Evolução histórica do divórcio no Brasil
Por Jôsimara Pessôa Pinheiro | 23/05/2012 | DireitoEVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIVÓRCIO NO BRASIL
Não há dúvidas de que a manutenção da família é uma das principais preocupações de todos os seres humanos, haja vista que, para melhor compreensão da estrutura de uma sociedade, há necessidade de se obter breve entendimento sobre como se formam e se desfazem as famílias.
Conforme preceitua Romualdo Baptista dos Santos (2011, p.49), é em torno da família que orbitam as demais relações familiares. Sendo assim, mister se faz ressaltar que a família é considerada a pedra angular da sociedade, a base do Estado, motivo ensejador de proteção constitucional, conforme preceitua o artigo 226, da Carta Magna, “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
A idéia de família sempre esteve intimamente interligada ao casamento. Os preceitos históricos do casamento e de sua dissolução não se diferenciam muito nos países ao redor do mundo, mais precisamente nas nações ocidentais. Sabe-se que, o Brasil aderiu ao catolicismo como religião oficial, sendo assim, em obediência aos preceitos da doutrina cristã, o casamento era considerado indissolúvel.
Em meados do fim do século XIX, foi que o ordenamento jurídico brasileiro instituiu o casamento civil. A partir do novo tratamento legislativo ao tema, o casamento passou a ser considerado um ato jurídico dissociado do casamento religioso e, em conseqüência, passou-se á admitir o divórcio, com interposições de limites a seus efeitos, situação que perdurou por aproximadamente 90 anos, até que se admitisse o divórcio pleno.
O interesse na conservação do casamento não partia somente da igreja, logo, esse caráter indissolúvel que lhe foi atribuído, justificava-se pela essência patrimonialista do casamento, visando à lei proteger o patrimônio do casal em detrimento da felicidade dos cônjuges.
DA INDISSOLUBILIDADE DO CASAMENTO
Inicialmente, a evolução histórica do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro enfrentou árdua batalha no âmbito legislativo e social, tendo em vista que pregavam pela corrente antidivorcista, fortemente influenciada pela religião que qualificava o casamento como um sacramento.
A aceitabilidade da dissolução do matrimônio se deu de forma paulatina e dificultosa, tendo em vista que, o casamento ao ser introduzido no Brasil, mais precisamente no tempo do Império, era regido pelas normas do catolicismo, religião oficial de Portugal.
Sob forte influência religiosa, mais precisamente a católica, e seus dogmas, o vínculo conjugal era considerado indissolúvel, ou seja, “até que a morte os separe”, somente admitindo-se a dissolução em caso de morte ou reconhecimento de nulidade do matrimônio. Neste diapasão, é notória a influência do Direito Canônico no sistema normativo brasileiro, nos cânones 1055, § 2º e 1056:
Cân. 1055
§ 1º. O pacto matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e a geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento.
§2º. Portanto, entre batizados não pode haver contrato matrimonial válido que não seja por isso mesmo sacramento.
Cân. 1056. As propriedades essenciais do matrimônio são a unidade e indissolubilidade que, no matrimônio cristão, recebem firmeza especial em virtude do sacramento.
Neste período histórico, somente com o Concílio de Trento foi que a doutrina católica se consolidou,tendo em vista que, o decreto 1827 de 03/11/1827, previa a obrigatoriedade de sua aplicação, realizado entre 1545 e 1553 e as disposições da Constituição do Arcebispado da Bahia, instituída em 1707 e tida como jurisdição eclesiástica em relação ao casamento.
No Brasil Império é que surgiram os primeiros reflexos da flexibilização no casamento, todavia, o Decreto 1.144 de 11/09/1861, passou a admitir o casamento entre nubentes de credos diferentes, obedecendo aos parâmetros de sua religião e até mesmo os incrédulos, tendo em vista que, somente as pessoas católicas podiam se casar. Com o aperfeiçoamento do decreto 3.069, passou-se a admitir três formas de casamento, quais sejam, o casamento católico, o não católico e o misto.
Somente após a proclamação da República, em 1889, com o advento do Decreto 119-A de 1890 de 17 de janeiro de 1890, houve a definitiva separação entre a Igreja e o Estado, que passou a regular o casamento, tornando-se o Brasil um país laico. Neste sentido, versa os ensinamentos de Romualdo Batista dos Santos (2011, p.51), determinando que, “com essa Lei, o casamento passou a ser um ato jurídico dissociado do casamento religioso.”
Nessa esteira de acontecimentos, adveio o Decreto 181 de 24 de janeiro de 1890, chamado de Lei do matrimônio, obra do eminente Rui Barbosa, pelo qual consolidou-se que, somente o casamento civil teria validade. O artigo 88 do mencionado Decreto determinava que “o divórcio não dissolve o vínculo conjugal...”.
Empós, adveio o Decreto 521 de 26 de junho de1890, determinando que o casamento civil deveria anteceder o casamento religioso de qualquer credo. Outra disposição contida no mencionado decreto era a previsão da pena de prisão ao ministro de qualquer religião que realizasse o casamento religioso primeiro, ou seja, antes da realização do casamento civil.
Mesmo diante da indissolubilidade do casamento, que seguia os ditames do catolicismo, qual seja, “o que Deus uniu o homem não separa”, com o advento do Código Civil de 1916, no artigo 315, inciso III, surge o “desquite”, pelo qual se admitia o rompimento da sociedade conjugal, mas não o vínculo. A sociedade conjugal poderia ser restabelecida a qualquer tempo, mediante simples petição ao juiz, sendo, no entanto, resguardado os direitos de terceiros. Consoante ao exposto, o artigo 315, III do Código Civil determina que, “a sociedade conjugal termina pelo desquite, amigável ou judicial”.
As pessoas desquitadas não podiam contrair novas núpcias, apesar de não mais existirem deveres conjugais e incomunicabilidade patrimonial, tal restrição não impedia a constituição de novos vínculos afetivos, às denominadas “famílias clandestinas”, grande alvo de preconceito e rejeição social
A resistência para a dissolução do vínculo matrimonial era de tal ordem que os textos da Constituição Federal traziam previsão da indissolubilidade do casamento.
Destarte, a Constituição Federal de 1934, em seu artigo 144, determinava que, “a família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado”.
De forma semelhante tratava o artigo 124 da Carta Magna de 1937, “a família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção dos seus encargos.
A Constituição Federal de 1946 também tratou da indissolubilidade do casamento no artigo 163, versando, “a família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito a proteção especial do estado”.
O artigo 167 da Constituição Federal de 1967 afirmava, “O casamento é indissolúvel”.
Na Constituição de 1969, a indissolubilidade do matrimônio era prevista no artigo 175, que determinava, o casamento é indissolúvel.
Timidamente, sob influência do Estado e da igreja, o divórcio foi objeto de propostas legislativas do Código Civil, no entanto, somente com o advento da Lei do Divórcio (Lei 6.515 de 26 de dezembro de 1977), de autoria do senador Nelson Carneiro, amparada pela Emenda Constitucional nº.9 de 28 de junho, que deu nova redação ao artigo 175 da Constituição Federal, é que o divórcio foi instituído oficialmente na normatização brasileira.
Art. 175. (...)
§1º. O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos.
§2º. A separação de que trata o § 1º do artigo 175 da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada em juízo e pelo prazo de cinco anos, se for anterior a data desta Emenda.
Ante o advento da Emenda Constitucional nº 9, a nomenclatura para a dissolução da sociedade conjugal, que outrora se denominava “desquite”, consagrado no Código Civil passou a se chamar “separação judicial”.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO DIVÓRCIO COM IMPRESCINDIBILIDADE DA SEPARAÇÃO JUDICIAL.
Com a promulgação da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77), veio à tona um novo momento na evolução histórica da dissolução do casamento. Surge, portanto, na normatização brasileira, o sistema binário de dissolução da sociedade e do vínculo. Com a introdução do divórcio, a lei passou a exigir que os cônjuges se separem, para depois converter a separação em divórcio.
De acordo com os ensinamentos de Carlos Alberto Gonçalves (2011, p.102) “o divórcio é uma das causas que ensejam o termino da sociedade conjugal, tendo o condão de dissolver o casamento válido mediante sentença judicial, habilitando as pessoas a contrair novas núpcias”.
Inicialmente, as limitações eram imensas, haja vista que, somente admitia-se o divórcio uma única vez, a intenção do legislador era permitir o divórcio somente para os que já estavam separados antes da emenda. Além do mais, era necessário o preenchimento de requisitos, quais sejam, estarem separados de fato há cinco anos, ter sido o prazo implementado antes da alteração constitucional e comprovada a causa da separação. O divórcio direto somente era admitido em casos emergenciais. Neste sentido, versa o artigo 40 da Lei 6.515/77:
Art.40. No caso de separação de fato, com início anterior a 28 de junho de 1977, e desde que completados cinco anos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual deverão provar o decurso de tempo da separação e sua causa.
AMPLIAÇÃO DA POSSIBILIDADE DO DIVÓRCIO: CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL OU PELO EXERCÍCIO DIRETO
Com o advento da Constituição federal de 1988, os lapsos temporais para a concessão do divórcio no Brasil foram reduzidos, o que outrora se exigia o decurso de 5 (cinco) anos de separação de fato, o artigo 226, § 6º, da Carta magna, passou a determinar que, “o casamento civil pode ser dissolvido, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”. Neste sentido, versa os ensinamentos de Maria Berenice Dias (2010, p.20):
Com a Constituição de 1988 o indivíduo passou a ser mais importante do que seu patrimônio, sendo assim eliminado o caráter obstaculizador da separação, deixando ela de ser necessária para a obtenção do divórcio e perdendo significativamente sua relevância no ordenamento jurídico, já que passou a não ser elemento obrigatório para dissolver a sociedade e vínculo conjugal.
Tendo em vista as alterações ocorridas, a Lei 7.841/89, deu nova redação ao anteriormente mencionado artigo 40, que passou a dispor que, no caso de separação de fato, e desde que completados dois anos consecutivos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual deverá ser comprovado o decurso de tempo da separação.
Foi neste momento histórico que o divórcio direto foi consolidado, com eficácia imediata, aperfeiçoando o previsto na Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), sem, portanto, extinguir o divórcio indireto, ou seja, o decorrente da conversão da separação judicial.
O DIVÓRCIO COMO SIMPLES EXERCÍCIO DE UM DIREITO POTESTATIVO
No ano de 2010, com o advento da “PEC do Amor” ou “PEC do Divórcio”[1], o ordenamento jurídico brasileiro inovou com a introdução do divórcio direto, passando a ser a única forma de dissolução do casamento. Como bem refere Maria Berenice Dias, (2010, p.38):
A partir de agora, a única modalidade de buscar o fim do casamento é o divórcio que não mais exige a indicação da causa de pedir. Eventuais controvérsias referentes a motivos, culpa ou prazos deixam de integrar o objeto da demanda.
Segundo entendimento de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2010, p.62):
No sistema inaugurado, não só inexiste causa específica para decretação do divórcio ( decurso de separação de fato ou qualquer outra) como também não atua mais nenhuma condição impeditiva de decretação do fim do vínculo, tradicionalmente conhecida como “cláusula de dureza”.
Um passo já havia sido dado com a aprovação da lei 11.441/2007, pelo qual permitia que casais sem filhos menores ou incapazes e de forma consensual realizassem o divórcio extrajudicial, com lavratura de escritura pública, em qualquer Tabelionato de Notas.
O instituto da separação judicial desapareceu, não sendo mais contemplada na Carta Magna. O lapso temporal para a concessão do divórcio não é mais requisito, passando a ser mero exercício de um direito potestativo, tanto o consensual quanto o litigioso. Nesta esteira, versa entendimento de Maria Berenice Dias (2010, p.39), “o avanço é significativo e pra lá de salutar, pois atende ao princípio da liberdade e respeita a autonomia da vontade”.
Além do mais, eventuais controversas acerca dos motivos e causas que ensejaram o fim do casamento não serão mais contemplados na demanda, haja vista que, como a introdução da emenda no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer dos cônjuges poderá requerer o divórcio, sem ter que declinar motivos, expor causas ou aguardar prazos.
A Constituição Federal , no artigo 226, §6º, após a entrada em vigor da Emenda 66/2010, passou a ter a seguinte redação, qual seja, “o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio”.
Adiante, será aprofundado o estudo do tema.
[1] Emenda Constitucional nº66/2010