Expectativa e Realidade
Por suamaesabe | 04/08/2016 | CrônicasA maior busca do ser humano é ser feliz. Muitos de nós, sem saber, focamos na reciprocidade do universo para sermos felizes, mas sequer sabemos identificar o que é ser recíproco. Esta obra matemática perfeita nada mais é que entregar ao mundo o que lhe é ofertado ou esperar que o mundo lhe devolva quando você oferta a ele. Normalmente, estamos mais preocupados com o segundo do que com o primeiro. O ser humano é egoísta, muitas vezes cego e com frequência imaturo. Ser amado é o que todos querem, mas raramente sabemos amar o mundo à nossa volta. O primeiro grau da reciprocidade – saber reciprocar quando recebemos amor – é certamente o mais escondido e codificado deles e, por isso, tão difícil de explicar.
Nas relações humanas, não é diferente. Estamos sempre ávidos pela reciprocidade. Normalmente, estamos mais atentos ao fato de que demos algo ao universo e esperamos algo em retorno. Damos atenção, queremos atenção; damos amor, queremos amor; damos tempo, queremos tempo; damos vida, queremos vida. O ser humano é pidão por natureza: adora mostrar o que fez, está muito certo que é valioso, está sempre muito ciente de suas atitudes e posturas, até o momento que lhe é pedido pensar, agir e retribuir. Daí, ele para, estaciona, empaca, se esconde e finge que não vê. Não é costume do ser humano pensar em “como” reciprocar, mas sabemos sempre exigir reciprocidade.
Acomodados como somos, raramente nos damos conta quando somos alvo de uma ação na qual ainda não há reciprocidade. Muito freqüentemente, ignoramos sermos alvo da atenção, do amor, do tempo e da vida que o universo nos dá, e, por isso, muito freqüentemente sequer retribuímos o que recebemos. Para limitar essa conversa e torná-la mais proveitosa, basta focarmos nas relações entre nós e outras pessoas. Quantas vezes durante o dia você imagina que todos ao seu redor estão lhe ofertando algo que, em instantes, vai fazer parte do seu mundo, mundo este que necessitará do seu retorno, da sua reciprocidade?
A mensagem de um familiar, o espaço que o carro da frente dá para você passar, o abraço de um colega de trabalho, o sorriso de um garçom, um amigo que ouvir suas lamúrias quando precisou desabafar, alguém que defende seus interesses quando menos espera...são tantos exemplos diários que nos passam em branco e, na negação de que já fazemos o suficiente, normalmente ignoramos a necessidade de sermos recíprocos de alguma forma ou de qualquer forma. Culturalmente, o ocidente está acostumado a achar que já faz o suficiente. Esta é uma realidade que vejo todos os dias, em todos os lugares. As pessoas, incluindo eu e você, não ponderamos as nossas atitudes, especialmente porque não examinamos o sistema como um todo, mas unicamente nosso sistema particular. Muitas vezes, pior que qualquer coisa, é termos a plena certeza que estamos sendo recíprocos, quando, na verdade, nossas ações não são nem um décimo do que deveriam ser. E, mais uma vez, nos acomodamos. É cansativo ser humano.
A estrutura é obviamente complexa, especialmente porque lidamos aqui com seres humanos, pouco racionais, muito emocionais e limitadamente caridosos. Porque sim, reciprocar o que se recebe requer inteligência, desapego e caridade. Por um milésimo de segundo, teríamos que raciocinar e ponderar sobre quem somos e como somos, sobre o que vivemos e onde vivemos, assim como reavaliar todas as relações humanas, suas conseqüências e implicações no ontem, hoje e amanhã. Enfim, trabalho árduo, até para gênios. E estamos distantes de sê-los.
O pior da não-reciprocidade é imaginar que a ação inicial se torna alvo de abandono. Ela foi feita de forma espontânea, ainda que muito provavelmente alvo de um desejo de reciprocidade, mas fica solitária se o ciclo não se fecha. E quantas vezes não se fecha, não é mesmo? Não é sandice imaginar que, senão todas, a imensa maioria das nossas ações pleiteia, espera e padece em algum grau de reciprocidade universal. Muitas vezes, quem nos ofereceu algo nem deseja o “pagamento” na mesma moeda, mas apenas em uma medida equivalente. É o sistema universal do “em busca da felicidade”.
Mas há aqueles que, já ouvi falar, fingem que não esperam nada do outro e que assim são felizes. Posso estar errado, mas tenho a ligeira impressão que, por medo de não receber ou por costume de não ter havido reciprocidade no passado, estes são aqueles que “aprenderam” que não devem esperar nada do outro, mas ainda assim sofrem com essa expectativa nata do ser humano. Quantas vezes você ainda sofre por ter esperado que houvesse o mínimo de reciprocidade? Quantas vezes você também não foi recíproco com tantos a sua volta? Quantas vezes foi infeliz ou tornou a vida de alguém triste mesmo sem saber?
Outra coisa que normalmente acontece é darmos às relações que mais nos afetam um grau de análise maior e, por conseguinte, esperar e retribuir ações de uma forma mais intensa. Perceba, esperamos de forma mais intensa e retribuímos de forma também intensa. Probabilidade de erro ainda maior. Todos já passamos por isso. Essa “escolha” sobre a quem retribuir e de quem esperar vem causando um outro mal, ainda maior: esfriarmos para o mundo e esquecermos de quem realmente se importa conosco. É quase uma criança birrenta que acha que sabe o que quer e o que precisa. Uma criança que só consegue ver o seu mundo com a perspectiva de uma criança pequena que olha toda uma mesa de almoço pronta, mas vê somente a tolha de mesa posta, pois seus olhos não conseguem alcançar tudo que lhe é servido. Uma semi-realidade. Uma semi-felicidade.
Daí voltamos ao início do texto, a felicidade. Como promover a felicidade se somente pensamos e queremos que o universo nos dê retorno, sendo que sequer sabemos dar retorno ao que ele nos oferece?
Por isso, prefiro acreditar que somos aqueles que sempre vamos esperar do outro e dependemos de criar expectativas para validar nossa boa alma. Melhor do que acreditar que não vamos esperar nada nunca, pois isso é bobagem, é assumir que precisamos disso em algum grau. Quando o ser humano nega sua essência, ele não somente não resolve seus problemas, como amontoa outras dezenas iguais a eles. Esse é o primeiro passo, confessar. O segundo é, não negando quem é, descobrir quem é e o que está a sua volta. Essa preguiça humana de se analisar, de viver empurrando com a barriga e de achar que está melhor assim nunca levou o mundo a lugar nenhum a não ser para um individualismo patogênico. O terceiro, e não menos importante passo, é sempre duvidar que você já faz o suficiente). Acredite, diariamente somos vitimas e algozes das lacunas de reciprocidade.
Se este ciclo de devolução fosse minimante menos infantil, as nossas lacunas seriam preenchidas com muito mais propriedade e tranquilidade e, quiçá um dia, de fato, esperar que o outro reciproque já não seria mais parte do comportamento e sumiria das nossas vontades. Não teremos expectativa, não precisaremos da reciprocidade? Sonho?!
Você se vê responsável por atuar na felicidade do outro e investe seu tempo em lutar para que haja reciprocidade da sua parte?
Spoiler: nunca é tarde demais para fazê-lo. ;)
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