EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA PESSOA JURÍDICA DISSOLVIDA DE FORMA IRREGULAR
Por Gabriela Felix Marão Martins | 12/02/2016 | DireitoSINOPSE DO CASE:EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA PESSOA JURÍDICA DISSOLVIDA DE FORMA IRREGULAR¹
Gabriela Felix Marão Martins²
Carlos Eduardo Cavalcanti³
1 DESCRIÇÃO DO CASO
Buscando o pagamento do valor de R$ 500.000,00 de um cheque recebido por Naftali Investimentos Ltda., Zaqueu Tomarga entrou com uma ação de execução em fevereiro de 2015. Depois de citada, o oficial de justiça alegou a não localização da executada no local indicado. Zaqueu, ao constatar tal fato, com base no artigo 50 do Código Civil, pleitoupela Desconsideração da Personalidade Jurídica, pedindo pela inclusão de todos os sócios da empresa à época da emissão do cheque no pólo passivo da lide, incluindo os sócios atuais.
O juiz, de imediato, determinou a penhora “on-line” de todos os sócios e ex sócios de Naftali Investimentos Ltda.A penhora só obteve êxito em relação a Levi Metusael, que teve R$ 20.000,00 penhorados de um investimento em plano de previdência privada (modalidade VGBL), R$ 30.000,00 penhorados de uma conta-poupança, e R$ 2.000,00 de uma conta-corrente.
Levi contatou seu advogado e alegou que, em acordo com a cláusula quinta do Contrato Social, desde a formação desta sociedade, a administração ficou a cargo do sócio JETRO ZÍPORA, que fazia uso isoladamente da firma NAFTALI INVESTIMENTOS LTDA, disse também que entrou na sociedade em 2013, e sua quota-parte representava apenas 2% das quotas do capital social, saindo em 2014 e cedendo todas as suas quotas ao administrador. Afirmou que não sabia da dívida para com Zaqueu e que a autoridade policial, via inquérito, havia concluído que o credor teria praticado crime contra a economia popular, posto que, ZAQUEU havia emprestado dinheiro à empresa cobrando juros de 20% a.m., constituindo essa operação a origem do cheque em questão (emitido em janeiro de 2014).
2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
O Devido Processo Legal é uma das garantias e direitos constitucionais que a Constituição Brasileira traz em seu artigo 5º. Por meio deste princípio é assegurado que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, e que, aos acusados em geral, é certificado o contraditório e a ampla defesa. Assim, a ampla defesa e o contraditório, enquanto direitos que garantem a ciência do réu e seu direito de defesa, encontram-se intimamente ligados ao Devido Processo Legal. Visto isso, por meio do artigo 185- A, da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, que alterou o Código Tributário Nacional, conclui-se que a penhora on-line só poderá ser determinada pelo Juiz quando o devedor for devidamente citado e não pagar nem apresentar bens à penhora e também quando não são encontrados bens penhoráveis, o que não se depreende do caso em questão. Para requerer a decretação deste tipo de penhora, é necessário que o credor comprove que utilizou de todos os caminhos possíveis para encontrar os bens do devedor. Esse é o posicionamento que majora nos tribunais.
Importante salientar que o provimento nº31/06 da Corregedoria-Geral da Justiça permitiu o imediato bloqueio dos valores de contas correntes dos devedores, no entanto, o bloqueio diferencia-se da penhora, pelo fato de que, como bem leciona Guilherme Goldschmidt (2008), se trata apenas de uma barreira ou proteção, onde permanece na própria conta que fora localizado e é de fato imediata e feita sem a oitiva do devedor. A penhora, por sua vez, é “ato de apreensão judicial, pelo qual se tomam bens do devedor para que neles se cumpra o pagamento da divida ou a satisfação da obrigação objeto da execução” (GOLDSCHMIDT, 2008, p. 61).
Sendo assim, a penhora só pode ser decretada se preenchidos tais requisitos. Destarte, após o bloqueio, em conformidade com o art. 652, §1º do CPC, o escrivão lavra o termo de penhora, e em seguida deve ser feita a intimação do executado pelo oficial de justiça, que será alcançada na pessoa do seu procurador ou será feita pessoalmente, na ausência deste, o que também não foi respeitado no caso em questão.É clara, portanto, a não observância do Devido Processo Legal.
A Lei nº 7.357/85 determina como prazo para apresentação do cheque 30 dias contados da data da emissão, caso seja um cheque de mesma praça e 60 dias em caso de praças diferentes. A prescrição de um cheque inicia-se após o fim do prazo de apresentação, decorridos seis meses. Prescrito, um título não apresenta suas principais características: liquidez, certeza e exigibilidade. Considerando que Zaqueu recebera o cheque em janeiro de 2014 e somente buscou receber os valores em fevereiro de 2015, o título não é mais líquido, certo, ou exigível e, por isso, será nula a execução. O cheque também não é exigível por conta de sua natureza ilícita, a julgar pela emissão do título de crédito que se deu por meio de uma atividade ilícita de Zaqueu: crime de agiotagem. As empresas do Sistema Financeiro possuem um limite imposto pela Constituição Federal, que estabelece que as taxas de juros reais não possam ser superiores a 12% ao ano, conforme artigo 1º do Decreto nº 22.626 de 1933. Entretanto, há que se falar que Levi Metusael levou em consideração somente provas colhidas durante inquérito policial, o que, conforme entendimento majoritário, são provas que têm valor probatório relativo, e precisam ser rediscutidas e avaliadas pelo juiz, pois estas não possuem forças, por si só, para uma possível condenação.
No que diz respeito à Desconsideração da Personalidade Jurídica tem-se duas grandes teorias. A Teoria Maior e a Teoria Menor. Conforme Garcia (2009), a primeira exige requisitos legais específicos para que o uso fraudulento da personalidade jurídica seja concretizado. Pela Teoria Menor, bastaria a comprovação da insolvência da pessoa jurídica. Vamos nos ater à Teoria Maior posto que é a adotada pelo Código Civil, em seu artigo 50. Por este artigo, depreende-se que a desconsideração não pode ser aplicada se não for comprovado o dolo no agir do devedor. E mais, conforme doutrina majoritária, isso se dá quando a pessoa jurídica se utiliza de fraude, abuso de direito ou de personalidade jurídica, desvio de função da pessoa jurídica, excesso de poder, violação da lei ou do contrato social ou confusão patrimonial. Portanto, não pode o juiz aferir o dolo somente por não encontrar a empresa no local indicado na exordial. Sem o dolo e os requisitos legais específicos, que são aqueles que têm por fim uma conduta que venha a prejudicar os credores e fraudar a lei, não há que se falar em desconsideração da pessoa jurídica, haja vista que a teoria adotada pelo Código Civil, é a Teoria Maior, não a Teoria Menor.
Em acordo com o artigo 1.052 do Código Civil, o limite da responsabilidade dos sócios pelas obrigações em uma sociedade limitada é o total do capital social subscrito e não integralizado, assim a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de sua quota. Levi Metusael não pode ter seu patrimônio penhorado para satisfação integral desta dívida da empresa, mas, caso isso ocorra, este tem direito de regresso para com os outros sócios. No entanto, é mais importante ainda que se ressalte que o cheque está prescrito, assim, não há que se falar em penhora.
Quanto à penhora da conta-poupança de Levi, esta é ilegal, tomando por base o artigo 649, inciso X do Código de Processo civil, pois o valor não é superior a 40 salários mínimos. Sobre a conta-corrente, temos que, nas jurisprudências dos tribunais superiores, a penhora pode recair sobre o dinheiro na conta-corrente do executado, a exemplo dos acórdãos dos REsp nº 528.227/RJ e 390.116/SP. No entanto, há entendimento contrário, ainda que não majoritário, de que não é penhorável o dinheiro em depósito de conta-corrente se o valor penhorado não for suficiente nem para pagar as custas processuais, como no caso em questão. Em se tratando da penhora do plano de previdência privada, há grandes divergências doutrinárias. Um destes entendimentos, representado pelo STJ, defende que se esse dinheiro de previdência for de natureza alimentar, este não pode ser penhorado, diferente dos casos em que não tem a finalidade sustento do executado ou de sua família. Há também a posição que aplica o mesmo entendimento da conta-poupança, considerando como impenhoráveis os valores menos que 40 salários mínimos. O entendimento majoritário, encontrado em diversos julgados, é aquele que considera que a penhora de plano de previdência privada é plenamente possível, por considerar que os planos de previdência privada são investimentos comuns, não suscetíveis à regra da impenhorabilidade, partindo-se desse pressuposto é cabível a penhora do plano de previdência privada de Levi.
Tendo por base tais análises, fica fácil deduzir que, em sua defesa, Levi pode alegar que esse processo não possui validade, por não garantir a ampla defesa e o contraditório, inexistindo uma citação. Como afirma Didier (2008) a citação é uma condição de eficácia do processo em relação ao réu. Ela garante o conhecimento do réu e promove o cumprimento de diversos princípios constitucionais. A falta de citação acarreta em indeferimento da inicial, e tem como conseqüência a extinção do processo sem resolução de mérito (artigos 295, 267, I e 285-A do Código de Processo Civil).
Da mesma forma, é plausível que Levi afirme que o credor é carente da execução, posto que não há execução sem título. E, como visto anteriormente, o título extrajudicial em questão é prescrito e advém de uma atividade ilícita, retirando suas principais características, quais sejam, liquidez, certeza e exigibilidade. Sem título líquido certo e exigível, não há execução e não há que se falar em penhora ou em qualquer outra atividade típica do processo de execução. Destarte, Levi pode apresentar embargos do devedor, embargos à execução e também a exceção de pré-executividade.
Takeshi Nomura (2015), em estudo recente, traz diversas modalidades de defesas do executado, ao afirmar nulidades ou questões de direito material. Essas modalidades seriam oponíveis a Zaqueu em defesa de Levi. Em suas palavras:
“Poderá o Embargante, nos Embargos à Execução, alegar nulidade da execução, por não ser executivo o título apresentado; penhora incorreta ou avaliação errônea; excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para entrega de coisa certa; ou qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.” (NOMURA, p. 02, 2015).
REFERÊNCIAS
BRASIL. Vade Mecum. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e do Processo de Conhecimento. Volume 1. Salvador: Editora Juspodivm, 2008
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor. Niterói/RJ: Editora Impetus, 2009.
GOLDSCHMIDT, Guilherme. A Penhora OnLine do Direito Processual Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.
NOMURA. Takeshi. Embargos à execução. Disponível em: http://www.fadipa.br/pdf/embargos_execucao.pdf. Acesso em: 11 de Março de 2015.