Família: uma barreira à criminalidade?

Por Márcio Freitas Costa | 18/03/2017 | Adm

Família: uma barreira à criminalidade*

                                                                      

Márcio Freitas Costa**

                                                                                                         

Sumário: Introdução; 1 Controle social informal;2 Afamília como órgão influenciador ; Considerações finais; Referências.

RESUMO

 

O presente trabalho tem como objetivo oferecer uma resposta válida à população em relação às deficiências do sistema penal brasileiro, tendo em vista que através do controle social informal, em especial o familiar, pode se obter o controle da sociedade e por conseqüência uma possível redução da criminalidade.

Palavras-Chave: Sistema Penal; Controle Social informal; Família.

Introdução

A idéia de crime acompanha a formação da sociedade, pois querendo ou não, todos vivem cometendo atos ilícitos que podem ou não vir a serem repreendidos pelo sistema penal.

Com o passar dos tempos, condutas reprováveis passaram a receber um tratamento diferenciado e a forma de evitar a punição dessas condutas passou a ser objeto de estudo dos especialistas em controle social, objeto do trabalho.

A discussão sobre a influência do controle social informal, em especial, da família, é alvo de muitas críticas, pois deve ser parte atuante. E para os atuantes e defensores dos direitos humanos, esse controle, em meio a ondas de violências perpetradas pelos indivíduos, sozinho, não resolve o problema da criminalidade, mas, reduz, tendo em vista que a violência em nosso país teve um significativo aumento devido às desigualdades e exclusão sociais, à falta de oportunidades de trabalho e futuro para os jovens.

Porém, deixando de lado o sistema repressor, a realidade atual gera o seguinte questionamento: será mesmo que punir determinadas condutas provoca um efeito benéfico na sociedade? Será que o controle informal facilita a vida em sociedade ou apenas gera dominação das massas? É o que será analisado no decorrer do trabalho.

1 Controle social informal

Inicialmente, antes de adentrar ao objeto de estudo “controle social informal”, vale informar que o Direito Penal tem por escopo a proteção dos bens jurídicos mais relevantes da sociedade, sendo norteado pelos princípios da intervenção mínima, da subsidiariedade e da fragmentariedade.

Em face do princípio da intervenção mínima, “o direito penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes, e as perturbações mais leves da ordem jurídica são objeto de outros ramos do direito[1].

Ensina Nilo Batista[2] que:

a subsidiariedade do direito penal, que pressupõe sua fragmentariedade, deriva de sua consideração como remédio sancionador extremo, que deve portanto ser ministrado apenas quando qualquer outro se revele ineficiente; sua intervenção se dá unicamente quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem jurídico, predispostas por outros ramos do direito.

Note que é desnecessária a atuação penal em todos os casos, pois para cada conduta há uma reação da sociedade, que pode vir a ser resolvida tanto de forma institucionalizada (sistema penal) quanto controlada pelos meios difusos, se analisados isoladamente.

Os meios difusos são conhecidos por controle social informal que é um conjunto de sanções sociais que pretendem promover e garantir, desde cedo, juízos morais na personalidade dos indivíduos.

Segundo Zaffaroni[3], as condutas do homem são controladas informalmente para não se enfraquecerem e forçarem atuação penal, ou seja, o controle social informal nada mais é que uma forma de participação da comunidade na gestão de políticas públicas que viabilizem uma redução da criminalidade.

O controle social pode ser tanto informal quanto formal. O informal é exercido pela família, pela escola, profissão, opinião pública, pela religião, entre outras. Já o outro é exercido pela polícia, pela justiça, pelo Ministério Público, entre outros.

O que acontece com o controle informal é a atuação por parte desses agentes no intuito de disciplinar o indivíduo a não cometer condutas ilícitas, sem se deter única e exclusivamente no sistema penal ou na mera letra da lei – punição estatal. Na verdade, o controle interioriza no indivíduo a melhor forma do dever-ser, e só quando há um fracasso por parte dessas entidades é que há a atuação pelo controle formal.

Porém, a atuação repressiva posterior pelo controle formal não significa que haverá redução da criminalidade, pois só há eficácia se houver uma distribuição de funções; ou seja, se tanto controle informal quanto o formal atuarem em parceria.

Assim, é possível constatar que mais importante que punir, é analisar que vivemos em uma sociedade em que todos deveriam repensar suas atitudes, tendo em vista que não bastam medidas que privem os indivíduos de suas liberdades, o adequado seria a implantação de medidas eficazes que diminuam esse discurso da punição, deixando que o sistema repressor se resguarde para questões que relevantemente atinjam direitos humanos fundamentais, pois nem mesmo legalmente existem respostas adequadas aos crimes.

Essa reflexão melhoraria o objetivo do controle informal, respeitando a dignidade de cada um, tendo em vista que o direito penal é essencial no controle social, porém, como a última razão de ser, pois, ninguém há de discordar que “a sociedade continua caracterizada pelas disparidades sociais vertiginosas e pela pobreza de massa que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da violência criminal” e trabalhar para combater ou evitar tais fatores deveria ser o objetivo de todos, ao invés de lutar pela modificação da legislação penal[4].

2 Afamília como órgão influenciador

A família é uma peça fundamental para se entender o controle social informal como medida paliativa, pois alcançou um viés instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos, ou seja, a supremacia da dignidade da pessoa humana ganhou significativa importância associada ao princípio da igualdade e da liberdade[5].

Entretanto, não é assim que normalmente acontece. A família, como sistema informal, deveria socializar a pessoa desde a sua infância e essa forma de socialização é sutil e não possui uma pena, sendo um mecanismo bem mais ágil na resolução dos conflitos que os mecanismos formais, se utilizados corretamente.

Com isso, note que a família pode ser perfeitamente comparada ao sistema penal, tendo em vista que se uma criança deixa de cumprir determinada regra que seus pais impuseram, logo virá a idéia de castigo/ punição, assim como ocorre no sistema penal.

Direito Penal e Família são instituições semelhantes, pois ambas penalizam aqueles que ofendem aos ‘bens jurídicos’. Porém se o fim da pena é evitar o crime, como ensina Nilo Batista[6], fica justamente o questionamento da necessidade, da eficiência e da oportunidade de cominá-la, tendo em vista que muitas vezes, a pena em si só proporciona ainda mais violência.

É óbvio que se a família/Estado não punir, a sociedade o fará por suas próprias mãos, tendo em vista que “uma família desestruturada pode gerar adultos com problemas a enfrentar a complexidade da convivência social, aproximando-os das drogas e do alcoolismo desenfreado, o que possibilita o aparecimento de oportunidades para a prática de condutas ilícitas futuras” [7]. Ou seja, a análise do âmbito familiar é salutar, tendo em vista que a família é o exemplo de vida mais próximo que a criança tem, e esta acaba refletindo os valores adquiridos por aquela.

Insta acrescentar que na base familiar normalmente aquele filho ‘perfeito’ tem tudo e aquele filho ‘mal’ – a ovelha negra – não tem nada. A punição normalmente é a resposta mais constante, sem que haja uma preocupação com os motivos que ensejam aquele ou este comportamento ilícito. Uma visão maniqueísta que reproduz esses valores punitivos, que de forma consciente ou inconsciente faz uma segregação do bem e do mal.

Semelhante é o órgão estatal, que não se preocupa com as causas que levaram aquele ser a entrar no mundo do crime, mas se preocupa tão somente em punir.

A família é a base/estrutura da sociedade. Nesse contexto, a família é a primeira instituição que tem o objetivo de evitar a criminalidade - controle social informal -, pois é o primeiro contato do indivíduo com as primeiras idéias de hierarquia e normas a se cumprir e isso acaba por impedir que adolescentes enveredem para o rumo do crime.

Mas, será mesmo que em uma entidade familiar consegue atingir esse objetivo?

Se utilizado de forma correta, assim como o sistema penal, a resposta seria sim, pois o desprezo social (ex: a punição informal com o afastamento das amizades ou de alguns membros da própria família) é uma espécie de punição que para a grande maioria é mais que suficiente para inibir a prática de um crime [8]. E a repressão aliada à certeza da punição, gera intimidação na hora de cometer um ilícito, desde que incutido na personalidade desde cedo e se analisados os fatores que levaram ao cometimento do ilícito.

Assim, com a atuação do controle social informal (familiar), agindo de forma equilibrada, ocorrerá uma importante contribuição para se reduzir as condições da criminalização de forma mais eficiente, pois o Sistema penal, controle social punitivo institucionalizado[9]deve poupar o corpo para agir diretamente sobre a alma, melhor, que “cria” a alma, pois assim se resolveria o problema trabalhando nas causas e não nas conseqüências; ou seja, tentar entender o motivo que leva o agressor a cometer brutalidades, vai pelo menos prevenir futuras violências, conforme o renomado Alessandro Baratta[10].

Segundo o ilustre Eduardo Galeano[11], vive-se em um mundo ao avesso, um mundo que ensina a aceitar a realidade tal como ela é, ao invés de transformá-la, ensina a aceitar o futuro ao invés de lutar para reduzir as mazelas existentes. Vive-se em um mundo igualador e desigual, onde normalmente o problema é deixado sempre para o Estado-controle social formal.

Verifica-se nesse sentido que não há uma discussão no intuito de reduzir as mazelas que assolam a sociedade. As medidas com fins de reduzir a criminalidade sequer são analisadas pelo Estado e é justamente aí o papel que a família desempenhará, pois o controle é exercido inicialmente, justamente com o fim de evitar prejuízos futuros.

Necessário que se entenda que o processo de criminalização acionado pelo sistema penal é meramente secundário, pois as outras formas, de controle informal, são mais eficazes, muito mais sutis e que proporcionam um benefício maior a sociedade, lembrando que o sistema penal deve ser utilizado apenas em último caso[12].

Ademais, a família, como entidade controladora, através de sua ameaça de cominação e pela execução exemplar, se utilizadas adequadamente, fará com que os indivíduos não cometam (mais) atos ilícitos, ou tratará de conter e tratar o criminoso desde cedo diminuindo a atuação estatal futuramente.

Considerações Finais

Ao término de estudos prévios e da delimitação e desenvolvimento do paper, chega-se ao consenso de que é possível tecer objetivamente algumas considerações que resumem um pouco as linhas de pensamento aqui desenvolvidas.

Em primeiro lugar, entende-se que o controle social, forma de multiplicação de políticas e projetos para prevenir a violência e reduzir a criminalidade violenta, pode ser exercido tanto de forma institucionalizada (formal) quanto de forma difusa (informal).

A forma difusa tem como propagador a família, a igreja, a mídia, os partidos políticos, a sociedade como um todo, e todos, sem exceção, têm participação na solução do problema da criminalidade de forma mais ou menos intensa.

Cediço que o problema da criminalidade pressupõe muitas análises e o presente trabalho é muito restrito, constata-se apenas que a família é uma entidade extremamente essencial nesse combate, porém, não é utilizada da melhor forma possível, tendo em vista que se assemelha bastante com o próprio sistema penal – sistema punitivo.

A atuação da família como controle informal deveria promover, ainda que com todas as dificuldades e limitações, a justiça distributiva, tendo em vista que é na fase inicial o melhor momento para incutir os valores morais na personalidade do indivíduo, sem que haja a necessidade da punição de forma arbitrária, mas que esta ocorra, levando em consideração sempre os motivos que ensejaram aquela tomada de atitude.

Destarte, o controle informal exercido pela família, pode até não ser uma barreira à criminalidade, mas se preocupa com a efetividade e o objetivo é justamente o de deletar da cabeça de muitos a visão maniqueísta de que existe a separação do bem e do mal, a qual estão todos acostumados.

Enfim, vislumbra-se nesse panorama uma possibilidade de que a família, ainda que semelhante ao sistema penal, em relação ao ideal de punição, se utilizada de maneira adequada, chega ao menos a um dos fins pretendidos que é o de tentar entender os motivos que levam o indivíduo a cometer brutalidades, prevenindo assim futuras violências.

Assim, a despeito de todas as críticas, de certa forma a família em comparação ao sistema penal, iluminou o fim do túnel e ofereceu garantias de que poderá haver perspectiva de melhorias em relação à criminalidade orientadas pelo respeito à dignidade humana, sem a necessidade da intervenção estatal, já que o Sistema Penal, só deve ser utilizado em último caso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003

 

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal. 3 ed. Rio de Janeiro, Revan, 2002.

 

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 9 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

 

CALHAU, Lélio Braga. O controle social dos crimes. Publicado por: PRAETORIUM. Disponível em: http://www.praetorium.com.br/v2009/artigos/128 Acesso em: 11 ago 2009.

 

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2009.

 

GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. 9 ed. Porto Alegre: L&PM, 2007.

 

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Direito Penal Brasileiro. 7 ed. v. 1, São Paulo, 2007.

 

WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

           

           

               

           

                       



* Trabalho elaborado por  Márcio Freitas Costa, orientado pela Professora Carolina Pecegueiro.

** 3,Advogado.

 
 

[1] Munhoz Conde, apud Nilo Batista, Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, 9 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 85.

[2] Op. Cit., p. 86-87.

[3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Direito Penal Brasileiro. 7 ed. v. 1, São Paulo, 2007, p 58.

[4] WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 8.

[5] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2009, p. 41.

[6] BATISTA, Nilo, Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, 9 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 86.

[7] CALHAU, Lélio Braga. O controle social dos crimes. Publicado por: PRAETORIUM. Disponível em: http://www.praetorium.com.br/v2009/artigos/128 Acesso em: 11 ago 2009.

[8] Sábias palavras do promotor anteriormente citado.

[9] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Direito Penal Brasileiro. 7 ed. v. 1, São Paulo, 2007, p. 65.

[10] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal. 3 ed. Rio de Janeiro, Revan, 2002, p. 170.

[11] GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. 9 ed. Porto Alegre: L&PM, 2007, p. 8.

[12] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 211.