FAMÍLIA DAS MULHERES PORTADORAS DO CÂNCER DE MAMA: ACEITAÇÃO E PROCESSOS DE ENFRENTAMENTO

Por Glauce Medeiros | 01/04/2017 | Psicologia

 

FAMÍLIA DAS MULHERES PORTADORAS DO CÂNCER DE MAMA: ACEITAÇÃO E PROCESSOS DE ENFRENTAMENTO
 
Glauce Medeiros[1]
Camila Scheifler Lang [2]
 
[1] Estudante de Psicologia no Centro Universitário da Serra Gaúcha FSG
[2] Docente do curso de Psicologia no Centro Universitário da Serra Gaúcha FSG
 

Resumo

O presente artigo teve como objetivo fazer um estudo sobre a família das mulheres portadoras do câncer de mama. Diante do diagnóstico e do tratamento do câncer de mama, a família enfrenta uma série de estressores que interferem na unidade familiar. A mulher que vivência o câncer torna-se mais frágil e por isso o apoio de sua família neste momento é imprescindível. Esta pesquisa se caracteriza como pesquisa qualitativa e bibliográfica. A partir deste contexto, pretende-se conhecer como a família vivencia esta doença, compreender os processos de aceitação da doença, as mudanças no comportamento e suas estratégias de enfrentamento. 

Palavras-chave:

Mulher. Câncer de mama. Família. Fatores de Enfrentamento. 

1 INTRODUÇÃO

A descoberta de um câncer dentro de um ambiente familiar provoca alterações em toda sua dinâmica, principalmente quando a doença foi destinada para a mulher/mãe zeladora e vista como cuidadora do âmbito domiciliar.

Quando a família se vê diante da situação de adoecimento de um de seus membros, o comportamento e o estado emocional se alteram de forma significativa.

Stolagli, Evangelista & Camargo (2008), afirmam que cer­tas doenças impactam o paciente e sua família em função do estigma que carregam, deixando-os fragilizados, à medida que abalam a estrutura emocional dos familiares e suas relações sociais.

Em face desta situação, Nascimento, Castro, Amorim & Bicudo (2011), citam que a família enfrenta uma sequência de estressores como a notícia do câncer de mama, o momento da cirurgia, os efeitos da medicação quimioterápica, a incerteza quanto à cura e a possibilidade de letalidade da doença. O estresse permeia as relações interpessoais, contribuindo para uma situação de crise, na qual é preciso que se reconheçam esses fatores estressores e que ocorra um redimensionamento dos papéis dentro do âmbito familiar.

A família se encontra fragilizada e despreparada para enfrentar todo o processo de adoecimento e tratamento do paciente. Assim, um instrumento que pode ser utilizado para ajudar na adaptação do indivíduo é o coping, entendido como enfrentamento de uma situação. É um processo pelo qual o indivíduo controla as demandas da relação com o meio para satisfazer as necessidades sociais, manter estáveis os estados físico, psicológico e social e controlar os estressores potenciais antes de eles se tornarem uma ameaça (NASCIMENTO et. al., 2011).

Diante disso, este estudo visa analisar como se dá o processo de aceitação da família diante da descoberta da mulher/mãe com câncer de mama, comportamento diante ao diagnóstico e suas estratégias de enfrentamento da doença. Contudo, visamos também apresentar a importância da contribuição e do apoio familiar e interdisciplinar neste contexto. 

2 A FAMÍLIA FRENTE AO ADOECER 

Historicamente, o câncer é associado à morte. A forma como é feita a comunicação da descoberta da doença para a paciente e família, Silva (2001) afirma que poderá desencadear um impacto muito grande, de forma que muitas vezes, a família, mais do que a paciente poderá ter uma crise de maior intensidade. O estresse poderá vir do desespero, irritação e intolerância quando se dão conta da ameaça de falecimento.

Segundo o estudo realizado por Melo et al (2007) com mulheres portadoras de câncer de mama e mastectomizadas, foi constatado que o medo da recorrência da doença está sempre presente, sendo demonstrado mais fortemente pela instabilidade durante os exames de avaliação e controle, ocasionando um estado de tensão na família. Quando o câncer é diagnosticado, o paciente e sua família ficam confusos e em estado de choque.

Para os autores, quando os familiares se deparam com a doença, algumas vezes demonstraram a falta de discernimento sobre como agir naquele momento, reagindo com desespero e fuga. Reunir-se e organizar-se para decidir como agir nos momentos seguintes dá segurança à família e a ajuda a recompor-se.

Xavier & Gentilli (2012), dizem que logo depois do impacto inicial do diagnóstico surge a dificuldade das pacientes assimilarem a realidade do adoecimento, surgindo o medo do abandono afetivo da família, sobretudo dos filhos e companheiros. Mesmo constando que existem hoje muitas possibilidades de tratamentos a serem realizadas, ainda assim elas temem o abandono.

Segundo Waidman & Elsen (2004), a convivência com a possibilidade de morte produz sentimentos de dor e insegurança, se houver uma comunicação aberta com a família, haverá diminuição dos sentimentos e complexos em relação à doença e, consequentemente, diminuirá o sofrimento da família.

Conforme Souza & Espírito Santo (2008), a família é o principal agente responsável pela promoção de conforto e segurança ao paciente, sendo que para os familiares pode ser tão difícil enfrentar o câncer quanto para o próprio doente. Feijó et al (2009) citam que a família torna-se primordial para que a mulher enfrente a doença e o tratamento sem se desalentar, tornando-lhe os caminhos a serem percorridos menos penosos e sustentável.

Silva (2001) afirma que caso a revelação do diagnóstico seja feita de forma adequada, em vez de um ciclo de desespero, poderá gerar um ciclo de esperança, onde terá uma postura de menos intolerância e desgosto por parte do paciente.

Araújo & Nascimento (2004) comentam que apenas com o decorrer do tempo, a família e a paciente conseguem desenvolver esperança, solidariedade e fé para enfrentar a doença. 

3 AS ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO (COPING) 

O enfrentamento não é uma reação única, trata-se de um processo dinâmico, onde envolvem respostas das nossas interações com o ambiente (Folkman & Moskovitz, 2004 apud Straub, 2014). As estratégias de enfrentamento (coping), ou seja, as maneiras como as pessoas lidam com as suas situações de estresse, visam moderar ou minimizar os efeitos de estressores sobre nosso bem-estar físico e emocional (STRAUB, 2014).

As estratégias de enfrentamento são classificadas: estratégias de coping centradas no problema e estratégias de coping centradas na emoção.

O enfretamento focado no problema, segundo Straub (2014) refere-se aos esforços para administrar, alterar o problema ou melhorar o relacionamento indivíduo-meio, lidando diretamente com um estressor, na qual são reduzidas as demandas do estressor ou aumentados os recursos para atender a essas demandas. Tais estratégias são mais adaptativas e voltadas à realidade, pois são capazes de eliminar ou minimizar a fonte estressora.

O enfretamento focado na emoção descreve uma tentativa de substituir ou regular o impacto emocional do estresse no sujeito, sendo, em geral processos defensivos que têm o objetivo de regular a sensação física desagradável de uma situação potencialmente agressiva (Nascimento, Castro, Amorim & Bicudo, 2011). As pessoas tender a utilizar a forma de enfrentamento focalizado na emoção quando acreditam que pouco ou nada possa ser feito para alterar a situação estressante ou que seus recursos e suas capacidades de enfrentamento são insuficientes para atender as demandas da situação estressante. (STRAUB, 2014, p. 110)

Para Lazarus & Folkman (1984), no Modelo Transacional de Enfrentamento, as exigências (internas ou externas) associadas às mudanças ambientais geradas pelo câncer, quando avaliadas como estressantes, deflagram um processo constante de mudanças cognitivas e comportamentais.

Conforme o autor Straub (2014), para saber qual estratégia tem mais probabilidade de funcionar, deve-se analisar se o estressor pode ou não ser controlável. Contudo, é provável que após a morte considere a situação fora de seu controle e incline-se para uma forma de enfrentamento focalizado na emoção. Pode-se chegar muitas vezes a usar o modelo de enfrentamento focalizado no problema e na emoção juntos.

Segundo a pesquisa de Nascimento, Castro, Amorim & Bicudo (2011, p.791), as estratégias mais utilizadas pelos familiares são as que têm como foco a reavaliação positiva e o suporte social, os quais são formas ativas e positivas que resultam de boa adaptação ao processo de enfrentamento. São centradas no problema, ocorrendo, assim, a utilização de estratégias comportamentais de focalização no estressor e voltadas para o seu manejo, direcionando a reavaliação do problema. 

4 METODOLOGIA 

A metodologia utilizada será realizada a partir de uma pesquisa qualitativa e bibliográfica. Para Moreira (2004), na pesquisa qualitativa é preciso que o pesquisador tenha em si a empatia, ou seja, que ele tente sentir dentro de si mesmo a experiência do sujeito. Por cada um ter uma capacidade interpretativa e interativa, as pessoas são diferentes de quaisquer outros objetos de estudo. As pessoas não são agentes interpretativos de seus mundos, mas também compartilham suas interpretações à medida que interagem com outros e refletem sobre suas experiências no curso de suas atividades cotidianas.

Para realização deste trabalho será utilizado como recurso o levantamento impresso de livros e revistas, bem como base eletrônica de obras publicadas sobre o tema como ferramenta de base de dados. 

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 

Diante da análise dos resultados da presente pesquisa, pode-se observar que o processo de aceitação da família é de suma importância, pois a doença desagrega o funcionamento biopsicossocial da doente. A família é vista pelas mulheres como um sistema de apoio que lhes fornece ajuda e amparo, assim se faz necessário dar todo o apoio para a mulher enfrentar e aceitar de forma mais positiva o diagnóstico e tratamento, se sentindo acolhida, segura e protegida pelas pessoas que ela ama.

Percebe-se que para isso é necessário que a família saiba como participar, acompanhar e cuidar em todas as fases do tratamento. Conhecer a doença e os desafios que terão que ser enfrentados, ajudar na reabilitação e no suporte a ser concedido. Deve-se incentivar a paciente a continuar com seus hábitos desde que saudáveis e dentro de suas limitações. Assim, é necessário que a família se estruture, pois o tratamento pode ser longo e ter consequências em vários aspectos (EWALD; DANIELSKI, 2013).

A descoberta da doença faz com que toda a dinâmica familiar se altere, inclusive mudanças no seu comportamento. O diagnóstico tem um impacto psicossocial justamente pela possibilidade de morte e pelo seu tratamento agressivo

O diálogo nesta fase é imprescindível, sendo importante que ela possa reformular aspectos com a sua auto-imagem corporal, sexualidade, relacionamento familiar, amigos, trabalho. Havendo um resultado positivo o sistema imunológico responde com maior atividade e se torna mais forte, possibilitando uma recuperação mais rápida e tranquila.

Assim, é fundamental destacar a importância do apoio multidisciplinar de forma a apoiá-los e ajudá-los a identificar a situação estressora, os fatores de enfrentamento ajudam os pacientes a lidarem com essas situações de estresse, Nascimento et al (2011) descreve que a identificação das estratégias de coping ajudam para uma melhor compreensão da maneira como o familiar de mulheres acometidas por câncer de mama maneja o estresse e, consequentemente, busca melhor qualidade de vida. 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Receber a notícia de câncer de mama é potencialmente desestruturador para o ser humano, abalando sua vida e a das pessoas com que convive. É evidente o temor a doença pelo estigma de morte associado e pela relação de perda ou desfiguração da mama.

Mesmo a família também estando abalada, o apoio e o cuidado com a mulher é de extrema importância. O afeto e o amor são elementos fundamentais para uma recuperação mais saudável, onde ela possa ter uma maior aceitação da doença de modo a conseguir realizar todo o tratamento, que é muito agressivo. Nesse sentido, é indispensável que a equipe de saúde possa incluir a família durante o planejamento e assistência a paciente.

Por fim, observou-se uma escassez de trabalhos que tratem especificamente do papel do psicólogo, como a prática e intervenção sistêmica com a família e a paciente acometida pelo câncer. Um atendimento psicológico para a família possibilita uma maior qualidade de vida para todos os membros, onde possam ser trabalhadas as estratégias de enfrentamento ao longo de todas as fases do tratamento, uma vez que esta enfermidade está relacionada com muitos estigmas e preconceitos e que a família desempenha um papel primordial no decorrer da doença.


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