Experiência na orientação da assinatura para cegos
Por Edenir Alves Nemoto | 20/05/2021 | EducaçãoExperiência na orientação da assinatura para cegos
Edenir Alves Nemoto
Professora aposentada e voluntária desde 2012 no IPC
I) INTRODUÇÃO
Observamos, até com certa frequência, que uma pessoa cega ao necessitar fazer seus documentos, se não souber assinar seu próprio nome e usar a impressão digital, poderá passar a imagem de um cidadão analfabeto ou sem condições de escrita. O cego sabe ler e escrever no Sistema Braille, portanto, não é "não-alfabetizado".
Ao assinar qualquer documento, o cego sente-se autorrealizado, independente, emancipado e com responsabilidade. O não assinar, proporciona o desconforto de um sentimento de desvalorização, acentuando a desigualdade social. A assinatura é uma forma de facilitar o rompimento das barreiras do preconceito e de informar à sociedade que o deficiente visual também é um cidadão. Partindo dessa premissa e para que as desigualdades não se acentuem, é imprescindível que se trabalhe a assinatura com os alunos do Instituto de Cegos Padre Chico (IPC).
No início de 2018, fui convidada pela diretora do Ensino Fundamental do IPC, Ana Maria Pires Alvarez, para colaborar no desenvolvimento do Projeto Assinatura para Deficientes Visuais. Esse projeto atende alunos cegos e de baixa visão do último ano do Fundamental II - 9º ano e tem como objetivo contribuir para que, cada vez mais, haja a participação e inclusão plena e efetiva na sociedade das pessoas com deficiência visual (DV).
Nos anos de 2018 e 2019 quinze alunos, sendo um com baixa visão, foram a base da minha experiência de orientação para assinatura, com uma aula semanal de trinta minutos, acompanhando o calendário escolar anual. Em cada horário atendia de dois a três alunos.
Antes do início do projeto, recebi algumas orientações verbais da diretora, além do material usado por dona Odete, uma senhora cega, que trabalhava na orientação de assinatura para adultos. Também ganhei um livro da professora Vera Lúcia Gonçalves Fonseca e algumas outras orientações verbais. Como complementação, pesquisei fontes onde pudesse encontrar metodologia para o desenvolvimento da letra cursiva em cegos. De posse destes materiais, elaborei o planejamento das aulas, que foram sendo adaptadas de acordo com as dificuldades de cada aluno. Esclareço que neste projeto a proposta não é ensinar letra cursiva para elaboração de textos, apenas o necessário para a obtenção da assinatura, no caso dos cegos. Para o de baixa visão foi ensinado todo o alfabeto, além da assinatura, mas não está contemplado neste trabalho, pela necessidade de usar outra metodologia.
No Brasil, não existe nenhuma lei ou regra que obrigue o cidadão a escrever de forma legível ou parecida com o próprio nome e ainda se a escrita é cursiva ou de imprensa, ou uma mistura das duas, além de poder usar só as iniciais. A única exigência é que não se pode acrescentar palavras que não estejam no registro de nascimento, como por exemplo, um apelido.
É importante diferenciar para os alunos, nome de assinatura. Nome é uma sequência de palavras que designa uma pessoa. Assinatura é a marca gráfica, que individualiza e representa a pessoa em um documento (marca pessoal), que pode ser mudada ao longo do tempo por diversos motivos como idade, casamento, etc...
II) DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
O que pude perceber é que não há técnica específica e única. Tudo irá depender da condição de cada aluno, com maior ou menor comprometimento na coordenação motora ampla e fina e/ou mental. Portanto, terá que ser uma metodologia aberta, flexível e individualizada. O uso de um planejamento, como uma linha de conduta, facilitará as adaptações que se fizerem necessárias.
II - A) Exercícios motores
Antes do início de cada aula, foram feitos exercícios com as mãos, punhos e dedos, a fim de melhorar a flexibilidade dos músculos e tendões. São exercícios simples e rápidos:
1- Alongamento e compressão dos dedos: com as mãos para a frente e as palmas voltadas para baixo, separar os dedos o tanto quanto puder, manter alguns segundos e em seguida fechar as mãos com toda força.
2- Flexões das pontas dos dedos: com a mão direita estendida, dedos juntos e palma voltada para baixo, forçar os dedos contra a palma da mão esquerda, manter a posição por alguns segundos e soltar suavemente. Repetir as flexões nos dedos da outra mão.
3- Rotação dos pulsos: com os braços retos e um pouco afastados, girar lentamente as mãos em círculo, de um lado e para o outro, trabalhando os pulsos.
4- Relaxando braços e mãos: soltar os braços, mantendo-os em paralelo com o corpo e chacoalhar, como se estivesse secando as mãos.
II - B) Exercícios da pré-escrita
Estes exercícios favorecem o domínio do gesto (forma correta de segurar a caneta), a estruturação espaço-temporal, a percepção e a reprodução da imagem, que são fundamentos básicos para o processo da escrita. Vale lembrar que o cego está habituado a usar a punção na reglete, e a escrever na máquina Braille, que são movimentos curtos, de pouca movimentação e de força, portanto, cabe a orientação da pegada do lápis, que é leve, flexível e dinâmica.
Com a mão dominante, segurar o lápis com três dedos: o polegar segura levemente, auxiliando os movimentos horizontais e verticais; o indicador ligeiramente curvado, um centímetro acima da ponta do lápis, dando a pressão necessária para o traço e o médio segura no meio da falange, dando a direção para a formação da letra. Os dedos anelar e mínimo ficam recurvados, servindo de apoio, leve, sobre o papel. Observar também que os pulsos fiquem, suavemente, apoiados na mesa. A mão não dominante, continuamente, segura o papel. Procurei com todos os alunos atingir o máximo possível de uma pegada correta, sempre respeitando a condição de cada um.
1) Nesta etapa utilizamos lápis de cera, por deslizar mais facilmente no papel. Os alunos ficaram livres para rabiscarem, desde que obedecessem às regras da escrita portuguesa: direção gráfica da esquerda para a direita, disposição horizontal, de cima para baixo. Foi o momento de treinar a pegada do lápis e o movimento quando a linha termina, que é o de levantar o lápis e voltar para a esquerda e recomeçar. Esta etapa acabou quando os alunos conseguiram dominar estas regras da nossa escrita.
2) Começamos a usar a caneta esferográfica para reproduzir as linhas que serão utilizadas na composição das letras. Começamos com a definição de linha (conjunto de pontos que se sucedem um ao outro numa sequência) e sua classificação: reta, ondulada, quebrada, horizontal/vertical, círculo, semicírculo e laço. Para que os alunos pudessem entender e sentir através do tato, o conceito de linha, montei num pedaço de papelão kraft, imagens em relevo com cordão e cola branca.
Cada aluno, de posse do seu cartão, foi tateando cada linha e depois reproduziu no papel o que estava percebendo, ainda livremente, sem limites. Nesta etapa a ajuda física e a orientação para reforçar a pegada da caneta e movimentos é muito importante. Aqui começamos a exercitar a escrita em tinta, com curvas, retas, sobe-desce e linha fechada, que no conjunto formam as nossas letras do alfabeto cursivo. Quando o aluno dominou bem estes traços, avançou para o próximo passo.
3) Delimitando espaços: introduzi a percepção de limite de espaço para escrever. Para auxiliar este processo, preenchi uma folha com pautas feitas na máquina de escrever braille com dois espaços e outra com um espaço. Continuamos a treinar as linhas, agora com barreira. Sempre o auxílio e orientação estiveram presentes.
4) Conhecendo as letras do alfabeto: apresentei as duas formas de letra, cursiva e de imprensa, ambas em maiúscula, minúscula e braile, a fim de que os alunos tivessem o livre arbítrio de escolher a sua assinatura em tinta. Neste processo fui auxiliada pela professora Cynthia Carvalho que montou o alfabeto com as letras de imprensa além da impressão em papel thermoform, na impressora térmica, para dar o relevo necessário para que as letras pudessem ser percebidas pelos alunos. Usei, também, letras em três dimensões, em madeira, com uma bolinha colada no canto superior esquerdo, para marcar a posição correta da letra. Estas letras servem para o aluno manusear os contornos, os detalhes, as diferenças e semelhanças entre elas e fazer a representação mental e a compreensão das formas das letras.
5) Momento da escolha da assinatura: conhecendo as letras, cada aluno pode escolher como deseja assinar, qual tipo de letra prefere, se quer escrever tudo maiúsculo ou não. Definida a assinatura, começamos o treino letra por letra, no assinador oficial, que é de alumínio com borracha no verso, para que não deslizasse no papel, e uma abertura de 10x1cm.
6) Orientação para o momento da pré-escrita: o aluno foi orientado a usar a mão dominante com o lápis e a mão não dominante posicionada no início do assinador, e consequentemente, o dedo indicador serviu de métrica para auxiliar a formação da letra e do espaçamento. A primeira letra, sendo maiúscula, vai ocupar todo o intervalo entre as retas horizontais, sendo marcado quanto ocupa no seu dedo de espaço. Para a letra minúscula, o aluno deverá chegar até a metade do seu dedo. A orientação e a observação, foram importantes até que o aluno tivesse gravado, mentalmente, estes espaços. Para tanto, fizemos exercícios só de linha reta inteira e pela metade, deslizando a caneta verticalmente, de cima para baixo e de baixo para cima. Horizontalmente, da esquerda para a direita, e da direita para a esquerda, usando sempre o indicador como apoio e guia.
II – C) Escrita: Assinatura
Iniciamos o grafismo do nome, de acordo com o que o aluno escolheu. Ressalto que os movimentos habituais da escrita cursiva ou de imprensa não são totalmente aplicados, mas adaptados a cada aluno o que, geralmente, cria um formato de letra mais reta, ou seja, quadrada devido à barreira física imposta pelo assinador e da pouca destreza motora do aluno. É bom notar que, a maioria os alunos têm dificuldade na execução das diagonais, dos acentos e que, também, em alguns traçados a caneta passa duas vezes sobre o mesmo risco. Não há exigência na precisão dos traços, apenas que tenham alguma legibilidade.
O aluno de posse da letra que inicia o seu nome, grava mentalmente a letra. Em seguida, posiciona o indicador da mão não dominante, na parte vazada do assinador à esquerda, enquanto a mão dominante começa a traçar as linhas para a formação da letra. Importante é a observação e orientação de como é mais conveniente começar de cima para baixo ou vice-versa, que irá depender da habilidade do aluno e da próxima letra, evitando a descontinuidade do traçado, que traria dificuldade para o aluno saber onde a caneta deveria ser colocada. Outro ponto que merece atenção, é o aluno ao final de cada letra deslizar a caneta para a direita, na parte inferior do assinador, a fim de fazer um traço de união com a grafia da letra seguinte.
De letra em letra, a composição da assinatura foi se formando, tornando um ciclo motivador, para o aluno, ao perceber que tem capacidade para tal propósito. O meu papel foi de reforçar este sentimento, apontando os pontos positivos e os que podem ser melhorados, valorizando a qualidade e o estilo da assinatura, procurando aperfeiçoá-la. Para tanto, reproduzi em relevo sua grafia, colando um barbante fino sobre os traçados. Esta representação em relevo mostra as características da caligrafia que não podem ser visualizadas, oferecendo também a oportunidade ao aluno de se auto avaliar e optar se quer melhorar ou modificar a sua assinatura. Na foto abaixo, o aluno decidiu melhorar o R.
III) CONCLUSÃO
Findo cada ano letivo, foi o momento da formatura para estes alunos do projeto, com o comparecimento da diretora e da professora Cynthia, onde eu entreguei uma cartinha em braille. Nesta mensagem, eu os parabenizei pelo esforço, dedicação, e coragem de enfrentar as dificuldades na elaboração da assinatura. Para comprovar esta superação, imprimi em papel thermoform, a assinatura de cada um.
Foi indescritível e emocionante a reação de cada aluno, ao tatear a sua própria assinatura, que deixava transparecer a alegria de uma conquista e do fortalecimento da sua autoestima.
Mostro aqui o resultado do projeto nestes dois anos.
Observação: As letras foram ampliadas para que os alunos pudessem perceber melhor os detalhes da sua assinatura. Mas todos usaram o mesmo tipo de assinador descrito acima.
IV) BIBLIOGRAFIA
- Borges, Jose Antonio. Escrita em tinta para deficientes visuais com uso de reglete. Disponível em: http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/textos/esctinta.htm acesso em fevereiro 2018
- Campos, Izilda Maria. Projeto Assino Embaixo- A grafia do nome e a assinatura na construção de identidade das pessoas cegas. Disponível em: http://revista.ibc.gov.br/index.php/BC/article/view/487 acesso em fev. 2018
- CAP -MARINGÁ. A importância da assinatura para inclusão da pessoa com deficiência visual. Disponível em
- acesso em fev. 2018
- Franco, Antonio de. Método de caligrafia de Franco. 28ª edição – S. Paulo- 1968
- Secretaria da Educação e Cultura do estado da Bahia – depto de Ensino – Gerência de Educação Especial- Escrita Cursiva para o Deficiente Visual. Salvador - 1993