EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO E SUA APLICABILIDADE
Por Matheus Bruno Sabóia Moraes | 06/12/2009 | DireitoBuscou-se como objetivo deste breve trabalho, analisar os aspectos concernentes a evolução da exceção do contrato não cumprido no âmbito do Direito Civil Contratual e sua conseqüente aplicabilidade, no que diz respeito à Administração Pública, Empresas Concessionárias de Serviço Público e Particulares.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por escopo analisar um tema extremamente relevante, em sede de discussão sobre extinção contratual, que é a aplicação da "exceção de contrato não cumprido" (exceptio non adimpleti contractus).
Trata-se de instituto de grande aplicabilidade prática, que, dada sua importância jurisprudencial, merece ser analisado profundamente, o que será feito através do estudo desse assunto, no âmbito do direito privado, por meio dos contratos privados, e, posteriormente, na esfera do direito público, através dos contratos administrativos.
Porém, vale ressaltar que o exceptio non adimpleti contractus, como o próprio nome diz, é uma exceção, uma vez que o Direito Civil Brasileiro é regido pelo princípio pacta sunt servanda. Com base neste princípio de influência francesa, os contraentes devem obrigatoriamente cumprir o que ora foi firmado no contrato.
No entanto, percebe-se a partir da prática contratual que existem circunstâncias que fogem a essa regra, e é neste diapasão que a exceção do contrato não cumprido surge como uma forma de proteção contra os abusos no adimplemento dos contratos.
Assim, analisar-se-á o histórico, o conceito, a importância e a aplicabilidade da exceção do contrato não cumprido dentro da ordem jurídica, mais especificamente na esfera contratual.
2 EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO NO DIREITO PRIVADO
A Exceção de Contrato não Cumprido prevista no art. 476 do Código Civil, refere-se a:
"Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro".
Primeiramente, deve-se frisar que contrato bilateral é aquele em que nascem obrigação para ambas as partes. É chamado também de sinalagmático. Exemplo desse tipo de contrato é o de compra e venda, tendo-se aí duas obrigações distintas e contrapostas, nascidas do mesmo contrato. Dessa forma, no contrato de compra e venda o comprador tem a obrigação de pagar o preço da coisa; já o vendedor tem a obrigação de entregá-la.
A Exceção de Contrato não Cumprido prevista no art. 476 do Código Civil é explicada na reciprocidade e interdependência das obrigações contraídas pelas partes. Dessa forma, explica Pablo Stolze:
"Justamente porque a prestação de um contratante tem como causa ou razão de ser a prestação do outro é que a lei concebeu a defesa consistente na exceptio non adimpleti contractus (...)."
Após esse intróito, acerca do significado do contrato bilateral ou sinalagmático (obrigações recíprocas), cabe analisar o que é a Exceção de Contrato não Cumprido, representada pela expressão latina exceptio non adimpleti contractus, muito utilizada pela doutrina.
Maria Helena Diniz assim explica que essa exceção consiste em:
"A exceptio nos adimpleti contractus é uma defesa oponível pelo contratante demandado contra o co-contratante inadimplente, em que o demandado se recusa a cumprir a sua obrigação, sob a alegação de não ter, aquele que a reclama, cumprido o seu dever, dado que cada contratante está sejuito ao estrito adimplemento do contrato. Dessa forma, se um deles não o cumprir, o outro tem direito de opor-lhe em defesa dessa exceção, desde que a lei ou o próprio contrato não determine a quem competirá a obrigação em primeiro lugar". (p. 118 e 119, 2007)
A Exceção de Contrato não Cumprido não existe para resolver o vínculo obrigacional. Ela proporciona, se procedente, apenas um provimento dilatório. Dessa forma, a dívida do excipiente apenas está em provisória condição de inexigibilidade.
A Exceção de que se cogita não se apresenta como função de anular a pretensão do titular do direito, senão com a de justificar o direito do obrigado de recusar o adimplemento da prestação exigida.
Existem algumas particularidades a serem observadas quanto à Exceção de Contrato não Cumprido, pois a exceção só pode ser invocada quando a lei ou o contrato não prever quem deve cumprir a obrigação por primeiro. Em outras palavras, a exceção do contrato não cumprido tem vez quando as obrigações são cumpridas simultaneamente. Assim, se cabe a um contratante cumprir sua obrigação em primeiro lugar, este não pode recusar-se a fazê-lo sob o pretexto de que o outro não cumprirá com a sua.
Contudo, há exceção quanto à regra supracitada. Eis que o art. 477 do CC trás no seu bojo:
Art. 477. "Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la".
Dessa forma, nos contratos em que as obrigações são executadas sucessivamente, pode a parte que deve cumprir a obrigação em primeiro lugar recusar-se a fazê-lo até que a outra satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante para tal. Isto quando, depois de concluído o contrato, sobrevier ao contratante diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou.
Para aplicar-se tal exceção prevista no art. 476 do Código Civil é preciso que as prestações sejam, além de recíprocas, interdependentes (uma tem de ser a causa justificadora da outra).
A Exceção de Contrato não Cumprido não se aplica ao contrato bilateral quando termos diversos para adimplemento das obrigações de cada parte tenham sido pactuados ou resultem da própria natureza do contrato. Por isso, em não se tratando de obrigações recíprocas revestidas de contemporaneidade, não cabe a invocação da tal exceção.
3 DA EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO RELATIVAMENTE À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Tal Exceção é tida nos Contratos Administrativos como uma Cláusula Exorbitante.
A Exceção de Contrato não Cumprido é Cláusula Exorbitante nos Contratos Administrativos porque assim como as demais anteriormente citadas e explicadas, ela "sai da órbita", "exorbita" do direito civil para entrar na órbita administrativa, desprivatiza-se para publicizar-se. É uma prerrogativa da Administração Pública.
Porém, nos Contratos Administrativos, em regra geral, não se pode usar tal cláusula contra a Administração. A exceção de contrato não cumprido – exceptio non adimpleti contractus -, usualmente invocada nos ajustes de Direito Privado, não se aplica, em princípio, aos contratos administrativos quando a falta é da Administração.
Como se observa, muitos autores têm entendimento formado de que, pelo menos a princípio, não cabe o uso da Exceção de Contrato não Cumprido contra a Administração. Tal entendimento existe em vários países. Os autores assinalam que as pessoas privadas que firmam contratos com o Estado não podem recusar-se a cumprir as obrigações assumidas a pretexto de que o Estado deixou de cumprir alguma cláusula do ajuste. Em outros termos, tais pessoas privadas não têm a exceção da inexecução, pois, em direito administrativo, não há lugar para a teoria da execução ponto por ponto.
Entretanto, se em princípio o particular contratado não pode opor a Exceção de Contrato não Cumprido contra a Administração, esta, por sua vez, pode sempre opor a exceção em seu favor, em razão da inadimplência do contratado. Assim, a Administração Pública, em qualquer das avenças firmadas com particulares, pode invocar a exceção de contrato não-cumprido, diante do inadimplemento do particular, e tirar desse privilégio todas as vantagens.
Permanece, no entanto, o fato de que a lei não prevê rescisão unilateral pelo particular; de modo que este, paralisando, por sua conta, a execução do contrato, corre o risco de arcar com as conseqüências do inadimplemento, se não aceita, em juízo, a exceção do contrato não cumprido. Nos contratos administrativos a execução é substituída pela subseqüente indenização dos prejuízos suportados pelo particular ou, ainda, pela rescisão por culpa da Administração. O que não se admite é a paralisação sumária da execução, pena de inadimplência do particular, contratado, ensejadora da rescisão unilateral.
E, sendo incabível a invocação da Exceção de Contrato não Cumprido pelo particular, este deve pleitear em juízo a rescisão da avença e propugnar por perdas e danos. Para não ter que continuar executando o contrato durante todo o transcorrer da lide, deve o prejudicado pedir, uma vez ouvida a Administração Pública contratante, que seja dispensado do cumprimento de sua obrigação. Se nesses casos, paralisar sumariamente a execução, será tido por inadimplente e sua atitude será suporte para a Administração Pública extinguir o vínculo, pleitear perdas e danos e, se for o caso, declarar sua inidoneidade para novos contratos.
Apesar de todas as justificativas até aqui expostas, existe um fundamento maior utilizado pelos doutrinadores que tratam também desse assunto por ora discutido: trata-se do princípio da continuidade do Serviço Público.
Segundo esse princípio, o Serviço Público não pode parar, porque os anseios da coletividade também não param. Daí porque se diz que a atividade da Administração Pública é ininterrupta. Versa sobre este aspecto o CDC em seu art. 22, caput, e parágrafo único:
"Os órgãos púbicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros, e, quanto aos essenciais, contínuos".
"Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar danos causados na forma prevista neste Código".
A justificativa da inoponibilidade encontra-se, principalmente, no princípio da continuidade, que impede a interrupção do atendimento do interesse público; tendo em vista que o contrato administrativo é celebrado para atender ao interesse público, sua execução não pode ser interrompida. Manifesta-se nesse sentido o STJ, em acórdão cujo relator foi o Ministro Luiz Fux:
1. Medida Cautelar ajuizada pretendendo conferir efeito suspensivo a recurso especial em lide versando a possibilidade de corte nos serviços de fornecimento de energia elétrica, por inadimplência do usuário.
2. Consumidor, in casu, o Município que repassa a energia recebida aos usuários de serviços essenciais.
3. A energia é um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção.
4. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade, uma vez que o direito de o cidadão se utilizar dos serviços públicos essenciais
para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.
Vale dizer, atualmente entende-se que, se não há um serviço público que possa sofrer solução de continuidade ou injunções no seu normal desenvolvimento, não há por que negar-se a aplicação dessa máxima romana aos contratos administrativos. Se não se tratar, por exemplo, de contrato de concessão de serviço público (transporte coletivo, serviço funerário) ou de fornecimento de bens necessários à manutenção de um serviço público (merenda escolar, refeição para presos ou hospitalizados, remédios hospitalares), cabe, perfeitamente, a invocação da exceptio non adimpleti contractus.
4 CONCLUSÃO
A partir de todo exposto, percebe-se a importância da exceção do contrato não cumprido como instituto da equidade, tendo como pressuposto indispensável à boa-fé, uma vez que se almeja o equilíbrio entre as partes. Diante das relações contratuais, torna-se uma indispensável prerrogativa contra os abusos materiais, uma vez que constitui num mecanismo de defesa.
Enfim, nota-se a evolução do pensamento doutrinário que anteriormente era majoritário no sentido da não aplicação de tal cláusula contra a Administração, pensamento este que hoje parece seguir para uma análise especial do caso concreto que porventura venha ocorrer, para aí, sim dizer se cabe ou não a oposição da devida exceção, muito embora não é demais salientar que também existe previsão legal para a oposição da exceptio por parte do contratado particular, conforme já fora apresentado
REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v.III.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2006. v. IV.
VENOSA, Sílvio de Salvo.Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4.ed – São Paulo: Atlas, 2004. (Coleção direito civil; v.2)
Jurisprudência STJ. Processo: MC 3982 / AC ; MEDIDA CAUTELAR 2001/0092137-1. Relator Ministro Luiz Fux. Encotnrado em: http://ww2.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?acao=imprimir&livre=(('MC'.clap.+ou+'MC'.clas.)+e+%40num%3D'3982')+ou+('MC'+adj+'3982'.suce.)&&b=JUR2&p=true&t=&l=10&i=1. Acesso: 16 de maio de 2007.