EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA FUNDADA EM TÍTULO EXTRAJUDICIAL

Por Elioenai Araújo Mendonça | 12/09/2017 | Direito

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Um sócio da empresa BETSAIDA VEÍCULOS LTDA, Moabe, tornou-se detentor da cota total das ações da empresa. Calabe, sabendo de tal fato interessou-se em adquirir metade dessa cota das ações da referida empresa. Tendo este assinado um de um protocolo de intenções, juntamente com duas testemunhas. Onde o instrumento foi também firmado por RAABE, esposa de CALEBE, na qualidade de mera anuente, para fins de outorga uxória, já que ambos eram casados no regime da comunhão universal de bens.

Outrossim, ficou previsto no documento que CALEBE desembolsaria, de imediato, no ato da assinatura da carta de intenções, 1 milhão de reais, os quais seriam repassados diretamente para a montadora concedente para fins de quitação de dívida contraída por BETSAIDA. Esse valor também seria abatido do preço final a ser ajustado na futura compra e venda de quotas.

Entretanto, Calebe descobre a empresa estava à beira da falência, levando ele a desistir da negociação. Inconformado com a desistência de CALEBE, MOABE e BETSAIDA ajuizaram, conjuntamente, em 18 de março de 2016, ação de execução fundada no Protocolo de Intenções, em face de CALEBE e sua esposa, pelo valor de R$ 800 mil, mais acréscimos legais. Frustrada a penhora online de dinheiro dos devedores, os Exequentes requereram a penhora dos direitos do devedor sobre 05 ônibus gravados de alienação fiduciária perante um Banco.

Diante do exposto questiona-se: O título apontado na inicial de execução é líquido, certo e exigível?

2 POSSÍVEIS DECISÕES

2.1 De acordo com o exposto no presente caso fica claro que o Titulo Extrajudicial é liquido, certo e exigível.

3 DESCRIÇÕES DOS ARGUMENTOS

3.1 Primeiramente, é importante apresentar alguns requisitos para a execução do titulo extrajudicial. No art. 784 do Código de Processo Civil, em seu rol exemplificativo, prevê no inciso III do presente dispositivo que é título executivo extrajudicial, um documento que seja particular, devendo este ser assinado pelo devedor e por no mínimo duas testemunhas. (BRASIL, 2015). Sendo antecedido tais títulos pela sua consideração como de obrigação certa, liquida e exigível, conforme dispositivo 783 do presente Código. Diante disto, o título do caso em foco reflete tal natureza, mas com uma ressalva que é quanto a exigibilidade. Isto pelo fato de que para o título ser exigível este deve estar dentro do prazo de direito de pretensão estabelecido pela lei. Na presente ação, tem-se de fato uma quantia liquida que é de R$ 800.000,00, e obrigação certa a qual foi negociada na assinatura de Calebe e anuência de sua esposa. Porém, pelo fato do lapso temporal entre o contrato e o ajuizamento da ação ter extrapolado o tempo para amparo legal, que e de cinco anos para obrigações da natureza jurídica do presente caso, não cabe a exigência. (BRASIL, 2002)

4 QUESTÕES SECUNDARIAS

4.1 O princípio do devido processo legal não foi respeitado. Primeiramente, antes de significar mero apego ao formalismo, especialmente positivista, o devido processo legal constitui princípio constitucional atinente à todos os níveis de processo representativo da segurança jurídica. Não nos remete à simples ideia de procedimento, como sequência de atos concatenados formalmente previstos para entrega efetiva de uma jurisdição justa, com respeito às garantias processuais. (LENZA, 2010) Outrossim, tal princípio torna-se intimamente ligado ao princípio do contraditório, o qual possibilita a outra parte apresentar seus argumentos sobre o caso antes de o juiz prolatar alguma decisão. (FUX, 2011)

No caso em tela, o juiz não permitiu a apresentação de argumentos da outra parte. Tal conduta configura contraposição direta aos princípios elencados e afronta do Código de Processo Civil em vigor, o qual é expresso:

Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Art. 919.  Os embargos à execução não terão efeito suspensivo.

§ 1o O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes. (BRASIL, 2015)

O último dispositivo citado, remete a ocorrência de requerimento do embargante para atribuir o efeito suspensivo, não tendo ocorrido isto no presente caso. Reafirmando o descumprimento do princípio do devido processo legal.

No que se refere a penhora sobre os direitos do bem financiado fiduciariamente, o juízo de execuções teve seu tramite adequado, gerando o cabimento de agravo de instrumento  da decisão proferida, expressamente positivado no art. 1015, do Código de Processo Civil. Não obstante, como já especificado, o título extrajudicial do caso em tela sofreu efeito temporal, tornando-se prescrito. Diante disto, não existe a possibilidade de cabimento de penhora. Conforme primordial precedente do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 795.635/PB, de relatoria do Ministro Castro Moreira, datado de 07 de agosto de 2006 foi acentuado:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇAO FISCAL. CONTRATO DE ALIENAÇAO FIDUCIÁRIA. DIREITOS DO DEVEDOR FIDUCIANTE. PENHORA. POSSIBILIDADE.

1. Não é viável a penhora sobre bens garantidos por alienação fiduciária, já que não pertencem ao devedor-executado, que é apenas possuidor, com responsabilidade de depositário, mas à instituição financeira que realizou a operação de financiamento. 2. É possível, entretanto, que a constrição executiva recais sobre os direitos que o executado detém no contrato de alienação fiduciária. Precedentes da 5ª Turma. 3. O devedor fiduciante possui expectativa do direito à futura reversão do bem alienado, em caso de pagamento da totalidade da dívida, ou à parte do valor já quitado, em caso de mora e excussão por parte do credor, que é passível de penhora, nos termos do art. 11, VIII, da Lei das Execuções Fiscais (Lei n.º 6.830/80), que permite a constrição de "direitos e ações". 4. Recurso especial provido. (BRASIL, 2006)

 

Diante do exposto, não é cabível a penhora que recai sobre bens alienados fiduciariamente, entretanto, sobre a coisa alheia existe o cabimento de tal direito.

Noutro norte, pautado no Código Civil em seu art. 206, §5º, as cobranças de dívidas liquidas constantes de instrumento público ou particular, prescreve a pretensão em cinco anos. No caso em tela, como o protocolo de intenções foi assinado em fevereiro de 2010, e o ajuizamento da ação para a apuração do suposto crédito veio a ocorrer somente no mês de julho do ano de 2016, é evidente um lapso temporal maior que o disposto em lei que de cinco anos. (BRASIL, 2002)

Quanto a legitimidade ad causam, o polo ativo é traduzido na figura do Moabe como detentor da cota total das ações da empresa. Isto pelo fato do contrato negocial ter sido proposto pelo casal Calebe e Raabe e aceito estritamente por Moabe. Diante disto o vinculo obrigacional está limitado a estas partes. Diante disto reafirma-se a posição de polo ativo à Moabe. E como no caso em tela Calebe e Raabe são casados com regime de comunhão universal, pelo disposto pelo art. 1667 do Código Civil, ocorre a comunicação de bens entre casais, levando também ambos ao polo passivo da ação. Isto pelo fato do dever de ter anuência do cônjuge para realização do contrato negocial em questão. (BRASIL, 2002)

Em última consideração sobre o presente caso, o art. 1015, parágrafo único dispões:  “Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.” Diante disto, fica claro a principal medida judicial cabível ao caso em tela, baseado expressamente no Código de Processo Civil. (BRASIL, 2015)

4. CRITÉRIOS E VALORES

Os critérios utilizados no presente trabalho, tiveram como base, princípios fundamentais do Direito Processual Civil, elencados no decorrer da pesquisa. Ainda, posições doutrinárias sobre o enquadramento do caso em questão. E como suplementação, posicionamento do Supremo Tribunal de Justiça em Recurso Especial, para dar maior embasamento prático ao fato.

REFERÊNCIAS

BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Dispões sobre o Novo Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em: 08 out. 2016

BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Dispões sobre o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 08 out. 2016

BRASIL, Stj. RECURSO ESPECIAL Nº 795.635 - PB (2005/0181124-1). RELATOR, MINISTRO CASTRO MEIRA. Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7148569/recurso-especial-resp-795635-pb-2005-0181124-1/relatorio-e-voto-12867469>. Acesso em 08 de out. 2016

FUX, Luiz. O novo Processo Civil Brasileiro. Direito em expectativa. São Paulo: Forense, 2011

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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