Família 17 ? Conceito De Família No Novo Testamento

Por Josué Ebenézer de Sousa Soares | 05/06/2008 | Família

Neste estudo vamos procurar entender como o conceito de família evoluiu e se fez presente nos tempos do ministério terreno de Jesus e seus apóstolos, conforme registra o Novo Testamento. Vamos procurar entender através de exemplos práticos e de ensinamentos apostólicos como a família se constituía e qual é o plano de Deus para a formação e manutenção da família cristã.

É certo que a sociedade judaica, alicerçada nas crenças do "Pai Abraão", manteve muitos valores antigos, mesmo com o avanço dos tempos, e toda a influência grego-romana exercida na Palestina dos tempos de Jesus. Mas, o conjunto básico dos valores da família foi mantido.

A família no Novo Testamento ainda é monogâmica (com a vantagem de não mais encontrarmos exceções de bigamia e poligamia); é composta por casamentos considerados indissolúveis quando feitos "no Senhor"; possui ainda forte apelo patriarcal, conquanto Jesus tenha elevado a condição da mulher através da restauração da espécie humana, até então corrompida pelo pecado; e já evidencia os novos valores do Evangelho do Reino, numa transição clara da expectativa messiânica do Antigo Testamento para a concretização dos ideais divinos a partir da convicção de que era chegado o Reino de Deus.

Jesus valorizou a família

Ao comparecer com os seus discípulos e também Maria, sua mãe, numa cerimônia de casamento na localidade de Caná da Galiléia (Jo 2.1-12), Jesus deu demonstração clara e inequívoca de valorização do casamento e da família. Na verdade, com o milagre que ali fez, deu início aos seus sinais, levando seus discípulos à fé (v.11) e demonstrando ser um especialista na solução de problemas no casamento.

Muito embora o problema ali fosse de ordem material - o vinho acabara o que deixara o mestre-sala preocupado, envolvendo Maria em suas preocupações (v. 4,9) -, Jesus demonstrou estar preparado e disposto a resolvê-lo, como o faria com problemas de qualquer ordem. Com os casamentos de hoje em dia não acontece diferente. Muitas vezes questões financeiras e materiais transtornam de tal maneira a vida dos integrantes da família, que fica difícil a harmonia no lar. É preciso que, à maneira do que aconteceu com o casamento em Caná, Jesus seja convidado para estar presente nos casamentos e nas famílias de hoje (v. 2).

A estabilidade do casamento

Num tempo em que muitas pessoas desvalorizam o casamento e a família procurando estabelecer relacionamentos superficiais para não se comprometerem, vale lembrar que não é este o propósito divino para a família. O propósito de Deus para todo ser humano é encontrar um companheiro, constituir família e manter um casamento saudável que tenha estabilidade e leve os membros da família a um estado constante de felicidade e realização.

Foi assim, ao princípio, quando percebeu que não era bom que o homem estivesse só (Gn 2.18), e continua sendo assim, pois este propósito de Deus não mudou.

Ao ser interrogado, certa vez, quando estava nos confins da Judéia, para além do Jordão, por uns fariseus acerca do divórcio, Jesus deixou bem claro que casamentos feitos por Deus não podem ser dissolvidos (Mt 19.1-12). "Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe o homem" (v.6), foi a afirmação do Mestre para aqueles que intentavam fazê-lo tropeçar em palavras e conceitos.

Questiona-se acerca da realidade de que todos os casamentos sejam de fato originários em Deus ou se muitos deles não são provenientes de arranjos humanos. As concessões de repúdio feitas por Moisés para liberar mulheres desprotegidas para novos casamentos, Jesus debitou na conta "da dureza do coração humano" (v. 8).

Deste episódio aprendemos algumas lições: a) O propósito original de Deus é casamento único e de uma vez para sempre (indissolubilidade); b) Para tanto, os casamentos precisam ser "unidos por Deus" e não meros arranjos humanos; c) O pecado, inimigo mortal do ser humano, gera situações diferentes da projetada por Deus; o que, levando a uma desaprovação divina aos erros humanos, não implica em rejeição do homem pecador por parte de Deus; d) Jesus abre uma brecha para o divórcio e o novo casamento quando usa a expressão: "a não ser por causa de infidelidade" (v. 9), que tem sido vista por muitos estudiosos como uma cláusula exceptiva, ou seja, a exceção que permitiria o rompimento de uma união conjugal e o estabelecimento de novo consórcio.

A estrutura da família nos tempos de Jesus

Vamos procurar estabelecer alguns valores encontrados na família dos tempos de Jesus. Algumas evidências bíblicas dão-nos conta de uma família unida, operosa, interessada na educação e na formação religiosa de suas crianças, onde há espaço para a confraternização e a hospitalidade.

a) Monogâmica e sem concessões - A família nos tempos de Jesus já deixou para trás as exceções que levavam alguns chefes de família a terem mais de uma esposa. Não há registros no Novo testamento de casamentos que não sejam monogâmicos.

b) Patriarcal, mas com valorização da mulher - Percebe-se a continuação do modelo de famílias patriarcais, mas a mensagem de Jesus Cristo já começa a mostrar que a condição da mulher não pode mais ser vista de maneira subalterna e desprezível como muitas vezes a cultura judaica a considerava. A afirmação paulina de que em Cristo "não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gl 3.28), somada ao amor que todo marido deve devotar a esposa, seguindo o modelo de amor de Cristo para com a Igreja (Ef 5.25), eleva a condição da mulher a um plano superior ao que se encontrava antes da vinda de Cristo.

c) Protetora, mas sem ser repressiva - Tomemos como exemplo a família de Jesus. Família típica da palestina, José e Maria seguiam a tradição de seus pais e estavam sempre em contato com os familiares próximos que emprestavam sentido e apoio ao núcleo familiar menor (Lc 1.39,40). Profissional da área de carpintaria (Mt 13.56; Mc 6.3), José tirava seu sustento desse trabalho, mantendo com ele a família, à exemplo de outros discípulos e cristãos que deixaram profissões e empregos (pescador, coletor de impostos) para seguirem a Jesus; ou mantiveram-se neles(fazedor de tendas, costureira, vendedora) para terem recursos suficientes para trabalharem para o Mestre. Além disso, José ensinou a seu "filho" a sua profissão, conforme Marcos 6.3. Percebemos nesta iniciativa, os cuidados paternos em se perpetuar na família a fonte de sustento.

d) Religiosa, sem, no entanto, tornar-se fanática - Continuando a analisar a família de Jesus, vamos perceber nela os traços típicos da família média judaica. Havia muito fervor religioso entre os judeus. A expectativa da vinda do Messias era grande e o cuidado com o culto e com a adoração era exemplar. Até mesmo dos fariseus, uma das facções do judaísmo, não se pode dizer que eram desinteressados quanto à religião, posto que eram zelosos dos rituais e mandamentos que aprendiam nas sinagogas. A experiência que Jesus teve por volta dos doze anos (Lc 2.39-52), quando no Templo discutia com os doutores da lei, demonstra que José e Maria preservavam a tradição de levar as crianças ao Templo para cumprir os deveres da Lei de Deus.

e) Instrutora, visando ao futuro - Vários exemplos mostram o valor da educação para os judeus. Escolas de grandes rabinos influenciavam a cultura da época, levando os pais a matricularem seus filhos com vistas a tornarem-nos também futuros mestres. É o caso das escolas de Hillel e Shanmai, rabinos muito reconhecidos nos tempos de Jesus. Deus usou um homem especial, apóstolo Paulo, para uma obra missionária e epistolar especial. Teve excelente formação escolar aos pés de Gamaliel (At 22.3) o que demonstra o investimento feito pela família.

A família e o Reino de Deus

Percebemos nitidamente uma ligação entre a família e o projeto de Reino de Deus implantado por Jesus Cristo. Este projeto não se dá sem a família, como também no Antigo Testamento Deus separou famílias para abençoar a Terra (Adão, Noé, Abraão). O fato de Jesus ser da linhagem, da raiz, da casa de Davi (Mt 1.1), reforça a idéia de uma família forte, abençoada, comprometida com Deus, como ideal divino para toda a humanidade. Duas considerações básicas sobre a ligação do Reino de Deus com a família no Novo Testamento:

1ª) A família é tomada como exemplo para simbolizar o Reino de Deus - Quando trata da salvação pela graça, mediante a intervenção de Cristo na cruz, Paulo fala da união que os salvos passam a ter com Deus. Isso se dá pelo sacrifício expiatório de Cristo. Passamos, então, a ter uma identificação com Deus que não tínhamos. O acesso a Deus está não só permitido, mas liberado para os que se reencontraram em Cristo. É quando, então, Paulo fala que já não somos mais estrangeiros ou forasteiros, mas "membros da família de Deus" (Ef 2.19). O valor da família é hiper-dimensionado para o plano do Reino de Deus.

2ª) Existe uma ligação íntima da idéia de família com Deus - Na sua bela oração intercedendo pelos cristãos de Éfeso, Paulo diz que dobra os seus joelhos diante do Pai, "do qual toda família nos céus e na terra toma o nome" (Ef 3.15). A idéia de família, no sentido de pertencimento, laços fraternos, comunhão, realização, felicidade, proteção e tantos outros significados valiosos que ela incorpora, tem tudo a ver com o que o próprio Deus representa para o ser humano que nele confia. Deus é Pai. Nós somos sua família.

O lar é embrião da Igreja

Outra questão que está bem definida no Novo Testamento é a relação profunda que existe entre a casa e a Igreja. Segundo os propósitos originais de Deus era o lar que seria o provedor de toda a instrução religiosa para os filhos (Dt 6.1-25). Ao que tudo indica, o lar falhou em todo esse propósito, visto que Deus instituiu a Igreja como sucessora do seu projeto de manutenção do culto e da adoração (Mt 16.18). Isto não significa que Deus abriu mão do lar, mas que a Igreja passou a ser parceira do lar para a consecução dos propósitos divinos.

Vários eventos dos atos do Espírito Santo na Igreja Primitiva, mostram a importância da parceria entre lar e igreja. Muitas igrejas iniciam-se em casas, conforme descrito no livro de Atos: a)Em Filipos havia uma igreja se reunindo na casa de Lídia (At 16.40); b) Em Tessalônica, uma igreja na casa de Jáson (At 17.5,6); c) Em Corinto, uma igreja na casa de Tito, o Justo (At 18.7); d) Em Éfeso, uma igreja na escola de Tirano (At 19.9); e) Além do fato de Paulo ensinar publicamente e de casa em casa (At 20.20).

Aplicações para a vida

De tudo o que temos visto sobre família no Novo Testamento, no que tange ao conceito vivenciado pelos cristãos dos tempos de Jesus, algumas verdades precisam ser compreendidas para valorização da família hoje:

1ª) O maior prestígio que a família e o casamento precisam ter é o que vem de Deus. Jesus valorizou a família.

2ª) Não há problema que não possa ser solucionado pelo Deus das famílias. Se ele tem um propósito para as famílias ele fará todo o investimento para que as soluções sejam encontradas.

3ª) O propósito original de Deus são casamentos para sempre. É deixar pai e mãe e unir-se à esposa sob a bênção de Deus.

4ª) A infidelidade conjugal traz sérios prejuízos para a família e é considerada por Jesus um motivo pelo qual os casamentos se dissolvem.

5ª) Jesus valorizou a mulher, tirando-a da condição inferior em que se encontrava na sociedade de seu tempo.

6ª) O melhor elogio à família é vê-la relacionada com o Reino de Deus e o próprio Deus.