FAMÍLIA, AFETIVIDADE E DIREITO

Por Dâmaris Borges Fernandes | 20/04/2010 | Direito

Dâmaris Borges Fernandes
Noalle Ferreira Sobrinho
Vanessa Souto Lima

RESUMO

O presente trabalho se dispõe a tecer algumas análises acerca das concepções de família, sua formação e sua base e como se apresentam perante a comunidade jurídica brasileira Dispõe o art. 226 da Constituição Federal que a “família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. A família é o instituto do direito civil formada por qualquer um dos pais e seus descendentes a qual recebe amparos jurídicos da norma em virtude da proteção exercida pelo Estado. A família é a base da sociedade e, embora o casamento seja sua principal forma de constituição, há outras formas de concepção existência da mesma, como na união estável, as uniões mono parentais e as homo afetivas.

Palavras-chave: Direito de Família. Afeto. Direito. Norma. Homo afeto.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se dispõe a tecer algumas análises acerca das concepções de família, sua formação e sua base e como se apresentam perante a comunidade jurídica brasileira Dispõe o art. 226 da Constituição Federal que a “família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. A família é o instituto do direito civil formada por qualquer um dos pais e seus descendentes a qual recebe amparos jurídicos da norma em virtude da proteção exercida pelo Estado. A família é a base da sociedade e, embora o casamento seja sua principal forma de constituição, há outras formas de concepção existência da mesma, como na união estável, as uniões mono parentais e as homo afetivas.

Quando se fala em família e sua base de surgimento, torna-se impossível não cogitar o seu fundamento, pois nas constituições que antecederam à de 1988, o embasamento familiar de surgimento era exatamente a que fosse criada em virtude do casamento legal, devido às concepções patriarcais e morais da época, entretanto, as sociedades possuem caráter dinâmico e estão sempre sofrendo mudanças no seu aspecto social. Numa visão mais técnica do termo, a família é uma comunidade natural composta, em regra, de pais e filhos, aos quais a Constituição imputa direitos e deveres recíprocos, em que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, havidos ou não da relação do casamento (art. 229, §6º), ao passo que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice carência ou enfermidade.

Com advento da Constituição Federal de 1988, o conceito de família foi ampliado de forma que absorveu e integrou as relações consideradas mono parentais, sendo aquelas formadas por apenas um dos ascendentes e seus filhos, de modo que foi afastado o pressuposto da família embasada apenas pelo casamento institucional. Tal transformação origina uma nova ordem de valores e revoluciona o Direito de Família e seu conceito de ganha um aspecto mais amplo e pluralizado (art. 226 CF), denotando que a família não mais surge somente em virtude do casamento, mas também tem a possibilidade de surgir por outras formas e filhos não havidos no casamento não podem sofrer qualquer tipo de discriminação (art. 227,§6º) de sorte que homens e mulheres passaram a assumir papeis de igualdade no instituto familiar (art. 5º, I ; 226, §6º).

Existe um dinamismo concernente ao Direito de Família, vez que tem por objeto no estudo o ser humano, que é o seu principal sujeito e naturalmente dinâmico no meio social; justamente por esse aspecto é que se faz necessário uma maior compreensão das suas relações à medida que evoluem no tempo, criando novas formas de legislação de modo a abarcar um amparo jurídico a essas relações tão complexas. A historicidade da família cria cursos novos, que em determinados momentos convergem e noutros momentos divergem no que tange à propositura do amparo legal dado pelo Estado, que tem como fim principal promover o bem comum de todos, mas que em certos momentos conflita com a existência das relações humanas visualizadas na prática.

Fundamentalmente constitucional é o Direito de Família, que foi transformado com o advento da nova constituição de 1988. Um paralelo pode ser feito em relação ao antigo código civil, pois na vigência do código de 1916, apenas eram admitidas as entidades familiares que fossem criadas na essência do casamento, sem qualquer impedimento e desde que fossem cumpridas todas as formalidades legais. Essa concepção de família sofria grandes influências da comunidade religiosa da época em que seu aspecto social, primordialmente, encontrava seu vinco no modo patriarcal, paternalista daquele dado momento histórico, transformando o casamento numa instituição geradora de filhos legais, em que os homens eram responsáveis pelo sustento familiar ao passo que as mulheres eram as genitoras e protetoras do lar, ficando totalmente à margem dos acontecimentos sociais dentro da própria família. A Constituição de 1988 veio colocar um fim a essas disparidades familiares, em que coloca em pé de igualdade homens e mulheres e proíbe qualquer tipo de discriminação aos filhos não havidos pelo casamento. Isso, mais que tudo, é a nova visualização do que o afeto representa nas entidades familiares. Certamente que essa nova modalidade de pensamento não consegue de pronto abarcar todos os pensamentos, mais ainda, encontra obstáculos dentro da comunidade jurídica. O caráter da afetividade tem seu embasamento no texto constitucional e afeto não é exclusivo das condições sociais ou psíquicas do indivíduo, pois a projeção é a de que a natureza do grupo familiar é essencialmente afetiva. Leis não devem ser interpretadas e aplicadas sem a observância das situações sociais mais intrínsecas, pois, embora a norma seja positivada em nosso ordenamento jurídico, o Direito é hoje uma ciência essencialmente social. As relações afetivas foram transformadas em uma instituição pelo Estado, vindo a ser solenizadas, de modo a impor direitos e deveres aos cônjuges e restringir sua dissolução. Família é condição natural em que os indivíduos se agrupam e a partir dessa união de fato é que surge a institucionalização.

O aspecto sociológico da família é suportado pelo afeto entre os indivíduos que o compõem, de forma recíproca, apresentando sempre o imo da cooperação, fraternidade, amizade, cumplicidade, enfim...afeto é base social do instituto familiar, de tal modo que a inexistência desses aspectos afeta a sua manutenção, devendo, pois, ser protegida de forma religiosa, política, legal, social e acima de tudo, estatal. O elemento que une as pessoas gerando um comprometimento mútuo, solidário, com afinidade de projetos de vida e propósitos comuns é o vínculo afetivo.

Muito embora o afeto seja imprescindível à existência da unidade familiar, ao se falar das normas jurídicas cogentes, aquelas famílias que têm apenas esse embasamento afetivo sofre em virtude dos preconceitos sociais. Inseridas nesse contexto social, houve a necessidade de reconhecimento, por parte da norma constitucional, da existência de outras formas familiares que não a advindas do casamento, não obstante exercendo um controle social. Nesse mesmo contexto, foi reconhecida como entidade familiar aquela formada através da união estável entre homem e mulher, de modo que foi dada similitude jurídica àquele relacionamento criado fora do casamento. Além da união estável, existem também as uniões homo afetivas, porém, ainda há grande resistência no tocante às decisões judiciais sobre o tema devido ao conservadorismo da comunidade jurídica tradicionalista. Oposto a isso são as posturas e trabalhos tomados por Maria Berenice Dias, juíza desembargadora do Tribunal do Rio Grande do Sul, que é vanguardista no Direito de Família e claramente explica ela que:

É preciso que se reconheça que em nada se diferencia a convivência homossexual da união estável. Ainda que haja restrição em nível constitucional, imperioso que, por meio de uma interpretação analógica, se passe a aplicar o mesmo regramento legal, pois inquestionável que se trata de um relacionamento, que resta por se constituir como uma unidade familiar. (http://www.mariaberenice.com.br/site/conten.php?cont_id=32&isPopUp=true acessado em 19/03/2010)

Dentre as diversas formas de constituição familiar existe a união estável, a família mono parental, a não-biologização, a reprodução assistida, a concepção homóloga, a heteróloga, homo afetividade, filiação socioafetiva, dentre outras. A Constituição Federal no inciso III do artigo 1º, consagra como norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana e nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir o status de família.

O fato é que a realidade circundante acaba por transformar as relações jurídicas e, embora estejam no limiar do ordenamento jurídico formal, a pressão dos fatos sociais culminam no aceite pela população de determinadas condutas que antes eram repudiadas e isso faz com que o posicionamento jurídico seja mudado, criando novas formas e contextos de normatizações de modo a conter conflitos sociais nesse aspecto. A despeito da leitura do art. 226 da Constituição Federal, denota que o seu caráter exemplificativo, pois o rol de família é ampliado, embora para fins de tutela legal seja exigida a relação entre pessoas de sexos diferentes.

Casamento não deve ser apenas um aspecto contratual, econômico-patrimonial ou fim de procriação, de modo a imputar garantias legais aos cônjuges envolvidos. Deve, antes de tudo, reservar-se no direito de oferecer ao grupo familiar a base essencial de sua existência, que é o afeto. Existe uma visão lançada ao horizonte para que a sociedade possa compreender a extensão do conceito de família e não mais basear-se em conceitos meramente provincianos e políticos, pois com a evolução das sociedades, evoluem também os conceitos, devendo-se começar a visualizar as relações de matrimoniais além do termo técnico e visualizar novas formas de famílias, como as formadas por homossexuais, muito embora seja esse ainda um obstáculo da própria lei a fim de garantir que a tutela familiar esteja sob a união de grupos familiares formados por indivíduos de sexos diferentes.

A família sempre será o núcleo principal das sociedades e o modo como se constituem pode ser modificado ao passar do tempo em virtude de costumes sociais, sexuais, evolução dos pensamentos científicos e até mesmo econômicos de determinada época. O foco das relações familiares mudou, deixando de ser mais econômicas para serem mais afetivas. Por esse motivo houve um crescimento do surgimento das famílias homo afetivas, pois, embora a procriação seja um dos principais motivos das uniões familiares, há que se considerar que pelo enorme desenvolvimento tecnológico e científico já é perfeitamente possível gerar filhos sem a necessidade de relações sexuais heterogenias e, apesar de as sociedades evoluírem, não evolui na mesma velocidade as concepções morais estabelecidas nas leis já consolidadas, o que seja se reflete, ainda, nos textos legais das legislações atuais, que traduzem formas antigas de interpretação do Direito. Novos desafios surgem no Direito de Família e este começa a se organizar com maior base no afeto e as formas de intervenção do Estado nas relações familiares, visando a equilibrar a subjetividade dessas relações com a objetividade da norma mediante os fatos juridicamente relevantes. Considera-se a família como algo essencial e não formal.

O Estado tem o poder de garantir a justiça e o fato de haver omissão nas normas para determinados tipo sociais não impede que eles também sejam tutelados, pois está em foco a dignidade da pessoa humana fincada nos ideais principiológicos da igualdade e da liberdade. Tal omissão legal provoca dificuldades para se reconhecer determinados grupos familiares, principalmente daqueles que são alvos das consciências sociais, trazendo novos estereótipos de padrões e isso faz com que o juiz tenha papel de enorme importância quando tratados no caso concreto, sendo que a falta de determinados padrões sociais e morais não deve impedir que os sujeitos invoquem a lei para a garantia de direitos. Grupo social inserido nessa minoria é o formado pelas relações entre pessoas do mesmo sexo, sendo consideradas sociedades de fato pelo motivo de ainda não possuírem amparo legal específico. É competência dos juizados especiais da família apreciar causas ensejadas em uniões homo afetivas, sendo estas reconhecidas como entidades familiares. Entretanto, poderemos esperar boas novas nesse setor, pois o Poder Judiciário brasileiro tem reconhecido a afetividade como a base familiar nas relações formadas por pessoas do mesmo sexo, fazendo alargar o pensamento doutrinário a esse respeito e facilitando decisões favoráveis aos pedidos das famílias bi-parentais do homo afeto.

Aplicam-se às uniões homo afetivas analogicamente os dispositivos legais que tratam da união estável, como os art. 4º da LICC “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” e o art. 126 do Código de Processo Civil “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.” Acórdão da Des. Heloísa Combat, Relatora do de Justiça de Minas Gerais (maio de 2007: À união homo afetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana". Realmente, "a parceria homossexual merece reconhecimento e tratamento perante o FORO DE FAMÍLIA, tanto pela semelhança do fato que faz gerar a coabitação - o afeto -, quanto pelas conseqüências que, desta coabitação, podem advir" - conforme se posicionou, em decisão referente a sucessão e partilha de bens, a magistrada baiana Maria das Graças Hamilton (processo nº 05.780.139-2, 14ª Vara de Família da Comarca de Salvador-Ba).

CONCLUSÃO

Denota-se que não existe hoje uma concepção de família, mas concepção de novas famílias. Família não deve ser constituída apenas pela condição formal do casamento em decorrência de fatores biológicos, mas também formadas pelas uniões baseadas no afeto. É o ânimo de viver em grupo familiar que deve ser a base de constituição desse instituto. Intrinsecamente o afeto está vinculado ao ser humano fazendo com que suja uma estrutura base que, por mais que não esteja inserida objetivamente no texto constitucional, deve ser considerada pela legislação civil. A humanidade está sujeita às variações de comportamentos políticos, éticos, sociais e sexuais e a Constituição Federal de 1988 veio assegurar a subjetividade dos indivíduos, que perfeitamente vem expresso no seu art. 5º.

As várias formas de famílias que surgem nas sociedades contemporâneas nada mais são do que a expressão dos direitos emanados pela Carta Magna. Não são meras aglutinações de indivíduos em um ambiente coabitável, mas aglutinações e formações familiares baseadas sobretudo no afeto que uns têm pelos outros. Não obstante o Poder Legislativo se defronta com fortes barreiras ao tratar o tema, principalmente quando se trata de questões fundadas em famílias criadas sobre o pilar do homo afeto, pois ainda se encontra amarrado a padrões conservadores dos quais a comunidade jurídica ainda não conseguiu se soltar. Certamente que essas amarras ainda perdurarão no tempo, entretanto, o início de posturas e pensamentos vanguardistas no ramo do Direito de Família começa a nortear decisões jurídicas a respeito, como decisões proclamadas pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, inovador nessas posturas.

Sem dúvida existem lacunas na lei ao tratar o tema e nesses casos devem ser aplicados os princípios gerais do direito conforme o art. . 4º da LICC e o art. 126 do Código de Processo Civil, analogicamente aplicados ao caso concreto, afim de solucionar litígios fundados no homo afeto levados, adoção feita por pais homossexuais, filiação socioafetiva e o abandono afetivo que são levados ao Poder Judiciário. Família é antes de tudo solidariedade social. Estado Democrático de Direito deve alicerçar as sociedades brasileiras de modo a amparar os indivíduos conforme os preceitos constitucionais ali estabelecidos, para que não nos esqueçamos que o a dignidade da pessoa humana é base da admissão das entidades familiares.

FONTES PESQUISADAS
http://www.mariaberenice.com.br/
http://www.ibdfam.org.br/?artigos
SILVA, José Afonso. Comentário Contextual À Constituição. 6ª Ed, 2009, São Paulo. Malheiros.
GONCALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro.Vol. 6. Direito de Família. 4ª Ed, 2007. Saraiva.