Feliz Natal Mamãe
Por claudine teles moreira | 23/12/2010 | ContosFeliz Natal Mamãe!
Lhe deseja o seu filho maldito
Quando me perguntam se maldição pega, simplesmente respondo: "Ser fores da mãe sim".
Sabemos que a violência é inerente aos animais irracionais e, desde o fratricídio entre Caim e Abel, os homens não são exceção. Encontramos a vilania em todos os lugares. Mas será que regozijar com a desgraça do próximo e as hipocrisias também o é?
Acredito que a razão dos muitos males que praticamos está acima dos nossos conhecimentos.
Não é a hereditariedade, índole, tampouco a famigerada resposta simplista. Tudo é influencia implacável do meio, das necessidades, do consumismo. E quando não tem uma base sólida e o destino ou o mau uso que fizemos do livre-arbítrio, em outras encarnações. Atualmente, podemos acrescentar: o defeito genético ou continuar acusar os demônios, ou as leis do Criador de ação e reação (carma).
Será que em vez de ser o ápice da criação sejamos apenas meros autômatos, ou com defeito de fabricação.
E dentro deste cubículo de cimento, com seis metros quadrados, com o teto abobado todo manchado pelo bolor da umidade, formando figuras sacras são elas as minhas únicas conselheiras e amigas nestes últimos vinte anos de isolamento forçado.
Embora saiba que são merecidos mas não acredito na reabilitação, basta avaliar o meu passado. Não nasci em favela ou guetos, não usei drogas, nem tive companheiros marginais ou traficantes, minha família é formada de pessoas de tementes a Deus e a Nossa Senhora da Aparecida. São exemplos de honestidade. Será que poderia ter escolhido outro caminho. Afinal desde de criança sempre achei ser uma pessoa alegre e normal.
Se hoje, a notícia de que um filho matou a própria mãe choca muito, imaginem há sessenta anos como a sociedade reagiria!
Não que as minhas atitudes fossem iguais a da universitária que assassinou em companhia do namorado os pais com bastão de beisebol, mas matar de desgosto também é matar.
Apesar, que nos dias atuais ser golpista, ladrão ou traficante é status, símbolo de esperteza. Naqueles tempos uma mãe preferiria que seu filho nascesse sem os dois braços a ter o habito de roubar, tomar coisas alheias, enganar, ou tapear o seu próximo. Isto era coisa dos endiabrados, possuído pelo demônio que veio apenas para vingar, sujar, envergonhar toda a família, estendendo esta mancha, muitas vezes, por várias gerações.
Não viam como uma patologia que precisava de ajuda, como os usuários de craque, nos dias atuais. A discriminação e a desonra era tão grandes que os membros da família mudavam de cidade ou estado, para não serem reconhecidos como parentes ou cúmplices. responsáveis pelo desleixo e a má criação do menino.
Parecia que até sentia bem em chamar atenção ou ser punido por motivo justo. Tomava os lanches, borrachas, lápis dos colequinhas menores, roubava frutas nos pomares dos vizinhos, até era líder de outros quatros pivetes que me ajudavam nas empreitadas.
Mas o que gostava mesmo era fugir da escola e ir nadar no lago da biquinha, ou "empinar urubu", bastava arrumar tripas de frangos e um rolo de linha de pedreiro reforçada que a festa estava pronta. Com ajuda de um pedaço de arame passava o cordão por dentro das tripas, aí era só jogá-la perto do lixão, imediatamente um faminto já pegava e engolia depois era só espantá-lo e dar linha para atingir a altura desejada, depois bastava forçá-lo a vomitar e ficar torcendo para que outros urubus pegassem no ar. Eu quase sempre fui o campeão, chequei a empinar quatro sem deixar a tripa tocar no chão.
O meu grande problema era que apesar dos cuidados da criatividade para elaboração dos planos macabros, ou inventar boa mentira a minha mãe ou para professora, sempre surgia alguém para delatar-me, fazendo parecer que era só eu a praticar os delitos naquela pequena cidade. As outras crianças eram anjos.
Lá vinham os castigos de ficar fechado no quarto, ajoelhar nos grãos de milhos por mais de uma hora, levar raquetadas na sola dos pés, ou nas mãos, até aquelas surras com cintos, varas de marmelo ou rabo de tatu, deixando vergalhões, tendo que passar salmoura para não virar bicheira. Mas todos pensavam que eu era de borracha e não sentia dores. Mesmo quando chorava ou gritava desesperado, pedindo socorro, diziam que estava fingindo.
Ah! mais isso merecia vingança "maligna". Se descobrisse que foram os cacoetes, meninos mais fracos que eu apanhava-o e amarrava na árvore perto do córrego, na saída da escola só de vestido, além da gozação dos passantes ainda tinha a nuvens de pernilongo que se banqueteavam.
Mas se fosse adulto, ou bem mais forte que eu, arrumava um exame de abelha, prendia em uma caixa de sapato, esperava uma ocasião propicia e arremessava sobre ele. Era uma festa ver o desespero do safado e nos outros dias vê-lo todo inchado pelas picadas, e caso fosse um comerciante, prendia em saco de estopa dois ou três dos urubus, e no momento certo soltava dentro do estabelecimento. Era uma festa assistir aqueles bichos muito doidos sem direcionamento ir se batendo em tudo e todos derrubando e quebrando o que encontrava pela frente era assunto até para jornal.
Claro, daí o castigo era dobrado. Além da surra, não podia sair do meu quarto. Ninguém conversava comigo durante dias, ainda ficava sem mistura ou sobremesa. Não tinha direito nem a uma fruta, ainda muitas vezes tinha que ouvir os sermões do padre, até ser untada com tutano de capivara e folhas de ervas santa pelas benzedeiras. Ainda tinha que ouvir minha mãe dizer: "Não sei mais o que faço com este maldito menino".
E, embora prometesse centenas de vezes que nunca mais iria fazer isto, até concordei com o padre em ser coroinha ou ir estudar no colégio das freiras. Mas no fundo estava louquinho para sair do castigo e ir roubar umas jabuticabas no quintal da vizinha, o pé estava carregado. Ficava horas olhando-as pela janela do meu quarto, apesar da maioria estarem verdinhas, havia algumas mais crioulinhas, convidativas e que mereciam serem chupadas. O pior problema é que havia um casal de pastor alemão que era uma verdadeira fera, me odiavam. No ano anterior, arrumei uma vara enorme de bambu e amarrei uma latinha na ponta, as únicas três belezocas que havia conseguido apanhar, aqueles cães do cabrunco apareceram, além denunciarem minha presença ainda derrubaram-me do murro. Sorte que não caí do lado deles, senão teriam estraçalhado-me. Mas, ficaram com os frutos do meu roubo e o bambu que tinha levado um dia para achar, cortar e transportar. Ainda levei uma surra e fiquei de castigo. O único consolo foi que a vizinha, quando maduraram as jabuticabas, mandou uma sacola para que pudéssemos matar a vontade. Mas, não eram as mesmas que eu queria. Porém, neste ano vou arrumar meios de enganá-los. Vou mostrar que sou mais esperto do que estes roedores de ossos.
Já passaram três semanas da minha última aventura. Todos estavam admirados de eu não ter aprontado nenhuma coisa tão grave. Achavam que as palavras do padre, ou as rezas das benzedeiras, deram certo o menino estava curado.
Mas, na verdade estava na preparação minuciosa do meu grande furto. Já havia incumbido o olheiro para ter certeza exata da hora em que a vítima saia e voltava, e para onde ela ia diariamente.
E quanto as duas feras, os pastores alemães metidos a policiais, já vinha há dias agradando-os com restos de merenda, e até os meus biscoitos e mistura. Em três semanas percebi que valeu o meu investimento, já estavam comendo em minhas mãos.
E na hora determinada fui o primeiro a entrar para enfrentar e prender, no canil, aqueles monstros enquanto os meus companheiros já subiam no pé de jabuticaba, enchiam a camisa dando impressão de serem mulheres grávidas.E, quando subia nos primeiros galhos, a coroa ? dona da casa ? chegou e soltou as feras que estavam até babando de raiva por terem sidos enganados.
Os companheiros que estavam na parte de baixo imediatamente pularam o murro e fugiram. Eu já não podia descer no chão que eles me pegariam. Fiquei acuado e a velhota, com ajuda de uma vara me cutucava, gritando: "Desce daí menino. Você está derrubando todas as jabuticabas verdes".
Naquele desespero fui até a ponta de um dos galhos e tentei pular do outro lado do muro. Percebi que não era dotado de nenhum super poder. Caí de bruços sobre o muro. Além de amassar todas as jabuticabas, levar umas varadas, ser mordido várias vezes por aqueles cachorros mal agradecidos, que comeram os meus quitutes. Só não apanhei mais porque fui levado de maca para hospital. Além das escoriações e as feridas das mordidas, fui engessado mais da metade do corpo, tinha duas costela, clavícula e o braço esquerdo fraturado. Prometi para Nossa Senhora que escapando desta nunca mais iria roubar ninguém.
Mas o diabo continuava atentando. Dois meses depois no dia vinte e quatro de dezembro a cidade estava em festa, as lojas todas enfeitadas. Sabia que minha mãe e minha tia iriam comprar um presente para mim, não havia razão nenhuma para haver aquela caraminhola roendo minha mente.
Afinal não haveria risco, cúmplices! Tudo era muito fácil, só precisava ter uma tesoura bem afiada. No domingo, a feira chegava a ter mais de dois quarteirões. Eram centenas de barraqueiros a vender as mais diversas iguarias, frutas de todos tipos. No entanto, o objetivo era chegar na barraca de frios, com o carrinho feito de caixa de madeira e rodas de chapas de freios de trem, comprado pela sua mãe para transportar as mercadorias. Quando ela parou em frente àquele maravilhoso sortimento de queijos de todos os tipos, onde era freguesa antiga, justamente ali estava o meu tesouro, pronto para ser roubado! Não importava se o dono era bonzinho, e às vezes dava-me um pedaço de mortadela, salsichas ou outras guloseimas. Aquelas preciosidades dependuradas em minha frente estavam pedindo para serem levadas. Com todo o sangue frio dei andamento aos meus planos, encostei o carrinho embaixo daquele cordão com dois metros de altura, cheio de queijos tipo cabacinha amarrados pelos pescoçinhos uns aos outros, foi só tirar a tesoura da cintura e cortar o cordão deixando três daquelas belezinhas caírem espontaneamente dentro do carrinho cobrindo-as rapidamente com as verduras, deveria ser um crime perfeito se não fosse um infeliz vigia que ficava de guarda pelo lado de fora. Imediatamente agarrou os meus braços e com toda a força sacudiu-me derrubando-me no chão. Por mais que me debatesse para escapar, mais o brutamontes se apertava contra mim. Com essa proeza atraiu, em minutos, uma multidão de pessoas curiosas que nos rodearam, quando souberam do que se tratava ao invés de salvar-me do sufoco queriam linchar-me.
Até o velho gorducho que sempre fora meu amigo gritava: "Traz ele aqui, vamos cortar-lhe as mãos.". Mamãe não entendia o que estava acontecendo e repetia desesperadamente: "Por favor ele é meu filho! Ele não fez nada! Soltem-no!". Ela só acreditou quando o vigia lhe mostrou o produto do crime e a ferramenta usada, a sua tesoura de costura.
O estranho foi que ela imediatamente parou de chorar, assumiu a culpa indenizando o prejuízo. Apesar dos gritos a pedir a punição dos presentes, não tomou nenhuma medida drástica, nem mesmo puxou-me as orelhas como fazia normalmente, apenas pediu para que pegasse o carrinho e a acompanhasse. Foi se afastando de cabeça baixa. Eu que já tinha experiência no assunto sabia que não adiantava fugir, ou se lamentar. Isso só a irritava, quando chegássemos em casa sabia que o coro ia cantar, e dessa vez não sei por quanto tempo iria ficar de castigo. Todavia, pela surpresa foi ao contrário, depois de fazer a caminhada sem trocar uma só palavra ao chegar em casa ela simplesmente entrou em seu quarto fechando a porta com a chave, como que não se não tivesse acontecido nada.
Depois de descarregar o carrinho também fui para o meu quarto, fiquei embaixo dos cobertores esperando pelo castigo. Por muitas horas a casa ficou em completo silêncio, de repente acordei do meu cochilo com gritos, lamúrias, ameaças, que duraram de uns trinta a quarenta minutos, dando a impressão que todos saíram juntos. Somente no dia seguinte, no dia de Natal resolvi sair do meu quarto e ir pedir desculpas, desejar um Feliz Natal a minha mãe.
A minha grande surpresa foi quando meu irmão, em prantos, me disse: "Menino maldito! Você não irá ao enterro da mamãe". Fiquei atônito, sem ação. Não entendi que ele queria dizer que a nossa mãe estava morta. Só vim a saber que ela havia tomado um pacote de veneno para ratos e cortado os pulsos quando já estava internado em uma casa correcional para menores, embora tenha chegado tarde para desejar-lhe um Feliz Natal, acho que ela ficaria feliz em saber que depois de cinquenta anos mantenho os três queijinhos, e nunca mais roubei uma só bala de ninguém. Cumpro pena por ser o carrasco dos corruptos.