Família ou famílias?
Por MICHELLE MARIA MOURA DE OMENA | 09/01/2011 | DireitoEste artigo faz uma breve revisão histórica da instituição familiar, a partir da sua origem etimológica no latim que provem de fâmulus, que significa servo, enfatizando as transformações ocorridas até os nossos dias atuais. Para tanto, este artigo pretende demonstrar as mudanças que permitiram configurar esboços dos tipos familiares contemporâneas desencadeados pelas valorizações do individualismo; do antropocentrismo; do movimento feminista; da inserção da mulher no mercado de trabalho; da revolução sexual; potencializando os vínculos e/ou laços afetivos das diversas maneiras de amar, incluindo as relações homossexuais, bissexuais, transexuais e simpatizantes; do divórcio e etcetera.
Conceito Histórico de Família.
O termo "família" é derivado do latim, e significa escravo doméstico. Este termo foi criado na Roma Antiga para designar um novo grupo social que surgia entre as tribos de origem latina ao serem introduzidas a escravidão legalizada e a agricultura. Nesta época, cresce no Direito Romano Clássico a importância da família natural, baseada no casamento e vínculos consaguíneos, onde predominou a estrutura familiar patriarcal. A partir deste contexto, a família foi e vem se transformando através dos tempos, acompanhado as mudanças sociais, culturais, econômicas e religiosas.
A Antiga Família.
A formação da família era uma exclusividade do matrimonio, sendo o mesmo entendido como o único modo de formar a entidade familiar. A antiga estrutura familiar era numerosa, onde se observava uma supremacia do marido sobre a mulher, e deste sobre os filhos. Segundo Jacques Commaille, a família é a instituição jurídica e social resultante das justas núpcias, que dão origem à sociedade conjugal da qual derivam três diferentes vínculos intimamente interligados: o conjugal, o parental e a afinidade.
O conceito citado teve papel de destaque na história, pois o casamento era o único instituto a ensejar e a legitimar a família até a Constituição Federal Brasileira de 1988, onde na qual, havia uma rejeição completa as demais formas e possibilidades de entidade familiar. Portanto, até então, a família era eminentemente patriarcal, baseando-se na concepção canônica de procriação e educação familiar. Um contraste com a atualidade, aonde a família não mais se baseia em um contexto arcaico e nem numa sociedade conjugal patriarcal.
Alargou-se atualmente essa perspectiva para uma família igualitária, seguindo o modelo eudemonista em que se busca a felicidade, e a família é vista como uma relação sócio-afetiva. Somente em meados do século XX começaram a ocorrer de forma consistente e marcante as transformações no conceito de família, que hoje admite outras formas de constituição, além da forma matrimonial, como a união estável.
Essas mudanças permitiram configurar esboços dos tipos familiares contemporâneos:
I- Família nuclear monogâmica. Com base no amor sexual individualizado seja por uma afetividade, por razões morais ou religiosas.
II- Família dos recasamentos.
III- Família multinuclear. A prole transita entre residências de dois ou mais casamentos dos genitores.
IV- Família adotiva.
V- Família com prole portadora de necessidades especiais e especificas.
VI- Família com prole advinda dos novos meios tecnológicos reprodutivos.
VII- Família dissolvida. A prole permanece com sua guarda compartilhada entre os genitores.
VIII- Família uniparental. O ônus da criação da prole é exclusivo de um dos genitores, quer por viuvez, abandono de lar, ou inadimplência de um dos ex-conjuges.
IX- Família homossexual sem prole.
X- Família homossexual com prole.
A exemplo do casal homossexual inglês que pagou para que uma barriga de aluguel, recebesse um óvulo inseminado artificialmente com o sêmen de deles, e gerasse seu filho. Ou do caso do travesti brasileiro que tinha um filho de um casamento com uma mulher, que vive com seu companheiro e que este tem direito legal a guarda do menor.
XI- Família sem prole intencional.
Nos Estados Unidos, esta forma de família também é conhecida como "doublé income no kids", onde o casal contribui mutuamente para realizar crescimento patrimonial, e se divertem nas férias sem as preocupações e os gastos educacionais que uma prole exige.
XII- Família "singles".
São pessoas solitárias por opção, que preferem o convívio com animais, como cães, gatos ou aves; do que o convívio com seres humanos.
Famílias Atuais.
Atualmente não podemos mais falar de um molde familiar brasileiro de modo geral, pois as mudanças ocorridas na sociedade trouxeram novos contornos a essa formação familiar, tendo como alguma de suas características, a existência de famílias com genitores separados; famílias chefiadas por mulheres independentes e autônomas; a família extensa; além da inclusão da família homossexual; e ainda podemos observar a nuclear que seria uma variação da família tradicional, formada por pai, mãe e filhos, mas não seguindo os padrões de antigamente.
Contexto Histórico e o Novo Código Civil.
O novo Código Civil brasileiro que veio converter-se na Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 incorporou em sua síntese, muitas das alterações trazidas pelas leis especiais e também introduziu importantes mudanças em relação aos antigos livros do nosso ordenamento civil, principalmente no que se expõe ao Direito da Família.
O atual ordenamento civil abandonou a visão patriarcalista canônico que inspirou a elaboração do Código revogado, quando o casamento era a única forma de se constituir uma família, sendo que nesta imperava a figura do marido como o único "regente" familiar, ficando a mulher em situação submissa e inferiorizada.
A visão atual amplia a concepção e formas de constituição do ente familiar, consagrou o principio da igualdade de tratamento entre os cônjuges, assim como são iguais todos os filhos, cuja hipocrisia permitia a prole incestuosa tratamento desiguais, atualmente respeitados em sua dignidade de ser humano, independente de sua origem familiar.
Essas mudanças no plano jurídico do Direito da Família, não vieram somente agora com o novo Código Civil. Na verdade, depois de meados do século XX, na década de 60, abalou-se a família tradicional devido as alterações no comportamento social. Na Lei do Divórcio, a prole incestuosa continuava a parte por ser considerada ilegítima. O incestuoso só foi admitido na Constituição Federal de 1988, que introduziu relevantes transformações, aumentando suas fontes, trazendo ao assunto um tratamento igualitário entre prole e cônjuges.
O Novo Direito da Família.
Com o advento do novo Código Civil na Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o Direito de Família dividiu-se em direito pessoal, direito patrimonial, união estável, tutela e curatela. Outrora se alegava que o casamento fundava a família legítima e a união estável fundava a família natural, e a formada por apenas um dos pais e sua prole, denominava-se família monoparental.
Com a Constituição Federal de 88, reconheceu-se que a união estável criava a entidade familiar. O novo Código Civil trouxe inúmeras inovações como: a gratuidade da celebração do casamento, bem como nascimento e óbito em relação as pessoas cuja pobreza for declarada, sob pena da lei, além da habilitação, registro e primeira certidão, relatado no artigo 1.512; ainda a extinção do regime dotal de bens; a regulamentação e facilitação do registro de casamento religioso (artigo 1.512); redução da capacidade do homem para casar com 16 anos (artigo 1.517); previsão somente dos impedimentos relativamente dirimente como casos de invalidade relativa do casamento (artigo 1.550); substituição dos antigos impedimentos impedientes ou meramente proibitivos pelas causas suspensivas, (artigo 1.523); a exigência de homologação pelo juiz após audiência do Ministério Público da habilitação para casamento (artigo 1.526); casamento por procuração mediante instrumento público, com validade de 90 dias restritivamente; igualdade dos cônjuges , decretando o desaparecimento da figura historicamente masculina, o chefe de família (artigo 1.565 e 1.567); a possibilidade de adoção do sobrenome por parte de qualquer um dos nubentes (artigo 1.565).
Conclusão.
Há, porém de se observar, que na lei aprovada não é permitido a união legal e consensual entre pessoas do mesmo sexo, pois os requisitos essenciais do casamento continuam os mesmos. No cômputo geral, o novo Código Civil só veio preservar o direito como utilidade social porque bem de família não é algo restrito a entidade dos familiares, mas para quaisquer sujeitos que estabeleçam uma relação intersubjetiva e afetiva.
Bibliografia.
FIGUEIREDO, Fábio V., GIANCOLI, Brunno P.: DIREITO CIVIL 1. 2ª Edição, São Paulo. SARAIVA, 2010. (Coleção OAB nacional ? Primeira Fase)