Experiências de leitura e escrita

Por Adriana Bueno dos Santos Menegelli | 04/07/2017 | Educação

RESUMO

O presente artigo tem o escopo de buscar melhor compreensão dos fenômenos que levam  nossos alunos ao fracasso ou sucesso no processo de leitura e escrita, bem como fatores que interferem em  tais práticas.

PALAVRAS-CHAVE: leitura, escrita, ensino-aprendizagem.

Objetivo

Refletir  teorias e práticas de leitura e escrita.

Introdução

              O ato de ler e escrever constitui-se em ferramenta básica para o desenvolvimento integral do indivíduo na sociedade, apesar de terem sido durante algum tempo proibidos para as mulheres e liberados para a nobreza. Depois da invenção das escolas, passou-se a ter a preocupação em ensinar com eficiência a ler e a escrever.

            As aprendizagens na vida diária são significativas, uma vez que decorrem das práticas sociais e culturais. Já as aprendizagens escolares encontram seu significado na história das ideias, aspectos bem menos evidentes que os das aprendizagens na vida cotidiana.

               Percebemos que muitas vezes o conhecimento aprendido na escola a principio parece  não ter uma aplicabilidade imediata na vida , mas a importância de aprender a ler e escrever  vai sendo percebida pelo aluno no cotidiano pelas aprendizagens pertinentes ao  desenvolvimento global do sujeito.

              Atribuir significado ao que se lê é extremamente importante, pois se trata de uma competência decisiva à inclusão ou marginalização de uma pessoa.

              Desse modo no contexto escolar, até hoje, orientar bem  o ensino de uma leitura crítica e uma escrita significativa  tem sido foco de muita atenção por parte de professores e  pesquisadores.

     Fundamentação  teórica

 

             Neste trabalho é importante ressaltar  reflexões sobre o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita por meio de ações didáticas articuladas às experiências cotidianas de leitura e escrita vivenciadas pelos educandos em seus diferentes espaços de convívio social.

              As discussões propostas, foram fundamentadas em pesquisas desenvolvidas no campo da História Cultural,  acerca do trabalho docente no que se refere ao ensino da leitura e da escrita numa perspectiva de ampliação das competências linguísticas do educando, em especial, ler, escrever e interpretar textos de forma competente.

               Para tal utilizei  Paulo Freire que em seu  texto, A Importância do ato de ler que fala que ao ensinar, devem ser levadas em consideração as experiências dos educandos,  pois através delas, os textos lidos serão contextualizados e trazidos para a realidade.      

              Algumas expressões utilizadas por Freire em seu discurso têm uma carga semântica significativa como em "palavramundo", que nos ensina que leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura com a ‘leitura’ do mundo. Assim, o ato de ler, implica criticidade e o aluno já traz consigo uma leitura de mundo que não deve e nem pode ser desprezada. Ele afirma que o ato da leitura deve fluir de forma que não implique em um processo de memorização mecânica, mas de significação para o aluno.

              Em seguida , Klebis em Leitura na escola afirma que as crianças que convivem com adultos leitores , crescem em condições mais favoráveis à construção de uma relação positiva e familiar com os livros e leituras. A escola , então , é um espaço de convívio social e cultural, no qual pela interação , produz-se e partilha-se a construção coletiva de conhecimentos.

              Ao final do texto o autor enfatiza que se há professores que se afastaram da leitura, bibliotecas escolares que não funcionam adequadamente, escolas públicas formando muitos  alunos não leitores, políticas educacionais  ineficientes, fazem-se necessárias ações urgentes de fomento ao livro e à leitura, a dimensão cultural da escola, a função social da biblioteca escolar , e a ‘cara humana’ da leitura nos espaços escolares.

              A história da leitura tem sido estudada sob diversas abordagens teóricas. Roger Chartier, historiador francês, a encara como uma prática encarnada por gestos, espaços e hábitos. No capítulo O leitor entre limitações e liberdade (1999), trata da apropriação ligada às práticas de leitura enquanto produção de significados. Remete-se à forma como interpretamos o texto e  os elementos que o rodeiam, desde seu aspecto de conteúdo escrito, até os outros elementos em seu entorno, como o suporte do livro. Quanto à historicidade, propõe a variabilidade dessas práticas segundo o tempo e seu contexto histórico. O contexto social em que o leitor se encontra, também deve ser levado em conta, pois cada indivíduo irá trabalhar os textos com base nas suas próprias experiências de leitura. Afirma que toda história da leitura supõe, em seu princípio, liberdade do leitor .No entanto, esta liberdade leitora não é absoluta, pois  é cercada por limitações derivadas das capacidades, convenções e hábitos que caracterizam, em suas diferenças, as práticas de leitura.

              Várias rupturas  dividem a longa história das maneiras de ler . Ao longo do processo de civilização os indivíduos viram-se forçados a controlar suas condutas, a censurar seus movimentos espontâneos e a reprimir seus afetos. Imagens representam o leitor o trazem de maneiras  diversas representado no ato de ler em movimento e imóvel .

              Quanto a invenção dos textos eletrônicos para Chartier, estes diferenciam-se de todas as outras revoluções da leitura. O autor acredita que a textualidade eletrônica é, evidentemente, uma revolução tecnológica, que transforma totalmente a forma de inscrição da cultura escrita, substituindo pela tela do computador todos os objetos e a cultura impressa: o livro, o jornal, a revista, etc. E isso implica, ou permite, uma transformação da relação com o texto escrito pelo leitor.

              Assim temos a leitura, segundo Roger Chartier, uma prática social móvel em sua forma e sentidos.

              Por fim ,   Mafra em  Leituras à revelia da escola, nos leva a refletir sobre o fato de a  escola, ter se colocado, como redentora do saber o que não contribui para a interpretação mais crítica das diferentes formas de linguagem com as quais o jovem mantém contato nos dias de hoje.

              No  processo de aprendizagem devemos considerar que o professor nunca é o detentor completo do saber , nem o aluno é totalmente desprovido de conhecimento. Segundo o autor o aluno não pode ser visto como uma ‘tábua rasa’, suas trajetórias de leituras triviais podem ser consideradas iniciadoras de um projeto de leitura maior.

No caso de umaliteratura mais elaborada, representada pelos clássicos e por autores contemporâneos da reconhecida competência pela crítica especializada, que muitas vezes é estranha aos alunos adolescentes, é importante queos mesmos convivam com a diversidade literária .

Neste sentido o autor salienta que a escola também deveria incorporar formas não consagradas de leitura e o vestibular estaria incluído dentro desse um processo de formação geral do aluno.

Caso contrário, se não considerarmosa história de leitura não teremos os resultados esperados pois a interação não existe, não há uma continuidade das demarcações culturais do adolescente.

 

Aspectos metodológicos

              Para tornar mais concreto este trabalho gostaria de comentar que o mesmo se dá a partir de referenciais teóricos e  atividade de produção textual sobre experiências de leitura e escrita pelos alunos do primeiro, segundo e terceiro módulo, do curso Técnico em Secretariado da Etec Dr. Adail Nunes da Silva, da cidade de Taquaritinga.

A escrita foi realizada por 35 alunos do primeiro, segundo e terceiro módulo do referido curso, com idade entre 16 e 54 anos e residem na cidade de Taquaritinga e outras cidades circunvizinhas. Como dizFREIRE (1998 p.11) “Linguagem e realidade se prendem dinamicamente”.

 

As práticas da leitura e da escrita de alunos : resultados das observações

Para a leitura e correção dos textos me coloquei no lugar dos escribas para entender suas histórias .

                 Considero que antes de entrarem para a escola, as crianças não vivem alheias à escrita pois já a percebem como uma forma mais aperfeiçoada do desenho. Realizam aprendizagensobservando e imitando os outros com os quais convivem, constituem práticas sociais presentes na vida cotidiana. Essa compreensão dos mecanismos de aprendizagem na vida cotidiana é a que deve orientar a ação educativa, sobretudo no que se refere à leitura e à escrita, porque pode alterar positivamente a prática pedagógica do professor.

            De acordo com os relatos foi constatado que os alunos pesquisados aprenderam a ler entre 5 e 7 anos.

                 Os alunos ao retomarem a infância, buscando a compreensão do ato de ler trouxeram experiências vividas no momento em que ainda não se lia a palavra, foi possívelperceber leitura fora da escola, no trato íntimo com a família, era principalmente realizada pela mãe, em segundo lugar pelo pai ,depoisavós , tios e amigos.Dado que mostra a importância de os adultos incentivarem a leitura das crianças antes mesmo deles iniciarem a vida escolar, reservando alguns minutos do dia para ler livros infantis para eles. Segundo KLEBIS 2008 (p.85) “Crianças que convivem com adultos leitores [...] obviamente crescem em condições mais favoráveis à construção de uma relação positiva e familiar com os livros e leituras[...]”

             Quase todo os alunos mencionaram o interesse e/ou início de leitura a partir do contato com gibis e livros de histórias infantis. Duas alunas mencionaram a cartilha.

Apenas uma aluna mencionou que gostava de ouvir CD de histórias infantis.

Para Chartier (1999 p.88) “O novo suporte do texto permite usos, manuseios e intervençõesdo leitor infinitamente mais numerosos e mais livres do que qualquer uma das formas antigas do livro.”

Uma aluna de 52 anos, relatou que havia parado de estudar no ensino médio e voltou a estudar agora por incentivo dos filhos que já têm nível universitário. A mesma afirmou que gosta de ler jornais para saber das notícias da cidade, revistas, etc.

                 Uma aluna conta que quando aprendeu a ler, lia as placas de trânsito e nomes dos estabelecimentos. Outra aluna, me chamou muito a atenção por afirmar que quis aprender a ler para ensinar a mãe , pois a matriarca teve pouca oportunidade de estudar, por isso tinha muita dificuldade com leitura e escrita. Percebo aqui a apropriação da leitura não só para si mesmo , mas em benefício do outro.

              Os tipos de leitura foram mudando conforme mudavam os acontecimentos na vida de cada um dos alunos.

Continuando neste esforço de recordar momentos de experiências de leitura e de escrita, apenas duas alunas mencionaram ler livros de literatura. Uma aluna fez referência a obra A Escrava Isaura como sendo uma obra cativante; outra se refere a livros como Dom Casmurro, Grande Sertão Veredas que eram lidos para realização de trabalhos (leitura obrigatória), visando o vestibular.

Mafra (2003) [...] a literatura mais elaborada, representada pelos clássicos e por autores contemporâneos da reconhecida competência pela crítica especializada, é estranha aos alunos adolescentes[...]

Cabe lembrar que o autor comenta também que o vestibular também deveria estar inserido em um projeto de formação geral do aluno o que seria uma solução do impasse que se instala no ensino médio quanto a incorporação de formas não consagradas. Caberia a escola então, articular esse momento.

Sabemos que cada leitor ao ler determinados textos já traz sua história de leitura que não deve ser desprezada .Assim, como leituras prazerosas foram citados : trilogia de Jogos Vorazes, todos os livros do Harry Potter, A culpa é das estrelas , revistas , jornais, livros de receitas ,livros espíritas ,bíblia entre outros.De acordo com Mafra ( 2003):

 

 [...]que o adolescente exatamente conviva com a diversidade literária , que seja dado a ele a possibilidade de enxergar que a sua trajetória de leituras por mais triviais que possam parecer, são importantes enquanto iniciadoras de um projeto de leitura maior.

 

O professor,tem o papel principal e mais importante no desenvolvimento de hábitos e habilidades de leitura dos alunos, porém, não deve ser autoritário a ponto de escolher sozinho o que seus alunos devem ou não ler. Deve consideraras diversidades dentro da sala de aula e valorizar os gostos e opiniões formadas pelos alunos.

Um aluno deixou claro que não gosta de ler livros por terem muitas páginas e serem de difícil compreensão. Uma aluna esclareceu sua repulsa pela leitura, pois o pai a fazia copiar trechos dos salmos da bíblia como forma de castigo, quando fazia alguma coisa errada. Outra discente também não gosta de ler porque tem problema de vista e sente muita dor quando lê.

Quanto às prática de escrita, uma aluna afirma que quando aprendeu a escrever, escrevia seu nome nas carteiras da escola como se fosse o seu quadro negro.

Outra, comenta o medo de seus pais que ela escrevesse com a mão esquerda como alguns parentes que o faziam e por isso tinham letra feia. Chegavam até a mudar o lápis da mão da menina, mas não teve jeito, ela é canhoteira, (ainda bem que a letra é legível).

             Duas alunas comentaram que sonham em escrever um livro. Ambas veem aspalavras como ferramentas para transmitir suas ideias e pensamentos para o leitor.

 

Considerações finais

              A partir da leitura dos referenciais teóricos e com análise dos testemunhos aqui apresentados que mostram hábitos pessoais e individuais de leitura fica evidente que o aluno somente terá habilidades de leitura se tiver primeiramente o hábito de ler.

              O incentivo dos pais e/ou de outros leitores  no processo de leitura e escrita é muito importante, mas não devemos culpar ninguém pela não aprendizagem desse processo, por que isso não resolve o problema .Também é inegável que é preciso melhorar a estrutura das escolas públicas municipais e estaduais, bibliotecas, etc , mas à medida que  esses alunos chegam até a escola temos que  buscar alternativas para estimular para que a aprendizagem aconteça.

              Professores  precisam estar abertos à formação continuada, ter uma busca constante de aperfeiçoamento metodológico, trabalhar com os alunos vários gêneros textuais , indicar leitura de livros, promover debates em sala de aula, conciliar teoria e prática. Atividades de leitura não precisam acontecer apenas em espaços formais da escola, o lúdico também pode ser relevante, o uso de  diferentes suportes são muito enriquecedores  o que de maneira alguma deve contribuir para a exclusão do livro.

              Contudo, para que tais ações aconteçam  a equipe gestora precisa valorizar a autonomia do professor para que o mesmo possa avançar com seus educandos.

              Destaco também que  ler e escrever é um compromisso só do professor de língua portuguesa é  também dos professores das outras áreas do conhecimento .São gêneros diferentes, cada área de conteúdo tem um  tipo específico de texto que cabe ao professor dessa área ensinar o aluno  a ler, compreender, refletir e ter seu pensamento crítico à respeito do mesmo.

              Retomando Chartier (p.77), “ o leitor é um caçador que percorre terras alheias .”

              Aos poucos uma disciplina intelectual  nos levará  não somente a fazermos uma leitura do mundo, mas transformá-lo através de nossa prática consciente.

              Consequentemente quando  o aluno tem um bom hábito de leitura ,terá uma boa produção textual. Escrever é algo que se constrói aos poucos, a cada palavra enunciada de forma consciente, sem isso, o texto não passará de um amontoado de ideias sem sentido.

                  Resumindo, os obstáculos existem, mas temos que enfrentá-los para percebermos o quanto somos capazes de atingir um conhecimento jamais imaginado por nós mesmos.

              Os educadores têm a missão de conscientizar os alunos de que não basta entender as letras, mas ler o texto, interpretar o contexto, pois as reflexões contidas nele mostram um novo olhar indicando a melhor maneira de construir o aprendizado.

 

Referências

CHARTIER, R. O leitor entre limitações e liberdade. CHARTIER, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP, 1999a. p.75-95.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 36. ed. São Paulo: Cortez, 1998. p.11-21.

KLEBIS, C. E. de. O. Leitura na escola: problemas e tentativas de solução. In: SILVA, E. T. da (Org.). Leitura na escola. São Paulo: Global: ALB-Associação de Leitura do Brasil, 2008. p.33-46.

MAFRA, N. D. F. Literatura dentro, fora e à revelia da escola. In: MAFRA, N. D. F. Leituras à revelia da escola. Londrina: Eduel, 2003. p. 31-43.

 

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