Fabrizio de André

Por regina maués machado | 18/02/2011 | Literatura

MARINELLA, BOCCA DI ROSA, PRINCESA: REPRESENTAÇÕES DA PROSTITUTA NA OBRA DE
FABRIZIO DE ANDRÉ






Regina Maués Machado
Aluna do Curso de Mestrado em Letras Neolatinas
Área: Língua e Literatura Italiana






Dissertação de Mestrado em Letras Neolatinas. Área: Língua e Literatura Italiana. Apresentada à Coordenação de Pós-graduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo








UFRJ / Faculdade de Letras
1° Semestre de 2003

EXAME DE DISSERTAÇÃO



MACHADO, Regina Maués. Marinella, Bocca di Rosa, Princesa: representações da prostituta na obra de Fabrizio de André. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras. 2003. 119 p. Dissertação de Mestrado em Língua e Literatura Italiana.


Banca Examinadora



Profª. Drª Annita Gullo ? UFRJ ? Orientadora



______________________________________________________________________
Profª. Drª Maria Lizete dos Santos - UFRJ



______________________________________________________________________
Prof. Dr. Frederico Augusto Liberalli Góes ? UFRJ



______________________________________________________________________
Profª. Drª Flora de Paoli Faria ? UFRJ - Suplente



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Prof. Dr. Luiz Edmundo Bouças Coutinho ? UFRJ ? Suplente


Defendida a Dissertação
em ------ / -------- / --------
Conceito-----------


AGRADECIMENTOS








À orientadora Annita Gullo; à colaboração de outros professores e alunos e de frequentadores de sites sobre o autor; ao Professor da Universidade Biccoca em Milão, Doutor Mario Barenghi; ao Professor do Istituto Italiano di Cultura do Rio de Janeiro, Professor Arduino Monti, às bibliotecárias do mesmo Instituto, Maria Pace e Selma.
Um agradecimento especial à professora Beatriz Resende que é uma dessas professoras preciosas que dão vontade de seguir aprendendo e ensinando.
Muito obrigada ao CNPQ e a todos aqueles que me ajudaram a não desistir.

















SINOPSE

Poesia e crítica social. O tema da prostituição na produção poética dos textos do cantautor italiano Fabrizio de André.

























SUMÁRIO



1 - INTRODUÇÃO

2 - O CANTAUTORE E A SOCIEDADE
2.1 - A Produção Poética
2.2 - Influências e Homenagens:
2.2.1 ? George Brassens
2.2.2 ? Jacques Brel
2.2.3 ? Riccardo Mannerini
2.2.4 ? Edgar Lee Master
3 - A MULHER / PROSTITUTA COMO PROTAGONISTA NA OBRA DE FABRIZIO DE ANDRÉ
3.1- A figura da prostituta e o imaginário poético

3.1.1 ? MARINELLA
3.1.2 ? BOCCA DI ROSA
OUTRAS ROSAS
3.1.3 - PRINCESA

4 - CONCLUSÃO
5 - BIBLIOGRAFIA
6 - ANEXO






1 - INTRODUÇÃO

Músico e compositor genovês, Fabrizio de André escreveu e cantou variados temas, quase todos ligados às minorias sociais.
Na primeira parte desta dissertação, através de um breve passeio sobre sua vida e obra, se tenta registrar, primeiramente, o conteúdo poético e social de alguns de seus trabalhos de maior repercussão, e, em seguida, as influências de outros compositores e poetas na obra de Fabrizio De André.
Na segunda parte, será tratado o tema escolhido para esta pesquisa, o da prostituição, argumento ao qual o autor recorre várias vezes ao longo de sua obra. A presente pesquisa revela que à força de observar e analisar o comportamento de mulheres e homens que vendem seus corpos como trabalho, Fabrizio vai aguçando cada vez mais o seu olhar poético e, ao mesmo tempo, criticando as situações às quais ficam expostos os vendedores de prazer.
Sensibilidade, ironia, denúncia, elementos presentes em todas as canções do poeta, apresentam-se fortemente unidos quando o assunto é a prostituição. De um modo mais inocente de cantar a prostituta, passando pelo erotismo que embala tão freqüentemente o imaginário do poeta, e aproximando-se ao mesmo tempo da prostituição como um problema social, De André vai apontando as injustiças, as contradições, as hipocrisias da sociedade em suas relações com esta minoria marginalizada.
As representações da prostituta na obra de Fabrizio De André serão exemplificadas através das canções "Marinella", "Bocca di Rosa" e "Princesa".
Em seu último álbum, a prostituição é representada pela figura de um travesti baiano, que depois de ter trabalhado nas ruas do Rio e de São Paulo, vende o corpo nas ruas de Milão. Essa obra-prima de Fabrizio é realizada a partir do livro Princesa, uma autobiografia escrita pelo próprio trans. A sensibilidade de Fabrizio De André capta os momentos mais fortes do relato e informa, denúncia e emociona.
A dissertação apoia-se em análises que visem a crítica ao comportamento da sociedade em relação ao "diferente". A leitura de textos de Michel Foucault norteiam a pesquisa, mas leituras de Jean Paul Sartre e de autores como Victor Hugo, Emile Zola, Giovanni Verga foram importantes na condução da análise nos primeiros momentos. A certeza do caminho a ser percorrido, porém, vem das notícias do dia-a-dia nos jornais brasileiros e internacionais sobre a luta pela sobrevivência dos profissionais do sexo, das canções populares que se aventuram sobre o problema e a constatação do aumento da prostituição nas grandes cidades, no Brasil e na Europa, no calor e no frio, no conforto de apartamentos particulares, e na miséria das ruas.






2 - O CANTAUTORE E A SOCIEDADE
2.1 ? A Produção Poética
Fabrizio de André nasceu em 18 de fevereiro de 1940, em Gênova. O porto e o mar iriam marcar fortemente os textos de suas canções. Nasceu num ambiente cheio de música, e sua vida seria marcada por ela para sempre. Seu pai teria colocado na vitrola, durante seu parto, a "Walser Campestre" de Gino Marinuzzi, que, 21 anos depois, serviria de inspiração para a "Valser per un amore", valsa nostálgica na qual De André canta as belezas de um tempo passado, um tempo que voa e vai, sem que se perceba, e que precisa ser agarrado e vivido.
Quando carica d?anni e di castità
fra i ricordi e le illusioni
del bel tempo che non ritornerà
troverai le mie canzoni,
nel sentirle ti meraviglierai
che qualcuno abbia lodato
le bellezze che allor più non avrai
e che avesti nel tempo passato.

Seus 59 anos foram vividos intensamente. Foi uma criança privilegiada, de família rica e de pais permissivos que o deixavam completamente livre para experiências e escolhas. Fabrizio passa um longo período no campo durante a sua infância, o que também iria marcar decisivamente suas memórias e sua obra. A simplicidade e as dificuldades das pessoas humildes com as quais teve contato ou ouve falar, despertam a sua generosidade.
De retorno a Gênova, o menino conquista as ruas e com seu bando, descobre as realidades da vida na cidade, os "bassifondi", que lhe dão, também, um irresistível e para sempre explorado sabor de liberdade.
Sem as qualidades de comportamento do irmão, o futuro músico e poeta possui mais vontade de provocação que de educação, e por muito tempo dedica- se pouco aos livros. Mais tarde, na universidade, freqüenta cursos de medicina, letras e direito, sem se interessar em obter nenhum diploma.
Encontra também a maneira de fugir das lições de violino, mas o contato precoce com a música revela seu bom ouvido musical.
A guerra deixa marcas profundas em De André. Um seu tio, judeu, sofre em um campo de concentração e nunca mais seria o mesmo homem depois disso. A trágica experiência do tio, a pobreza no campo, o contato com os mais variados tipos de pessoas em Gênova, foram sensibilizando o menino rico que, quando cresce, decide cantar as histórias de pessoas humildes. Drogados, cafetões, prostitutas, mal amados, marginais, pessoas destituídas da própria vontade, "i tipi strani", como chama o autor: esses são os personagens da poesia e da música de Fabrizio que encantam o público. Rebeldia, ironia e transgressão são os ingredientes encontrados pelo artista para manifestar seu sentimento de repúdio às injustiças de todo tipo: Sono affezionato alle qualità negative che mi caratterizzano.

A beleza e a simplicidade de suas palavras têm a força do testemunho e a coragem da autocrítica. Com ousadia e sensibilidade, o autor desenvolve temas muito polêmicos dentro de uma sociedade bastante conservadora.
Amigo inseparável de Paolo Vilaggio, amigo do filho do porteiro comunista e um frequentador das ruas, De André vai contrastando miséria e bem-estar.
Io sono un borghese. Sono nato in un ambiente borghese, ho vissuto a contatto con una società borghese, ho avuto amici borghesi. Canto quindi davvero le malattie della borghesia, anzi, la mia malattia borghese.

O pai de Fabrizio era um republicano de direita. O filho, um anárquico por natureza, mas nunca um militante político.
Il 68 l?ho vissuto a contatto con i gruppi di estrema sinistra partecipando al tentativo di rinnovamento; non li ho seguiti, perché di solito un artista, indipendentemente dall?ideologia, è un coniglio individualista.
O poeta afirma ainda que não teria sido capaz de participar da luta armada, mas que compartilhou das idéias revolucionárias que desejavam diminuir a distância entre o poder e a sociedade. Lamenta-se de que quando os revolucionários tomam o poder, deixem de ser revolucionários e se transformem em meros burocratas.
De André começa a apaixonar-se pela guitarra e pela poesia em 1954. Abelardo Borzini, um cantor da cidade de Gênova e da região da Ligúria, o influencia com sua poesia e humor. Fabrizio gostava especialmente dos textos nos quais Borzini retratava as prostitutas e os ciganos. A literatura russa e francesa começam a fazer parte da sua bagagem cultural, o que se revelaria em suas futuras canções. Estuda violão com o professor colombiano Alex Giraldo, que lhe proporciona experiências com o clássico e o popular, especialmente com o popular da América do Sul, que deixa traços fortes em suas composições.
Fabrizio revela-se um excelente violonista. Não segue aulas de canto, mas o timbre forte de sua voz responderia perfeitamente às necessidades de sua poesia e de sua música. Pippo Carcassi e Giraldo se juntam a ele, e os três participam de um programa de rádio. Em 1955, tocam pela primeira vez em público, Pippo, De André e Mariano Delle Piane, chamado para substituir Giraldo, no último momento. Fabrizio toca ainda com o grupo "The Crazy Cowboys & The Sheriff", com o qual faz contato com a música country , cantando e tocando banjo. Gosta muito de jazz e Jim Hall é seu ídolo. Tem a oportunidade de tocar com um grupo de jazz liderado pelo pianista Mario De Sanctis. Começa a escutar muita música francesa, especialmente Piaf, Aznavour, Brel, Ferré, e, logo depois, se encanta com um disco de George Brassens, que seu professor lhe traz de presente da França. Passa dias escutando as canções daquele que seria o seu grande inspirador.
O primeiro disco de De André (1958) sai com duas canções suas, escritas em parceria com Carlo Stanisci e Franco Franchi ,"E fu la notte", e Carlo Stanisci e Gianni Lario, "Nuvole Barocche". Se não podiam ser consideradas ainda composições brilhantes, - " ... sono stati due peccati di gioventù."- diz Fabrizio, já antecipavam uma forte e nova tendência na arte de compor. O modelo americano vai sendo ironizado. Parece que os ouvidos do público ainda não estão prontos para escutar, em forma de canção, histórias verdadeiras. Preferem textos doces, feitos de personagens impecáveis para sonhos de amor. No Festival de Sanremo, em 1958, Domenico Modugno explode com "Volare". De André admite que, é influenciado por esse estilo, que logo descobrirá ser totalmente diferente do seu. Mesmo assim, as "Nuvens Barrocas" anunciam: "Tu mi hai insegnato il sogno / io voglio la realtà."
Fabrizio De André é um cantautore, termo que se usa, na Itália, para definir os cantores que são autores das canções que interpretam. Essa definição nasce justamente no fim dos anos cinquenta. Alguns jovens músicos se opõem à canção comercial, e tendo como ponto de referência a canção francesa, contribuem para a renovação da música popular italiana, reduzindo a distância entre "musica leggera" e cultura. Vinte anos depois, a figura do "cantautore", com as mais variadas propostas, se tornaria dominante no mundo da canção italiana.
Quatro anos depois do lançamento de seu primeiro disco, Fabrizio se casa pela primeira vez. Tem apenas 22 anos quando nasce seu primeiro filho, Cristiano, que hoje também é músico. Seu casamento com Puny não dura muito. Anos mais tarde, Fabrizio encontra Dori Ghezzi, que seria sua companheira para sempre.
Ainda em 1962, com seu segundo álbum, De André já é um artista de sucesso. Seus textos clássicos como "La guerra di Piero", "La ballata dell?eroe", "Il testamento", "La canzone dell?amore perduto" e, especialmente, "Marinella", todos reunidos no álbum de 1966 Tutto Fabrizio de André, fortaleceriam o cantautore e lhe dariam a segurança necessária para seguir em busca de seu próprio estilo. "La guerra di Piero", "La ballata dell?eroe" e "Il testamento" falam das injustiças da guerra e da sociedade e mostram a sua simpatia pelos excluídos, pelos "loucos" do mundo.
Uma melodia alegre para imagens fortíssimas: esse é o caminho que encontra o autor em "La guerra di Piero", para falar de uma das mais tristes situações enfrentadas pelo ser humano, que lhe tolhe a possibilidade de escolha entre vida e morte, suas ou de outros. O autor é o próprio personagem, que sonha com o fim da guerra. Ele é narrador, mas também integra o diálogo, dizendo ao inocente e indeciso Piero o que fazer, como se defender. Piero não o escuta. Recusa-se a ter de ver os olhos de um homem que morre. Não atira primeiro e, em conseqüência, morre. Ao morrer, despede-se de seu amor.
O drama relatado acontece ao som de um compasso binário, bem movimentado, que invoca quase uma dança. Uma dança de morte. Morte que representa o real valor que se pode ter pela vida, a ponto de perdê-la para não ter de tirá-la a um outro. Toda a sensibilidade de Fabrizio De André para com a dor do outro está presente no seu primeiríssimo disco e nunca estaria ausente de sua obra. A sua guerra emociona, angustia, não tem consolo. Presente ainda em outros álbuns, em livros escolares, em materiais didáticos de ensino de língua italiana para estrangeiros, a "Guerra de Piero" não poderia ficar fora deste ou de qualquer outro trabalho sobre o cantautore.
La Guerra di Piero
Dormi sepolto in un campo di grano
non è la rosa non è il tulipano
che ti fan veglia dall?ombra dei fossi
ma sono mille papaveri rossi.

"Lungo le sponde del mio torrente
voglio che scendano i luci argentati,
non più i cadaveri dei soldati
portati in braccia dalla corrente".

Così dicevi ed era d?inverno
E come gli altri verso l?inferno
Te ne vai triste come si deve
Il vento ti sputa in faccia la neve.

Fermati Piero, fermati adesso
Lascia che il vento ti passi un po? addosso,
dei morti in battaglia ti porti la voce,
chi diedi la vita ebbe in cambio una croce.

Ma tu non l?udivi e il tempo passava
Con le stagioni a passo di giava
Ed arrivasti a varcar la frontiera
In un bel giorno di primavera.

E mentre marciavi con l?anima in spalle
Vedesti un uomo in fondo alla valle
Che aveva il tuo stessso identico umore
Ma la divisa di un altro colore.

Sparagli Piero, spargli ora
E dopo un colpo sparagli ancora
Fino a che non lo vedrai esangue
Cadere in terra a coprire il suo sangue.

"E se gli sparo in fronte o nel cuore
soltanto il tempo avrà per morrire,
ma il tempo a me resterà per vedere
vedere gli occhi di un uomo che muore."

E mentre gli usi questa premura
Quello si volta ti vede ha paura
Ed imbracciata l?artiglieria
Non ti ricambia la cortesia.

Cadesti a terra senza un lamento
E ti accorgesti in un solo momento
Che il tempo non ti sarebbe bastato
A chiedere perdono per ogni peccato.

Cadesti a terra senza un lamento
E ti accorgesti in un solo momento
Che la tua vita finiva quel giorno
E non ci sarebbe stato ritorno.

"Ninetta mia, crepare di maggio
ci vuole tanto tanto coraggio
Ninetta bella, dritto all?inferno
Avrei preferito andarci d?inverno".

E mentre il grano ti stava a sentire
Dentro alle mani stringevi il fucile,
dentro alla bocca stringevi parole
troppo gelate per sciogliersi al sole.

Dormi sepolto in un campo di grano
Non é la rosa non è il tulipano
Che ti fan veglia dall?ombra dei fossi
Ma sono mille papaveri rossi.

"La canzone dell?amore cieco" e "Marinella" revelam as barreiras e as desilusões nas relações amorosas, a crueldade da qual um homem é capaz quando tenta, a todo custo, obter a realização de um desejo. Essa última, uma das mais conhecidas canções de Fabrizio, regravada pela cantora Mina com enorme sucesso, é um sonho contado a partir de uma realidade. É uma fábula de amor e tristeza; uma denúncia apaixonada do poeta-menino que não consegue entender a sociedade de seu tempo. Fabrizio, tentando negar o assassinato de uma prostituta jogada em um rio, notícia lida por ele em um jornal, quando era ainda criança, alterna no texto sonho e realidade, vida e morte, amor e solidão. Aqui o narrador fala ao leitor, alí, a Marinella. Aqui o narrador conta uma história, alí, é parte dela, e dela é responsável. Responsáveis serão, também, todos aqueles que a seguirem.
Ebbi ben presto abbastanza chiaro che il mio lavoro doveva camminare su due binari: l?ansia per una giustizia sociale che ancora non esiste, e l?illusione di poter partecipare in qualche modo a un cambiamento del mondo. La seconda si è sbriciolata ben presto, la prima rimane.

Em 1967, lança Fabrizio De André Volume I. Em "La canzone di Barbara", "Via del Campo" e "Bocca di Rosa" Fabrizio começa a aproximar-se cada vez mais dos temas femininos e trata de prostituição. "Via del Campo" e "Bocca di Rosa" são acolhidas de modo especial pelo público. Enquanto a primeira música mostra a compreensão e a solidariedade às "graciosas", ou seja, às prostitutas daquela rua, a segunda canta alegremente as vitórias de uma "Rosa" que conquista, para o desespero das mulheres, todos os homens de um pequeno vilarejo, inclusive o padre e o sacristão.
O tema da prostituição abunda na literatura mundial e fascina homens e mulheres com leituras de mistério, glamour, alegria, mas também é marcado por miséria, dor e contradições. Fabrizio é sensível ao tema da prostituição. Quando jovem, freqüentou prostíbulos, se apaixonou por uma prostituta. Sua sensibilidade e experiência permitem que seus personagens cresçam ao longo de sua carreira e que ele chegue à "Princesa", texto de seu último álbum, que trata a prostituição como uma dura realidade daqueles que têm de tirar das ruas o próprio sustento. É de 1968 o LP Tutti morrimo a stento, "un messaggio di disperato amore per tutti i diseredati cui una specie di morte morale impedisce di recuperare il perduto gusto della vita."
Amarga e honestamente solidário com os "marginais" da sociedade, o autor fala dos homens que são vítimas de seus erros, sim, mas que são, sobretudo, vítimas da hipocrisia e da maldade dos outros homens. "Cantico dei drogati", "La ballata degli impiccati"e "Leggenda di Natale" são alguns exemplos do disco que Fabrizio chama de barroco. Explica :
È un album polveroso, cattedratico, barrocco. E ricordiamoci che in quel periodo, sotto il barocco, c?era la controriforma. Quindi é un disco che, pur nel tentativo di mettere in mostra alcuni dei vizi più notevoli della società, ha tuttavia un modo di esprimersi e anche di accompagnare lo scritto con la musica un po? arrogante, un po?ridondante. È un disco che, direi, risente quasi di autoritarismo in qualche maniera, ma è proprio barroco in tal senso.
Cantados na primeira pessoa, as desventuras e o desespero do personagem de "Cantico dei drogati", tocam profundamente o leitor. Suas palavras não têm "nem forma nem sotaque, são um surdo lamento." Ele, o drogado, como um verme, como uma serpente, "striscia verso un fuoco che illumina di fantasmi di questo osceno gioco." O efeito controlador da razão através da droga não é alcançado totalmente. A liberdade desejada não é nunca conquistada. Fabrizio escreveu o "Cantico" com o poeta Riccardo Mannerini, um de seus grandes amigos, que se suicidaria mais tarde. Naquela época, De André encontrava-se totalmente dependente do álcool. O texto foi, para ele, uma espécie de catarse. O autor se mostra solidário, mas não conformado. Acusa aqueles que não conseguem entender e ajudar quem se droga. A nota na capa do disco Tutti morrimo a stento é de Cesare G. Romana que diz: Insomma, è la mancanza di pietà che trasforma la nostra vita in un luogo di morte.
Fabrizio pede piedade para os que possuem glória, potência e riqueza. Pede que aqueles que erram e sofrem sejam ajudados.
"Cantico dei drogati" é um exemplo evidente da característica principal da obra do autor, que tenta, sempre, mostrar que a incompreensão ou, como neste caso específico, a pena inútil pelo drogado morto, ou ainda pelo herói morto, pelas prostitutas, pelos pobres e marginalizados em geral, deveriam dar lugar a um desafio aos preconceitos sociais e morais. A mulher, na figura da mãe, é o motivo de maior preocupação na canção: Come potrò dire a mia madre che ho paura?
A frase é o estribilho que se repete após cada estrofe. Deus não é negado, mas demitido. Avessa a dogmatismos religiosos, a poesia de De André se mostra nitidamente cristã. Não negar a existência de Deus é não entender as injustiças do mundo.
Cantico dei drogati
Ho licenziato Dio
gettato via un amore
per costruirmi il vuoto
nell?anima e nel cuore.

Le parole che dico
non han piú forma né accento
si trasformano i suoni
in un sordo lamento.

Mentre fra gli altri nudi
io striscio verso un fuoco
che illumina i fantasmi
di questo osceno gioco.

Come potrò dire a mia madre che ho paura?

Chi mi riparlerà
di domani luminosi
dove i muti canteranno
e taceranno i noiosi.

Quando riascolterò
Il vento tra le foglie
Sussurrare i silenzi
Che la sera raccoglie.

Quando riascolterò
il vento tra le foglie
sussurrare i silenzi
che la sera raccoglie.

Io che non vedo più
che folletti di vetro
che mi spiano davanti
che mi ridono dietro.

Come potrò dire a mia madre che ho paura?

Perché non ho fatto
delle grandi pattumiere
per i giorni già usati
per queste ed altre sere.

E chi, chi sarà mai
il buttafuori del sole
chi lo spinge ogni giorno
sulla scena alle prime ore.

E soprattutto chi
e perché mi ha messo al mondo
dove vivo la mia morte
con un anticipo tremendo?

Come potrò dire a mia madre che ho paura?

Quando scadrà l?affitto
di questo corpo idiota
allora avrò il mio premio
come una buona nota.
Mi citeran di monito
a chi crede sia bello
giocherellare a palla
con il proprio cervello.
Cercando di lanciarlo
oltre il confine stabilito
che qualcuno ha tracciato
ai bordi dell?infinito.

Come potrò dire a mia madre che ho paura?

Tu che mi ascolti insegnami
un alfabeto che sia
differente da quello
della mia vigliaccheria.
Fabrizio De André volume 3, disco lançado em 1969, traz "Gorila", uma versão do texto de Georges Brassens "Le Gorille". É também de Brassens "Nell?acqua della chiara fontana". Lança ainda, no mesmo álbum, a contundente "La guerra di Piero", que conta como a inocência de um jovem soldado o leva a uma morte fria e inútil. Merece também destaque especial "S?i?fosse foco", canção com as palavras de um soneto de Cecco Angiolieri, poeta do século XIII, o maior representante da poesia jocosa ou cômico-realista italiana. Cecco ressalta as cores e as alegrias da pobreza. Como De André, Cecco era de família nobre e rica. Conhecido por seus atos irresponsáveis, sua vida cheia de aventuras e por seu amor plebeu Becchina, uma espécie de antiBeatriz, que é um dos motivos do seu "Canzoniere", o autor do período dantesco desenvolve, ainda, temas como a maldição do mundo e das divindades, o ódio pelos pais que impedem a sua liberdade, a exaltação do vinho, do jogo e do dinheiro. Escreve seus sonetos sempre com muito humor e brincadeiras irônicas, denunciando a retórica do "dolce stil nuovo", que lhe é contemporâneo.
S?i? fosse foco, ardarei?l mondo

S?i? fosse foco ardarei ?l mondo;
s?i? fosse vento, lo tempesterei;
s?i? fosse acqua, i? l?annegherei;
s?i? fosse Dio, mandarei ´l en profondo;

S?i? fosse papa, sare? allor giocondo,
tutt?i cristiani imbrigherei;
s?i?fosse ?mperator, sa? che farei?
A tutti mozzerei lo capo a tondo.

S?i? fosse morte, andarei da mio padre;
s?i? fosse vita, fuggirei da lui:
similemente farìa da mi? madre.

S?i? fosse Cecco, come sono e fui,
torrei le donne giovani e leggiadre:
e le vecchie e laide lasserei altrui.
O volume 3 é seguido de Nuvole Barroche. O amadurecimento musical do artista vai se concretizando. Suas palavras emocionam; sua coerência lhe permite que faça política com uma língua toda sua. Seus textos, censurados pela Rai em 1967, são cada vez mais discutidos. Conquistam os jovens, que fazem deles uma bandeira. Sua discrição só faz aumentar o interesse por sua pessoa. De André, dono de uma personalidade forte, foge de entrevistas, aumentando o fascínio com seus textos totalmente novos para o público italiano, que não conhecia então Brassens ou Brel. Sua cultura o aproxima ainda mais das pessoas simples que ele observa e descreve com sensibilidade. Suas pesquisas literárias e musicais o levam a uma combinação de instrumentos, sons e letra, capazes de exprimir sentimentos que nem sempre vinham à tona nas suas relações pessoais.
Em "La Buona Novella" Fabrizio apresenta o resultado de uma pesquisa sobre os Evangelhos Apócrifos. Ilusão, fé, falta de fé: ingredientes misturados que compõem histórias descontínuas, que parecem caminhar para finais felizes, mas acabam quase sempre em destruição.
Io mi ritengo un religioso, e la mia religiosità consiste nel sentirmi parte di un tutto, anello di una catena che comprende il creato, e quindi nel rispettare tutti gli elementi, piante e minerali compresi, perché secondo me, l?equilibrio è dato proprio dal benessere diffuso in tutto ciò che ci circonda...Penso che tutto quello che abbiamo intorno abbia una sua logica, e questo è un pensiero al quale mi rivolgo quando sono in difficoltà, magari dandogli i nomi che ho imparato da bambino, forse perché mi manca la fantasia per cercarne altri.
Em "La buona novella", o pecado é relativo. É fácil não roubar, se se possuem bens materiais necessários e supérfluos. É fácil não matar, se se teve a chance de apreciar e valorizar a vida. Fabrizio se vê, e vê tudo e a todos como parte de um todo. Seu disco é uma alegoria que tenta comparar as lutas estudantis de 1968 às revoltas da vida de Cristo. O álbum não foi muito bem entendido porque, segundo De André, Jesus combatia perdoando, e tantos que combatem hoje o fazem só para impor o poder. A poesia e a reflexão para o poeta são inseparáveis. O autor busca uma unidade harmônica, capaz de dar o devido relevo ao conteúdo das rimas e das frases melódicas. O homem busca a fé e não a encontra.
As mulheres em "Ave Maria", "Femmine un giorno e poi madri per sempre", e os homens em "Il testamento di Tito", que devem fecundar uma mulher cada vez que a amarem, apontam para a figura da mulher-mãe, sempre retratada como aquela que ama, procria e protege.
Non al denaro non all?amore né al cielo é de novo a negação do sistema da sociedade que marginaliza minorias sem grandes culpas. O louco, o doente do coração, o médico, o químico, o juiz, culpados e inocentes, todos, personagens de uma trama real que decide friamente os destinos dos homens. Fabrizio reinterpreta e aprimora Lee Master, acrescentando aos poemas total identificação com os excluídos. Os textos condenam a indiferença dos poderes constituídos e reafirmam a falta de esperança nas mudanças.
Avevo letto Edgar Lee Masters a diciotto anni...Poi lo rilesse nel 68, e non lo trovai invecchiato per niente. Riscontrai in quei personaggi qualche cosa di noi, mi parve che in quella collina popolata di morti si parlasse il linguaggio di una verità che i vivi non possono esprimere.
Mais uma vez, De André vai buscar na literatura a inspiração para uma obra. No cemitério de Spoon River, os mortos que alí repousam conversam entre si sobre o passado. Um passado de erros e enganos que tentam explicar uns aos outros. Vítimas de aborto, vítimas de amor e de ódio, vítimas da guerra, dos vícios; todos dormem sobre a colina. A inveja revela-se implacável na destruição das almas. A ciência está a serviço de quem menos precisa e engana os mais necessitados.
"Dormono sulla collina", ("The Hill"), e outros poemas de Spoon River, são musicados e aperfeiçoados por De André, que consegue efeitos impactantes com sua rima fácil e melodia simples. Há uma drástica redução das frases e um aumento do ritmo das estrofes. A aparente tranqüilidade da morte no verso que se repete em inglês "All, all, are sleeping on the hill", na versão andreniana parece ainda mais forte, e prepara o leitor para a surpresa dos próximos textos, nos quais os mortos que dormem no cemitério, culpados e inocentes, irão tentar confessar ou explicar seus erros, o que será de todo modo inútil, já que "Dormono, dormono sulla collina,/ dormono, dormono sulla collina".
Todos os elementos que compõem a obra de De André se encontram reunidos nesse primeiro poema do livro: a morte, a injustiça, a pobreza, o amor não correspondido, a guerra. A prostituta violentada, a exploração, o vício incontrolável em "The Hill", são representados por "Nor gold, nor love, nor heaven" e são traduzidos no título do álbum como "Non al denaro non all?amore né al cielo". O que parece uma recusa por tais prazeres, é, em verdade, forte denúncia da total ausência de simples direitos na vida de tantas pessoas.
Em "Un giudice", novamente denuncia as injustiças daqueles que têm o dever de fazer justiça como profissão. Em outro texto, um médico quer curar seus doentes gratuitamente, transgredindo as regras da sociedade e, por isso, é castigado. Há ainda um oculista que vende óculos capazes de alargar a consciência das pessoas, e um músico que pelo seu trabalho não pode receber nada, porque a música é a sua liberdade.
"Giovanna d?Arco" e "Suzanne" também fazem parte de Tutti morrimo a stento, mas são baseados em textos de Leonard Cohen : "Suzanne "incanta e maltratta i suoi amori".
Seguem-se ao Non al denaro non all?amore né al cielo(1971), os disco Storia di un impiegato(1973), Canzoni (1974) e Fabrizio De André Volume 8 (1975). Foram duras as críticas ao Volume 8 como já havia acontecido com Storia di un impiegato, mas "Amico fragile" é um texto forte, que logo se destaca. Na noite em que escreveu a canção, Fabrizio tinha estado em uma festa, havia se sentido mal entre as pessoas que queriam que ele cantasse ao invés de tentar discutir os problemas em curso na sociedade. Daí vem a idéia do dialogo:
"E poi sospeso tra i vostri "Come sta"
meravigliato da luoghi meno comuni e più feroci,
tipo: "Come ti senti, amico fragile,
se vuoi potrò occuparmi un?ora al mese di te".

"E ancora ucciso dalla vostra cortesia
nell?ora in cui un mio sogno,
ballerina di seconda fila,
Agitava per chissà quale avvenire
Il suo presente di seni enormi
E il suo cesareo fresco,
pensavo è bello che dove finiscono le mie dita
debba in qualche modo incorniciare una chitarra."
Fabrizio confessa que este e outros textos foram escritos em estado de embriaguês total, mas a sutileza do último verso, mostra a lucidez da sua sensibilidade.
"E mai che mi sia venuto in mente
di essere più ubriaco di voi
di essere molto più ubriaco di voi."
"Amico Fragile" é também o título do livro de Cesare G. Romana, da Sperling Paperback, com prefácio de Fernanda Pivano, que conta muito sobre a vida e a obra de De André.
Outros álbuns com músicas antigas vão sendo lançados continuamente, mas as novidades levam tempo para serem escritas. Rimini seria lançado em 1978, seguido de LPs In concerto volume 1 e 2.
O tímido De André passa a aceitar convites para exibições em público e lota os espetáculos. Seu primeiro tour acontece de 1975 a 1976. O público o sente finalmente como uma pessoa real.
...ai concerti io sono quasi sempre ubriaco, non essendo mai riuscito a vincere definitivamente la paura di andare in pubblico, di essere criticato.
Os concertos se realizavam em locais da moda e em espaços políticos. Rimini é a denúncia do mal-estar na sociedade causado pelo caso Aldo Moro, pela penetração do sonho americano, pelos anos de chumbo. "Coda di lupo" é, talvez, o texto mais famoso. De André amadurece como poeta. Conquista maior capacidade de observação do real, alcançando plenos poderes com a sua imaginação. Cria personagens que com seus sonhos tocam profundamente o leitor proibido de sonhar, desprovido da possibilidade de tentar resolver seus conflitos. Liberdade, solidão, convenções e antagonismos se misturam mais uma vez em sua obra, marcando a indubitável coerência, presente em todo o trabalho desenvolvido por Fabrizio De André durante a sua carreira. Rimini apresenta ainda "Zirichiltaggia"(Baddu tundu).
De André possui terras na Sardegna onde vai ao encontro da natureza e se sente em casa. A canção em dialeto sardo mostra sua vontade de reaproximação com a natureza. O autor se sente em casa e quer ficar ali para passar o tempo. Faz também parte de Rimini a canção "Una storia sbagliata", composta em memória de Pier Paolo Pasolini, uma das poucas canções feitas por encomenda, mas feita com sentimento. A morte de Pasolini abalou muito a todos os seus admiradores.
Fabrizio De André sai em 1981. Fabrizio tinha sido sequestrado junto com Dori, sua mulher. "Quello che non ho", canção do álbum, fala dos bens dos quais não precisamos para viver e que os ricos ou "novos ricos" parecem fazer questão de ostentar.
Era la psicologia dei miei sequestratori. Era come se dicessero: "A me non manca niente, ma perché mi devi mettere sotto il naso la villa con la piscina, l?automobile, l?aereo privato? A questo punto me ne crei il bisogno.
Fabrizio tenta esquecer os momentos mais difíceis do sequestro e procura extrair lições de vida da situação. Perdoar os seus sequestradores, sem conhecer os mandantes, foi fácil. Ele e a mulher não foram maltratados. Mas, além de perdoá-los, Fabrizio tenta explicar as atitudes dos criminosos, que parecem mais componentes de uma tribo de índios, que perigosos membros de uma organização mafiosa. É genial ler as palavras de "Quello che non ho" a partir do ponto de vista dos sequestradores. O capitalismo às avessas não poderia ser representado melhor:
Quello che non ho

quello che non ho è una camicia bianca
quello che non ho è un segreto in banca
quello che non ho sono le tue pistole
per conquistarmi il cielo per guadagnarmi il sole.

Quello che non ho è di farla franca
quello che non ho è quel che non mi manca
quello che non ho sono le tue parole
per guadagnarmi il cielo per conquistarmi il sole.

Quello che non ho é un orologio avanti
per correre più in fretta e averti più distanti
quello che non ho è un treno arrugginito
che mi riporti indietro da dove sono partito.

Quello che non ho sono i tuoi denti d?oro
quello che non ho é un pranzo di lavoro
quello che non ho è questa prateria
per correre più forte della malinconia.

Quello che non ho sono le mani in pasta
quello che non ho é un indirizzo in tasca
quello che non ho sei tu della mia parte
quello che non ho é di fregarti a carte.

Quello che non ho è una camicia bianca
quello che non ho é di farla franca
quello che non ho sono le tue pistole
per conquistarmi il cielo per guadagnarmi il sole.

Contas bancárias sem segredos, relógios controladores da vida e do dinheiro, dentes de ouro e a camisa branca, símbolos do bem-estar de poucos, sonhados por muitos, são rechaçados pelos sequestradores por serem desnecessariamente exibidos como necessidades primárias.
Ho vissuto il rapimento con un?enorme curiositá. Come un film o un romanzo di cui purtroppo ero protagonista. ... Io se non vivo di emozioni mi sento inutile e lí non c?era da immaginarsi tanto, lí le emozioni si vivevano veramente.
"Franziska" se baseia em uma estória contada a Fabrizio pelos seus guardiães. São ainda do mesmo disco "Fiume Sand Creek" cujas idéias vêm de "Gambe di legno. Memorie di un guerriero Cheyenne" e "Verdi pascoli", viagens de Fabrizio pelo mundo dos peles vermelhas. "Se ti tagliassero a pezzetti" representa fantasia e liberdade, sempre ameaçadas de morte pela civilidade, mas indestrutíveis na consciência do homem.
Em 1984, um grande trabalho de De André vem a público. Trata-se de Creuza de mä ( Mulatiera de mare ) ou, ainda, vereda de mar. Mistério e emoção circundam os textos, todos em dialeto, e as melodias com seus refrões populares e seus ritmos nostálgicos.
De André hesitou antes de fazer um disco totalmente em dialeto. Poderia não ser aceito ou compreendido; ou ter problemas com as vendas e com a casa discográfica da qual dependia. Mas suas raízes o tentavam a experimentar uma aproximação maior com o povo, através da língua e da música. O grande desafio era a qualidade dos textos e a dúvida sobre a aceitação do público. Suas pesquisas o levam a buscar as palavras e sua mobilidade. Os significados diferentes das palavras, que, na Itália, tantas vezes distam de poucos quilômetros, fascinam o autor. Os dialetos parecem renovar-se sempre, e segundo Fabrizio, não vão morrer, mas reemergir do desastre do capitalismo. O dialeto espontaneamente escolhe os camponeses, os pescadores, as pessoas simples e ricas de histórias para contar. O disco é um canto de amor à Gênova. Os personagens das canções são inspirados em pessoas da cidade. A música, com fortes traços de melodias turcas é executada com instrumentos variados e pouco comuns alcança resultados originais. O trabalho atesta o amadurecimento do artista e é muito bem acolhido pela crítica.
Mauro Pagani, músico da banda, que se ocuparia do trabalho de pesquisa histórica e musical de Creuza de mä, esteve presente durante toda a realização da obra. O dialeto que se escuta no álbum não é aquele que se ouve pelas ruas de Gênova, atualmente. A língua do disco é uma mistura do velho dialeto genovês culto ou menos culto, com aquilo que as pesquisas e a memória de Fabrizio produzem, e junta-se, ainda, o que doou ao dialeto, a língua italiana de hoje. Nessa Gênova de influências árabes, nessa cidade de porto, que basta a visão do mar para que se possam sonhar partidas e ao mesmo tempo temê-las, nessa cidade que, aberta ao mundo, recebe com curiosidade, mas também com receio, o estrangeiro, nessa Gênova tão peculiar, vão estar mais uma vez reunidos os "diferentes": as prostitutas, os infelizes no amor, os pobres. De André fala sobre Creuza de mä:
Creuza de mä non è dedicato né al genovese né a Genova, ma al bacino mediterraneo. Io dovevo scrivere delle parole che rispecchiassero letterariamente, perchè sono sempre versi per canzoni, quello che è il mondo Mediterraneo. Credo che il genovese sia fra gli idiomi neolatini quello che ha più importazione di fenomeni arabi, che coinvolgono quindi tutto il Mediterraneo. 14
Creuza de mä
Umbre de muri muri de mainé
dunde ne vegnì duve l?è ch? ané
da?n scitu duve a lûna a se mustra nûa
e a nuette a n?a puntou u cutellu ä gua
e a muntä l?àse gh?é restou Diu
u Diàu l?é in çë e u s?è faetu u nìu
ne siurtìmmu da u mä pe sciugà e osse da u Dria
e a funtana di cumbi ?nta cä pria.

(Ombre di facce facce di marinai / da dove venite dov?è che andate
Da un posto dove la luna si mostra nuda / e la notte ci ha puntato un coltello alla gola / e a montare l?asino c?è rimasto Dio / il Diavolo è in cielo e si è fatto il nido /
Usciamo dal mare per asciugare le ossa dell?Andrea / alla fontana dei colombi nella casa di pietra

E?nt?a a cä de pria chi ghe saià
int?à cä du Dria che u nu l?è mainà
gente de lûgan facce da mandillä
qui che du luassu preferiscian l?ä
figge de famiggia udù de bun
che ti peu ammiàble snza u gundun.

(E nella casa di pietra chi ci sarà / nella casa di Andrea che non è marinaio / gente di Lugano facce da tagliaborse / quelli che dalla spigola preferiscono l?ala / ragazze di famiglia, odore di buono / che puoi guardarle senza preservativo)

E a ?ste panse veue cose che daià
Cose da beive, cose da mangiä
frittûa de pigneu giancu de Purtufin
cervelle de bae ?nt?u meximu vin
lasagne da fiddià ai quattru tucchi
paciûgu in aegruduse de lévre de cuppi.

(E a queste pance vuote cosa gli darà / cose da bere, cose da mangiare / fritture di pesciolini, bianco di Portofino / cervella di agnello nello stesso vino / lasagne da tagliare ai quattro sughi / pasticcio in agrodolce di lepre di tegole.

E ?nt?a barca du vin ghe naveghiemu ?nsc?i scheuggi
emigranti du rìe cu?i cioi? ?nt?i euggi
finché u matin crescià da puéilu rechéugge
frè di ganeuffeni e dè figge
bancan d?a corda marsa d?aegua e de sä
che a ne liga e a ne porta ?nte ?na creuza de mä.

(E nella barca del vino ci navigheremo sugli scogli / emigranti della risata con i chiodi negli occhi / finché il mattino crescerá da poterlo raccogliere / fratello dei garofani e delle ragazze / padrone della corda marcia d?acqua e di sale / che ci lega e ci porta in una mulattiera di mare.
Entremeia as estrofes com um refrão instrumental muito bem elaborado que parece misturar os rumores da cidade, do mar, dos vendedores ambulantes com seus pregões e o cheiro de peixe. Um verdadeiro canto para exorcizar os males.
Creuza de mä não seria a última das viagens de Fabrizio De André pelo vasto mundo dos dialetos. Em Le Nuvole, "Don Raffae", uma das mais simpáticas composições de Fabrizio, o dialeto napolitano está presente na figura de Don Raffaello, que apresenta com a típica ironia napolitana, o café como panacéia de todos os males. O café com creme, o café da Arábia, que faz esquecer as piores notícias dos jornais, os piores desprazeres da vida. De André usa de propósito, o dialeto "maccheronico" e explica:
Poi, in certe parti, c?è anche qui l?attacco allo Stato: lo Stato si indigna, si impegna. Sono le parole di Spadolini, quando si precipitò a Palermo in occasione di una delle tante stragi mafiose: "Sono costernato, sono indignato e mi impegno...15
Cheio de vida, o dialeto parece exprimir sempre melhor os sentimentos do povo. Pasquale Cafiero, o bom carcereiro que não suporta mais o trabalho que faz, analisa situações diversas da vida de todos os dias, critica os abusos do Estado e da máfia, que seriam mesmo insuportáveis, não fosse o café Mocca que até mesmo na prisão sabem fazer:
Don Raffae?
Io mi chiamo Pasquale Cafiero
e son brigadiero del carcere oiné
io mi chiamo Cafiero Pasquale
sto a Poggio Reale dal cinquantatre
e al centesimo catenaccio
alla sera mi sento uno staccio
per fortuna che al braccio speciale
c?é un uomo geniale che parla co? me.

Tutto il giorno con quattro infamoni
briganti, papponi, cornuti e lacchè
tutte l?ore co? ?sta fetenzia

che sputa minaccia e s?â piglia co? me
ma alla fine mi assetto papale
mi sbottono e mi leggo ?o giornale
mi consiglio con don Raffae?
mi spiega che penso e beviamm??o cafè.

Ah che bell? ?o cafè
pure in carcere?o sanno fâ
co?â ricetta ch?a Ciccirinella
compagno di cella
ci ha dato mammà.
Prima pagina venti notizie
Ventun?ingiustizie e lo Srtato che fa
Si csoterna, s?indigna, si impegna
Poi getta la spugna con gran dignità
Mi cervello e mi asciugo la fronte
Per fortuna c?è chi mi risponde
A quell?uomo sceltissimo immenso
Io chiedo consenso a don Raffae?.

Un galantuomo che tiene sei figli
ha chiesto una casa e ci danno consigli
mentre? oassessore che Dio lo perdoni
?ndrento a ?e roullotte ci alleva i visoni
voi vi basta una mossa una voce

c?ha ?sto Cristo ci levano ?a croce
con rispetto s?è fatto le tre
vulite ??a spremuta o vulite ??o cafè.

(refrão)

Qui ci sta l?inflazione, la svalutazione
e la borsa ce l?ha chi ce l?ha
io non tengo compendio che chillo stipendio
e un ambo se sogno a papà
aggiungete mia figlia Innocenza
vuo?marito non tiene pazienza
non vi chiedo la grazia pe? me
vi faccio la barba o la fate da sé.

Voi tenete un cappotto cammello
che al maxi-processo eravate ?o cchiú bello
un vestito gessato marrone
così ci è sembrato alla televisione
pe? ?ste nozze vi prego Eccellenza
m?î prestasse pe? fare presenza
io già rtengo le scarpe e o?gillè
gradite?o Campari o vulite il cafè.
(refrão)

Qui non c?è più decoro le carceri d?oro
ma chi l?ha mai viste chissà
chiste so? fatiscente pe? chisto i fetiente
se tengono l?immunità
don Raffae? voi politicamente
io ve lo giuro sarebbe ??nu santo
ma?ca dinto voi state a pagâ
e fora chist?atre se stanno a spassâ.

A proposito tengo?nu frate
che da quindici anni sta disoccupato
chilll?ha fatto cinquanta concorsi
novanta domande e duecento ricorsi
voi che date conforto e lavoro
Emminenza vi bacio v?imploro
chillo duorme co?mamma e co?me
che crema d?arabia ch?é chisto cafè.
ma alla fine mi assetto papale
mi sbottono e mi leggo? o giornale
mi consiglio con don Raffae?
mi spiega che penso e beviamm? ?o cafè.

Le Nuvole, cheia de sarcasmo e ironia mostra a desilusão amarga com os valores da sociedade capitalista, com a falência do Estado, com o fim da Utopia. A obra é também uma autocrítica. De André se reconhece sempre como parte de uma burguesia privilegiada. Ao mesmo tempo, mostra uma vontade de denúncia política, feita clara e diretamente sobre uma grande injustiça com um prisioneiro. Não muito próximo dos poetas modernos, que querem dar às palavras toda e qualquer liberdade, Fabrizio busca incessantemente dar às palavras a responsabilidade que lhes é cabida, enquanto mensagem sensibilizadora e sensibilizante.
Vanno vengono
per una vera
mille sono finte
e si mettono lì tra noi e il cielo
per lasciarsi soltanto una voglia di pioggia.

Seguem-se ao álbum Le Nuvole uma série de concertos, discos In concert e aparições em público, até mesmo na televisão, mas seu trabalho seguinte, seu último disco, só será lançado em 1996, seis anos depois de Le Nuvole. Fabrizio é músico, é pesquisador e é poeta, atividades que requerem muita cautela, dedicação, autocrítica, muito tempo.
Antes, durante, e após a realização desta pesquisa, não foi raro encontrar intelectuais e outros especialistas em literatura que se encarregassem de colocar em dúvida a apresentação do cantautore Fabrizio de André como poeta. Os séculos passam, os grandes, os enormes da "literatura menor" passam e deixam suas marcas profundas nas mais variadas mentes de gerações diferentes. Mas as perguntas sobre poesia, relevantes ou não, nunca calam. Não haveria, no caso, então, melhor pessoa para responder que o próprio De André.
Alvaro Mutis, um dos poetas preferidos do cautautore, falava do "poeta" De André, mas Fabrizio, usando Benedetto Croce como "defesa", explica que segundo o autor, até os 18 anos de idade, todos escrevem. A partir dessa idade, sobram duas categorias de pessoas: os poetas e os cretinos.
Quindi, io, precauzionalmente, preferisco considerarmi un cantautore, brinca De André em entrevista a Vicenzo Mollica.
Assim, De André chega a Anime Salve, infelizmente, último disco antes de sua morte em 11 de janeiro de 1999. É sem dúvida, a sua obra mais madura. São feitos inúmeros testes com tecnologia digital, e pouco a pouco, vão sendo introduzidos os instrumentos. Muito cuidado é dedicado à dinâmica musical. Muita atenção é dispensada para evitar cliches. Os temas a serem encarados? Os de sempre: o problema das minorias, dos diferentes, dos que escolhem outras direções ou dos que não têm nenhuma escolha. Fabrizio, no entanto, queria que seu novo trabalho fosse visto não apenas como mais um sobre as minorias. Falando de travestis e de ciganos, De André quer mostrar os que ousam ser diferentes e que manifestam, assim, sua liberdade.
Il tema fondamentale di "Anime Salve è quello della solitudine che deriva per lo più da emarginazione, che trae origine da comportamenti diversi da quelli della maggioranza, della norma....In effetti queste persone, nella difesa dei loro diritti, tentano semplicemente, senza fare del male a nessuno, di somigliare a se stesse e così facendo difendono la loro libertà.16
Piero Milesi, compositor especialista em tecnologia digital, declara que o objetivo do grupo ao realizar Anime Salve era o de chegar a um resultado final que fosse um trabalho fora de todo modismo para que pudesse viver em qualquer tempo. Milesi é também conhecedor de musica clássica, de música contemporânea de ritmos étnicos e contribui enormemente para a realização do trabalho de Fabrizio.
É em Anime Salve que se encontra "Princesa", inspirada no livro de Fernanda Farias de Albuquerque e Murizio Jannelli, "Princesa". O texto conta a história de um homossexual brasileiro, desde a sua infância na Bahia até a sua vida de prostituição na Itália para ganhar a vida. Conscientemente ou não, em Anime salve, Fabrizio se despede de seu público, de seus leitores e fãs, de seus amigos, de sua família, com "Smisurata preghiera". O poeta explica que em1991 havia ganhado de um amigo o livro de Álvaro Mutis, "La neve dell?ammiraglio", e que tinha pedido ao autor para se "apropriar de algumas jóias" para uma canção. Suas palavras pedem uma vez mais por aqueles "servos desobedientes" que, porque sofrem tanto, merecem ser ajudados.
Smisurata preghiera
Alta sui naufragi
dal belvedere delle torri
china e distante sugli elementi del disastro
dalle cose che accadono al di sopra delle parole
celebrative del nulla
lungo un facile vento
di sazietà di impunità
Sullo scandalo metallico
Di armi in uso e in disuso
A guidare la colonna
Di colore e di fumo
Che lascia le infinite battaglie al calar della sera
La maggioranza sta
Recitando un rosario
Di ambizioni meschine
di millenarie paure
di inesauribili astuzie
coltivando tranquilla
l?orribile varietà
delle proprie superbie
la maggioranza sta
come una malattia
come un?anestesia
come un?abitudine
per chi viaggia in direzione ostinata e contraria
col suo marchio speciale di speciale disperazione
e tra il vomito dei respinti muove gli ultimi passi
per consegnare alla morte una goccia di splendore
di umanità di verità.
Per chi Aqaba curò ls lebbra con suo scettro posticcio
e seminò il suo passaggio di gelosie devastratrici e di figli
con improbabili nomi di cantanti di tango
in un vasto programma di eternità
ricorda signore questi servi disobbedienti
alle leggi del branco
non dimenticare il loro volto
che dopo tanto sbandare
è appena giusto che la fortuna li aiuti
come una svista
come un?anomalia17
come una distrazione
come un dovere...



2.2 ? Influências e Homenagens:
2.2.1 -Georges Brassens
In Brassens si intrecciavano tre culture: quella mitteleuropea, col valzer, quella francese, con la giava, e quella napoletana, con la tarantella. Ecco perché le mie prime canzoni vivevano su quei ritmi e su quella atmosfera. Poi mi intrigava il fatto che trattasse temi scabrosi, di grande rilevanza sociale, buttandoli via, cantandoli con una nonchalance da teatrante inglese, piú che francese: perché il teatrante francese è enfatico, declamatorio, quello inglese dice delle cose terrificanti con una specie di indifferenza glaciale...18 diz Fabrizio de André sobre George Brassens
Tendo sido a canção popular francesa, desde os tempos dos trovadores, um meio de comunicação representativo das classes subalternas, tradicionalmente, em canções ao início de métrica livre, iam-se manifestando os descontentamentos, as críticas e protestos do povo. Poetas "irregulares" e chansonniers, mesmo quando perseguidos pela academia ou pela Corte, pelo poder político, ou pelo interesse capitalista, continuavam seu trabalho. Na Itália, na Sicília e em Nápoles, na corte de Federico II, compunham-se poesias amorosas, que deviam ser cantadas pelos próprios autores e por seus seguidores.
A canção popular faz rir, faz chorar e tenta evitar complicações quando necessário, mas a canção militante não morre nunca. Se não pode ocupar os locais mais privilegiados da cidade, se esconde em circuitos alternativos. A ironia é a sua marca mais forte. A poesia começará logo a cantar idéias democráticas e socialistas.
Brassens, entre os anos 1960 e 1970, inspirado em um cristianismo anticonformista, encontra a fórmula para dizer o que pensa. Muito agressivo em seus textos, principalmente no início de sua carreira, é capaz de fazer chegar suas mensagens aos ouvidos mais refinados, entre palavrões e "obscenidades". Sua linguagem, tipicamente popular, chama as coisas pelo próprio nome. Filtra com a literatura os impactos da língua. Fala de tradições, satiriza a burguesia e o clero e se solidariza com o povo. Culto, cético, tímido, Brassens cria personagens que procuram o prazer, a felicidade, o amor e o sexo e que, inevitavelmente, esbarram com o poder e com as instituições, mas que conquistam todo tipo de público, até mesmo o mais conservador. Seus personagens são, de um lado, as prostitutas, os bêbados, os homens do campo, os prisioneiros e, do outro, a "boa gente", os padres, os juízes, os policiais, a ordem constituída. Brassens canta e toca versos de Hugo e de Verlaine em seu violão e os expande em lirismo. Brassens canta seus próprios versos com a franqueza e a simplicidade que conquistariam De André e que fariam com que ele se tornasse um seu seguidor:
Per me ascoltare Brassens equivaleva a leggere Socrate: insegnava come comportarsi o, al minimo, come non comportarsi. Insegnava ai borghesi un rispetto cui non erano abituati.19
"O Gorila", canção famosa na França e na Itália, tem versão deandreniana. A leitura do texto, feita por alguém que tenha ouvido a música uma única vez, não se faz sem que o leitor cante a melodia já intrínseca nas palavras. Apenas cinco linhas melódicas se repetem na versão italiana, contando a história, em oito longas estrofes, de um gorila que escapa de sua jaula decidido a perder, naquele mesmo dia, a sua virgindade. Todos fogem, mas ficam para trás uma velha e um juiz. Nem um, nem outro, se considera presa muito cobiçada por um macaco. Qual dos dois se engana? O autor convida, então, o ouvinte a participar da decisão do gorila que vai aplicar a pena justa ao juiz:
Supposez qu?un de vous puisse être / Comme le singe obligé de / Violer un juge ou une ancêtre, / Lequel choisirait des deux?
E Fabrizio a propõe assim:
Se qualcuno di voi dovesse, / costretto con le spalle al muro, / violare un giudice od una vecchia / della sua scelta sarei sicuro...
Ousadia e "grosseria" para chamar a atenção sobre figuras simbólicas para os anárquicos, Brassens ridiculariza aqui a igreja e a justiça.
"A revanche não brilha nem pelo gosto nem pelo espírito", diz Brassens, e ao invés de optar pela velha como teria feito não importa quem, o gorila agarra pela orelha o magistrado.
O pobre juiz em ambos os textos gritava "mamãe":
Criait "Maman", pleurait beaucoup / Comme l?homme auquel le jour même / Il avait trancher le cou.
Gridava "Mamma" come quel tale / cui il giorno prima come ad un pollo / con una sentenza un po? originale / aveva fatto tagliare il collo.
O texto, que mantém sempre um tom pesado e irônico, tem resgatado seu valor de denúncia contra uma justiça que se dá o direito de tirar a vida ao homem. O grotesco é o recurso para aproximar o conteúdo do leitor.
As mulheres do vilarejo, quando sabem que o gorila havia escapado,
Au lieu de profiter d?la chance / Elle fit feu des fuseaux.
Fuggirono in ogni direzione...dimostrando / la differenza tra idea e azione.
Levar ao público o gosto da poesia, reconhecer a própria língua na língua das ruas e do bares, buscar a renovação das idéias através do lirismo do poeta, que é ao mesmo tempo canto e música: tarefas comuns a Brassens e De André: Les braves gens n?aiment pas que / l?on suive une autre route qu?eux...
Brassens segue um novo caminho na arte de cantar e de escrever poesia, mostrando personagens sem virtudes e de tanta grandeza. A constante e infalível ironia desafia o leitor à reflexão e é uma ponte perfeita até o público. Combate correntes estabelecidas: La chanson n?est pas une affaire de génie. C?est fait pour n?importe qui!20
Todavia, nem Brassens, nem De André, parecem esquecer em nenhum texto, o público para o qual escrevem.
Simplicidade, franqueza, fidelidade e objetividade são características dos dois poetas, que se apresentam sempre tão timidamente nos palcos para cantar palavras nada tímidas, e, tantas vezes, bem escandalosas, para que propiciem calor humano e desejo de justiça.
Brassens resume assim os temas de que trata:
Les thèmes sont rares. Je crois les avoir tous plus ou moins bien traités. Je les ai presque tous rencontrés: la nature, Dieu, la vie, la mort,l?amitié ...Enfin, il y peut être d?autre choses mais ça m?a échappé jusqu?ici.21

Esse reencontro com os mesmo temas ao longo da obra também será uma constante na obra de Fabrizio. É a busca da fidelidade e continuidade para com o público e para com eles mesmos.
A mulher aparece nos textos dos autores em todas as suas formas: mulheres burguesas, prostitutas, jovens e menos jovens. Em seu CD La mauvaise reputation, Geroges Brassens canta "La premiere fille":
Jamais de la vie on ne l?obliera / la première fille qu?on a prise dans se bras / ... Que?elle soit fille honnête ou fille de rien, / qu?elle soit pucelle, ou qu?elle soi putain22.
A mulher está sempre presente nas canções de Brassens. As "filles de joies", chamadas assim pelas "vaches de bourgeois", têm toda a simpatia de Georges Brassens. O tema é sempre relacionado às dificuldades que encontram as mulheres na vida, e como tentam, conseguindo ou não, resolvê-las. A prática da iniciação sexual de jovens rapazes com prostitutas promovida, muitas vezes, pelos próprios pais, está bem representada na contradição entre prazer, moralidade e hipocrisia.
A flor e a mulher estão sempre ligadas simbolicamente. Os desejos sexuais da mulher, oprimidos pela sociedade e pouco compreendidos pelos dois poetas no início de suas carreiras, têm como finalidade a comicidade. Fica evidente o traço de misogenia dos autores.
Reconhece-se o tipo de educação inculcada em ambos, na qual a mulher é concebida no papel de mãe, e aceita com dificuldade como sujeito desejante.
2.2.2 ? Jacques Brel
De Andre apresenta, também, muitas afinidades com Jacques Brel, cuja produção agora focalizaremos.
Ir em frente, correr riscos sem temer os perigos, colocando em evidência o que a maioria preferiria ignorar ou esconder, também Brel reflete a dura visão da existência. A derrota praticamente inevitável do homem na luta pela realização de seus objetivos ocupa grande parte da obra de Brel. O equilibrio na relação de amor com a mulher também é objetivo inalcançável porque:
elles prennent toujours plus qu?elles ne donnent. Elles nous déséquilibrent forcément à la longue, puisqu?elles nous obligent á leur offrir tout ce que nous possédons. Si nous jouons le jeu, nous nous retrouvaons, en fin de compte, pauvres, démunis, vidés. Et, comme ce sont des animaux bien portants, á ce moment-lá nous ne les amusons plus et elles nous quittent puor un autre.23
Longe de querer diminuir a importância da mulher, mostrando as contradições entre seus anseios e aqueles do homem, Brel, a exemplo de Brassens e De André, mostra a força de seus desejos, desde sempre submetidos às vontades masculinas.
Brel, assim como Brassens e De André, e também o compositor brasileiro Chico Buarque, canta o amor, a mulher, a vida e a morte. De André dizia identificar-se mais com Brassens que com Brel. Chico conta que ouvia sem parar na sua vitrola um compacto duplo de Brel com a canção "Ne me quitte pas". Era o fim dos anos 1960, idéias comuns uniam artistas diversos, de diferentes culturas.
A ira contra o burguês e sua visão de mundo estão presentes, como não poderia deixar de ser, também nesse inspirador de Fabrizio:

Les bourgeois c?est comme les cochons / Plus ça deviens vieux plus ça devient bête / Les bourgeois c?est comme les cochons / Plus ça devient vieux plus ça devient c...24

Com extrema emoção, Jacques Brel apresentava seus temas desde o modo mais feroz possível até a maneira mais doce de cantar. Seu texto sobre a prostituição, "Au suivant", mostra o jovem que procura consolo nos braços de uma prostituta em um bordel ambulante de um acampamento. Em meio a tanto sangue e tanta destruição, "un peu plus de tendresse" seria maravilhoso. Um sorriso, um pouco mais de tempo, tudo o que a prostituta não pode oferecer, porque até mesmo quando jaz a seu lado exausta depois do amor, o cliente parece ouvi-la sussurrar: "Au suivant! Au suivant!"
O cliente se sente humilhado. Paga e tem orgasmo, mas é tratado apenas como mais um. E continua dizendo que quando delira sonha com a união de todos os "o próximo" contra um serviço tão rápido.
Quando não delira, o cliente é consciente de sua parte de responsabilidade na relação frustrante: Et quand je ne délire pas j?en arrive à me dire / Qu?il est plus humiliant d?être suivi que suivant.25
Em "Amsterdan", Brel fala dos marinheiros que bebem à saúde das putes de Amsterdã e de outros portos. Bebem às damas que lhes dão seus belos corpos e virtudes por uma moeda. Quando já beberam o bastante, pissent sobre as mulheres infiéis.
O texto mostra-se atualíssimo em 2002, se se pensa à exposição realizada nesse ano em Amsterdã, sobre a prostituição como lendária tradição das confrarias, das grandes navegações, dos piratas. Entitulada "Amor à Venda", e apresentada no Museu Histórico da cidade até agosto desse ano, a exposição mostra a importância da prostituição na história e na economia da cidade. Cobre os últimos quatro séculos e revela sua grande influência na produção artística, através de quadros valiosos. Reprimida, liberada, reproibida e escondida, a prostituição é retratada nas suas várias formas. A reprodução das famosas vitrines do "Red Light", onde as prostitutas se exibem à janela aos clientes que passam na rua, é obra de Marieken Verheyen. Ele convida os visitantes da mostra a colocarem-se no lugar das prostitutas, na janela, para que se sintam como se fossem mercadoria à venda.
Rica demais para possuir prostitutas nativas, a Holanda hoje tem prostitutas estrangeiras, de várias nacionalidades. Parada obrigatória de turistas, o bairro é fonte de riqueza e ninguém considera a possibilidade de acabar com ele26.
2.2.3 -Riccardo Mannerini
Colaborador de De André, o poeta Mannerini é autor de muitos poemas antimilitaristas anárquicos. A guerra, os abusos de todo tipo contra o homem, as armas nucleares, as instituições autoritárias, o capitalismo selvagem, são o alvo de suas duras críticas. Pertencente a uma geração de compositores famosos como Gino Paoli, Luigi Tenco e Fabrizio, Mannerini também se inspirava em Leó Ferré, Jacques Brel e Georges Brassens. O álbum dos New Trolls Senza orario senza bandiera de 1968, virou un cult entre historiadores e colecionadores. O poeta colaborou, ainda, com a realização de "Tutti morimmo a stento" de 1969, no texto de extraordinária beleza e sensibilidade humana para com as vítimas das drogas ("Cantico dei Drogati"). A solidariedade uniu Fabrizio e Riccardo por pouco tempo, mas continuaria presente em toda a obra de Fabrizio, em seus personagens desesperados, humilhados e explorados aos quais os dois poetas sempre procuraram resgatar a dignidade.27
2.2.4 -Edgar Lee Masters
Já citado anteriormente, Masters é o primeiro poeta com o qual De André mantém uma relação complexa. Escolhe, reescreve e cria a partir de Masters. Os resultados são de rara beleza. O "impressionismo" de suas primeiras canções e o realismo anárquico e antiburguês de tantas outras, explica Roberto Cotroneo em seu ensaio introdutivo de "Come un?anomalia", em "Non al denaro non all?amore né al cielo", amadurecem e alcançam um "sóbrio equilibrio":

Il disco su "Spoon River" é la svolta.Da quel momento in poi bisogna cominciare a chiedersi dove stia andando il lavoro poetico e musicale di De André.28


Colaboradores e homenageados
Massimo Bubola, Giuseppe Bentivoglio, Ivano Fossati, Mauro Pagani e Francesco De Gregori são autores que, também assinam textos com Fabrizio. E alguns trabalhos de Leonard Coehn e de Bob Dylan são reconhecidos e homenageados por De André.
Somos conscientes do risco de omitir outras influências artísticas na produção do compositor, mas nos limitamos a citar os compositores mais próximos e afinados com De Andrè, que pouco antes de sua morte, em uma de suas últimas entrevistas, revela um antigo desejo seu de gravar um disco dedicado aos cantores brasileiros. Pensava em um cover. Já bastante doente, tinha consciência da proximidade de sua morte.29
È mesmo uma lástima pensar às possíveis versões dos sucessos de Chico, Milton Nascimento, Caetano, de Gilberto Gil, e de outros brasileiros dos quais De André gostava.
Um brasileiro, amante da música popular, não pode deixar de pensar no grande poeta Chico Buarque, quando se depara pela primeira vez com os textos de Fabrizio. Por exemplo, "Bocca de Rosa" faz lembrar imediatamente a "Geni e o Zepelim" de Chico. Também ela é "boa" e tem seu papel útil na cidade. Tem caprichos e vontades, mas dela todos abusam. Com nojo e esforço, salva as pessoas que a espezinham, e logo em seguida volta à sua eterna condição de "marginal" da sociedade. "Folhetim" e "Ana de Amsterdã da Ópera do malandro, e "Sob medida" do filme República dos assassinos de Miguel Faria Junior, são textos onde se encontram outras "Bocas" que "metem a boca no mundo", que anunciam e lutam para impor desejos quase sempre em pouca harmonia com aqueles dos homens. Chico, assim como Fabrizio, mostra o mundo marginalizado como produto da burguesia. O feminino, sempre excepcionalmente retratado por Chico, toma forma em personagens femininas livres para que se exprimam na primeira pessoa. Sua habilidade e sensibilidade na construção dessas figuras femininas foram reconhecidas desde logo pela crítica. Mais um motivo para lamentar a perda de Fabrizio de André. Quanto teria sido encantadora a sua próxima prostituta, se partisse do olhar femininamente sensível de uma canção do poeta brasileiro Chico Buarque?



3 - A mulher/prostituta como protagonista na obra de Fabrizio De André
3.1 ? A figura da prostituta e o imaginário poético: Marinella, Bocca di Rosa, Princesa
Esta pesquisa, que tem como objetivo principal demonstrar o processo de amadurecimento do olhar do poeta Fabrizio de André em relação à prostituição, ao longo de sua obra, vai tentar focalizar suas personagens, que, em um primeiro momento, são elementos de sonhos e prazer ou objeto de desejo, como é o caso de Marinella. Ou se transformam em sujeito desejante com sugere Bocca di Rosa. As prostitutas serão também mencionadas em vários outros textos do autor, e, em seu último disco a prostituição vem retratada como um sério problema social, ligado diretamente à falta dos recursos que a possa evitar. Problema social resultante do comportamento contraditório e hipócrita de uma sociedade que julga e ridiculariza o diferente, que reprime e que, quando permite que se fale sobre prostituição, o faz para que possa continuar exercendo seu poder de controle sobre uma minoria "perigosa". Minoria perigosa, mas que presta serviços indispensáveis à essa mesma sociedade. Minoria "tolerada" nos lieux de tolérance, como uma "concession aux sexualités illégitimes", afirma Foucault em Histoire de la sexualité I, em La Volonté de savoir.
Foucault mostra que os conceitos de franqueza, de lícito e ilícito, de obsceno e de não obsceno, mudam através dos séculos, assim como muda também a escolha entre falar e não falar sobre sexo. Se no século XVII houve um total silêncio sobre o assunto, hoje, se fala muito de sexo, mas tão e simplesmente para falar da repressão, da opressão imposta a todos, ou ainda, para continuar a reprimir.
L?enoncé de l?oppression et la forme de la prédication renvoient l?une à l?autre; reciproquement ils se renforcent. 30
De André está a par disso. Sabe que falar de sexo não basta. Sente que acusar e denunciar hipocrisias, não basta. Continuar a perguntar o porquê das repressões, cultivando rancores nós mesmos, como diz Foucault, não muda nada. O filósofo propõe, então, uma mudança de comportamento e de pensamento, que De André pratica em seus textos.
O poeta entende que é preciso que suas personagens prostitutas sejam cantadas a partir dos diferentes pontos de vista: dá a palavra ao cliente apaixonado, ao cliente que só pensa no seu próprio prazer, e, pouco a pouco, começa a dar a palavra também à prostituta infeliz, à prostituta "alegre", à esposa indiferente, à esposa furiosa. A prostituição, ao longo de sua obra, mostra uma visão global do discurso.
Giuffrida e Bigoni assinam um ensaio no livro Accordi Eretici que tenta, em um determinado momento, mostrar como caminham juntos o encanto e o desencanto nos textos deandrenianos.
...così le puttane vengono avvolte da un alone romantico che, mitizzando l?esistenza, fa dimenticare le condizioni materiali che possono spingere una donna a mercificare il proprio corpo. 31
Considerações tipicamente masculinas, que giram e regiram em torno de análises sobre a prostituta. O fetiche, o sonho, o "alone romantico", parecem não permitir aos homens enxergar a dura realidade da mulher que se submete às vontades da sua carne. Já Marinella é uma clara evidência do desejo do autor de revelar que em nenhum momento havia dissociado a miséria, a violência e a dor, da vida de prostituição. Se não está explícito no texto, é repetidamente explicado em todas as suas entrevistas sobre a sua canção mais famosa.
Com a palavra, "l?Anonima", prostituta que escreve o livro Manuale dell´Allegra Battona, publicado pela Editora Mazzotta de Milão em1979, prostituta que de "allegra" tem bem pouco, mas que com muita praticidade fala da imagem social da prostituta:
Se diamo una rapida scorsa alle immagini che della prostituizione dà il cinema, troviamo che al folk ed alla cronaca già riscontrate nella letteratura si aggiunge l?espressione "artistica" fantasie maschili.32
É claro que muita coisa mudou desde 1979, ano em que foi publicado o "manual". Sabe-se que houve muita produção nos campos da literatura e do cinema no fim do século. É bem possível que "l?Anonima" reconhecesse em muitos trabalhos realizados sobre o tema, uma ou mais representações que se aproximassem de uma imagem social real da prostituta. As fantasias masculinas apontadas por ela, todavia, com certeza constituiram um dos grandes obstáculos para que homens das letras, do cinema, e muitos outros homens e mulheres, pudessem chegar mais rapidamente a uma compreensão sobre essa figura tão perseguida por todos. Da crítica da "Allegra Battona", nem Fellini escapa:
E Fellini, con le sue bagasce enormi, sensuali, che ripropongono il sogno del pollo, una donna tutta sesso e sempre a caccia dell?uomo: della professionista "scientifica" che pensa solo ai soldi, non può averne traccia. Preferisce, lui, la dimensione sacrale e preborghese della prostituizione.33
O Manuale della allegra battona tem posfácio de Anna Del Do Boffino, jornalista e escritora italiana morta aos 72 anos, em 1997, após uma vida dedicada às questões femininas.
Um livro de autor anônimo que se revela uma preciosidade para a realização deste trabalho e para qualquer pesquisador que se dedique ao tema, assim como o livro Princesa, que também é escrito em primeira pessoa e conta uma história verídica. Experiências narradas na primeira pessoa, e reflexões feitas pelos autores sobre eles mesmos e sobre a sociedade, ensinam da melhor forma, a esta última, a compreender, mesmo que ainda com muitos erros e tropeços, as condições que levam homens e mulheres a assumirem essa função, conhecendo bem todo o desprezo, isolamento e marginalização com os quais têm de conviver.
3.1.1 - Marinella
"Marinella" é de 1964. É um conto que exprime dissabor e denúncia. É uma mensagem apaixonada de um poeta-menino que não consegue entender a sociedade de seu tempo. Morte e vida, amor e solidão, sonho e realidade se alternam. Alternam-se, também, as pessoas: no início, o narrador fala ao leitor, mas depois fala somente a Marinella. Ora lhe cabe simplesmente narrar, ora o narrador é parte da história e por ela é responsável. E, responsabilizados serão também todos aqueles aos quais será contada. Fabrizio leu num artigo de jornal, quando ainda era adolescente, a notícia sobre uma jovem prostituta encontrada em um rio. Tinha sido assassinada. O fato o chocou e o marcou fortemente. A memória tratou de dar nova vida a essa creatura sem sorte.
Questa canzone è nata da una specie di romanzo familiare applicato ad una ragazza che a sedici anni si era trovata a fare la prostituta ed era stata scaraventata nel Tanaro o nella Bornida da un delinquente. Un fatto di cronaca nera che avevo letto a quindici anni su un giornale di provincia. La storia di quella ragazza mi aveva talmente emozionato che ho cercato di reinventare una vita e di addolcirle la morte. Sono legato a questa canzone perchè, indipendentemente dal suo valore, trovo che ci sia un perfetto equilibrio tra testo e musica, diciamo che sembra quasi una canzone napoletana scritta da un genovese.34
Em entrevista a Luigi Viva dirá ainda:
La Canzone di Marinella nasce da un fatto di cronaca che avevo letto su un giornale locale, credo "La Provincia" di Asti, quando ero quindicenne. Ne rimasi molto colpito, tant?è che qualche anno più tardi volli raccontare la storia di questa ragazza di sedici anni che per motivi familiari era stata costretta a fare la prostituta e venne poi scaraventata nel Tanaro dopo essere stata derubata. Nella mia canzone ho cercato di reinventare la vita e addolcirle la morte.35
A canção fez muito sucesso na interpretação da cantora italiana Mina, a mesma que, mais tarde, gravaria "A Banda" do compositor brasileiro Chico Buarque, tornando-o conhecido na Itália
Marinella
Questa di Marinella è una storia vera
che scivolò nel fiume a primavera
ma il vento che la vide così bella
dal fiume la portò sopra una stella.

Sola senza il ricordo di un dolore
vivivi senza il sogno di un amore
ma un Re senza corona e senza scorta
bussò tre volte un giorno alla tua porta.

Bianco come la luna il suo capello
come l?amore rosso il suo mantello,
tu lo seguisti senza una ragione
come un ragazzo segue un aquilone.

E c?era il sole e avevi gli occhi belli
lui ti baciò le labbra ed i capelli,
c?era la luna e avevi gli occhi stanchi
lui pose le sue mani sui tuoi fianchi.

Furono baci e furono sorrisi
poi furono soltanto i fiordalisi
che videro con gli occhi delle stelle
fremere al vento e ai baci la tua pelle.

Dicono poi che mentre ritornavi
nel fiume chissà come scivolavi
e lui che non ti vuole creder morta
eussò cent?anni ancora alla tua porta.

Questa è la tua canzone Marinella
che sei volata in cielo su una stella
e come tutte le più belle cose
vivesti solo un giorno come le rose.

Com uma balada lenta e doce, em endecassílabos de rimas fáceis, o poeta De André constrói um mundo próprio, para que Marinella possa ter sua vida de volta. Num jogo de um só dia, Marinella conhece o amor. Com sua fábula, o poeta tenta negar a realidade, insuportável na sua forma real. Fabrizio é ainda muito jovem. De educação tradicionalmente burguesa, busca um modo todo seu de abordar um tabú. Ele ainda não está pronto para desenvolver o tema abertamente, mas não o deixa escapar. A fábula parece ser o caminho para o afastamento da realidade, objetivando compreendê-la melhor.
Marinella é inocente. Segue o Rei, sem medo, mas também sem escolha. Segue-o como um menino atrás de uma pipa. Sem instruções morais, o texto induz o leitor a procurar significados ocultos, segundo suas próprias experiências de leitura, de vida. A jovem jogada no rio no texto, "se joga"? Ela "escorrega" no rio. Suicidou-se? Pelo seu Rei? Os reis costumavam condenar sem muitos problemas ao enforcamento, ou ao afogamento, as mais pobres dentre as prostitutas. Outros "reis" na obra de Fabrizio nunca são personagens amorosos. Marinella é um sonho confuso e absurdo, e quem o sonha pode comportar-se livremente, atribuindo-lhe uma realidade objetiva. O simbolismo nem sempre é conhecido por quem sonha. O rio, fonte de vida, transforma-se contraditoriamente em leito de morte . O mesmo já acontecia em "La Guerra di Piero", quando o narrador dizia querer ver descer pelo riacho, os peixes prateados, e não os cadáveres dos soldados.
Morti stupide, falsamente colorate di eroismi, e morti altrettanto stupide, venate dell?arroganza di chi, nella difesa dei privilegi di classe, condanna al martirio gli innocenti che ostacolano il suo cammino.36
A morte, que vem sempre de surpresa, não tem pena de ninguém; é necessário que se levem da vida as recordações e que não se leve nem mesmo um único arrependimento.
Marinella faz amor com o seu Rei. Marinella é bela mas seus olhos estão cansados. O poeta lhe proporciona, então, a recordação de seus momentos felizes, como repouso:
E c?era il sole e avevi gli occhi belli / lui ti baciò le labbra ed i capelli / c?era la luna e avevi gli occhi stanchi / lui pose le sue mani sui tuoi fianchi.
A única certeza é a de amor eterno e inesquecível representada, contraditoriamente, pelo misterioso rei, que irá bater, ainda, cem anos à sua porta sonhando com a sua presença. Curiosamente, Lian Nissin, em seu ensaio em Accordi Eretici, situa "Marinella" entre as amantes e não entre as prostitutas, não levando em conta as declarações do poeta sobre a origem do texto. Nissim faz a seguinte leitura:
Ricordiamo tutti la delicata storia della bella fanciulla innocente che un giorno incontra l?amore: e de André sa trovare una metafora incantevole per raccontare la meraviglia di un rapporto completo e profondo.37
Tendo presente o que declara De André sobre o modo como nascem certos textos, observa-se, na interpretação de quem o lê, que seus objetivos são completamente alcançados. O que o autor chama de "memória distorcida" é o que foi lido pela crítica como "maravilha de uma relação completa e profunda".
Le Canzoni le ho scritte così, come mi hanno aggredito, per incontenibile affiorare di memoria. Di solito l?attualità che mi aveva colpito era passata attraverso un processo di metabolizzazione:magari bastavano due giorni, altre volte qualche mese. Una memoria che mi arrivava già distorta quindi, proprio come la volevo, altrimenti mi sarebbe servita per qualche articolo di cronaca.38
Marinella voa para o céu sobre uma estrela. Parte por vontade própria? Vive um só dia, porque por um só dia foi amada? Morre para dar fim a sua dor e a seus olhos cansados? Sua história é um sonho seu? Do seu Rei? Do narrador? O Rei não será ele próprio, o autor, o próprio Fabrizio que amara por um dia aquela menina, pouco mais velha que ele, a quem tiraram tão triste e curta vida em modo insuportavelmente violento?
Se "o modo de pensar-se poeta " é ainda para o De André de Marinella, "totalmente naïf", como afirma Cotroneo em seu ensaio "Una smisurata preghiera", é verdade também que o poeta já se mostra constantemente em busca de um aprofundamento do tema. Uma prostituta menor de idade fora assassinada. Quantas e quantas prostitutas são massacradas todos os dias por seus clientes ou cafetões, sem que nada seja feito para ajudá-las? Quantas são raptadas ou estupradas e não têm como denunciar seus carrascos? Quantas são escravizadas em países estrangeiros? Ter tornado público que a doce Marinella era, na verdade, uma mulher da rua, covardemente assassinada e jogada num rio, foi o modo que o poeta "naïf" encontrou logo no início de sua trajetória, para provocar a reflexão sobre uma injustiça social e denunciar os crimes cometidos contra uma minoria indefesa.
Fatos reais difíceis de se aceitar e que lidos no jornal viram poemas, ilustram momentos diferentes nas vidas de vários autores. Nesses poemas se identificam a maior ou menor habilidade de atingir os objetivos desejados, a maturidade do poeta para abordar o tema, a capacidade de fazer chegar com mais ou menos impacto a mensagem a ser passada . Um afogado suicida fez Manuel Bandeira escrever assim:
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem numero.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
A maneira direta de contar o fato sensibiliza o leitor da mesma maneira. Aliás, parece que o que o autor busca na realidade é um choque imediato, que provoque horror e reflexão. Não há cuidados inocentes com a mensagem que traz tristeza e leva com o morto a esperança. O tema é abordado diretamente, com a experiência de quem já o tratou outras vezes.
Curiosamente, antes de Marinella, em 1963, De André escrevia com Paolo Viaggio "Carlo Martello ritorna dalla battaglia di Poitiers". A prostituição era tratada de modo mais aberto. Uma mulher da qual um tal rei Carlo tinha se servido quando retornava da guerra, é um personagem forte. Para ela, o Rei tinha um nariz grande demais e um rosto de cabra, mas enfim, era a Sua Majestade. A mulher cobra por seu serviço. O Rei se escandaliza com a cobrança e se lamenta. Eram bem mais baratas as tarifas antes da sua partida para a guerra! O irônico relato fala do desesperado desejo de um homem ao qual, durante a guerra, não é concedido nem mesmo um momento "per fare all?amore". Tendo imposto o cinto de castidade à sua esposa, que o espera em casa, e tendo perdido a chave na batalha, encontra a solução de seu problema com uma "grande puttana". Os fatos são relatados objetivamente.
Apesar dessa experiência anterior, Fabrizio prefere, ainda, com Marinella, o eufemismo, a constução de um carpe diem para a salvação de sua personagem, ao contrário do personagem suicida de Bandeira, que, tendo sua desgraça friamente apresentada, transmite igual eficácia no relato da dor. Para De André é como se a memória do artigo lido tantos anos antes, ainda estivesse sendo "metabolizada" como explica o próprio autor.
Marinella e seu Rei sem coroa e sem escolta se amam do sol à lua. Seu corpo treme de prazer uma só vez. Prazer dado ao personagem pelo autor e negado à prostituta, que infelizmente quase nunca pode escolher os clientes com os quais se deita.
Anazildo Vasconcelos da Silva em seu livro A Lírica Brasileira no Século XX analisa os primeiros passos de Chico Buarque em sua obra, marcados por "uma concepção mítico-mágica de poesia", onde o "espaço lírico se propõe como um espaço de identificação, capaz de neutralizar o processo de diferenciação do cotidiano." Contrapõem-se elementos negativos e positivos na busca de um equilíbrio para o conflito apresentado pelo tema. Pode-se dizer que em Marinella De André passa pelo mesmo processo.
Marinella é uma história vera. Era uma prostituta menina, de apenas dezesseis anos, que passou outros tantos anos para tomar forma na memória do autor. Os abusos contra meninas é tão assustador que não poderiam mesmo vir à luz de outra forma naqueles primeiros contatos de De André com o texto escrito. A poesia não poderia sustentar realidade tão violenta. As "menininhas", sempre preferidas por clientes que de jovem têm bem pouco, são disputadas por homens especiais nos bordéis. Nas ruas trabalham também para terceiros, que exploram seus melhores anos de vida. Não poucas vezes são levadas à prostituição pelos próprios pais. A indignação não parece jamais atingir patamares suficientes para que alguma coisa seja feita contra a prostituição infantil. Expostas a todo tipo de perigo, contraem doenças, engravidam e têm seus filhos sem assistência. Para sustentá-los, não terão jamais outra opção de vida a não ser a de continuarem a prostituir-se.
Em "Carlo Martello ritorna dalla battaglia di Poitiers" o Rei Carlo impossibilitado, mesmo que temporariamente, de gozar dos "prazeres do casamento", não exita em procurar dar vazão a seus desejos fora da relação conjugal. Com muita ironia e evidente objetivo de brincar com personagens históricos, Fabrizio e Paolo Villaggio escolhem o rei Carlo Martello como cliente da canção porque acham que o mesmo devia ser "un gran puttaniere".
Carlo Martello ritorna dalla battaglia di Poitiers
Re Carlo tornava dalla guerra,
lo accolse la sua terra cingendolo d?allor.
Al sol della calda primavera
lampeggia l?armatura del Sire vincitor.
Il sangue del Principe e del Moro
arrrossano il cimiero di identico color
Ma più che del corpo le ferite
da Carlo son sentite le bramosie d?amor,
"Se l?ansia di gloria, sete d?onore
spegne la guerra al vincitore
non ti concede un momento per fare all?amore.
Chi ti impone alla sposa soave
di castit?a la cintura, ahimè, è grave,
in battaglia può correre il rischio di perder la chiave".
...
Quand?ecco nell?acqua si compone,
mirabile visione, il simbolo d?amor,
nel folto di lunghe trecce bionde
il seno si confonde ignudo in pieno sol.
"Ma non fu vista cosa più bella,
mai io non colsi siffatta pulzella"
disse il Re Carlo scendendo veloce di sella.
"Dwh! Cavaliere non vi accostate,
già d?altri è gaudio quel che cercate,
ad altra più facile fonte la sete calmate".
Sorpreso da un dire sí deciso,
sentendosi deriso, Re Carlo s?arrestò.
Ma più dell?onor potè il digiuno,
fremente l?elmo bruno il Sire si levò.
Codesta era l?arma sua segreta,
da Carlo spesso usata in gran difficoltà,
alla donna apparve un gran nasone,
un volto da caprone, ma era Sua Maestà.
"Se voi non foste il mio Sovrano"
Carlo si sfila il pesante spadone
"non celerei il desío di fuggirvi lontano,
ma poiché siete il mio Signore"
Carlo si toglie l?intero gabbione
"debbo concedermi spoglia ad ogni pudore".
Cavaliere lui era assai valente
Ed anche in quel frangente dónor si ricoprí
E giunto alla fin della tenzone,
incerto sullárcione tentó di risalir.
Veloce lo arpiona la pulzella
Repente una parcella presenta al suo Signor
"Deh! Proprio perché voi siete il Sire
fan cinquentamila lire, è un prezzo di favor".
"È mai possibile oh porco di un cane,
che le avventure in codesto reame
debban risolversi tutte con grandi puttane.
Anche sul prezzo c?è poi da ridire,
ben mi ricordo che prima di partire,
v?eran tariffe inferiori alle tremila lire"
.......
Há uma forte ironia na construção do personagem do rei. A praticidade nas ações da dama, a compra e a venda, a sensação de insatisfação das duas partes, desenham objetivamente as características tantas vezes frustrantes das relações sexuais sem amor.
Em "La città vecchia" escrita em 1965, o poeta dirige-se a um velho professor:
Vecchio professore, cosa vai cercando in quel portone / forse quella che sola ti può dare una lezione. / Quella che di giorno chiami con disprezzo pubblica moglie, / quella che di notte stabilisce il prezzo alle tue voglie.
Tu la cercherai, tu la invocherai più di una notte, / ti alzerai disfatto rimandando tutto al ventisette. / Quando incasserai dilapiderai mezza pensione, / diecimila lire per sentirsi dire:micio bello e bamboccione.
O poeta canta a sua cidade natal, Gênova, e o faria ainda repetidas vezes, sem nunca deixar de lembrar dos ladrões, dos assassinos, dos tipos estranhos, que no fundo se non sono gigli, sono sempre figli, / vittime di questo mondo.
A prostituta é enaltecida à condição de única mulher capaz de poder dizer palavras doces ao professor, cobrando-lhe o preço devido. O professor não medirá esforços para escutá-las. No texto também o professor é vítima desse mundo, do mundo da solidão, mas vítima ainda maior é a mulher que só tem seu valor reconhecido durante a noite. De dia, para o professor, assim como para todos na cidade, ela não passa de uma "esposa pública" e assim é chamada.
Alguns clientes procuram prostitutas porque são tímidos, ou porque, por vários e diferentes motivos, têm dificuldade em manter relacionamentos com outras mulheres. Na maioria das vezes, porém, os clientes são homens que desejam o que outras mulheres, segundo eles, não lhes podem ou querem oferecer. Em busca de variedade e de novidade no ato sexual, os clientes são atraídos, também, pelos riscos de um envolvimento ilícito, mas do qual podem livrar-se com mais facilidade. Os clientes confessam, ainda, uma satisfação muito grande pelo fato de poderem sentir-se no controle da situação quando fazem sexo com prostitutas. O fato de pagar pelo serviço, como se faz por uma mercadoria qualquer, é já, de antemão, segundo alguns homens, uma garantia de desejo realizado. Poder ainda escolher o tipo de mulher pelas suas características plásticas, reforça ainda mais a idéia de compra e venda e afasta os riscos de um possível envolvimento emocional.
O tema da prostituição vai sendo tratada com mais e mais maturidade por Fabrizio ao longo de seus futuros textos. Mas como encará-lo no caso de Marinella que é uma prostituta menor de idade?
"Infelizmente," relata Laure Adler em seu livro Os Bordéis Franceses, "as menores excitam as fantasias dos mais depravados."
No século XIX, as crianças trabalham em fábricas. Não têm direitos e não são mais poupadas. Os bordéis, empregam moças menores de idade, sem o menor problema com policiais corruptos. Os clientes pagam pequenas fortunas por jovens virgens. É interessante observar, porém, que na Idade Média, a violação de uma menina de 14 ou 15 anos, era considerada por todos um crime social grave, como afirma Jacques Rossiaud em A prostituição na Idade Média. O conceito de barbárie na sociedade parece mudar em relação a sua aproximação ou afastamento da espiritualidade do homem. A mulher como mercadoria não tem idade. No Brasil e em tantos outros países subdesenvolvidos, a prostituição infantil atinge números tão assustadores, capazes de banalizar o problema em corriqueiras notícias no jornal. Fabrizio, atento aos problemas das prostitutas de sua época, mesmo tendo sido também ele um intelectual que se encanta pela imagem da mulher que se coloca a serviço dos desejos do homem, procura um modo especial para contar uma história tão infeliz.
Ainda sobre seus textos, e especialmente sobre Marinella, Fabrizio diria em entrevista a Luigi Viva,
che non mi vengano a chiedere a me delle certezze, io Marinella l?ho scritta, ma non l?ho vissuta, sono un raccontatore di storie, non sono un filosofo né un politico. Di solito le certezze si chiedono ai filosofi o ai politici, forse piú ai filosofi, però ne le si chiede a un artista. Invece mi pare che i ragazzi cerchino in noi delle certezze e questo è pericoloso, perchè noi siamo pieni di dubbi.39
O poeta, cheio de dúvidas, não exita nem um momento. Está do lado dos mais fracos, dos desempregados, dos drogados, dos não amados, das prostitutas. Não é dono da verdade, não dá certeza de nada, mais deixa claro o seu desejo de buscar respostas, de fazer refletir para que se possam entender e quem sabe modificar comportamentos injustos. O poeta visto assim é filósofo e político.
Michel Foucault, especialmente em Histoire de la Sexualité I, chama a atenção para a mudança do modo de falar sobre sexo ao longo dos tempos, ou seja, mudança não necessariamente de comportamento, mas de discurso. O filósofo tenta levar o leitor à reflexão sobre essa mudança. Propõe perguntas como: quem, como e onde e com quais propósitos se fazem os tão frequentes discursos sobre as relações sexuais na sociedade moderna. Quando fala de sexo, Fabrizio se coloca contra preconceitos, defende os diferentes, dá prioridade ao desejo ou lamenta a sua ausência, invalidando o discurso como instrumento para a reflexão.
Como já foi dito antes, a "Pequena Maria" é só uma primeira aproximação de Fabrizio ao tema. Mas sua vontade de compreender melhor a prostituição o leva a um constante retorno ao problema.
3.1.2 - Bocca di Rosa

La chiamavano bocca di Rosa
metteva l?amore, metteva l?amore
la chiamavano bocca di rosa
metteva l?amore sopra ogni cosa.

E appena scese alla stazione
del paesino di San Gennaro
tutti si accorsero con uno sguardo
che non si trattava di un missionario.

C?è chi l?amore lo fa per noia
chi se lo sceglie per professione
bocca di Rosa né l?uno né l?altro
lei lo faceva per passione.

Ma la passione spesso conduce
a soddisfare le proprie voglie
senza indagare se il concupito
ha il cuore libero oppure ha moglie.

E fu così che da un giorno all?altro
Bocca di Rosa si tirò addosso
l?ira funesta delle cagnette
a cui aveva sottratto l?osso.

Ma le comari di un paesino
non brillano certo in iniziativa
le contromisure fino a quel punto
si limitavano all?invettiva.

Si sa che la gente da buoni consigli
sentendosi come gesù nel tempio
si sa che la gente da buoni consigli
se non può dare il cattivo esempio.

Così una vecchia mai stata moglie
senza più figli, senza più voglie
si prese la briga e di certo il gusto
di dare a tutte il consiglio giusto.

E rivolgendosi alle cornute
le apostrofò con parole acute
"Il frutto d?amore sarà punito,"
- disse, - "dall?ordine costituito."


E quelle andarono dal comissario
e dissero senza parafrasare:
"Quella schifosa ha troppi clienti
più di un consorzio alimentare."

Ed arrivarono quattro gendarmi
con i pennacchi, con i pennacchi,
ed arrivarono quattro gendarmi
con i pennacchi e con le armi.

Spesso gli sbirri e i carabinieri
al proprio dovere vengono meno
ma non quando sono in alta uniforme
e l?accompagnarono al primo treno.

Alla stazione c?erano tutti
dal comissario al sagrestano
alla stazione c?erano tutti
con gli occhi rossi e il cappello in mano.

A salutare chi per un poco
senza pretese, senza prestese
a salutare chi per un poco
portò l?amore nel paese.

C?era un cartello giallo
con una scritta nera
diceva: " Addio bocca di rosa
con te se ne parte la primavera."

Ma una notizia un po? originale
non ha bisogno di alcun giornale
come una freccia dall?arco scocca
vola veloce di bocca in bocca.

E alla stazione successiva
molta più gente di quando partiva
chi manda un bacio, chi getta un fiore
chi si prenota per due ore.

Persino il parroco che non disprezza
tra un miserere e un?estrema unzione
il bene effimero della bellezza
la vuole accanto in processione.

E con la Vergine in prima fila
E bocca di rosa poco lontano
si porta a spasso per il paese
l?amore sacro e l?amor profano.
Un destino ridicolo, livro escrito por De André em co-autoria com Alessandro Gennari, no qual De André é personagem, apresenta Maritza.
Maritza tem os lábios vermelhos, vermelhos naturais, como as línguas das bocas enormes das publicidades na entrada dos restaurantes. Maritza parece estar apaixonada por De André, mas se deita com seus amigos e Fabrizio fica intrigado. O personagem autobiográfico declara a um amigo, falando de Maritza:
Però continuava a tornarmi in mente, per quel suo buffo modo di affrontare gli uomini, di amarli senza chiedere niente in cambio.40
Em seguida De André declara que em casos especiais assim, "Chistu tocca ponillo in canzone", ou seja, para não esquecê-los, faz-se necessário que se tornem canções. E confessa:
Ci ho scritto sopra una canzone, ho pensato a una ragazza che arriva in un paesino e fa l?amore con tutti i maschi che le piacciono, mettendo in subbuglio la microsocietà benpensanti.41
No livro, Fabrizio se encanta por Maritza. Maritza escolhe com quem se deita, e não se deita só com ele. Cria, então, uma personagem em homenagem a Maritza. Essa personagem é Bocca di Rosa. Bocca di Rosa faz amor por "paixão", mas não o faz, como diz o personagem Fabrizio do livro, "con tutti i maschi che le piacciono". Não faz amor só com os machos que lhe agradam. Seus homens são seus "clientes". Seus clientes "marcam hora". Há clientes que "reservam até duas horas". Clientes e reservas implicam serviço prestado a uma determinada hora, em um determinado lugar. Reserva implica busca de qualidade de serviço e isso implica um preço.
Bocca di Rosa é o sonho dos homens. Não faz amor por profissão, mas por prazer. Seu próprio prazer e paixão. Está à disposição para oferecer prazeres muitas vezes negados por outras mulheres. A prostituta não escolhe, mas é escolhida. A companheira para o sexo é escolhida por seus atributos físicos, pelo seu preço em relação ao mercado etc...
Ora, uma mulher que faz amor por paixão deve poder, no mínimo, escolher seu parceiro ou parceiros. Se não o pode fazer, não pode haver paixão.
Na verdade, as "Bocas de Rosa" são mulheres que vendem o próprio corpo. Difícil compreender e aceitar que uma pessoa possa querer vender seu próprio corpo, ou seja, um corpo que, para a sociedade, não lhe pertence. Pertence, sim, à própria sociedade; é um corpo que existe para dar continuidade à existência da espécie e para que sua existência seja bem utilizada para o bem comum. Uma pessoa, homem ou mulher, que resolva vender seu corpo, está trangredindo, julga-se imediatamente. Sua alma não é livre para decidir o que fazer de seu próprio corpo. Isso é inaceitável para a sociedade.
A aproximação do pensamento de Michel Foucault à obra de Fabrizio de André se dá principalmente, por causa da proposta de ambos: aceitar nos homens as suas diferenças.
Foucault em Histoire de la Sexualité I diz o que reafirmaria em Vigiar e Punir:
...la mise en discours du sexe n?est-elle pas ordonnée à la tâche de chasser de la reálité les formes de sexualité qui ne sont pas soumise à l?economie strict de la reprodution: dire non aux activités infécondes, bannir les plasirs d?à côté, reduire ou exclure les pratique qui n?ont pas pour fin la generation.42
É aqui que se encontra espaço para explicações fantasiosas, como por exemplo, no caso de Fabrizio, a prostituta que faz amor com todos, por puro prazer, ou como no caso de Fellini, como menciona Anonima, autora de Manuale della Allegra Battona, a mulher que é toda sexo e que é capaz de realizar todos os sonhos libidinosos e de satisfazer todos os desejos da carne. A ilusão é a de tentar esquecer, mesmo que temporariamente, que ao final do encontro, o homem irá desembolsar uma certa quantia, o preço por um serviço realizado. Laure Adler em seu livro Os Bordéis Franceses recolhe dados importantes e resume muito bem a imagem da prostituta segundo a maioria dos olhares masculinos. Ela é a mulher que desafia, e provoca. Está livre das convenções. É um pouco "animal", coisa que as esposas dos clientes não devem nem ousar parecer. A prostituta parece estar acima do pudor. Tentar colocar-se no lugar da prostituta é bem mais difícil que imaginar-se no papel do cliente.
A psicanálise volta as costas para o conflito social; ou mais acuradamente , ela coloca o conflito entre parênteses, conflito entre indivíduos, para iluminar o conflito dentro dos indivíduos.43
Nos jogos de sedução e nas violências contra a mulher, ela é muitas vezes suspeita, antes de ser considerada vítima. A hipótese de que tenha sido ela que se "ofereceu", ela que "seduziu", porque finalmente se rebelou contra todo um processo de castração e "pediu" para ser atacada, continuam a fazer parte não só da opinião publica, mas também dos discursos legais..
O cliente, ao contrário, é um homem "normal", que procura por mulheres "desviadas". Weitzer, professor de sociologia na George Washington University acusa:
You may be a bit surprised to learn that a male friend has visited a prostitute, but shocked to learn that a female friend is a prostitute. 44
A atitude do homem precisa ser questionada. A figura do cliente praticamente não é estudada. Ainda assim, sabe-se que não são absolutamente raros os caso de violência e abusos contra a mulher. A mulher que opta ou que é levada a optar não por uma família com filhos, que é o que a sociedade espera dela, e que, ao contrário, vende seu corpo e negocia seu prazer, não é entendida pelo cliente, o que o leva a usar e abusar desse corpo como se sobre ele tivesse todos os direitos. O cliente escapa ileso enquanto a prostituta tem que responder pelos seus atos. Felizmente, novas leis na França e na Itália, fazem com que os clientes paguem multas, ou sejam até mesmo presos, quando estiverem em busca de diversão. As contradições entre o que e quem deve ser punido e o tipo de castigo são enormes. O importante, no entanto, é que a prostituição seja discutida e não mais escondida. É imprescindível que se tenha a coragem de encarar a prostituição, essa profissão antiga como o mundo, como algo não a ser reprimido, mas regulamentado, para que não continuem a pagar pelas conseqüências somente as suas maiores vítimas.
O homem, este grande ausente da literatura sobre prostituição, está convocado para comparecer diante do tribunal de costumes. Os pesquisadores decobrem que, sem ele, não haveria negócio.45
No caso de Marinella, sabe-se que era uma prostituta menina jogado no rio. Sabe-se que foi assassinada por um homem, mas da qual De André fala como de uma mulher apaixonada, que vive um só dia. Bocca di Rosa parece dar início à sua vida como prostituta porque "gosta" de fazer amor com todos. Bocca seria então, uma mulher em busca da liberdade de seus desejos, mas que será logo obrigada a deixar a cidade como punição. Na cidade seguinte, no entanto, os homens assumem o papel de clientes. Pode-se dizer que na mesma canção, Bocca di Rosa passa da condição de "mulher livre" à condição de prostituta, exatamente porque sua "liberdade" não é aceita pela sociedade como um todo, mesmo que tenha ela, ainda que por pouco tempo, "trazido amor" para a cidadezinha. A ausência de moralismo nas palavras do narrador não impede que Bocca seja expulsa da cidade, seja castigada. Assim como acontece na cidade que deixa, também na que a recebe, Bocca di Rosa estará cercada pelas instituições igreja, jurisprudência, família, exposta às suas contradições e a seu comportamento hipócrita. Se quando parte, a acompanham do comissário ao sacristão, quem a recebe é toda a cidade em procissão. A semelhança entre uma cidade e outra constrói a idéia de repetição. Propõe um lamentável e contínuo ciclo de falta de esperança na mudança do quadro da vida, tão comum em De André quando canta os derrotados.
Se Marinella era um encanto, Bocca di Rosa é uma simpatia, característica conquistada a partir da construção das antipáticas figuras das "cadelinhas" às quais foi subtraído o osso, ou ainda a partir da insuportável bisbilhioteira e fofoqueira que não tem filho, não tem família e nem amor, estando desocupada o suficiente para poder ocupar-se de medidas tão úteis para toda a comunidade, como nesse caso o faz, livrando do "mal" todos os indivíduos.
Bocca di Rosa em procissão, ao lado do padre e do sacristão, é imagem que a priori "choca" um leitor desavisado, apesar de se saber que a proximidade da religião com a prostituição é dado histórico.
Também na Grécia antiga a prostituição estava a serviço do culto religioso. Nos templos, os sacerdotes eram os gerentes. E, sendo os peritos financeiros do Estado, era em seus baús que ia parar o dinheiro recebido pelas mulheres no desempenho de seus serviços. A renda do templo financiava as guerras que a cidade movia contra Atenas e ajudava colônias na costa do Adriático.46
A canção "Geni e o Zepelim", do compositor brasileiro Chico Buarque, ocorre naturalmente a um brasileiro que entra em contato com o texto "Bocca di Rosa". Geni tem como missão o bem-estar da comunidade, garantido pela sua noite com um homem com o qual não quer deitar-se. Lá está entre outros, o bispo que com os olhos vermelhos vem pedir à prostituta que faça amor com o forasteiro. Quando o perigo passa e o forasteiro se vai, tudo volta a ser como antes e a cidade volta a cuspir na maldita Geni.
Fisicamente presentes ou afastadas das cidades, segundo as necessidades das classes dirigentes, a prostituta já desfilou luxuosamente vestida, já teve de vestir-se para ser reconhecida na sua função, já foi nomeada imperatriz (Teodora de Bizâncio), já teve poderes mágicos e de premunição, já foi vendida como uma mercadoria qualquer. Quanto mais pobres, piores foram seus castigos.
Quando fala de outros injustiçados, De André apresenta desde seus primeiríssimos textos, uma coerência muito grande e ataca fortemente os responsáveis pelas injustiças. A prostituição, no entanto, parece ser, pelo menos no início, velada de uma certa maneira, único modo talvez de fazer circular a mensagem naquele momento. Conscientemente ou não, Fabrizio parece guardar maiores polêmicas sobre o tema para mais tarde, o que se pode verificar no constante retorno ao tema, e no modo pelo qual o faz, dando às suas prostitutas uma imagem cada vez mais humana e sofrida.
Diante da questão do corpo como mercadoria está também o problema da aceitação ou não da prostituição como trabalho. Se existe uma mercadoria, se há uma grande oferta e uma demanda maior ainda dessa mercadoria, se esta última pode alcançar os mais variados preços nos mais diferentes mercados, por fim, se instala-se uma relação óbvia de compra e venda, que implica até mesmo a satisfação ou insatisfação do cliente, porque ainda se reluta em aceitar a prostituta como uma profissional? Porque a sociedade prefere continuar a chamar seu nome em vão toda vez que quer ofender seus elementos mais vis com o frequente filho da p..., coisa que acontece repetidamente a cada 24 horas, revelando-se assim o claro propósito de fingir que ela não existe, negando-lhe todo e qualquer direito, além daquele de simplesmene "dar" ao homem o prazer? Se regulamentada, extingue-se a figura do "atravessador", do vendedor de corpos alheios. Se considerada sem preconceito, a prostituta pode deixar de representar o perigo de contaminação de homens e de suas esposas que, amorosas, os esperam em casa. Uma prostituta saudável garantiria, assim, a continuidade e tranquilidade da família. Infelizmente o que se observa é que,
Pour que le prolétariat soit doté d?un corps et d?une sexualitè, pour que sa sauté, son sexe et sa reproduction fassent problème, il a fallu des conflits (en partiuculier a propos de l?espace urbain: cohabitation, proximité, contamination, épidémies, comme le choléra de 1832 ou encore prostitution et maladies vénérienne.47
Foucault observa que as bases de comportamento estabelecidas sempre foram ditadas de cima para baixo e sempre a favor das classes mais favorecidas.
O material para pesquisas sobre a prostituição parece correr para as mãos do pesquisador decidindo o rumo de seu trabalho. A escassez de livros em sociologia e em antropologia sobre o assunto produzidos no Brasil, força o uso de literatura estrangeira, e poucas são as traduções. O surpreendente, entretanto, é a quantidade de notícias sobre os jornais e periódicos, que denunciam abusos e contágios, e que, pouco a pouco comprovam ser o tema, um problema social sim. Um problema que deve ser da responsabilidade de todos. Um problema pouco estudado e, portanto, sem muitas respostas e soluções. Governos de todo o mundo revêm medidas já tomadas e buscam outros caminhos, e isto pode ser positivo. Porém, muitas injustiças vão sendo cometidas ainda. Em Paris, novas medidas parecem estar mais ligadas ao combate a estrangeiros, que ao problema da prostituição propriamente dita. A manifestação realizada no dia 5 de novembro do ano passado foi noticiada em todos os jornais do mundo, era contra o novo projeto de lei que prevê a expulsão de prostitutas estrangeiras. As prostitutas cobriam seus rostos com máscaras. Os trans exibiam seus rostos. Todos exigiam não serem confundidos com aqueles que constituem redes de proxenetismo que prostituem menores. Todos querem que o problema de fundo seja resolvido: o reconhecimento do trabalho sexual.
John Lichfield do Independent escreve em 10/11/2002:
O governo francês vem tentando tranquilizar as chamadas prostitutas "tradicionais" de nacionalidade francesa, dizendo-lhes que nada têm a temer do novo projeto de lei. O governo informa que a lei visa quase exclusivamente estrangeiras procedentes do Leste Europeu e da África, que têm afluído às ruas da França nos últimos anos e às redes de exploradores.
Parece que têm mesmo razão os manifestantes. Torna-se clara ainda a tentativa de dividir o grupo para diminuir sua força reivindicatória.
Na Alemanha as prostitutas têm sua profissão reconhecida. Pagam taxas e têm direito à auxílio-desemprego. A Inglaterra, pioneiríssima no ramo dos bordéis no século XVII, hoje os considera ilegais. Tudo acontece clandestinamente em apartamentos. As prostitutas, quando pegas, podem ser punidas. Com os clientes nada acontece. Na França, quem fica parado pela rua já é suspeito, mas pelo menos são punidos pelo "crime" prostituta e cliente. Em 2002, na Itália, se consolida a reforma da lei Merlin que determibou o fechamento de todos os bordéis. São as seguintes as novidades:
Sarà vietato prostituirsi sulle strade e, in generale, in tutti i luoghi aperti e aperti al pubblico. La prostituta che viene trovata sul marciapiede rischia una multa che va dai 200 ai 3.000 euro, ma soltanto la prima volta. Poi scattano le manette: da 20 giorni di carcere a tre mesi, oltre a una multa da 200 a 1.000 euro.48
As chamadas "case chiuse", fechadas pela lei Merlin, podem funcionar como "cooperativas". É, portanto, permitido prostituir-se em casa. É crime, no entanto, transmitir doenças durante as relações sexuais, sendo previsto um aumento da severidade da pena caso não tenham sido feitos os exames de controle necessários.
No Brasil, ainda que a passos lentíssimos, se controem caminhos para que o desprezo não seja o único sentimento em relação às prostitutas. Em 2002, o Ministério da Saúde, com a participação de grupos privados, premiou a ONG Davida, fundada em 1992, e que tem hoje como presidente, Gabriela Leite, 51 anos, que trabalhava nos anos 80 na Vila Mimosa, zona de prostituição no Rio de Janeiro. Num jantar para prostitutas e proprietários de "casas de massagem", Fernando Gabeira, deputado federal revolucionário dos costumes brasileiros, discutiu seu projeto de lei que regulamenta a prostituição como profissão. Davida faz entre outras coisas, importantíssimo trabalho de proteção às profissionais do sexo, tentando reverter os índices de contaminação de HIV e de outras doenças sexualmente transmissíveis.49
Felizmente, também por aqui, a canção se veste de poesia para contar histórias que denunciem as injustiças. O texto a seguir é parte do Rap "Prostituta", escrito por Nega Gizza, publicado no jornal O Globo, em 24/11/01. Nem mesmo Nega Gizza fez pesquisa de campo e conta que colheu material para escrever seu texto em livros.
Ontem vi uma anúncio no jornal
vi na TV, no outdoor e em digital
pediam mulheres com corpo escultural
pra dar prazer a homens, mulheres e até casal
mas na real o que eu quero é ser artista
dar autógrafos, entrevista,
ser capa de revista
quero ser vista bem bonita na televisão
rolé de carro e não mais de camburão.

Falo da prostituta que dá prazer a um menino para poder comprar o leite a outra criança.

Sou o retrato três por quatro desse povo brasileiro/ sou a ausência do amor com a presença do dinheiro.

Tô deprimida nesse ambiente de desgraça/ traficantes, parasitas, viciados, psicopatas/ um baseado pra afastar essa fadiga/ dessa noite sedentária de orgia e mal dormida.

Aos 16 só curtição, pensava em nada / hoje aos 23 neurose a mil só transo angustiada / aos 23 quem sabe velha e arrependida/ aos 43 só esqueleto recordo a vida.

Na madrugada toda puta é a imagem do cão, ou não? / sem carteira vou guiando, sentido contramão/ artigo cinco nove lei da contravenção.

Sou meretriz triste e feliz, codinome vagabunda/ entre o mal e o bem vou deixar de ser imunda/ você acha que é falta de moral, promiscuidade excessiva/ seja puta dois minutos e sobreviva.
O texto do Rap resume muito bem as aflições de quem tem de se manter com a venda de seu corpo: a exigência de um corpo impecável ou a consequente queda nos preços, o prazer a ser oferecido a quem paga, o sujeitar-se ao que aparece, seja a um homem, a uma mulher, a mais de um homem ou mulher, o camburão e as frequentes detenções e maltratos da polícia, e o sonho distante de um trabalho melhor. Nessa situação, amor não combina com dinheiro e a preocupação com aqueles cujo sustento também depende de seu trabalho, um trabalho-contravenção.
A grande vantagem garantida ao homem (ao cliente), é a de poder exigir, justamente porque está pagando, que ela faça tudo o que ele quer. O homem quer pagar. Com dinheiro no bolso ele sente que domina.
If you?ve got the money in your pocket, then you?ve got the dominance over them., diz um cliente.50
Nestes termos, a mercadoria deve atentar para a qualidade. A prostituta deve evitar as crise de depressão, tão comuns ao seu ofício. Deve apresentar-se sempre sadia e impecavelmente limpa. Deve ser alegre e muito criativa. Assim, as duas partes estão prontas para o jogo.
Quando Fabrizio diz que Bocca de Rosa é ele mesmo, assim como Flaubert dizia ser ele mesmo a sua Madamme Bovary, ele reconhece que os homens-poetas nem sempre estão dispostos a separar o sonho da realidade na composição de seus personagens. A grande maioria dos escritores, quando ousou falar da prostituta, o fez referindo-se principalmente aos prazeres do homem em relação a elas. Famosíssimos os romances que, por exemplo, falam da primeira experiência do menino com prostitutas. Ciente de toda a problemática envolvendo mulheres que vendem seus corpos, tema que retoma inúmeras vezes, o autor afirma gostar de considerar-se sempre aquele personagem que aparenta ser dono de seu nariz assumindo de vez seu prazer e a vida em função do mesmo.
Sharon A.Abbott, da Indiana University, introduz seu ensaio "Motivation for Pursuing an Acting Career in Pornography com a declaração de uma trabalhadora:
In my mind, it is only prostitution if you are compromising your principles. I beleive that is true in any walk of life, whether you are having sex or not. If you are doing something for money that you are not comfortable with, you?re prostituting yourself.51
O poder vai ditando suas leis, vai punindo quem e como acha que deve, e invariavelmente bate com mais força no mais fraco, e o que é ainda pior, não propicia as mudanças de comportamento que considera possível obter.
Em entrevista a O?Higgins, em "Um Diálogo sobre os Prazeres do Sexo", Foucault reafirma a importância das restrições numa cultura mas aponta para o inevitável fracasso das mesmas caso não ofereçam aos indivíduos a liberdade para transformar essas mesmas restrições. A possibilidade de modificar o que reprime seria a única maneira de legitimar as repressões.
Quando Fabrizio, contraditoriamente, afirma em forma de desabafo, protestando contra o peso da responsabilidade na influência de seus textos sobre os jovens, declara: Cristo! Io ho scritto Bocca di Rosa, ma non sono Bocca di Rosa.52
O poeta conhece muito bem a realidade das prostitutas de sua cidade. Não desconhece o preço de seus serviços, o perigo e os desencantos aos quais estão expostas e não hesita a expor as contradições entre prazer, diversão, dor e desprezo à sociedade. Fabrizio De André, de família tradicional e burguesa, amante das coisas simples e das pessoas humildes, está frequentemente em conflito.
Fabrizio não dá voz nem a Marinella nem a Bocca di Rosa. Nos textos, é o narrador que tem a palavra. Em "Marinella", o narrador se dirige ao personagem, mas este último não faz que escutar a sua história de um outro ponto de vista. Bocca de Rosa também não abre a boca, coisa que só à Princesa, sua última "prostituta", será permitido, evidenciando assim no autor uma necessidade absoluta de dar maior força a seu último personagem, que sabe como nehum outro fazer valer as suas verdades. Em todo caso, a busca pela coerência em seus textos, é característica marcante do autor, busca esta reconhecida por ele mesmo, que afirma que em "La citta vecchia", canção de 1965, ele demonstra ter tido desde muito jovem, "pouquíssimas idéias", diz com modéstia, mas que em compensação foram sempre idéias fixas, ou seja, já naquela canção, Fabrizio exprimia aquilo que sempre pensou: "que existe muito pouco mérito na virtude e bem pouca culpa no erro".
Trecho de "La Città Vecchia":
...
Vecchio professore, cosa vai cercando in quel portone
forse quella che sola ti può dare una lezione.
Quella che di giorno chiami con disprezzo pubblica moglie
quella che di notte stabilisce il prezzo alle tue voglie.
Tu la cercherai, tu la invocherai più di una notte,
ti alzerai disfatto rimandando tutto al ventisette.
Quando incasserai dilapiderai mezza pensione,
diecimila lire per sentirti dire: micio bello e bamboccione.53
* * *
Em "Folhetim", canção do poeta brasileiro Chico Buarque de Holanda, não importa o que possam dizer sobre a figura da prostituta, porque é o proprio personagem que fala. É ela que se apresenta, que se diz. Também ela parece ter prazer com seus companheiros de noitada, mas "aceita" um presentinho, "uma coisa à toa, um cinema, um botequim". A troca é logo estabelecida. Nada é de graça. Menos ainda se o parceiro tiver "renda". Neste caso, ela "aceitará" ainda um bombom, uma pedra falsa, um corte de cetim. "Aceitará" parece não implicar em um simples "dar". Em troca, como o professor de "La Città Vecchia" de De André, também o cliente de "Folhetim", escutará as "verdades" que quiser escutar. Verdades à meia luz. Como se repete sempre, no dia seguinte, tudo voltará a ser como antes. No caso do professor de De André, será o cliente que passará a chamar a mulher de "pubblica moglie" tentando esquecer que depende daquela que dispreza e daquela que é por todos desprezada. Em "Folhetim", é ela a figura mais forte. Será ela que descartará o homem como apenas mais um a ser esquecido à luz do dia. Nas duas canções ficam estabelecidas as frustrações das duas partes após suas noites de prazer. Esse poder de escolha, de decisão, de estabelecimento nos tipos de relação que Chico reconhece desde logo na figura da mulher-prostituta, tarda um pouco a revelar-se em De André, muito influenciado pelo machismo que permeia todas as camadas sociais italianas. Leva mais tempo, mas o próprio tempo leva Fabrizio à construção desse personagem grandioso, que infelizmente, mas não por acaso, foi a última prostituta deandreniana: Princesa.
Texto de "Folhetim":
Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim
Por uma coisa à toa, uma noitada boa, um cinema um botequim.
E se tiveres renda aceito uma prenda qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa, uma sonho de valsa ou um corte de cetim
E te farei as vontades, te direi as verdades sempre à meia luz.
E te farei vaidoso em supor, que és o maior e que me possuis.
Mas na manhã seguinte, não conte até vinte, te afastas de mim.
Pois já não vales nada és pagina virada, descartada do meu folhetim.54

Jamais de la vie on ne l'oubliera, La première fille qu'on a prise dans ses bras, La première étrangère à qui l'on a dit "tu" Mon coeur, t'en souviens-tu ? comme ell' nous était chère...

Outras Rosas
Da "Pequena Maria", passando pela sensual Bocca di Rosa, até chegar à Princesa, num sonoro crescendo, não foram poucas as outras prostitutas deandrenianas.
É de 1967 o texto de "Via del Campo". Alí se encontra uma graziosa que tem olhos grandes da cor da folha e que vende a todos a mesma rosa. Alí se encontra uma menina. Alí se encontra uma putana. Como um ritornello que apresenta sempre adjetivo novo, graciosa, menina, puta, o poema contrapõe o sorriso que parece o paraíso à ilusão do cliente que implora que com ele a graciosa se case. O iludido apaixonado lembra que das pedras, ainda que preciosas, não nasce nada, mas do adubo, do esterco, nascem as flores.
Via del Campo
Via del Campo c?è una graziosa
gli occhi grandi color di foglia
tutta notte sta sulla soglia
vende a tutti la stessa rosa.

Via del Campo c?è una bambina
con le labbra color rugiada
gli occhi grigi come la strada
nascon fiori dove cammina.

Via del Campo c?è una puttana
gli occhi grandi color di foglia
se di amarla ti viene voglia
basta prenderla per la mano.

E ti sembra di andar lontano
lei ti guarda con un sorriso
non credivi che il paradiso
fosse solo lí al primo piano.

Via del Campo ci va un illuso
a pregarla di maritare
a vederla salir le scale
fino a quando il balcone ha chiuso.

Ama e ridi se amor risponde
piangi forte se non ti sente
dai diamanti non nasce niente
dal lettame nascon i fior.

Em "Leggenda di Natale" um velho abusa da inocência de uma menina. Na figura de Papai Noel ele a possui e faz dela uma deusa infeliz.
Leggenda di Natale
Parlavi alla luna, giocavi con i fiori
avevi l?etá che non porta dolori
e il vento era un mago, la rugiada una dea
nel bosco incantato di ogni tua idea.
E venne l?inverno che uccide il colore
e un Babbo Natale che parlava d?amore
e d?oro e d?argento splendevano i doni
ma gli occhi eran freddi e non erano buoni.

Coprì le tue spalle d?argento e di lana
di perle e smeraldi intrecciò
e mentre incantata lo stavi a guardare
dai piedi ai capelli ti volle baciare.

E adesso che gli altri ti chiamano dea
l?incanto è svanito da ogni tua idea
ma ancora alla luna vorresti narrare
la storia d?un fior appassito a Natale.

Maggie é personagem de "Dormono sulla collina", canção do álbum Non al denaro, né allamore, né al cielo, quase totalmente inspirado no livro de Edgar Lee Masters. Maggie, como todos os outros personagens do livro, como já foi mencionado, estão mortos e dizem verdades e contam infortúnios e desgraças de seus túmulos. Non al denaro, all?amore e al cielo é de 1971.
...
E Maggie uccisa in un bordello
dalle carezze di un animale
e Edith consumata da uno strano male
...
"Suzanne" faz parte do mesmo álbum, mas o texto original é de Leonard Cohen. Trata-se de uma mulher misteriosa, mulher do porto, com a qual se quer estar porque toca o corpo com a mente.
"La cattiva strada" é texto do álbum entitulado Volume 8. Um homem passa carregando todos aqueles que encontra pelo caminho, para o seu o "mau caminho". Na "má estrada" há uma "rainha" das ruas que ficam atrás da estação. Ele a assalta, e ela também passa a segui-lo.
...
Sui viali dietro la stazione
Rubò l?incasso a una regina
E quando lei gli disse: "Come"
Lui le rispose: "Forse è meglio che io vada"
E la regina lo seguì
Col suo dolore lo seguì
Sulla sua cattiva strada.
...
Nancy é outra música do mesmo álbum. Como à maioria das prostitutas, à Nancy e à Suzanne o direito de amar é negado, mas no imaginário do poeta, são os homens que se apaixonam e amam sem serem correspondidos.
Un po? di tempo fa
Eravamo distratti
Lei portava calze verdi
E dormiva con tutti.
"Ma cosa fai domani"
non lo chiese mai nessuno
s?innamorò di tutti noi
non proprio di qualcuno
non solo di qualcuno.
...
E dove mandi i tuoi pensieri adesso
trovi Nancy a fermarli
molti hanno usato il suo corpo
molti hanno pettinato i suoi capelli.
e nel vuoto della notte
quando hai freddo e sei perduto
è ancora Nancy che ti dice
"Amore, sono contenta che sei venuto".
...
Nancy é inspirada em "Seems so Long Ago, Nancy" di Leonard Cohen.
No álbum Creuza de ma, todo em dialeto genovês, De André se refere ironicamente às moças de família que têm um cheiro bom e com as quais pode-se fazer amor sem preservativo. "Jasmina", também do álbum Creuza de ma, é puro erotismo. O poeta fica completamente à vontade sob o véu do dialeto e canta:
...
Dacci piano Jamina
Non navigare di sponda
Prima che la voglia che sale e scende
Non mi sfidi nell?onda
E l?ultimo respiro Jamina
Regina madre delle sambe
Me lo tengo per uscire vivo
Dal nodo delle tue gambe.
Se Jasmina pode ser lida como uma amante, e não necessariamente como uma prostituta, em "La domenica", as criaturas que ganham nuas o pão de cada dia, são defendidas vigorosamente de todos os habitantes da cidade que por elas não têm respeito. A tradução do dialeto para o italiano não conserva o ritmo e o colorido das rimas, mas a voz de Fabrizio presente no conteúdo das idéias é imediatamente reconhecida.
...
bruttu galûsciu de ?n puròu de Cristu
nu t?`e l?^unicu chú se n?è avvistu
che in mezu a quelle creatûe
che se guagnan u pan da nûe
a gh?è anche teu muggè
(brutto stonzo di un portatore di cristo / non sei l?unico che se n?è accorto / che in mezzo a quelle creature / che si guadagnano il pane da nude / c?è anche tua moglie).
Creuza de ma é de 1984. São inegáveis a simpatia do autor pelo tema e o amadurecimento de seu olhar. Mas ainda falta a última história; a história que viria doze anos depois a culminar seu compromisso e dedicação ao problema da prostituição: a canção "Princesa" de seu último disco Anime Salve.


























3.1.3 - Princesa


Passavo spesso da via del Campo, la strada dei travestiti. Una volta salii in camera con un certo Giuseppe, che si faceva chiamare Josèphine e mi parve come una bellissima ragazza bionda. Ma, una volta venuti al dunque, scoprii facilmente che era un uomo, e che non era ancora andato a Casablanca. Senonché era talmente bella e aveva un seno così strepitoso che restai ugualmente. Ci fu un rapporto, per così dire, orale. Anzì, ce ne furono più d?uno. Ridiscesi, e sotto ad aspettarmi c?erano Polo Viaggio e Giorgio Leone, un altro amico. Feci loro un racconto dettagliato dell?incontro, come era nelle nostre abitudini, dissi che la mia compagna occasionale aveva una ventina d?anni e assomigliava a Franca Rame, e solo alla fine precisai: "C?è solo un problema, ha l?uccello". Loro cominciarono a sghignazzare e a prendermi in giro. Ma poi tornarono in via del Campo, per più di un mese, a cercare il mio amico Giuseppe.55

"Via del Campo" é um texto do álbum Fabrizio De André Volume 1 de 1967. "Princesa" é texto de seu último trabalho, lançado em 1996. Novo exemplo do que diz o poeta sobre o nascimento de seus personagens. Ter tido uma ligação íntima com um homossexual permitiu que De André, anos depois, servindo-se de mais uma história real, lida nos jornais e no livro "Princesa" escrito pelo homossexual brasileiro Fernanda Farias de Albuquerque em parceria com Maurizio Janelli, construísse sua personagem-prostituta mais rica, mais viva, mais sensibilizadora.
Princesa

Sono la pecora sono la vacca
che gli animali si vuol giocare
sono la femmina camicia aperta
piccole tette da succhiare.
"Princesa" é un pugno nello stomaco diz Maurizio Perelli em seu texto sobre "Princesa" que se encontra no site faber De André. Ligar o rádio e ouvir de surpresa as primeiras frases do texto, é realmente um soco no estômago. A intenção do poeta não é outra. Ele grita para que todos escutem. Princesa é uma história verdadeira. Uma história de vida. Na canção, encontra-se resumida toda a sua vida. Fabrizio consegue captar os momentos mais importantes do livro e sintetizá-los surpreendentemente. Encontra palavras sob medida para derrubar as vendas que cobrem leitores e ouvintes distraídos, capturando-os e aproximando-os dos sentimentos do personagem.
Fernandinho brincava com um amigo quando era criança. O amigo era o touro, ele a vaca. Foram descobertos e levaram uma surra.
Verso conotativo de desejo e de violência com o uso de vacca e agli animali si vuol giocar em antítese com a doçura de pecora e das pequenas tetas a serem chupadas: o primeiro soco no estômago.
Com facilidade, o poeta assume subjetivamente a identidade do homossexual. O verbo ser logo na primeira frase "sou a ovelha sou a vaca" usado pelo poeta, sugere logo de cara, uma Princesa de contradições e dá à Fernanda um caráter universalizante. Princesa é a mulher e o homem que se prostituem, com seus sonhos e desilusões, com seus altos e baixos, lucros e perdas, alegrias e desespero ao longo da vida. Confessando sua moral transgressora logo no início do texto, o personagem adquire a força necessária para igualar-se a quem quer que seja, e o outro deverá ouvi-lo e não mais simplesmente julgá-lo de antemão.
Fernandinho tem seios pequeninos, tem corpo e alma de mulher. Os homens querem com ele brincar, jogar.
Sotto le ciglia di questi alberi
nel chiaroscuro dove son nato
che l?orizzonte prima del cielo
ero lo sguardo di mia madre.

Che Fernandino è come una figlia
mi porta a letto caffè e tapioca
e a ricordargli che è nato maschio
sará l?istinto sarà la vita.
"Fernandinho è meglio di una figlia femmina, si sveglia presto e mi porta caffè e tapioca dolce a letto. Lava i piatti e vuole fare anche il bucato.", - dizia a mãe de Princesa, como conta Fernanda Farias de Albuquerque, o Fernandinho do livro. Satisfeita com a doçura do filho, e ainda sem nenhum preconceito, a mãe dirige ao filho os elogios que não dirigiria às filhas mulheres. Ainda não ha mal juízo ou preconceito nas palavras da mãe. A mãe parece ser a última a entender ou a querer entender o que se passa com seu filho.
Os olhares atentos de Foucault captaram perfeitamente a visão deturpada dos homens dirigida ao homossexual.
L?homo-sexuel du XIXe. Siècle est devenu un personnage: un passé, une histoire et une enfance, un caractère, une forme de vie; une morphologie aussi, avec une anatomie indiscrète et peut-être une physiologie mystérieuse. Rien de ce qu?il est au total n?échappe à sa sexualité. Partout en lui, elle est présente: sous-jacente à toutes ses conduites parce qu?elle en est le principe insidieux et indéfiniment actif; inscrite sans pudeur sur son visage et sur son corps parce qu?elle est un secret qui se trahit toujour. Elle lui est consubstantielle, moin comme un péché d?ahabitude que comme une nature singuliére.56
E io davanti allo specchio grande
mi paro gli occhi con le dita
a immaginarmi tra le gambe
una minuscola fica.
Fernanda é prisioneira em um corpo de homem.Due mezze noci di cocco furono il mio primo seno. Davanti allo specchio grande, Cícera mi sorprese e botte.
De novo Fernanda é castigada por sentir-se como é: mulher, e por desejar uma fissura no lugar de seu membro. Num ambiente no qual "i grandi nascondevano le parole", conta a autora, ela as roubava. Descobria assim, escutando atrás das portas, o que pensavam dela, onde estavam seus "erros". Descobria o desprezo das meninas, a agressividade dos meninos, dos homens.
Princesa é a primeira "prostituta" de De André que tem a palavra. Seria simplesmente porque é extraída de uma biografia? Fabrizio se diz um contador de histórias. Sendo assim, poderia ter contado a de Princesa, a partir da distante figura do narrador em terceira pessoa. Poderia ter escrito mais uma canção que falasse de um problema. Princesa é o problema. É a realidade da luta contra a própria natureza, contra toda uma sociedade que dita regras que devem ser seguidas sem questionamentos. Obviamente, não teria obtido uma personagem tão marcante. Cantada em primeira pessoa, a mulher em um corpo de homem procura dar liberdade à sua feminilidade.
Nel dormiveglia della corriera
lascio l?infanzia contadina
corro all?incanto dei desideri
vado a correggere la fortuna.
O sofrimento da Princesa era insuportável na sua cidade. Doía, sobretudo, o juízo que poderia fazer dela sua própria mãe. Partir e crescer para poder quem sabe um dia voltar, é a única saída. A exclusão social age mascaradamente sobre os indivíduos, que chegam a concluir que sua fuga, ou seu isolamento são resultados somente da sua própria vontade, e não o culminar de uma situação insustentável, criada pelos outros.
Em entrevista coletiva para a apresentação de Anime Salve, seu último álbum, e do qual Princesa é parte, De André declara:
Il primo grande disagio l?uomo lo prova al momento della nascita, quando passa dall?acqua all?aria. Il secondo, quando si rende conto che il suo destino è morire. Alcuni, poi, ne vivono un terzo: il disagio dell?isolamento.57

Fabrizio passeia pelo texto de Fernanda com a sensibilidade à flor da pele. Princesa é também seu Giuseppe, dos seios inesquecíveis. O Giuseppe com o qual não passou uma noite apenas. Giuseppe, aquele pelo qual os amigos do poeta procurariam em "Via del Campo", depois de terem dado risadas do relato de sua experiência homossexual.
Nella cucina della pensione
mescolo i sogni con gli ormoni
ad albeggiare sarà magia
saranno semi miracolosi.

Perchè Fernanda è proprio una figlia
come una figlia vuol far l?amore
ma Fernandino resiste e vomita
e si contorce dal dolore.
O que ganha com seu trabalho na pensão onde lhe dão guarida e o que ganha com a prostituição, Fernanda investe em seu corpo, em seu próprio desejo. O dinheiro é pouco e as aplicações de silicone não são feitas por especialistas.
Dicembre mille novecentottantacinque, Severina, nella sua
casa, mi bomba i finachi con iniezioni di silicone liquido.
Senza anestesia.58
A dor e o sofrimento parecem valer a pena, se o corpo puder passar a corresponder às expectativas. Tendo como modelo de beleza a atriz brasileira Sônia Braga, Fernanda começa as aplicações de hormônio, sem receitas. O tratamento a base de injeções de silicone é feito por uma bombadeira em quantidade perigosa. Numa luta entre dois sexos, Fernanda passa mal e vomita. Fernandinho parece não querer desistir e dar lugar à uma mulher completa.
Vomitai una macchia rossa, mi contorsi dal dolore. Fernando mi resisteva, si rivoltava. Durezza del suo corpo. Petto liscio e natiche quadrate. Un uomo. .... Io ti piegherò Fernando. I miei José non baceranno uno maschio.59
Junto ao lamento dos versos que mostram a violência sofrida, a música, com um tom irônico e quase declamatório, diminui os impactos causados pelas palavras que refletem todo o conteúdo dramático do texto.
E allora il bisturi per seni e fianchi
una vertigine di anestesia
finchè il mio corpo mi rassomigli
sui lungomare di Bahia.
O corpo feminino e o contorno do mares são a perfeita e dolorosa metáfora para as tentativas de Fernanda. Obrigada a prostituir-se, Princesa é mais um personagem de De André à margem da sociedade. A simpatia do autor e a ausência de moralismo em relação ao tema da prostituição, a identificação do poeta com os que transgridem, tornam seus protestos cada vez mais veementes e solidários. O poeta reconhece em Princesa um corpo e um sexo, um desejo e uma alma. Fernanda, de posse de seu novo corpo não quer mais existir somente como uma concessão. Deseja legitimar sua história de vida, mesmo que a sua vida seja um palco e sua luz seja os faróis dos clientes. Seu sorriso tenero e o toque em seus cabelos presenteiam à Princesa uma leveza absoluta.

Sorriso tenero di verdefoglia
dai suoi capelli sfilo le dita
quando le macchine puntano i fari
sul palcoscenico della mia vita.

Dove tra ingorghi di desideri
alle mie natiche un maschio s?appende
nella mia carne tra le mie labbra
un uomo scivola l?altro s?arrende.
Fernanda prostitui-se pelas ruas. É alvo fácil de todo tipo de tarados e maníacos. Deve lidar também com a polícia, que ou é violenta ou vem buscar propina. Vê travestis que são violentados todos os dias, vê travestis que simplesmente desaparecem.
Se a prostituição ilustra a dominação do homem sobre a mulher, o mesmo vale para o homosexual que se prostitui. Prostituir-se nunca foi um caminho fácil, pelo simples fato que dizer não aos comportamentos desejados pela sociedade é por si só um desafio a ser punido. O "mal necessário" faz com que clientes e não clientes questionem-se bem pouco. As mulheres toleram que seus companheiros visitem "profissionais" para que deêm menos trabalho no dia-a-dia. Afinal de contas, a prostituição reduz comprovadamente, entre outros excessos masculinos, o número de violência sexual contra mulheres.
Fernanda é uma mulher e gosta de homens. Com uma mulher jamais se deitaria. Em seus clientes busca o homem que lhe dará além de sexo, afeto. "Na cultura cristã ocidental," analisa Foucault, "a homossexualidade se viu repelida e teve portanto de concentrar sua energia no próprio ato sexual. Não se permitiu aos homossexuais elaborar um sistema de corte, uma vez que lhes foi negada a expressão cultural necessária a essa elaboração." O ir direto ao ponto, o ato consumado rapidamente dá ainda menos espaço a quaisquer manifestações de carinho. Princesa é uma boneca de seda que precisa de cuidados, de proteção.
Che Fernandino mi è morto in grembo
Fernanda è una bambola di seta
sono le braci di un?unica stella
che squilla di luce e di nome Princesa.
O erotismo de "brasas" e a função libertadora de "estrela que ressoa luz" coroam Princesa. O tempo presente que continua ainda na estrofe seguinte prolonga sua felicidade.

A un avvocato di Milano
ora Princesa regala il cuore
e un passeggiare recidivo
nella penombra di un balcone.
Final feliz na canção, porque afinal de contas, nos contos, às princesas, seus príncipes. Final infeliz para a Fernanda do livro, que após sucessivas experiências com drogas e repetidas crises de violência vai acabar atrás das grades.
O clímax do relato é a sua própria repetição. A síntese de cada etapa na vida de Princesa em uma só palavra e em uma nota só, emociona. O ritmo sincopado chega quase a um baião. É música brasileira. Tropeços de grafia e ou de tradução integram também o texto original.
O matu (la campagna)
o céu (il cielo)
a senda (il sentiero)
a escola ( la scuola)
a igreja (la chiesa)
a desonra ( la vergogna)
a saia (la gonna)
o esmalte (lo smalto)
o espelho ( lo specchio)
o baton (il rossetto)
o medo (la paura)
a rua (la strada)
a bombardeira (la modellatrice)
a vertigem (la vertigine)
o encanto (l?incantesimo)
a magia (la magia)
os carros (le macchine)
a policia (la polizia)
a canseira (la stanchezza)
o brio (la dignità)
o noivo (il fidanzato)
o capanga (lo sgherro)
o fidalgo (il gran signore)
o porcalhão (lo sporcaccione)
o azar(la sfortuna)
a bebedeira (la sbronza)
as pancadas (le botte)
os carinhos (le carezze)
a falta (il fallimento)
o nojo (lo schifo)
a formosura (la bellezza)
viver (vivere)
O forte traço de desesperança do compositor italiano se rende à essa misteriosa força do brasileiro, que mesmo quando parece não agüentar mais (azar, bebedeira, pancadas, falta, nojo), tira não se sabe de onde, uma incrível vontade de viver.

4 ? CONCLUSÃO
As representações da prostituta na obra de Fabrizio De André podem ser auferidas pelas diversas fases na construção de personagens prostituídos elaboradas pelo poeta. Evidenciaram-se nesta pesquisa seja a total coerência na construção / reconstrução do tema, como também o amadurecimento do olhar crítico do cantautor sobre a prostituição.
"Marinella", personagem construído a partir de uma história real, sobre uma prostituta assassinada, é uma primeira preocupação com o tema, desenvolvido como em um conto de fadas.
Na canção "Bocca di Rosa", De André cria uma personagem mais complexa, situada entre o desejo, a liberdade, a venda do corpo, e o preço que se paga por essa escolha, se há realmente uma escolha.
O campo de visão do poeta atravessa o oceano e o faz passear pelos mares da Bahia de um Brasil cheio de contradições e desigualdades sociais, mas que também é severíssimo na arte de castigar e banir seus filhos "diferentes". "Princesa", aquela que consideramos a obra-prima de Fabrizio sobre a prostituição, focaliza o problema dos indivíduos que nascem mulheres em corpos de homem, que passam por dificuldades imensas e que não poucas vezes, prostituem-se também.
O poeta, músico e compositor Chico Buarque, que em seu texto "Carioca" fala das meninas de Copacabana que vendem as suas bugingangas, costuma dizer que as pessoas gostam das obras de seus artistas por motivos equivocados. Em suma, leitores, críticos e fãs se enganam em interpretações. Citando Drumond de Andrade, "quando as coisas existem com violência, ais do que existimos: nos povoam, nos olham, nos fixam. Contemplados, submissos, delas somos pasto, somos paisagem da paisagem". Tanto Fabrizio de André como Chico Buarque em suas canções, se permitiram ser contemplados pela prostituição para serem dela paisagem, e assim legitimarem todo o discurso.
Correndo então um risco delicioso de ter dado à luz muitos equívocos, esta pesquisa se conclui com a certeza de um caminho futuro fértil a ser percorrido junto com outros pesquisadores do tema, um caminho rico de descobertas para o avanço em busca de soluções nas mais diversas áreas de pesquisa (ciências sociais, antropologia, psiquiatria, literatura, educação) no Brasil e no mundo, traz consolo e esperança a esta pesquisa. Esperança de que obras de valor histórico e social sobre a prostituição ajudem a sociedade e despir-se de seus preconceitos seculares para que possa inserir finalmente o profissional do sexo, sempre presente no seu corpo social, em seu seio acolhedor.


5 - BIBLIOGRAFIA

Bibliografia Específica:

Livro escrito pelo autor:

DE ANDRÉ, Fabrizio e GENNARI, Alessandro. Un destino ridicolo. Torino: Einaudi, 1996.

Com a ajuda do amigo escritor Alessandro Gennari, De André procura um novo modo de contar histórias escrevendo então um romance. Fabrizio é um dos protagonistas de uma obra que se encontra entre a autobiografia e a fantasia. Maritza, a inspiradora di "Bocca di Rosa" é um dos personagens das canções presentes no romance.

Livros sobre o autor:

ROMANA, Cesare G. Amico Fragile. Milano: Sperling Paperback,1991.
Este livro é resultado de uma entrevista. É quase uma autobiografia na qual De André se abre com um velho amigo, Cesare Romana. Juntos percorrem etapas da vida e da carreira do autor, contando piadas e relembrando aventuras nas quais personagens reais se confundem com protagonistas de canções.


SERRA, Michele. ROMANA, Cesare G. e PIVANO, Fernanda. De André Il Corsaro. Novara: Interlinea, 2002.

VIVA, Luigi. Non per un dio ma nemmeno per gioco. Vita di Fabrizio De André. Milano: Universale Economica, 2000.
O livro se trata de uma biografia autorizada. Luigi Viva recolheu inúmeras declarações capazes de oferecer ao leitor um retrato muito preciso do autor desde sua infância até o seu último concerto. De André participa com comentários e lembranças. Apesar de ser também este baseado em entrevistas, o texto mantém sua continuidade narrativa.

Vari autori. Accordi eretici. Milano: Euresis Edizioni,1997.

Aos cuidados de Romano Giuffridi e de Bruno Bigoni, este livro que conta nada mais nada menos com uma introdução do poeta mario Luzi, é um verdadeiro ensaio sobre Fabrizio De André. O De André intelectual, músico, poeta, anárquico e cantor das mulheres é apresentado em um estudo sério e aprofundado sobre sua obra.


DE ANDRÉ, Fabrizio. Come un?anomalia. Torino: Einaudi, 2000.

Roberto Cotroneo escreve o prefácio deste volume composto de um video e de um livro com todas as letras do compositor. Passagens de entrevistas permeiam as canções.


DE ANDRÉ, Fabrizio. Super miti Mondadori. Milano: Mondadori,1999.

Livro com partituras e letras e video de seu último concerto gravado.

Outros livros importantes:

MASTERS, Edgar Lee. Spoon River Anthology. New York, London:Collier Books,1962.
Neste livro De André se inspira para escrever textos de seu álbum Non al denaro non all?amore né al cielo.

ALBUQUERQUE, Fernanda Farias e JANELLI, Maurizio. Princesa. Milano: Est,1997
A partir deste livro Fabrizio De André compõe a canção "Princesa" que faz parte de seu último trabalho e que é elemento de análise desta pesquisa.


Bibliografia Teórica:

ADLER, Laure. Os Bordéis Franceses. São Paulo: Companhia das Letras, 1991
ANDRADE, Mario de. Amar, Verbo Intransitivo. Belo Horizonte: Itatiaia Limitada, 1980
Anonima. Manuale della alegra battona. Milano:Mazzotta, 1979
AUERBACH, Erich. Introdução aos Estudos Literários. São Paulo.Cultrix, 1972
BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa. Rio: Nova Aguilar, 1997
BARRETO, Jorge Lima. Música e Mass Media. Lisboa: Hugin, 1995.
BATAILLE, Georges. L?Erotisme. Paris: Hatier, 1977
BENJAMIM, Walter. Obras Escolhidas III. Charles Baudelaire. Um lírico auge do capitalismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra, 1979
BIRMAN, Joel. Gramáticas do Erotismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001
Brel, Jacques par Jean Clouzet et Jacques Vassal. Paris: Paris, 1964
BRASSENS, Georges. Chanson et Poesie. Paris: Production sonores Hachette.
Brassens, Georges par Alphonse Bonnafé . Poésie et Chansons. Paris: Seghers, 1969
Corriere della Sera. "Le Prostitute in casa saranno 35 mila". 23/12/2002
CAMPOS, Geir. Pequeno Dicionário de Arte Poética. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995.
Enciclopedia 73. Istituto dell?enciclopedia italiana. Treccani, 1979.
ELKON, Alain. Vita de Moravia. Bompiani,1990.
Fabrizio De André in Concert. Milano: Super Miti Mondadori,1998
FARA, Giuseppe e ESPOLITO, Cristina. Fantasia e ragione nell?adolescenza. Il Mulino,1984
FONTES, Maria Helena Sansão. Sem Fantasia. Rio de janeiro: Graphia, 1999.
FOUCAULT, Michel. Il Faut Défendre la Société. Paris: Gallimard, 1976
______. La volonté de savoir. Paris: Gallimard, 1976
______. Les Anormaux. Paris: Gallimard,1999.
______. Résumé des Cours. Paris: Julliard,1989
______. Um diálogo sobre os prazeres do sexo. São Paulo: Landy,2000
______. Vigiar e Punir. Petrópolis: Editora Vozes, 1987
FREUD, Sigmond. Correspondência de amor e outras cartas. São Paulo: Nova Frontiera, 1982.
FLAIANI, Francesco. Europa. A. Signorelli Editore. Roma, 1984
GUGLIELMO, Grossere. Il Sistema Letterario. L´Ottocento. Milano: Principato, 1988.
HEYL, Barbara Sherman. The Madam as Entrepreneur. New Jersey: Library of Congress, 1979.
HORNSTEIN, Percy, Brown. World Literature. New American Library. 1973
HUGO, Victor. Extraits. Les Miserable. Classique Hachette.
Le Nouvel Osservateur. "Le nouvel esclavage sexuel". Paris, Août, 2000.
MARAINI, Dacia. Amata Scrittura. Milano: La Scala, 1999.
______. Dialogo di una prostituta con un suo cliente. Milano: La Scala, 2001.
______. Veronica, meretrice e scrittora. Milano: La Scala, 2001.
MASTERS, Edgar Lee. Spoon River Anthology. New York, London: Collier Macmillan, 1962.
MITTERAND, Henri. Zola, la vérité en marche. Paris: Gallimard, 1995.
MORAVIA, Alberto. La Romana. Milano: Bompiani,1947
______. Agostino. Milano: Garzanti,1975.
______. Gli Indifferenti. Milano: Garzanti,1975.
ELKON, Alain. Vita de Moravia. Milano: Bompiani,1990.
MOREIRO, Julián. Cómo Leer Textos Literarios. Madrid: Edaf,1996.
MURPHY, Emmett. História dos Grandes Bordéis do Mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios Editora,1994.
PIVANO, Fernanda. Romana, CESARE, G. Romana. De André il Corsaro. Novara: Interlinea, 2002.
PERNIOLA, Mario. Pensando o Ritual. São Paulo: Studio Nobel, 2000.
PRATOLINI, Vasco. Cronache di poveri amanti. Milano: Mondadori, 1983.
PRAZ, Mario. A Carne, a Morte e o Diabo na Literatura Romântica. São Paulo: Editora da Unicamp,1996.
REY, Pierre-Louis. La Femme. Paris: Bordas, 1990
ROSSIAUD, Jacques. A Prostituição na Idade Média. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1984.
SALINARI, Carlo. Profilo Storico della letteratura Italiana. Torino: Giunti Marzocco, 1991.
SARTRE, Jean-Paul. La P.. Respecteuse. Paris: Gallimard,1947.
______. Les mots. Paris: Gallimard,1964.
______. Saint Genet Comédian et Martyr. Paris: Gallimard,1952.
SILVA, Anazildo Vasconcelos. A Lírica Brasileira no Século XX. São Paulo: Editora Vertente, 1998.
Terre des Femmes. Boreal Express. Paris,1982
TESTORI, Giovanni. La Gilda del Mac Mahon. Milano: Rizzoli Bur,1975.
TOMASELLIi, Sylvana e PORTER, Roy. Estupro. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora,1992.
The Art Book. London: Phaidon,1994
ZAPPA, Regina. Chico Buarque. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999.
ZOLA, Emile. Naná. Círculo do Livro. São Paulo.
WEITZER, Ronald. Sex for Sale. New York, London: Routledge, 2000.

Sites consultados:
www.anarca.bolo
www.eric.m.free.fr
www.chicobuarque.com.br
www.faberdeandre.com
www.fondazione DeAndre
www.georgesbrassens.com.fr




6 - ANEXO

Marinella

Questa di Marinella è una storia vera
che scivolò nel fiume a primavera
ma il vento che la vide così bella
dal fiume la portò sopra una stella.

Sola senza il ricordo di un dolore
vivivi senza il sogno di un amore
ma un Re senza corona e senza scorta
bussò tre volte un giorno alla tua porta.

Bianco come la luna il suo capello
come l?amore rosso il suo mantello,
tu lo seguisti senza una ragione
come un ragazzo segue un aquilone.

E c?era il sole e avevi gli occhi belli
lui ti baciò le labbra ed i capelli,
c?era la luna e avevi gli occhi stanchi
lui pose le sue mani sui tuoi fianchi.

Furono baci e furono sorrisi
poi furono soltanto i fiordalisi
che videro con gli occhi delle stelle
fremere al vento e ai baci la tua pelle.

Dicono poi che mentre ritornavi
nel fiume chissà come scivolavi
e lui che non ti vuole creder morta
eussò cent?anni ancora alla tua porta.

Questa è la tua canzone Marinella
che sei volata in cielo su una stella
e come tutte le più belle cose
vivesti solo un giorno come le rose.




Bocca di Rosa

La chiamavano bocca di Rosa
metteva l?amore, metteva l?amore
la chiamavano bocca di rosa
metteva l?amore sopra ogni cosa.

E appena scese alla stazione
del paesino di San Gennaro
tutti si accorsero con uno sguardo
che non si trattava di un missionario.

C?è chi l?amore lo fa per noia
chi se lo sceglie per professione
bocca di Rosa né l?uno né l?altro
lei lo faceva per passione.

Ma la passione spesso conduce
a soddisfare le proprie voglie
senza indagare se il concupito
ha il cuore libero oppure ha moglie.

E fu così che da un giorno all?altro
Bocca di Rosa si tirò addosso
l?ira funesta delle cagnette
a cui aveva sottratto l?osso.

Ma le comari di un paesino
non brillano certo in iniziativa
le contromisure fino a quel punto
si limitavano all?invettiva.

Si sa che la gente da buoni consigli
sentendosi come gesù nel tempio
si sa che la gente da buoni consigli
se non può dare il cattivo esempio.

Così una vecchia mai stata moglie
senza più figli, senza più voglie
si prese la briga e di certo il gusto
di dare a tutte il consiglio giusto.

E rivolgendosi alle cornute
le apostrofò con parole acute
"Il frutto d?amore sarà punito,"
- disse, - "dall?ordine costituito."


E quelle andarono dal comissario
e dissero senza parafrasare:
"Quella schifosa ha troppi clienti
più di un consorzio alimentare."

Ed arrivarono quattro gendarmi
con i pennacchi, con i pennacchi,
ed arrivarono quattro gendarmi
con i pennacchi e con le armi.

Spesso gli sbirri e i carabinieri
al proprio dovere vengono meno
ma non quando sono in alta uniforme
e l?accompagnarono al primo treno.

Alla stazione c?erano tutti
dal comissario al sagrestano
alla stazione c?erano tutti
con gli occhi rossi e il cappello in mano.

A salutare chi per un poco
senza pretese, senza prestese
a salutare chi per un poco
portò l?amore nel paese.

C?era un cartello giallo
con una scritta nera
diceva: " Addio bocca di rosa
con te se ne parte la primavera."

Ma una notizia un po? originale
non ha bisogno di alcun giornale
come una freccia dall?arco scocca
vola veloce di bocca in bocca.

E alla stazione successiva
molta più gente di quando partiva
chi manda un bacio, chi getta un fiore
chi si prenota per due ore.

Persino il parroco che non disprezza
tra un miserere e un?estrema unzione
il bene effimero della bellezza
la vuole accanto in processione.

E con la Vergine in prima fila
E bocca di rosa poco lontano
si porta a spasso per il paese
l?amore sacro e l?amor profano.


Princesa

Sono la pecora sono la vacca
che gli animali si vuol giocare
sono la femmina camicia aperta
piccole tette da succhiare.
Sotto le ciglia di questi alberi
nel chiaroscuro dove son nato
che l?orizzonte prima del cielo
ero lo sguardo di mia madre.

Che Fernandino è come una figlia
mi porta a letto caffè e tapioca
e a ricordargli che è nato maschio
sará l?istinto sarà la vita.
E io davanti allo specchio grande
mi paro gli occhi con le dita
a immaginarmi tra le gambe
una minuscola fica.
Nel dormiveglia della corriera
lascio l?infanzia contadina
corro all?incanto dei desideri
vado a correggere la fortuna.
Nella cucina della pensione
mescolo i sogni con gli ormoni
ad albeggiare sarà magia
saranno semi miracolosi.

Perchè Fernanda è proprio una figlia
come una figlia vuol far l?amore
ma Fernandino resiste e vomita
e si contorce dal dolore.
E allora il bisturi per seni e fianchi
una vertigine di anestesia
finchè il mio corpo mi rassomigli
sui lungomare di Bahia.
Sorriso tenero di verdefoglia
dai suoi capelli sfilo le dita
quando le macchine puntano i fari
sul palcoscenico della mia vita.

Dove tra ingorghi di desideri
alle mie natiche un maschio s?appende
nella mia carne tra le mie labbra
un uomo scivola l?altro s?arrende.
Che Fernandino mi è morto in grembo
Fernanda è una bambola di seta
sono le braci di un?unica stella
che squilla di luce e di nome Princesa.

A un avvocato di Milano
ora Princesa regala il cuore
e un passeggiare recidivo
nella penombra di un balcone.

O matu (la campagna)
o céu (il cielo)
a senda (il sentiero)
a escola ( la scuola)
a igreja (la chiesa)
a desonra ( la vergogna)
a saia (la gonna)
o esmalte (lo smalto)
o espelho ( lo specchio)
o baton (il rossetto)
o medo (la paura)
a rua (la strada)
a bombardeira (la modellatrice)
a vertigem (la vertigine)
o encanto (l?incantesimo)
a magia (la magia)
os carros (le macchine)
a policia (la polizia)
a canseira (la stanchezza)
o brio (la dignità)
o noivo (il fidanzato)
o capanga (lo sgherro)
o fidalgo (il gran signore)
o porcalhão (lo sporcaccione)
o azar(la sfortuna)
a bebedeira (la sbronza)
as pancadas (le botte)
os carinhos (le carezze)
a falta (il fallimento)
o nojo (lo schifo)
a formosura (la bellezza)
viver (vivere)











"Falo da prostituta que dá prazer a um menino para
Poder comprar o leite de outra criança
...
Sou o retrato três por quatro desse povo brasileiro /
ou a ausência do amor com a presença do dinheiro.
...
Tô deprimida nesse ambiente de desgraça/ traficantes, parasitas, viciados, psicopatas/ um baseado pra afastar essa fadiga / dessa noite sedentária de orgia e mal dormida
...
Na madrugada toda puta é a imagem do cão, ou não? / sem carteira vou guiando na contramão / artigo cinco nove lei da contravenção.
...
Sou meretriz triste e feliz, codinome vagabunda / entre o mal e o bem vou deixar de ser imunda / você acha que é falta de moral, promiscuidade excessiva / seja puta dois minutos e sobreviva."


Trecho de "Prostituta" da rapper Nega Gizza. O Globo 24-11-01





RESUMO



MACHADO, Regina Maués. Marinella, Bocca di Rosa, Princesa: representações da prostituta na obra de Fabrizio de André. UFRJ. Faculdade de Letras, 2003. Dissertação de Mestrado em Língua e Literatura Italiana. Órgão Finaciador: CNPQ.





Esta pesquisa faz uma rápida apresentação do autor, poeta, músico e compositor italiano Fabrizio de André e de seus trabalhos mais famosos ou mais bem elaborados. Em seguida analisa as representações da prostituta nas canções Marinella, Bocca di Rosa e Princesa, temática frequentemente abordada pelo autor, sem nunca perder de vista o tema como um problema social. Leituras de Foucault, reflexões de Beijamim e Sartre, mas principalmente leituras de livros e artigos que falam sobre as experiências vividas pelos profissionais do sexo, embasam o texto.






RIASSUNTO


MACHADO, Regina Maués. Marinella, Bocca di Rosa, Princesa: representações da prostituta na obra de Fabrizio de André. UFRJ. Faculdade de Letras, 2003. Dissertação de Mestrado em Língua e Literatura Italiana. Órgão Finaciador: CNPQ.





Questa ricerca in un primo momento, fa una rapida presentazione dell?autore, poeta, musicista e compositore italiano Fabrizio de André e dei suoi pezzi più famosi o più ricercati. Il testo analizza in un secondo momento, il tema della prostituizione al quale l?artista rincorre, trattandolo via via come una problema sociale. Testi di Foucault, Beijamim e Sartre e principalmente, la lettura di libri e articoli sulle esperienze di vita di quelli che si prostituiscono come lavoro, danno supporto alla ricerca.



ABSTRACT



MACHADO, Regina Maués. Marinella, Bocca di Rosa, Princesa: representações da prostituta na obra de Fabrizio de André. UFRJ. Faculdade de Letras, 2003 Dissertação de Mestrado em Língua e Literatura Italiana. Órgão Finaciador: CNPQ.






This research makes a brief presentation of Fabrizio de André, an Italian author, poet, musician and composer. His most famous and most elaborated pieces are presented in the first chapter. Then, the text analyses the problem of prostitution which was one of his frequent themes, and which is considered as a social problem. Foucault?s Beijamim?s and Sartre?s texts are important for these analises, but most of the reflections of the texts are based mainly on books and articles about facts experienced by people who sell their bodies for a living.