Exame de DNA – investigação de paternidade – obrigatoriedade – consequências jurídicas.

Por MARCIO R. LENCO | 06/05/2015 | Direito

MARCIO ROBERTO LENCO

Exame de DNA – investigação de paternidade – obrigatoriedade – consequências jurídicas. 

DIREITO CIVIL – DIREITO DE FAMÍLIA 

UNIVERSIDADE SANTA ÚRSULA

CURSO DE DIREITO

RIO DE JANEIRO

2014

EMENTA: Exame de DNA – investigação de paternidade – obrigatoriedade – consequências jurídicas. 

ANÁLISE CRÍTICA: 

  1. Trata-se de consulta solicitada para análise da matéria pertinente ao ramo do direito de família, requerida pelo Núcleo de Pratica Jurídica IV, a fim de se esclarecer a questão do exame de DNA em investigação de paternidade.
  1. Nessa trilha da consulta perpassa por diversos questionamentos:
  • É obrigatório o exame de DNA?
  • Há constrangimento em decisão que determina o exame de DNA?
  • Qual a repercussão na recusa em realizar o exame de DNA?
  • E o direito a ser reconhecido pelo pai?

 

  1. Não obstante resta observar a importância da realização do exame de DNA, como relevante meio prova capaz de gerar subsídios definitivos para desate de questões na esfera das demandas investigatórias de paternidade, merecendo, apenas, obediência a determinados critérios para sua aplicação.
  1. Procura-se enfrentar o tema trazendo à baila as argumentações da doutrina e da jurisprudência, além do próprio ordenamento pátrio.
  1. É o necessário a relatar. Em seguida, exara-se o opinativo.

 

FUNDAMENTAÇÃO:

  1. Quando se priva o indivíduo do direito de saber quem são seus pais, porque ninguém o assumiu voluntariamente, este poderá provocar o judiciário, ingressando com a chamada Ação de Investigação de Paternidade em face do suposto genitor biológico.
  1. E o direito de saber sua própria origem decorre de um verdadeiro direito inerente ao próprio ser humano e nesse sentido, estando diretamente ligado umbilicalmente com os princípios fundamentais da Constituição Federal vigente, á exemplos como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o direito à cidadania.
  1. Neste diapasão, com evolução da tecnologia no ramo da biologia e a codificação do código genético, conhecido como DNA, é hoje possível alcançar exatidão próxima a 99% para aferir paternidade. No mais, a dificuldade de se atingir a verdade biológica, acabava por justificar e endossar a presunção legal, que, na lição de Sérgio Carlos Covello[1].

“um expediente de técnica jurídica de que lança mão o legislador, quando a verificação de um fato for inatingível ou de difícil comprovação, por meios diretos. Trata-se de admitir algo como verdadeiro sem a demonstração de sua atualidade, como uma forma de resposta à necessidade de segurança e certeza na ordem jurídica.”

  1. Outro aspecto a ser esclarecido é o reconhecimento da presunção juris tantum[2] decorrente a recusa injustificável á realização do exame pelo investigado, pois se houver elementos que levem a conclusão contrária não há porque o juiz deferir o pedido em favor do autor[3].
  2. O sistema jurídico e judicial iniciou movimento visando incorporar esta ferramenta para a busca da verdade real (art. 332, CPC)[4] em demandas que tivessem por fito reconhecimento do direito a filiação assegurado pela carta política junto ao art. 227, parágrafo 6º[5].
  3. Com efeito, após edição do novo Código Civil, houve uma indicação para referendar positivamente a posição do autor na situação de recusa ao exame por parte do investigado, nos termos do artigo 232[6] deste diploma. O que permitiu uma leitura que tal dispositivo seja aplicável às ações investigatórias de paternidade e por consequência autorizam procedência da demanda pela mera recusa do investigado a se submeter a tal exame.
  4. Nessa direção, demonstrando ser a jurisprudência fonte viva do direito, é que se materializou a súmula 301 do STJ, ao consolidar jurisprudência sobre o tema indicando a presunção júris tantum diante da recusa do investigado. Impedindo, assim, em tese, julgamentos lastreados na literalidade do citado artigo 232 da lei substantiva civil.

Ação Investigatória - Recusa do Suposto Pai - Exame de DNA - Presunção Juris Tantum de Paternidade. 

Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

STJ Súmula nº 301 - 18/10/2004 - DJ 22.11.2004.

  1. Mais que isso, referida súmula, por meio de inúmeros julgados que a sustentaram (ESPECIAL REsp 1253504 MS 2011/0101222-3 (STJ) Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI), também indicou que "... apesar da súmula 301/STJ ter feito referência à presunção juris tantum de paternidade na hipótese de recusa do investigado em se submeter ao exame de DNA. Os precedentes jurisprudenciais que sustentaram o entendimento sumulado definem que essa circunstância não desonera o autor de comprovar minimamente, por meio de provas indiciárias, a existência de relacionamento íntimo entre a mãe e o suposto pai." (Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. T4 - QUARTA TURMA DJe 06/09/2011 - 6/9/2011 SUM(STJ).

 

  1. Posteriormente, na esteira da jurisprudência consolidada, sucedeu-se positivação dos princípios ali emblematizados mediante inserção do artigo 2ª da lei nº 8560/92, parágrafo único, que "... a recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção de paternidade, a ser apreciada com o conjunto probatório".
  1. Depois de contrariada a pretensão, seguido de réplica e proposta a conciliação em audiência prévia, caberá ao juiz da causa, como destinatário da prova – art. 130, CPC e seu ordenador – art. 131 C/C art. 331, § 2º do mesmo diploma -, ao invés de determinar exame de DNA em razão de tal prova preceder audiência de instrução e julgamento, inverter esta ordem, colhendo depoimentos pessoais e oitivando as testemunhas, dando oportunidade ao autor da demanda realizar prova ao menos indiciária da possível paternidade[7].
  1. 11.  Em palavras extraídas de julgado recente do Superior Tribunal de Justiça que sinaliza os riscos de se atribuir paternidade sem prova alguma de que ela possa ter sido real, como tem ocorrido em casos concretos pela mera recusa justificada de submissão a exame de DNA sem a mínima demonstração desta possibilidade:

 "... pensamento contrário ao sufragado pela jurisprudência desta corte geraria situações em que qualquer homem estaria sujeito a ações temerárias, quiçá fraudulentas, pelas quais incautos encontrariam caminho fácil para a riqueza, principalmente se o investigado e detentor de boa situação material."

(Resp1.068.836-RJ, 4ª T. do STJ, J. em 18.3.10, rel. ministro convocado Honildo Amaral de Mello Castro).

 

CONCLUSÃO:

 

  1. A paternidade biológica é sem sombra de dúvida o esteio da paternidade.   Sendo, portanto o vínculo biológico o responsável pela definição da paternidade, quando nenhum outro fator se colocar entre os sujeitos da relação paterno-filial.  
  1. Nesse cenário, no qual a eventual recusa do investigado a se submeter a exame de DNA deve ser analisada conjuntamente com demais provas parece razoável admitir que a determinação de realização de exame de DNA deve ser precedida de demonstração mínima pelo autor da ação de provas que levem ao menos a dúvida quanto a paternidade buscada, cabendo ao juiz da causa, caso inexistente tal demonstração na inicial, proceder de acordo com a jurisprudência.
  2. Nesta hipótese, após a cognição do processo, e caso obtida demonstração ao menos mínima da paternidade, e a recusa do réu ao exame de DNA, permitirá em tese, a procedência da ação, devendo tal negativa ser apreciada conjuntamente com a prova então colhida e posterior exigibilidade do cumprimento do exame a fim de restar provado ou não o direito do autor.
  3. Resta por tudo quanto fora exposto que a recusa não deverá gerar constrangimento por parte do investigado, haja vista que devem ser sopesados os valores constitucionais em exame, além do direito de ter o filho sua paternidade reconhecida.
  4. A recusa sendo, portanto legitima até esgotada todas as outras possibilidades de provas, á serem apresentadas.
  5. Assinala-se por isso, que as demandas desta natureza possuem alcance social relevante, em sua esmagadora maioria, atingem seu nobre objetivo, conferindo paternidade a quem de direito minimamente a comprove, não podendo se olvidar, de outro lado, que a mesma pode servir de instrumento para se atingir finalidade menos nobre, gerando nocivos efeitos pessoais a quem delas é alvo.

 

 

 

Marcio Roberto Lenco.

OAB/RJ

 



[1] Apud BOSCARO, Márcio Antonio – Direito de Filiação – RT – São Paulo, 2002 – página 82.

[2] Trata-se de expressão em latim cujo significado literal é "apenas de direito". Normalmente a expressão em questão vem associada a palavra presunção, ou seja, presunção "juris tantum", que consiste na presunção relativa, válida até prova em contrário. ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico de Direito. 2ª ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2001.

[3] NESSE SENTIDO: GREGO FILHO. Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro (processo de execução a procedimentos  especiais. 11 ed. São Paulo – Saraiva. 1996. v.3. p. 130. TUCCI. Rogerio Lauria Cruz. Curso de ireito Processual Civil.(processo de conhecimento – processos e respectivos procedimentos. São Paulo – Saraiva. 1989. v. 2. BOSCARO, Márcio Antonio – Direito de Filiação – RT – São Paulo, 2002 – página 83.

[4] Art. 332 CPC. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa. - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm- acesso em 03/06/14.

[5] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. https://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/viwTodos/509f2321d97cd2d203256b280052245a?OpenDocument&Highlight=1,constitui%C3%A7%C3%A3o&AutoFramed – acesso em 03/06/14.

[6] Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm - acesso em 03/06/14.

[7]  Exame de DNA e investigação de paternidade – indispensabilidade de prova indiciária - José Diogo Bastos Neto* - Advogado do escritório Chiaparini e Bastos Advogados.