objeto através deste viés de pesquisa.
Palavras-chave: Festa. Religiosidade. Sagrado. Profano
ABSTRACT
This paper presents a reflection on the religious culture present in Villages High-MA, the period corresponding to 70-90 decades of the twentieth century, bringing such reflection as object to the feast of St. John the Baptist, patron saint of the city. In this perspective should draw a parallel between History and Anthropology, seeking a better approach to the object through this research bias. And for a better understanding of this festive and religious act should make an analysis of two contradictory aspects, but that are present in this type of celebration that is sacred and profane, thus weaving a historical narrative of this celebration.
Keywords: Party. Religiosity. Sacred. profane
1 INTRODUÇÃO
As festas surgem a partir de celebrações dedicadas geralmente a uma divindade que protegia as plantações, sendo estes realizados em um local, e em um tempo determinado. “Mas com o advento do cristianismo, tais solenidades receberam nova roupagem: a Igreja determinou dias que fossem dedicados ao culto divino, considerando-os dias de festa, os quais formavam em seu conjunto o ano eclesiástico”[3]. Assim sendo, o presente artigo abordará sobre as celebrações ocorridas no festejo em honra ao santo padroeiro da cidade de Aldeias Altas-Ma – São João Batista.
Conduzir uma pesquisa pautada nos aspectos religiosos é de fundamental importância, uma vez que nos permite compreender a história de determinado grupo social, pois como afirma Mary Del Priore: “o universo das ideias, das mentalidades, das crenças e dos ritos faz parte integrante do cotidiano e da consciência de nossa gente, como o fazem o trabalho, as relações sociais ou as instituições políticas”.[4]
Neste sentido, a presente pesquisa sobre o festejo de São João Batista em Aldeias Altas–MA, objetiva construir a história deste entre as décadas de 1970-1990, como forma de compreensão desse fenômeno de religiosidade. Ainda faz-se necessário perceber as transformações ocorridas no interior desta manifestação, onde deixa de existir alguns elementos e incorporam-se outros, representando assim um objeto de divulgação da cultura local, propiciando a seus moradores um sentimento de pertencimento, afirmando uma autenticidade para o local no qual se vive, pois sabemos que
[...] todo espaço ou lugar possui uma significação de existência que o torna singular, definidor de uma identidade que vem constituir pertencimento pelas
práticas exercidas no cotidiano da comunidade de modo a consolidar uma referência para o lugar ou região. [5]
Além disso, ao fazer uma análise das festas religiosas, bem como qualquer outra festa, nos faz enxergar as modificações que vão ocorrendo com o passar dos anos, pois sabemos que as festas não são imóveis, estando estas em constantes mudanças, ou seja, não é porque elas se repetem anualmente que vão apresentar uma estrutura cristalizada, onde deixa de existir alguns elementos e adicionam-se outros. Como diz Michel Volvelle[6] (1991): “[...] assim como não há uma história imóvel, também não há uma festa imóvel”.
Para fazer a demonstração de como se fez o Festejo de São João Batista e como, por intermédio desse ato festivo, as representações simbólicas que evidenciam ao olhar de uma coletividade “a sua própria identidade como grupo social e cultural” [7], é que foi escolhido o período que corresponde à década de 70 a 90. A escolha desse recorte não foi por acaso, optou-se por trabalhar a década de 70 pelo fato desse período ser considerado um marco na evangelização católica na cidade de Aldeias Altas-MA, uma vez que somente a partir da década de 1970 é que se tem início as catequeses e a escolha do santo padroeiro do município recém-formado, e o início das comemorações em honra a este santo. E, nas décadas de 80 e 90 percebe-se uma mudança brusca na estrutura desse festejo, onde já vai se ter um pároco fixo na cidade, pois até então vinham padres realizar missas em desobrigação mandados pela diocese.
Ao tempo em que se propõe construir a história da festa que movimenta toda à cidade de Aldeias Altas-MA, pretende-se mostrar quem são os sujeitos que participam da festividade em honra ao santo padroeiro da cidade e o que fazem durante os dias de festa, como diz Cleodes Ribeiro (2002): “a festa nos permite, de certa forma, mostrar o que somos por meio do que fazemos, não apenas no presente, mas no decorrer de toda uma história: o que vimos sendo, o que vimos fazendo, como elementos que foram construindo uma identidade” [8]. Isto é, com o passar dos anos, ou a cada momento que a comunidade vive, com a incorporação de elementos novos, faz-se necessário “a construção ou a reconstrução da imagem da própria identidade”. (ibidem)
Visando obter um maior entendimento acerca da história deste festejo, optou-se por fazer uma divisão entre dois aspectos que estão ligados as festas religiosas: o sagrado, representado através das missas, das procissões e as novenas, e o profano – as quermesses, festas dançantes e bebidas. Onde esta análise pretende estabelecer uma confirmação da fala dos entrevistados que relatam com muita emoção sobre essa festa que une a população aldeias-altense, e também atrai pessoas que moram em cidades vizinhas.
Como católica participante desse festejo, me veio o interesse por estudar acerca deste, onde procurei fazer através desta pesquisa uma representação do festejo de São João Batista. Assim faz-se necessário voltar um olhar para o passado na tentativa de reconstituí-lo, mas não tenho nenhuma pretensão de estabelecer uma verdade absoluta sobre o tema em pauta, seria até ingenuidade pensar dessa forma, pois como já mencionei vou fazer apenas uma representação desse passado, e a representação como afirma PESAVENTO (2008): “não é uma cópia do real, sua imagem perfeita, espécie de reflexo, mas uma construção feita a partir dele”.[9]
Assim o passado se torna algo a ser analisado e decifrado para que se possa chegar mais próximo possível do que de fato ocorreu, e este é o papel da história, nos fazer enxergar o passado como forma de nos reconhecermos no presente, como nos diz Joseph Ki-Zerbo (2010):
A história é uma fonte, na qual poderemos não apenas ver e reconhecer nossa própria imagem, mas também beber e recuperar nossas forças para prosseguir adiante na caravana do progresso humano. [...]. Pois “em algum lugar sob as cinzas mortas do passado existem sempre brasas impregnadas da luz da ressurreição”. [10]
Eis a função da História, nos fazer ver nossa própria imagem a partir do que fomos realizando ao longo da nossa existência.
Para a realização deste trabalho adotou-se a pesquisa bibliográfica. Nesta modalidade de pesquisa o presente trabalho terá como principais fontes de uso: História e História Cultural (Sandra JatahyPesavento); Religião e Religiosidade no Brasil Colonial (Mary Del Priore); Festas e utopias no Brasil colonial(ibidem); O império do divino(Martha Abreu); Deuses do povo( Carlos Brandão); Festa à Brasileira: o sentido do festejar no país que “não é sério”(Rita Amaral); A puxada do Mastro: transformações históricas da festa de São Sebastião em Olivença (Ilhéus- BA)(Edilece Couto); Folguedos, feiras e feriados: aspectos socioeconômicos das festas no mundo dos engenhos ( Vera Lucia Amaral Ferlini); Formas elementares da vida religiosa ( Émile Durkheim); O catolicismo rústico no Brasil ( Maria Isaura Pereira de Queiroz).
Além da seleção de livros e fichamento dos mesmos, a pesquisa também fez uso da metodologia da história oral para falar do festejo em estudo, uma vez que não se tem nada escrito acerca deste. Vale ressaltar que a escolha dos entrevistados não aconteceu de forma aleatória, mas procurou-se pessoas que tiveram um relevante papel no que concerne a pesquisa. Como ressalta Albuquerque Júnior (2007)[11]: Uma história que se diz oral, mas que se faz por escrito”.
Também foi realizada uma análise documental, onde o documento analisado foi o Livro de Tombo da paróquia em estudo, que possui alguns relatos manuscritos sobre os acontecimentos na paróquia de São João Batista e Santa Teresinha na década de 80.
O trabalho está dividido em três partes, onde a primeira faz um esboço sobre algumas características das festas católicas no Brasil, a segunda retrata sobre os preparativos que antecedem tais comemorações e a terceira traz o objeto de estudo em si, onde tecerá uma narrativa acerca da Festa de São João Batista em Aldeias Altas-Ma.
2 FESTAS CATÓLICAS NO BRASIL
Segundo Mary Del Priore (2000) o estudo da religião e da religiosidade é fundamental para a compreensão da história do Brasil, além de ser um tema de grande importância entre os estudiosos de História de todo o mundo. “O universo das ideias, das mentalidades, das crenças e dos ritos faz parte integrante do cotidiano e da consciência de nossa gente, como o fazem o trabalho, as relações sociais ou as instituições políticas”[12].
No Brasil a religiosidade está ligada a sua formação. No início da colonização, o europeu trouxe a sua religião, que é o catolicismo. Usaram como instrumento de disseminação deste catolicismo os jesuítas que vieram com a missão evangelizadora, missão esta que tinha como pretensão acabar com o paganismo indígena, transformando o índio num cristão que atuaria normalmente na sociedade católica. Neste sentido a religião se mostrava sendo um grande instrumento de dominação colonial, onde a Igreja e o Estado eram forças que atuavam juntas para conseguirem que este catolicismo ganhasse forças para atuar dentro da sociedade.
Implantado juntamente com a colonização portuguesa, graças ao direito de padroado, este catolicismo formava um sistema único de poder e legitimação, associando numa interpretação estreita, o Estado e a Igreja, o profano e o sagrado.[13]
A maioria dos rituais católicos existentes nas festas religiosas do Brasil foram trazidos no período da colonização portuguesa, mas não devemos achar que por esse motivo eles ainda continuam da mesma forma que os portugueses repassaram, pois não podemos nos esquecer que o tempo litúrgico foi inaugurado pelo cristianismo baseando-se na história de Jesus Cristo. Mas, isso não quer dizer que as festividades que ocorrem anualmente estabelecidas pelo calendário cristão vão ocorrer da mesma forma todos os anos, em vista que as festas não são imóveis.
No entanto, não podemos perder de vista que o cristianismo inaugurou o tempo litúrgico, baseado na historicidade de Jesus Cristo. Dessa forma, o tempo festivo é repetido, mas não é imóvel nem imutável. Apesar de se revelar especial e diferente do calendário profano, também não é um evento isolado, pois quebra o ritmo regular do cotidiano, promove a sociabilidade e o sentimento de pertencimento e identidade em um determinado grupo social. Além disso, possui intrínsecas relações com os aspectos políticos, econômicos e sociais. Portanto, o estudioso dos fenômenos religiosos e das homenagens a uma divindade, intercessor ou entidade deve estar atento aos significados, às mutações, perdas e incorporações de novos elementos.[14]
Como afirma Michel Vovelle (1991): “[...] assim como não há uma História imóvel, também não há uma festa imóvel”. Esta apresenta-se ainda como um elemento que representa uma importante função social, pois além de romper com o ritmo regular do cotidiano ainda promove a sociabilidade entre os seus membros.
As festas religiosas no Brasil nos permitem conhecer uma coletividade por meio do que realiza no período dedicado a celebração dessas festas, pois estas podem nos dizer muito sobre determinada sociedade, uma vez que possuem vários sentidos para quem delas participam, como destaca Mary Del Priore (2000): “os rituais religiosos no Brasil são polissêmicos, isto é, possui vários sentidos. Eles comunicam mensagens relacionadas com o sobrenatural, mas também com o econômico, o social o lúdico, o étnico, com a identidade cultural de todo fiel e, finalmente, com todo sistema cultural”.
No período colonial as festas representavam o momento do encontro da comunidade, o que não é muito diferente nos dias atuais em cidades interioranas dos Estados brasileiros, onde há uma partilha de sentimentos comuns e conhecimentos coletivos entre os membros da comunidade.
Vera Lúcia Amaral (2001), nos mostra esta quebra que há no ritmo do cotidiano dos brasileiros no período colonial por ocasião das festas através de um relato de Rugendas[15], onde este diz que:
A monotonia dessa existência só é interrompida, de quando em quando, pelas festividades religiosas; a importância destas aumenta ainda pelo fato de se tornarem uma oportunidade para reunião de todos os colonos da região; eles surgem a fim de terminar seus negócios ou iniciar outros. Não há nada mais animado do que um domingo numa aldeia ou vila, que possua uma imagem venerada de santo. As famílias dos colonos chegam de todos os lados. Os homens vêm a cavalo, as senhoras igualmente, ou em liteira conduzidas por bestas ou escravos. As grandes festas da Igreja são celebradas com muito aparato: há fogos de artifícios, danças e espetáculos, que lembram as primitivas representações mímicas e nos quais as chalaças grosseiras dos atores satisfazem plenamente os espectadores. [16]
Por ocasião da festa toda comunidade parava para celebrar, era o momento do divertimento, da sociabilidade, de estar toda a comunidade movida por sentimentos comuns, sentimentos estes impulsionados pela fé, pela a alegria de celebrar e de agradecer por graças alcançadas pela intercessão de determinado santo.
3 A FESTA COMO FUNÇÃO SOCIAL
A festa representa ainda uma importante função social, pois permite uma interação entre os membros da comunidade, como ressalta Mary Del Priore (2000):
Expressão teatral de uma organização social, a festa é também fato político, religioso ou simbólico. Os jogos, as danças e as músicas que a recheiam não só significam descanso, prazeres e alegrias durante a sua realização, eles tem simultaneamente importante função social: permitem as crianças, aos jovens, aos espectadores e atores da festa introjetar valores e normas da vida coletiva, partilhar sentimentos coletivos e conhecimentos comunitários.[17]
Partindo desta concepção, os festejos a santos canonizados pela Igreja Católica, nos permite conhecer uma coletividade por meio do que realizam no período que celebram suas divindades, pois o seus membros acabam por comungarem dos mesmos sentimentos, e mesmo as festas sendo laica elas sempre apresentarão aspectos religiosos.
Toda festa, mesmo quando puramente laica em suas origens, tem certas características de cerimônia religiosa, pois, em todos os casos ela tem por efeito aproximar os indivíduos, colocar em movimento as massas e suscitar assim um estado de efervescência, ás vezes mesmo de delírio, que não é desprovido de parentesco com o estado religioso.[18]
Para Durkheim as festas é um elemento que se configura como peça fundamental para que as relações sociais se estabeleçam dentro da sociedade. Segundo Rita Amaral (1998) DurKheim diz isso porque, em sua opinião, com o tempo a consciência coletiva tende a perder suas forças.
Quanto ao ato social que a festa representa Cleodes Ribeiro (2002) reforça essa representatividade de sentimento coletivo que esta proporciona aos indivíduos:
Outra particularidade da festa é a de que ela é sempre um ato coletivo, um ato social. Seria de algum modo inverossímil dizer que alguém que passa seu aniversário sozinho, tomando uma taça de vinho, está celebrando uma festa. Fazer festa supõe partilhamento e participação. É um acontecimento que necessita da presença dos outros para que produza seu efeito de tempo de exceção, de alegria e prazer comum.[19]
As festas religiosas permite-nos conhecer uma coletividade por meio do que realizam no período em que estas ocorrem em vista que são pessoas que partilham sentimentos comuns.
4 “O MELHOR DA FESTA É ESPERAR POR ELA”
As festas independente de qual motivo ela esteja se realizando, necessita de um espaço destinado para tal ocasião, e é neste espaço que vai ocorrer o desenrolar da trama encenada por seus respectivos atores, como destaca Cleodes Ribeiro:
Toda festa, qualquer que seja, ocorre num determinado espaço: a praça, a rua, o templo, a sala doméstica, o campo aberto, o parque a cidade. Espaços internos e espaços externos, pré-existentes ou construídos especialmente para abrigá-la, são o palco no qual diferentes atores, indivíduos e comunidade desempenham seus respectivos papéis. A exemplo de um drama a ser encenado, a festa supõe, além do palco, a presença de atores e público, cenários e bastidores, roteiros ou textos a serem cumpridos dentro de uma divisão temporal. Esquematicamente, as etapas dessa divisão compreendem: preparativos, começo, desenvolvimento de suas diferentes etapas e o seu fim. [20]
Estes espaços embora já existam, necessitam de reparos e preparativos: limpeza e organização, para o fim a que se destina. No desenrolar de tal organização as pessoas envolvidas trabalham para que o público alvo se surpreenda a cada festa, com isso até mesmo o espaço físico é pensado para não haver um constrangimento, tanto para quem organiza como para quem vai prestigiá-la.
Uma festa que celebra o dia do Santo Padroeiro numa capela do interior, dificilmente precisará mais do que a pequena praça do lugar ou as dependências do salão comunitário para ser o espaço adequado a ela. A festa de Carnaval, como a do Rio de Janeiro, ao contrário, tem como palco toda a cidade.[21]
Não devemos nos esquecer de que a divisão temporal da festa se divide em: preparativos, começo, desenvolvimento das etapas que se constituem, e o seu fim. Na realidade este trajeto temporal se configura como um circulo vicioso, pois logo que termina a festa de um ano as pessoas já começam a pensarem nas atrações que vão trazer no ano seguinte, visando surpreender o seu público.
Neste sentido, podemos dizer que a festa religiosa não se configura no ápice do acontecimento, mas há toda uma preparação para o fim a que se destina, no caso das festividades religiosas, temos que observar que não é um evento de devoção isolado, até porque em se tratando de uma comemoração é impossível que alguém a realize sozinho, e embora o fiel faça suas orações individuais, ele sente a necessidade de expressar a sua devoção através dos atos públicos, ou seja, é no seio da coletividade que se configura a satisfação em celebrar seu santo de devoção. Como diz Edilece Couto:
A devoção, enquanto sentimento religioso, dedicação e consagração a uma entidade tem caráter íntimo e individual. Mas, o devoto não se satisfaz com essas características da fé. É no espaço público das ruas – em procissões, cortejos e festas – e nos templos e santuários – na realização dos rituais que costuma expressar veneração. Já a festa é um ato essencialmente coletivo. [22]
Na cidade de Aldeias Altas-MA a festa ao santo protetor movimenta toda a cidade, pois além de representar um ato religioso, é também o momento do lazer do divertimento. Assim sendo a comunidade já começa a se preparar antes mesmo da festa para tal acontecimento, preocupando-se até com a roupa que vai usar na ocasião, denotando assim a importância do evento para a comunidade, podemos até dizer que o significado desta festa para a população aldeias-altense, pouco ou nada diferencia-se daquelas do século XIX descrita por Martha Abreu (1999):
Em diferentes períodos do século XIX, encontramos nos jornais referências a que a organização das festas dos santos protetores continuava sendo a mola mestra da vida das irmandades, grandes ou pequenas. Era o momento de afirmar a força daquela devoção, e a de seus próprios membros, [...]. [23]
Assim sendo, o evento em honra a São João Batista, é um ato religioso muito aguardado pelos fiéis, que se preparam para celebrar e demonstrar a sua devoção, e também é um momento de divertimento, do lazer que envolve toda a comunidade, uma vez que cada noite do festejo é estabelecido os noitantes, ou seja, os que vão ficar responsáveis pelas atrações da festa, seja na parte litúrgica, de apresentações de danças no arraial, ou como patrocinadores do leilão. Estes noitantes são as escolas, os comerciantes, as repartições públicas e as indústrias da cidade.
Em se tratando da forma como se organiza o evento, as pessoas já criam expectativas antes mesmo do início, isso motivadas pelo sentimento de devoção ao santo protetor, e do que possam encontrar de novo e surpreendente, outras por já terem participados de festas anteriores, e terem gostado, esperam encontrar as mesmas satisfações.
5 A FESTA DO PADROEIRO EM ALDEIAS ALTAS-MA
Na cidade de Aldeias Altas-MA as práticas religiosas exercidas durante o festejo de São João Batista realiza-se com traços deixados do período colonial, sendo também esta festividade celebrada com grandes aparatos: com procissões, com um número significativo de fiéis, fogos de artifícios, danças como quadrilhas, bumba-boi, e é claro o espaço tido como profanos com barracas com muitas bebidas e shows com bandas de forró. Mas como a festa se insere no espaço urbano acaba sendo controlada pela Igreja, sendo assim acompanhadas por estes rituais estabelecidos por esta instituição, que procura separar os rituais sagrados dos profanos. Podemos perceber isso através dos manuscritos do Livro de Tombo da igreja de São João Batista e Santa Teresinha:
O festejo do padroeiro S. João Batista de 14 à24 de junho de 1987
Foi realizada uma novena convidando a comunidade a rezar, a viver unida na sua fé. Os jovens dramatizaram alguns acontecimentos da vida de S. João: o nascimento, e voz no deserto. A festa finalizou com a procissão levando a imagem do padroeiro pelas ruas da cidade. Além do programa religioso, foi organizado o arraial, com a finalidade de arrecadar fundos para uma ampliação da Igreja – mas ficou proibida a venda de bebidas alcóolicas. Houve também uma parte folclórica com jogos e competições. A renda do festejo foi de cruzados 140.490,00. (LIVRO DE TOMBO DA IGREJA DE SÃO JOÂO BATISTA SANTA TERESINHA)
Percebe-se que no desenrolar da festa há toda uma preparação, uma organização que leva os fiéis a seguirem os rituais com toda uma devoção naquele santo em que se celebra. Neste sentido, podemos ver que o festejo de São João Batista em Aldeias Altas-MA é organizado de forma que instigue o fiel a viver a sua fé, sendo este evento preparado com muitos aparatos como: dramatizações, novenas, procissões e o arraial.
Em meados da década de 70, o festejo de São João Batista, padroeiro da cidade, era realizado em latadas improvisadas, pois ainda não tinha a igreja. Ali a comunidade se reunia para rezar o terço, pagar promessas, enfim para demonstrarem sua devoção por São João Batista. Posteriormente o festejo passou a ser realizado em uma escola.
Por ocasião dessa comemoração vinham padres de outras cidades, juntamente com o bispo diocesano para celebrar a missa, e levar a bênção dos sacramentos ao povo desta pequena cidade, vinham apenas nas visitas em desobrigação, sendo uma passagem rápida, pois ainda não tinha uma paróquia estabelecida na cidade.
Somente na década 70 teve início uma evangelização Católica propriamente dita em Aldeias Altas, onde bem sabemos ainda não se tinha uma igreja. Assim as pessoas eram chamadas a expressar a sua fé e religiosidade em um pequeno altar montado na casa do fundador do município Alderico Novais Machado.
A partir de 1971 começou-se a evangelizar... Através de catequistas né, no caso tinham mais ou menos umas quatro catequistas e nessa época não tinha igreja. Essa evangelização começou assim: convidavam os moradores para participarem do Santo Terço ás seis horas da tarde aí foi improvisado um altar na casa do fundador.(Dona Francisca Rêgo, 65 anos)
Depois da construção da igreja as quermesses passaram a ser realizadas em sua volta, passava-se então a ser o momento mais esperado do ano, onde além de celebrar e agradecer o santo por graças alcançadas, era também o momento de se divertir, pois havia brincadeiras, jogos, danças, leilões, o parque de diversões e barracas com venda de comidas típicas.
Embora uma cidade ainda muito pequena com poucos moradores, os leilões realizados no período do festejo conseguiam arrecadar uma boa renda, pois muitos proprietários de terra da região queriam contribuir com as joias do leilão, e eram bastante generosos em suas doações, poderiam não ser de participar muito da igreja, mas no período do festejo eles estavam lá demostrando a sua fé. Na realidade eles se identificavam com o que poderíamos chamar de catolicismo popular, em vista que embora não fossem católicos fervorosos de ir com frequência para a igreja tinham seu santuário em casa, que eram conhecidos como os oratórios, onde realizavam suas manifestações de fé no seu santo de devoção.
Naquela época era mesmo, o pessoal parece que não eram muito Igreja, mas em compensação o valor que eles tinham no seu seio, no seu íntimo de serem generosos eram bem mais né, maior... E, assim eu acho até que a fé deles crescia, por ser a festa do padroeiro do município eles terem aquela fé e serem generosos.
Nos anos 80 a igreja de São João Batista desvincula-se da igreja de São Benedito em Caxias, pois até então esta era apenas uma capela pertencente a igreja de São Benedito. Com o desmembramento a paróquia ganha um pároco fixo que foi Pe. Bruno Taroco, ficando este na paróquia até o ano de 2006.
Na posse desse novo pároco o festejo ganhou novas características no que concerne ao espaço de realização, pois as quermesses que antes eram realizadas aos arredores da igreja agora passam a realizar-se em um espaço mais afastado. Tinha muitas barracas com venda de comidas típicas e bebidas, vinham bandas de forró, realizavam-se várias apresentações de danças, e o parque de diversões que é marca registrada no festejo de Aldeias Altas-MA desde o final da década de 70.
Ganha estas características de afastamento da igreja apenas no espaço físico, porém o leilão realizado nesse espaço que demonstra o entrelace do sagrado e do profano angariava dinheiro que era destinado a paróquia.
As procissões reuniam e ainda reúnem um significativo número de fiéis, sendo esta acompanhada por fogos de artifícios, muitos cantos e orações que acompanham a imagem do santo padroeiro pelas principais ruas da cidade.
Segundo Carlos Rodrigues Brandão(2007) a escolha do santo protetor nas pequenas comunidades era realizada a partir de uma pesquisa que fazia uma busca de imagens de santos, o santo mais popular na região, ou seja, o que tinha sido encontrado o maior número de imagens seria o padroeiro.
Na cidade de Aldeias Altas-MA a escolha do santo padroeiro foi feita pelo idealizador do município, onde este era devoto do santo, e o nome do povoado que mais tarde se chamaria Aldeias Altas-MA era São João, também foi este quem fez a doação da imagem de São João. Esta imagem foi trazida encaixotada do Rio de Janeiro, e no início quando ela chegou ainda não se tinha a igreja, então como já mencionei anteriormente foi feito um pequeno altar na casa de Alderico Machado, e os moradores iam fazer a oração do Santo Terço diante daquele que seria mais tarde o protetor do município.
6 CONCLUSÃO
Viver sem história é ser uma ruína ou trazer consigo as raízes de outros. É renunciar à possibilidade de ser raiz para outros que vem depois. É aceitar, na maré da evolução humana, o papel anônimo de plâncton ou de protozoário.
Joseph Ki-Zerbo
Talvez o leitor deste trabalho ao começar ler esta conclusão deve estar se perguntando o porquê dessa citação à cima, mas eu posso explicar. Na realidade ela caberia melhor na introdução do trabalho, mas resolvi trazê-la para a conclusão, em vista que ela resume perfeitamente o que me levou a pesquisar a cidade de Aldeias Altas-MA, e conclui com exatidão a escolha do tema em estudo, pois no caso da festa em honra ao santo padroeiro não se tem nada escrito, por isso como diz a citação a cima não quero “renunciar a possibilidade de ser raiz para os outros que vem depois”.
Fazer um estudo analítico da festa de São João Batista permite-nos conhecera comunidade em seus diversos âmbitos (culturais, sociais, políticos, religiosos e econômicos), levando outras pessoas a conhecê-la pela maneira com que realizam tal evento, e o que é mais importante leva a própria comunidade a reconhecer-se através do que fazem, do que realizam no período da festa e dos rituais que estão presentes nestas manifestações.
Nas várias etapas da festividade vai se observando através dos rituais a forma de ser dos sujeitos participantes, ou seja, no espaço de realização da festa percebe-se que as pessoas partilham sentimentos comuns, que embora o fiel tenha a sua devoção como caráter pessoal e íntimo, ele não se realiza com este aspecto da fé. Ele necessita expressar sua veneração em espaços públicos como as ruas, através das procissões, dos cortejos e das festas, e também nas igrejas durante a realização dos rituais.
Os aspectos contraditórios do sagrado e do profano, que estão presentes nas festas, não apenas caracterizam-se por homenagear os santos católicos, mas também por criarem situações que propiciam a confraternização entre os membros de várias famílias e comunidades, trazendo aos membros do grupo uma união diante de um ritual que retrata a maneira como os seus membros veem o ambiente ao qual pertencem.
Em Aldeias Altas-MA, uma cidade interiorana, podemos observa que a maneira dos rituais presentes na celebração em estudo foram trazidos do período colonial, mas a comunidade vai adaptando estes rituais de acordo com a sua realidade, de acordo com o momento que a comunidade vive. Dentre estes rituais podemos destacar as procissões, os fogos de artifícios, as novenas e missas, bem como as quermesses que nos faz perceber a presença do sagrado e do profano. Digo isso porque no espaço destinado a quermesse vai haver a venda de bebidas alcoólicas, bandas de forró, dentre outas manifestações que vão deixar notório o lado profano da festa.
7 REFERÊNCIAS
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FONTES DOCUMENTAIS
LIVRO DE TOMBO DA IGREJA DE SÃO JOÃO BATISTA E SANTA TERESINHA
FONTES ORAIS
RÊGO, Francisca Maria da Silva (65 anos). Entrevista concedida a Francisca Maria Neves Lopes, em 17 de novembro de 2013.
SOUSA, Maria das Dores Ferreira de. (79 anos). Entrevista concedida a Francisca Maria Neves Lopes, em 03 de novembro de 2013.
[1] Artigo apresentado ao curso de licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Maranhão-UEMA, como requisito parcial para a obtenção de nota na disciplina Maranhão Republicano.
[2] Graduanda do curso de Licenciatura Plena em História.
[3] PRIORE, Mary Del. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Basiliense, 2000, p.13
[4]PRIORE, 2000, p.5.
[5]CRUZ, et al, 2008, p.2
[6] VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. São Paulo: Brasiliense. 2. ed. 1991. P.251.
[7]RIBEIRO, 2002, p.22
[8]RIBEIRO, 2002, p.21
[9] PESAVENTO, 2008, p.40
[10]Joseph Ki-Zerbo, 2010, p.57
[11] Albuquerque Júnior, 2007, p.229
[12] Del Priore, 2000, p.5
[13]ABREU, 1999, p.34
[14]COUTO,p.2
[15] RUGENDAS, João Maurício. Viagem pitoresca através do Brasil. (1835). Trad. Port. 7. ed. São Paulo- Belo Horizonte: Edusp-Itatiaia, 1976, p. 117.
9[16](RUGENDAS, In: FERLINI, 2001, p.450)
[17]DEL PRIORE, 2000, p.10
[18](DURKHEIM, 1978, p. 547)
[19]RIBEIRO, 2002, p.43
[20]RIBEIRO, 2002, p.40
[21] Ibidem, p.41
[22](COUTO, p.8)
[23]ABREU, 1999, p. 36