EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA FUNDADA EM TÍTULO EXTRAJUDICIAL

Por LETICIA DE LIMA FARIAS | 25/11/2017 | Direito

Letícia de Lima Farias[2]

­1 DESCRIÇÃO DO CASO

Calebe e sua esposa Raabe assinaram na presença de duas testemunhas, em fevereiro de 2010, um protocolo de intenções, com o objetivo de adquirir de Moabe (até então detentor de 100% das quotas) 50% das quotas do capital social de BETSAIDA VEÍCULOS LTDA. Ficou ajustado que Calebe, no ato da assinatura da carta de intenções, pagaria 1 milhão de reais, valor esse destinado a pagamento de dívidas da empresa, e depois de fazer levantamento contábil da empresa o preço seria ajustado.

Posteriormente, após repasse de 200 mil, Calebe descobriu que a empresa encontrava-se a beira da falência, assim destistiu do negócio.  Diante da desistência, Moabe e BETSAIDA ajuizaram conjuntamente, em 18 de março de 2016, ação de execução fundada no Protocolo de Intenções, cobrando o valor de R$ 800 mil mais acréscimos legais. Frustrada a penhora online de dinheiro dos devedores, os Exequentes requereram a penhora dos direitos do devedor sobre 05 ônibus gravados de alienação fiduciária perante um Banco.

O Juizo competente, de plano, indeferiu o pedido de penhora, sob o argumento de que Calebe não seria proprietário dos ônibus, e sim o Banco financiador. Logo após a apresentação dos Embargos do Devedor por CALEBE e sua esposa, o Magistrado, de ofício, determinou a suspensão da execução. Após resposta aos embargos, o juiz extinguiu o feito executivo, afirmando que o Protocolo de Intenções não tem natureza de título e mesmo assim, estava prescrito; além disso, BETSAIDA e RAABE não teriam legitimidade para figurarem no pólo ativo e passivo, respectivamente, da execução.

2 QUESTÕES PARA ANÁLISE

2.1 Questão Principal: O título apontado na inicial de execução é líquido, certo e exigível?

O protocolo de intenções ou Carta de intenções é um instrumento de natureza prévia, ou seja, o seu conteúdo irá traçar as linhas gerais do negócio a ser firmado (STOLAGLI; BRONSTEIN, 2009).

 No caso em questão, Calebe e Raabe (casados em regime de comunhão universal de bens) assinaram o protocolo de intenções no intuito de adquirir 50% das quotas do capital social de Betsaida Veículos LTDA. É imprescindível enfatizar ainda, que Raabe, por ser casada no regime de comunhão universal de bens, torna-se coobrigada na obrigação firmada.

Observando o caso em questão, é válido afirmar que o protocolo de intenções assinado pelas partes, se formalizou, transformando-se em um instrumento particular, na medida em que preencheu os requisitos para se tornar um título executivo extrajudicial, a saber, assinatura do devedor, e a presença de duas testemunhas. De acordo com o artigo 784, inciso III do Código de Processo Civil (2015): “Constituem títulos executivos extrajudiciais: o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas testemunhas)” (BRASIL, 2015).

O título executivo em questão pode ser considerado certo, uma vez que se observam os elementos da obrigação, ficou claro pra quem irá ser pago (Moabe), e a forma de pagamento (parcelado). É também um título líquido, uma vez que o quantum, a quantia devida já está numerada, a saber, expressamente no protocolo de intenções consta o valor de R$1 milhão de reais a ser pago de imediato.

Porém, no que tange a exigibilidade, o título não é mais exigível, pois se encontra prescrito, de acordo como o art. 206, §5, inciso I do Código Civil (2002): “Prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular” (BRASIL, 2012). No caso em questão a assinatura do protocolo se deu em fevereiro de 2010, e o ajuizamento da ação de cobrança em 18 de março de 2016, ou seja, transcorreram 6 (seis) anos.

 

2.2 Questões Secundárias:

 

  1. O princípio do devido processo legal foi observado no feito?

No caso em pauta, houve violação ao principio do devido processo legal quando o magistrado, após a apresentação dos Embargos do Devedor por Calebe e sua esposa, de ofício, determinou a suspensão da execução, determinação judicial que inexiste. De acordo com o artigo 919, CPC/2015: “Os embargos à execução não terão efeito suspensivo” (BRASIL, 2015), porém, o paragrafo primeiro traz uma exceção, uma hipótese de cabimento, a saber: “O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes” (BRASIL, 2015).

 

  1. Seria possível a penhora de direitos do devedor sobre bem financiado via contrato de alienação fiduciária? Caso positivo, qual a medida cabível em face da decisão de indeferimento da penhora?

 

A alienação fiduciária na maioria das vezes consiste em um instrumento de financiamento, na prática, “o devedor procura uma instituição financeira visando à aquisição de determinado bem. Obtido o financiamento, o devedor adquire o bem e o aliena fiduciariamente ao agente financeiro” (CUNHA [?]).

No que tange a penhora do bem financiado a jurisprudência e o próprio Código de Processo Civil (2015) já firmou entendimento de que podem ser penhorados os direitos do devedor sobre bem financiado via contrato de alienação fiduciária, assim dispõe o artigo 589 do CPC/2015: “

No caso em questão, o pedido de penhora dos direitos do devedor sobre 05 ônibus gravados de alienação fiduciária perante um Banco fora indeferido pelo juiz. Diante da negativa, o recurso cabível é o agravo de instrumento, uma vez que a decisão que indeferiu o pedido de penhora tem natureza interlocutória, de acordo com o artigo 1015, parágrafo único do CPC/2015: “Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário” (BRASIL, 2015).

 

  1. Qual o(s) prazo(s) prescricional(ais) aplicáveis?

 

O prazo prescricional para instrumento particular, caso do protocolo de intenções, como já fora mencionado é quinquenal (5 anos) (BRASIL, 2012).

 

  1. Quais partes envolvidas possuem legitimidade ad causam para a execução e para os embargos?

 

A legitimidade ad causam significa possuir legitimidade para atuar no contraditório e discutir a situação jurídica, não necessariamente precisa ser a parte (GOMES, 2009). Diante do conceito exposto, no que tange a execução Calebe e sua esposa possuem legitimidade para manifestar o principio do contraditório.

É imprescindível enfatizar que Raabe é coobrigada, uma vez o cônjuge também esta sujeito à execução da dívida do título executivo extrajudicial, assim dispõe o artigo 790, inciso IV do CPC/2015: “São sujeitos à execução os bens – do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida” (BRASIL, 2015).

Com relação à legitimidade ad causam para os embargos, a parte envolvida é Moabe (exequente), que de acordo com o artigo 920 do CPC/2015, após o recebimento dos embargos pelo juiz, “seria ouvido no prazo de 15 (quinze) dias” (BRASIL, 2015).

 

  1. Quais medidas judiciais poderiam ser apresentadas na defesa dos interesses do(s) credor(es)? Com base em quais fundamentos de direito processual e material?

 

O recurso cabível contra a sentença da fase de execução é a apelação, assim dispõe o artigo 1009 do CPC/2015 “da sentença cabe apelação” (BRASIL, 2015).  Desta forma, Moabe apresentará argumentos no intuito de pedir reforma ou uma nova decisão.

Contra o argumento do indeferimento da penhora, caberia a alegação do artigo 589 do CPC/2015 (já mencionado). No que tange ao argumento de que o Protocolo de Intenções não teria natureza de título executivo, poderia ser alegado que a presença de duas testemunhas (formalização) o transforma em título extrajudicial passível de exigibilidade.

A alegação de que BETSAIDA não teria legitimidade para figurarem no pólo ativo, está correta, apenas Moabe pode figurar no polo ativo da execução. E Raabe possui sim legitimidade passiva, uma vez que é coobrigada na obrigação firmada.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL, Código Civil (2002). São Paulo: Saraiva, 22º ed. 2016.

 

BRASIL, Código de Processo Civil (2015). São Paulo: Saraiva, 22º ed. 2016.

 

CUNHA, Ibsen Guedes Júnior. A possibilidade de penhora de bem do exequente para saldar o débito exequendo. Belo Horizonte. Disponível em: < http://homerocosta.saas.readyportal.net/file_depot/0-10000000/390000-400000/398566/folder/1126368/A_possibilidade_de_penhora_de_bem_do_exequente_para_saldar_o_debito_exequendo.pdf>. Acesso em 08 out 2016.

 

GOMES, Luiz Flávio. O que se entende por legitimidade ad causam?. 2009. Disponível em: . Acesso em 09 out 2016.

 

STOLAGLI, Gustavo Moraes; BRONSTEIN, Sérgio. Cuidados para formalização de Castas de Intenções. 2009. Disponível em : < https://capitalaberto.com.br/boletins/cuidados-para-a-formalizacao-de-carta-de-intencoes/#.V_wGdvkrLIV>. Acesso em 10 out 2016

 

[1] Sinopse do case apresentado à disciplina Processo de Execução, do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2]Aluna do 7º - vespertino, do curso de Direito da UNDB.

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