Feminicídio

Por Camilla Pires | 30/08/2016 | Direito


1. Introdução

A violência no Brasil vem aumentando a cada dia e para que seja controlada, ao menos em tese, se torna necessário o endurecimento de certas modalidades penais. Nesse sentido, foi o que ocorreu com a Lei nº 13.104/16, promulgada no dia 09 de março de 2015.
A referida lei possui o condão de aumentar a punição dos crimes de homicídio praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio), acrescentando ao artigo 121, §§ 2º, inc. VI e  2º-A ao Código Penal. Ao mesmo tempo, caracterizou esse homicídio como hediondo, uma vez que, acrescentou o inciso VI ao final do inciso I do art.1º da Lei 8.072/90.
Essa a tipificação tem como finalidade a apuração de forma mais específica de procedimentos e rotinas de investigação e julgamento com a finalidade de coibir os assassinatos em detrimento do sexo feminino.
É nesse sentido que, o presente artigo, pretende demonstrar todas as modificações ocorridas com a Lei 13.104/16, e a repercussão que esta terá na sociedade, levando em consideração todos os entendimentos até agora elencados pela doutrina.

2. Conceito:

Essa inovação é fruto de um contexto histórico marcado pela discriminação à mulher.   De acordo com o Instituto Avante Brasil uma mulher morre a cada hora no Brasil. Quase metade desses homicídios são dolosos praticados em violência doméstica ou familiar através do uso de armas de fogo. 34% são por instrumentos perfuro-cortantes (facas, por exemplo), 7% por asfixia decorrente de estrangulamento, representando os meios mais comuns nesse tipo ocorrência.
Gerardo Landrove Díaz, analisando espeficamente as situações de infrações penais praticadas no interior dos lares, nos esclarece que:

"Dentro das tipologias que levam em conta a relação prévia entre vítima e autor do delito (vítima conhecida ou desconhecida) temos que ressaltar a especial condição das vítimas pertencentes ao mesmo grupo familiar do infrator; tratam-se de hipóteses de vulnerabilidade convivencial ou doméstica. Os maus tratos e as agressões sexuais produzidos nesse âmbito têm, fundamentalmente, como vítimas seus membros mais débeis: as mulheres e as crianças. A impossibilidade de defesa dessas vítimas - que chegam a sofrer, ademais, graves danos psicológicos - aparece ressaltada pela existência a respeito de uma elevada cifra negra."
 Além disso, de acordo com Julio Jacobo, a violência contra as mulheres tem deixado uma ferida intensa e dolorida. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Sangari, com base nos dados do Sistema Único de Saúde, denominada Mapa da Violência no Brasil 2012 demonstrou que entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres foram assassinadas no Brasil; ou seja, em média 10 mulheres foram assassinadas por dia.
Conforme já se saber, o Decreto nº 1973 de 1996, foi o primeiro documento que dispôs sobre a violência doméstica contra a mulher, proclamando sua vulnerabilidade nas relações familiares. Dispõe o art. 1º da referida Convenção:

Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.
 Dez anos depois, foi publicada a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal. Esta estabeleceu medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Apesar de muitos acharem que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) tipificava crimes, esta não trouxe um rol de crimes em seu texto, muito pelo contrário, ela apenas trouxe regras processuais para proteger a mulher vítima de violência doméstica, mas sem tipificar novas condutas. Dessa forma, esse novo tipo penal não era previsto na Lei 11.340/06.
Assim, antes da Lei n.° 13.104/2015, não havia nenhuma tipificação legal pelo fato de o homicídio ser praticado contra mulher, sendo punível na forma do homicídio simples.
Agora, de acordo com o art.121, inciso VI, §2º do Código Penal, feminicídio é matar mulher por "razões da condição de sexo feminino". Somado a essa definição, o §2º do mesmo artigo afirma que: "Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher."
Nota-se que, não é qualquer assassinato que será considerado feminicídio. Deve estar presente uma das hipóteses elencada no §2º-A, art.121 do Código Penal.
A primeira hipótese diz respeito a violência doméstica e familiar, nos remetendo ao art.5º  e 7º da Lei 11.340/06, que assim nos diz:

Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:  I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
 Art. 7o  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
 Da conjugação dos artigos 5º e 7º da Lei nº 11.340/2006 temos que: 1) a violência doméstica e familiar somente pode ter como vítima a mulher, independente de sua condição pessoal ou preferência sexual; 2) pode ocorrer em qualquer local em que a ofendida resida, ou mesmo fora dele, desde que praticada por pessoa que consigo conviva ou conviveu, com ou sem vínculo familiar, por familiares, por pessoas unidas por laços naturais, de afinidade ou por vontade expressa, ou, ainda, em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação e de orientação sexual; 3) as formas de agressão podem ser de índole corporal, psicológica, moral, patrimonial ou sexual, cometidas por ação ou omissão baseada no gênero.
Nesse caso, é fácil constatar que a mulher encontra-se em situação de vulnerabilidade, motivo pelo qual deve ser amparada pela qualificadora, de natureza objetiva.
Por outro lado, a segunda hipótese é difícil de ser caracterizada, pois trata-se de uma circunstância subjetiva. Nos dizeres de Antônio Lopes Monteiro: "menosprezo é a falta de apreço por alguém, no caso em razão do gênero; é desprezar, desdenhar da mulher; é tratá-la com desdém, desconsideração, desprezo. Não fazer caso, enfim, tratar a mulher de forma desprezível, sem lhe dar a devida atenção."
Dessa forma, deve-se ressaltar que, somente nos casos do §2º-A, inciso I do Código Penal será permitido a figura do homicídio privilegiado-qualificado, uma vez que trata-se de qualificadora de natureza objetiva.
Por fim, cabe dizer que, apesar de serem utilizados como sinônimos, feminicídio e femicídio possuem significados diferentes. O primeiro significa praticar homicídio contra a mulher por razões de gênero; já femicídio significa praticar homicídio contra a mulher. 

3. Principais modificações trazidas pela Lei 13.105/15:

Conforme já dito, a Lei 13.105, sancionada no dia 09 de março de 2015, inaugurou mais um tipo penal que foi o feminicídio, entendido como morte de mulher em razão da condição do sexo feminino, alterando o art.121 do Código Penal.
Essa lei é de autoria da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Investigação da situação da violência contra a mulher no Brasil. E, conforme já dito, esta se justifica, pelo fato de que, inúmeras infrações penais são praticadas no interior dos lares, no seio das famílias, desde agressões verbais, ofensivas às honras subjetiva e objetiva das pessoas, passando por ameaças, lesões corporais, crimes contra o patrimônio, violências sexuais, homicidios e tantos outros crimes.
Na América Latina, vários são os países que tipificaram o feminicídio. Na Costa Rica, no Chile e no Peru as legislações punem o homicídio de mulher por alguém que com ela tenha mantido relacionamento íntimo (cônjuge, companheiro, ou até mesmo namorado, como no caso do Peru). Já em El Salvador, Guatemala e México o crime é punido porque a morte da mulher ocorreu em razão de seu gênero. Em todos esses países o crime é punido de forma autônoma, dando-lhe especial tratamento.
Passando a análise dos aspectos principais da Lei em estudo, vamos analisar as principais modificações.
Conforme se sabe, o rol de qualificadoras do homicídio encontra-se previsto no § 2º do art. 121 do CP, é nele que foi inserido o inciso VI, prevendo o feminicídio, conforme se vê pelo artigo:
Homicídio qualificado.

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