Exigência de tatuagem em edital de concurso público e o Princípio da Razoabilidade.
Por Antonio Teixeira | 29/06/2016 | DireitoO edital de concurso público, por não ser lei, mas sim mero ato administrativo, não pode inovar no ordenamento jurídico, criando obrigações para os candidatos, sem que haja previsão legal. Neste sentido, destacamos a ementa do REsp 1067538-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado pela Quinta Turma do STJ, em 21.05.2009:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. FORÇAS ARMADAS. LIMITAÇÃO DE IDADE. PREVISÃO REGULAMENTO. LEI EM SENTIDO FORMAL. INEXISTÊNCIA.
- A jurisprudência deste tribunal é assente no sentido de que a restrição etária em concurso público para as Forças Armadas apenas se revela plausível quando, além de estar revestida de razoabilidade, esteja expressamente prevista em lei em sentido formal.
- O estabelecimento de limite etário, para participação em concurso público, em regulamento ou edital, carece de validade, pois é imprescindível a sua previsão em lei em sentido formal.
No entanto, a jurisprudência dos tribunais consolidou o entendimento de que, além da previsão em lei, a exigência trazida em edital deve também atender ao princípio da razoabilidade. Em consequência, tem sido frequente a submissão ao Judiciário de contestações levantadas por candidatos excluídos do certame por exigências no concurso, sob a alegação de violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Em 2008, a Quinta Turma do STJ, no REsp 945.357-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 04.05.2009, aplicou o princípio da razoabilidade à vedação aos candidatos de possuírem alguma deficiência visual, trazido pelo edital de concurso público da polícia militar do Distrito Federal, em decisão assim ementada:
- A recorrente foi desclassificada em concurso público para o Curso de Formação de soldados da Polícia Militar do DF sob a alegação de sua suposta deficiência (miopia) a tornava inapta para o exercício das respectivas funções, consoante previsão em edital. O laudo médico, todavia, atesta a desnecessidade de correção visual para realizar qualquer atividade física ou mental. Nesse contexto, revela-se injusta e fora dos parâmetros da razoabilidade, a exclusão da candidata, sendo desnecessário para tal conclusão o reexame da prova.
Em 2010, a Primeira Turma do STJ, no REsp 1067538-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 13.09.2010, aplicou o princípio da razoabilidade à exigência do candidato ser reservista de primeira categoria, trazido pelo edital de concurso público na Petrobrás, em decisão assim ementada:
- A exigência de apresentação de certidão de reservista de primeira categoria não guarda pertinência com os princípios da impessoalidade e da razoabilidade que norteiam a administração pública porque, na espécie, a dispensa dos candidatos do serviço militar obrigatório se dá de acordo com a discricionariedade e conveniência da administração, que, unilateralmente, estabelece o número do efetivo das Forças Armadas, não podendo os recorridos, reservistas de segunda categoria, serem penalizados com a exclusão do certame pelo fato de o próprio poder público os terem dispensado de prestar o serviço militar obrigatório.
Em 2011, a Sexta Turma do STJ, no REsp 1248998-SP, Relatora Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24.08.2011, aplicou o princípio da razoabilidade ao caso de um candidato em concurso público que não conseguiu apresentar o diploma de graduado, no ato da posse, como exigido pelo edital do concurso, por causa da demora do Estado em fornecer o documento. A decisão trouxe a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. APLICAÇÃO AO CASO DA LEI Nº 9.784-99. CONCURSO PÚBLICO. NEGATIVA DE POSSE DO RECORRENTE TENDO EM VISTA A AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO, NA DATA ESTIPULADA NO EDITAL, DE DIPLOMA REGISTRADO NO ÓRGÃO COMPETENTE. RECONHECIMENTO DO CURSO POUCOS DIAS APÓS O ATO DA POSSE, OCORRIDA POR FORÇA DE LIMINAR. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. MORA ATRIBUÍDA AO ESTADO.
- Afronta à razoabilidade impossibilitar a manutenção do recorrente no cargo de professor após haver o reconhecimento pelo Ministério da Educação e Cultura, num período extremamente exíguo de tempo a contar do deferimento da liminar, do curso de Química, por ele realizado, considerando-se que a demora em tal reconhecimento, que motivou a negativa de posse do recorrente, foi atribuída ao próprio Estado.
Em 14 de junho de 2016, a Sexta Turma do STJ decidiu o caso de um candidato desclassificado do concurso a soldado do corpo de bombeiros militar, por possuir três tatuagens no corpo. Inconformado com a sua exclusão e entendendo ser inconstitucional a sua exclusão do certame, o prejudicado ingressou com ação judicial requerendo a anulação do ato administrativo que o excluiu do certame.
Apesar de ter sido deferida a tutela antecipada, e o candidato ter tomado posse e sido aprovado no estágio probatório, sobreveio sentença negando o pedido. Foi interposto recurso, mas o TJMG entendeu que o requisito poderia ser cobrado, proferindo decisão assim ementada:
CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE BOMBEIRO. TATUAGEM VISÍVEL COM CERTO TIPO DE UNIFORME. LEGALIDADE DA EXCLUSÃO.
Perfeitamente legal é a exigência da resolução do corpo de bombeiros em considerar como anomalia dermatológica tatuagem, visível com certa espécie de uniforme, justificando-se a respectiva exclusão.
A Turma do STJ alinhou-se à jurisprudência da corte e reconheceu pela possibilidade de vedação à tatuagem, desde que, primeiro, estivesse previsto em lei, e, segundo, estivesse alinhado aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Mesmo havendo previsão legal, o Relator, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, considerou a desclassificação exorbitante dos limites de razoabilidade e proporcionalidade, como destacado em seu voto:
Assim, a par da evolução cultural experimentada pela sociedade desde a realização do concurso sob exame, não é justo, nem razoável, nem proporcional, nem adequado julgar candidato ao concurso de soldado bombeiro militar inapto fisicamente pelo simples fato de possuir três tatuagens que, somente ao trajar sunga, mostram-se aparentes, e nem assim, se denotam ofensivas ou incompatíveis com o exercício da atividade da corporação.
Os demais integrantes da Turma, de forma unanime, decidiram em concordância com o voto do Relator. A decisão final trouxe a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. TATUAGEM. INAPTIDÃO FÍSICA. 4. RAZOABILIDADE. PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO. REQUISITO EXCESSIVO. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
- Na espécie, não se revela razoável, nem proporcional, nem adequado julgar candidato ao concurso de soldado bombeiro militar inapto fisicamente pelo simples fato de possuir três tatuagens aparentes somente ao trajar uniforme de salvamento aquático (sunga), as quais nem assim se mostram incompatíveis com o exercício da atividade militar, segundo a legislação pertinente mais atualizada, que, todavia não foi levada em consideração no momento do julgamento da apelação.