EXCEPTIO NON ADIMPLENTI CONTRACTUS EM CONTRATOS QUE VERSEM SOBRE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS CELEBRADOS ENTRE EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS E PARTICULARES

Por Vinicius Moraes | 09/03/2011 | Direito

1. INTRODUÇÃO

A exceptio non adimplenti contractus é uma forma de defesa muito utilizada nos contratos celebrados entre particulares, pois esta é uma forma de proteção para uma das partes, quando a outra não tiver adimplido sua obrigação e quiser cobrar o cumprimento da obrigação do outro contratante, assim usa-se esta cláusula para que uma pessoa não cumpra o avençado sem que a outra parte não tenha realizado sua obrigação. Quando adentramos na seara dos contratos entre prestadores de serviços públicos e particulares, nosso objeto de estudo, a situação passa a ser não tão simples, pois há muita divergência doutrinária, porém ao longo deste artigo buscaremos elucidar da melhor forma os conceitos hora em voga
Começaremos este trabalho trazendo alguns conceitos que serão necessários para a melhor compreensão do nosso objetivo, explicando assim de forma geral o que é um contrato e mostrando ainda uma classificação do contrato, que seja, os contratos bilaterais, pois neste tipo de contrato é que pode haver a exceção do contrato não cumprido.

2. CONTRATOS

O contrato é ato jurídico bilateral, que envolve no mínimo duas vontades e gera obrigação para uma ou para ambas as partes.Como bem exposto por Celso Ântonio Bandeira de Mello em seu Curso de Direito Administrativo:
Entende-se por contrato a relação jurídica formada por um acordo de vontades, em que as partes obrigam-se reciprocamente a prestações concebidas como contrapostas e de tal sorte que nenhum dos contratantes pode unilateralmente alterar ou extinguir o que resulta da avença. (Mello 2006 p. 586)

O contrato está diretamente ligado à nossa vida em sociedade, nós fazemos contratos muitas vezes sem nem perceber que este foi executado, exemplo, quando compramos um lanche, uma roupa etc, estamos contratando, executando um contrato de compra e venda, em que o comprador tem a obrigação de pagar o valor do objeto, e o vendedor tem a obrigação de repassar a coisa ao comprador. Esta relação contratual pode ser executada através de um simples ato, como na compra de um lanche, ou pode haver uma série de obrigações inerentes ao contrato, como no caso da compra e venda de um imóvel, em que está só pode ser efetuada através de escritura pública e registro no cartório de imóveis.
Para ser feito um contrato, basta que as partes firmem um acordo sobre determinado objeto mostrando vontades oposta sobre um mesmo objeto, exemplo, uma pessoa tem vontade de comprar um carro e outra pessoa tem vontade de vender um carro, essas duas pessoas chegando a um acordo quanto ao valor deste carro podem firmar um contrato, ou seja, o contrato depende da vontade das partes, chamado princípio da autonomia da vontade. (Venosa 2005 p. 405).
Ao contratar, como já exposto, as partes se obrigam a cumprir o avençado, esse é um dos princípios do contrato, que chamamos de pacta sunt servanda, ou seja, o contrato faz lei entre as partes, há uma força coercitiva (Estado através da jurisdição) que obriga o cumprimento do contrato, porém esse princípio tem algumas exceções como veremos mais à frente. (Venosa 2005 p. 406).

3. CONTRATOS BILATERAIS

Como já referimos, o contrato pode gerar obrigações para uma parte ou para as duas partes contratantes, quando o contrato gera obrigação somente para uma das partes, chamamos este de contrato unilateral, o exemplo mais comum deste tipo de contrato é a doação. Quando o contrato gera obrigações para ambas partes contratantes, chamamos de contrato bilateral, que será alvo de nosso estudo, pois a exceptio non adimpleti contractus ocorre apenas neste tipo de contrato, esta expressão em latim significa "exceção do contrato não cumprido", quer dizer que se uma parte não cumprir o avençado no contrato, esta não pode exigir que a outra parte cumpra o que havia sido acertado. Como exemplo de contrato bilateral podemos citar a compra e venda. Este contrato tem uma característica especial que é o sinalagma, ou seja, uma parte pode exigir que a outra cumpra o que foi pactuado na feitura do contrato há uma dependência recíproca entre as obrigações, devido a essa característica os contrato bilaterais também são chamados de contratos sinalgmáticos. (Venosa 2005 p. 424).

4. EXCEPTIO NON ADIMPLENTI CONTRACTUS

O artigo 476 do Código Civil de 2002 positivou este instituto afirmando: "Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro".
Como já comentamos, a exceção do contrato não cumprido ocorre apenas em contratos bilaterais, quando uma das partes contratantes não cumpriu a sua parte e fica sem poder exigir o cumprimento da obrigação da outra parte, isto é fundamentado na segurança jurídica, pois caso uma parte sem cumprir o que havia prometido pudesse exigir judicialmente o cumprimento da obrigação da outra parte, nenhum contrato teria a segurança jurídica. Assim, a parte que não fizer o que foi determinado no contrato não pode exigir que a outra parte o faça, supra mencionamos que haviam algumas exceções para o princípio da força obrigatória, esta é uma delas, pois apesar de o contrato fazer lei entre as partes, se uma não cumprir o que foi avençado, a outra deixa de ser obrigado a fazer o que havia prometido.
Como bem exposto por Venosa:
O contratante opõe essa exceção como forma de se defender contra o outro contratante inadimplente. Com essa oposição, o contratante logra apor um obstáculo legal à exigência de seu cumprimento, pelo não-cumprimento da outra parte. (Venosa 2005 p. 426)

De acordo com Stolze,
Um dos requisitos para exceptio non adimpleti contractus é o prévio descumprimento da prestação pela parte demandante, pois isto autoriza o excipiente a se valer deste instituto, uma vez que tendo havido cumprimento da prestação, na forma pactuada, a demanda pelo seu cumprimento constitui regular exercício de um direito potestativo. (Stolze 2005 p. 287)

5. APLICAÇÃO DESTE INSTITUTO
Nas relações contratuais do direito privado, ou seja, entre particulares a aplicação da exceção do contrato não cumprido é plenamente aceita pela doutrina, pois as partes estão em pé de igualdade na relação contratual, uma parte não pode obrigar a outra sem que já tenha executado sua obrigação, porém quando chegamos na aplicação da exceptio non adimpleti contractus em contratos de prestação de serviço público, ou seja, concessionária do estado prestando serviços que o Estado às outorgou, temos divergências doutrinárias. Alguns juristas alegam que o Princípio da Continuidade do Serviço Público prevê que os serviços essenciais não podem ser interrompidos, uma vez que este se apresenta como a forma pela qual o Poder Público executa atribuições essenciais ou necessárias aos administrados. Entende-se por serviços essenciais aqueles em que há uma necessidade permanente, tais como o fornecimento de água, luz... Como nos mostra a lei n 7783 de 1989, em seu art. 10:
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI - compensação bancária. (lei n 7783-89).

Inclusive no Código de Defesa do Consumidor, no art. 22, há uma menção de que os serviços públicos devem ser adequados, eficientes, seguros, e os essenciais devem ser contínuos. (Almeida 2008 p. 105).
Os serviços públicos que o Estado pode transferir a execução através de concessão estão arrolados no art.21 da Constituição Federal, em seus incisos XI e XII, esses serviços devem ser prestados de forma contínua ao usuário como nos mostra Mello:
O concessionário não poderá negar ou interromper a prestação dos serviços, salvo, é claro nas hipóteses previstas nas próprias cláusulas regulamentares. Cumpridas pelo usuário as exigências estatuídas, o concessionário está constituído na obrigação de oferecer o serviço de modo contínuo e regular. (Mello 2006 p.711).

Portanto, de acordo com Celso Antonio Bandeira de Mello, o usuário que não cumprir suas obrigações pode sim sofrer o interrompimento do serviço prestado pelo concessionário.
Outros juristas alegam que o fornecimento pode ser interrompido, de acordo com o princípio Constitucional da igualdade, pois quem paga as tarifas para manutenção dos serviços públicos tem o direito de exigi-lo, porém quem não paga não pode ter o mesmo direito.
As concessionárias tiram seu lucro, seu sustento, através das cobradas pelos serviços prestados ao usuário, caso o usuário pudesse deixar de pagar por esses serviços e continuar usufruindo o mesmo, não mais existiria o contrato entre as concessionárias e o Estado, pois estas não teriam lucro nenhum ao fornecer os serviços que o Estado a outorgou. Como nos mostra o nobre autor Celso Antonio Bandeira de Mello:
Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerado pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. (Mello 2006 p. 672).

Na minha ótica é completamente aceitável a exceptio non adimpleti contractus em contratos entre as concessionárias prestadoras de serviços públicos e os consumidores, quando este ultimo não cumprir com a sua obrigação, deixando de pagar a tarifa cobrada pela prestadora de serviços.

CONCLUSÃO
Desta forma podemos percebe que a exceção do contrato não cumprido pode sim ser alegada em contratos entre prestadores de serviço público e os particulares, haja vista que as pessoas devem pagar para poder ter o direito de usufruir tais serviços, portanto o atraso pode insurgi em um não fornecimento do serviço com o objetivo de fazer o devedor ressarcir a concessionária pelo serviço já prestado para esta poder voltar a realizar o serviço.











Referência bibliográfica:

ALMEIDA, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor. 6ª edição. São Paulo. Saraiva. 2008.
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BIANCOLINI, Adriano. Uso da "exceptio non adimpleti contractus" em face da Administração Pública. In: http://jusvi.com/artigos/29638 . pesquisa realizada em 28-04-2008
Código Civil de 2002. Vade Mecum. Editora Rideel. Coleção de leis Rideel 2008.
Código de Defesa do Consumidor. Vade Mecum. Editora Rideel.Coleção de leis Rideel 2008.
Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Senado Federal Biênio 2007-2008. Brasília 2008.
Lei n 7783/1989. Vade Mecum. Editora Rideel. Coleção de leis Rideel 2008.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21ª ed. Editora Malheiros. 2006.
NETO, Aldo Silva. O princípio da continuidade e a interrupção dos serviços em caso de inadimplência ? Usuários Particulares e Usuários Públicos. Disponível em: http://www.juristas.com.br/mod_espaco_aberto.asp?t=359&p=7 . Pesquisa realizada em 28-04-2008

STOLZE, Pablo Gagliano. PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de Direito Civil. Volume IV Contratos. 2005. Editora Saraiva. São Paulo.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Editora Jurídica Atlas. 5ª ed. 2005.