FARDOS PESADOS

Por Jorge André Irion jobim | 25/04/2009 | Crônicas

Outro dia passou na frente da minha casa um menino franzino carregando com muito esforço, dois sacos cheios de recipientes de plástico. Perguntou-me se eu não possuía algumas garrafas vazias para lhe dar. Eu costumo guardar algumas para acumular água da chuva com a finalidade de regar as plantas, porém, como existiam umas quatro vazias, acabei dando-as ao menino.

 

Bem, esta é uma coisa corriqueira hoje em dia, porém o que me marcou bastante, foi o fato de ele ter me relatado que estava juntando dinheiro para fazer o tratamento da irmã que estava doente. Falou-me ele que todos os dias passaria por ali e pediu que, se eu conseguisse juntar outras garrafas, as guardasse para ele.

 

Alguém poderá dizer maliciosamente que o menino “me passou a conversa”, falando em tratamento da irmã apenas para me sensibilizar e entregar todo o material para ele com exclusividade, já que são várias as pessoas que passam pelas ruas procurando material reciclável. Pode até ser, porém prefiro dar um voto de confiança àquele menino que me falou de uma maneira tão firme e convincente, que eu não me atrevo a duvidar de seus motivos. Até porque, por sermos levados muitas vezes a desconfiar de tudo e de todos, acabamos aprendendo lições duras e inesquecíveis com os fatos da vida.

 

A lição a que me refiro, aconteceu em uma noite em que eu e meu filho Deco estávamos sentados em uma pracinha erma da cidade, na qual eu havia levando meu cachorro Floquinho para passear.

 

Deixamos o carro estacionado a uma certa distância e fomos sentar em duas cadeiras de praia que havíamos levado. De repente, aproximou-se do veículo um menino pequeno que devia ter uns sete ou oito anos e, sem nos enxergar, ficou espiando para dentro do veículo. A primeira impressão que me veio à cabeça, foi a de que ele estaria querendo furtar alguma coisa que estivesse ao alcance de suas mãos, já que a janela estava semi-aberta.

 

Não foi o que aconteceu. O menino foi se afastando e, ao nos ver sentados a uma certa distância, perguntou-nos se sabíamos quem era o dono do automóvel. Eu, ainda impregnado daquele meu primeiro sentimento de desconfiança, falei-lhe que não sabia. Queria ver qual era a intenção do menino. Ele se aproximou e disse que era uma pena, pois se soubesse quem era o dono, pediria para lavar o veículo, tudo com o objetivo de ganhar alguns trocados.

 

Neste momento eu pude perceber que ele carregava uma sacolinha de plástico dentro da qual estava um pacote de um quilo de açúcar. Disse-nos ele que estava precisando de dinheiro pois seu pai estava desempregado. Afirmou-nos ainda que já havia vendido seu videogame, sua bola de futebol e sua “bike”, tudo com a finalidade de comprar as “coisas para dentro de casa”. Que talvez tivesse que vender suas chuteiras, já que estavam passando necessidade.

 

O relato daquela criança me deixou sem ter o que dizer, completamente envergonhado e culpado de ter desconfiado e mentido para ela.  Ao terminar de falar, o menino, que tinha nos olhos um brilho de quem encara os desafios da vida com uma determinação que muitas vezes falta aos adultos, foi embora, desaparecendo na escuridão da pracinha mal iluminada.

 

É claro que ele sumiu fisicamente de minha visão. Sua imagem caminhando com a sacolinha e desaparecendo no horizonte, permanece até hoje em minha mente e na minha retina, como se fora uma lição que eu precisava aprender para eliminar meus preconceitos e parar de fazer pré-julgamentos.

 

A partir daquele dia, resolvi adotar em minha vida o princípio da boa-fé em relação às pessoas que se aproximam de mim. Sei que é uma decisão que nada contra a corrente, eis que hoje em dia somos aconselhados a termos uma atitude de prevenção em relação a tudo o que ocorre ao nosso redor. Sei que muitas vezes eu irei perder confiando nos outros, mas tenho certeza que não carregarei mais esta imensa culpa de fazer mau juízo de um menino que tenta realizar a tarefa hercúlea de auxiliar a família. Alem disso, poderei ter contato com pessoas incríveis e interessantes que o preconceito  e o medo de arriscar muitas vezes nos impedem de conhecer.

 

São duas histórias verdadeiras e simples, de dois meninos que já na tenra idade, transportam nos ombros, por suas próprias iniciativas, fardos bastante pesados que a vida lhes colocou sobre as frágeis costas e que eles carregam com uma dignidade e altivez que muitas vezes nos falta no enfrentamento dos problemas que nos afligem no dia-a-dia.

 

Como eu disse anteriormente, foi uma lição dura, porém inesquecível.

 

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS|