ARTIGO: Execução por quantia certa fundada em título executivo extrajudicial

Por Lucas Brito Ferreira Sousa | 21/06/2018 | Direito

Lucas Brito Ferreira Sousa

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Moabe tornou-se detentor de 100% das quotas do capital social da empresa Betsaida Veículos LTDA., atuante no comércio de automóveis. E com a finalidade de captar recursos financeiros e impulsionar as atividades da empresa, Moabe buscou investidores para adquirir quotas da tal empresa.

Calebe assinou em fevereiro de 2010 um protocolo de intenções juntamente com duas testemunhas. Instrumento esse que foi firmado por Raabe, sua esposa. Logo, o mesmo manifestou sua intenção de adquirir 50% do capital social da empresa Betsaida e o mesmo deveria desembolsar 1 milhão de reais para que varejista de veículos realizasse a quitação de dividas. Porem, em seguida Calebe desistiu.

Inconformados com a desistência, Moabe e a empresa Betsaida, conjuntamente ajuizaram ação de execução em março de 2016. Cobrando o valor de R$ 800 mil referente a diferença que não foi repassada a montadora. Após ser frustrada a penhora online, os exequentes requereram a penhora dos direitos do devedor sobre 5 ônibus de alienação fiduciária perante um Banco.

O Juízo competente, de plano, indeferiu o pedido de penhora, sob o argumento de que CALEBE não seria proprietário dos ônibus, e sim o Banco financiador (credor no contrato de alienação fiduciária). E, logo após a apresentação dos Embargos do Devedor por CALEBE e sua esposa, o Magistrado, de ofício, determinou a suspensão da execução. Por fim, após a resposta aos Embargos por parte de MOABE e BETSAIDA, o Juiz proferiu sentença de extinção do feito executivo, sob o fundamento de que:

a) o Protocolo de Intenções não teria natureza de título executivo e, mesmo que o fosse, estaria prescrito;

b) BETSAIDA e RAABE não teriam legitimidade para figurarem no pólo ativo e passivo, respectivamente, da execução.

 

1 QUESTÃO PRINCIPAL: O título apontado na inicial de execução é líquido, certo e exigível?

“Para fins de tutela executiva, a palavra título está estreitamente vinculada à noção de documento que representa um direito liquido, certo e exigível” (ABELHA, 2016, p. 133). Ainda como argumento para reforçar o exposto, o próprio Código de Processo Civil evidencia no seu Art.783 como requisitos necessários para realizar qualquer execução: "Art. 783. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível." (BRASIL, 2015).

A assinatura do protocolo de intenções realizada por Calebe juntamente com duas testemunhas enquadra-se como titulo extrajudicial. Como é exposto pelo Art. 748, inc. III do CPC: " São títulos executivos extrajudiciais: III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas" (BRASIL, 2015)

Conforme Marinoni (2008) a liquidez refere-se a determinação do objeto de prestação, não havendo possibilidade de se exigir de uma pessoa a prestação de algo que não se sabe o que é. Logo, a liquidez refere-se a definição do que é devido e sua quantidade.

Ao observar a inicial, percebe-se que há uma obrigação exata de R$ 800.000,00 referente a diferença não repassada e mais acréscimos legais. Logo, o titulo é certo e liquido, porém há uma perda de exigibilidade devido à prescrição.

 

 

2 QUESTÕES SECUNDÁRIAS

2.1. O princípio do devido processo legal foi observado no feito?

Não. De acordo com Alexandre Freitas Câmara (2014) o devido processo legal deve ser entendido como um processo justo, devendo ser assegurado um tratamento igualitário, com um contraditório equilibrado e verificação de todas etapas e garantias previstas em lei.

Pois há que se observar que ocorreu a penhora online de dinheiro dos devedores sem antes proceder a citação do executado para pagar a dívida em 3 dias. Dessa forma, há uma violação ao princípio do devido processo legal, tendo em vista que o Código de Processo Civil ordena a realização de determinados ato processuais e perante o Artigo 829 do referido Código, esclarece tal violação: "O executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação." (BRASIL, 2015).

“Art. 919: § 1o O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.” (BRASIL, 2015)

Não há evidencias que comprovem o requerimento do efeito suspensivo por parte do embargante (Calebe). Logo, é manifesta nova violação ao principio em questão devido à realização da suspenção de oficio por parte do Juiz.

 

2.2. Seria possível a penhora de direitos do devedor sobre bem financiado via contrato de alienação fiduciária? Caso positivo, qual a medida cabível em face da decisão de indeferimento da penhora?

Sim, é totalmente plausível a penhora de direitos derivados de contrato de alienação fiduciária. O CPC na subseção I que versa sobre objeto da penhora, reafirma essa possibilidade ao elencar a ordem de penhora no seu Art. 835: "A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: XII - direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;" (BRASIL, 2015)

Ora, se esse tipo de direito adquirido esta elencado na ordem de preferencia da penhora, está claro que pode haver sim a sua penhora.

GRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS BANCÁRIOS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO VALOR QUE ENTENDE CORRETO. REJEIÇÃO LIMINAR. INDICAÇÃO DE BENS À PENHORA.

[...] Embora não seja possível a penhora sobre bens garantidos por alienação fiduciária, tendo em vista que sua propriedade é do próprio agente financeiro e não do devedor, é possível, isto sim, que a penhora recaia sobre o direito que o devedor tem sobre os valores já quitados, em caso de excussão por parte do credor (art. 655, XI, do CPC). (TRF-4. 4ª Turma. AG 2009.04.00.030935-0. Rel. Valdemar Capeletti. Publicado no DJ de 16/11/2009 – grifou-se).

 

Ademais, diante de tal julgado do Trinunal Regional da 4 ° Região, observa-se a confirmação da possibilidade da penhora sobre os valores já quitados.

A decisão de indeferimento de penhora é uma decisão interlocutória, e contra as decisões interlocutórias é cabível agravo de instrumento. É valido explicitar que o CPC elenca as decisões que são passiveis de tal recurso e tal decisão é cabível diante o exposto no paragrafo único do Art. 1015: "Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário." (BRASIL, 2015).

 

2.3. Qual o(s) prazo(s) prescricional(ais) aplicáveis?

"Art. 206. Prescreve: [...] § 5o Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular" (BRASIL, 2002).

 

2.4. Quais partes envolvidas possuem legitimidade ad causam para a execução e para os embargos?

No que se refere a legitimidade para execução, a Betsaida Veículos LTDA. E Moabe configuram no polo ativo. A empresa é quem responderá pela divida contraída e Moabe por ser proprietário de tal empresa. "Art. 778. Pode promover a execução forçada o credor a quem a lei confere título executivo." (BRASIL, 2015).

“Art. 914. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.” (BRASIL, 2015).

Calebe possui legitimidade para propor os embargos à execução, assim como Raabe por ser esposa em regime que se faz necessária à outorga uxória, sendo realizada tal anuência no momento da assinatura do protocolo de intenções.

 

REFERÊNCIAS

 

ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. – 6ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.

 

BRASIL. Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em: out. 2016.

 

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível: . Acesso em: out. 2016.

 

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil: volume I - 25 ed. - São Paulo: Atlas, 2014.

 

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, Volume 3: execução - 2 ed. rev. e atual. 2. tir. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

TRF-4. 4ª Turma. AG 2009.04.00.030935-0. Rel. Valdemar Capeletti. Publicado no DJ de 16/11/2009

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