EUTANÁSIA FRENTE À LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Por Deise Fernanda Leivas da Silva | 12/05/2016 | Direito

EUTANÁSIA FRENTE À LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

 

 

Deise Fernanda Leivas da Silva[1]

 

 

 

RESUMO

Este artigo trata sobre uma pesquisa relacionada à eutanásia no Brasil, visto que ainda é considerado um tema complexo, pois a morte ainda é um grande obstáculo para todos, visando isto o presente artigo, abordará inicialmente a evolução histórica, como veio se desenvolvendo até a atualidade e também será analisada a conceituação do tema Eutanásia e  uma breve contextualização sobre os princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, frente ao tema.

Palavras-chave: Eutanásia. Direito à vida. Dignidade da Pessoa Humana. Morte.

 

INTRODUÇÃO

 

 A eutanásia atualmente é considerada um tema ainda de difícil compreensão, pois há muita discussão e  posicionamentos diferentes sobre o que seria o correto a se fazer numa situação  de doença grave, porém o que se nota é que a morte ainda é um obstáculo para a sociedade, pois tratam da morte forma como se nunca fossem morrer um dia.

 Deste modo o  Código penal brasileiro tipifica a prática de eutanásia como homicídio, e por conseqüência do relevante valor moral prevê ainda   minoração de pena.

Em vista disso a Constituição prevê em seus artigos princípios que dão direitos aos indivíduos, sendo vedado tal violação. Muitas vezes os princípios entram em confronto em situações como a da eutanásia, por haver o principio do direito a vida e o de dignidade da pessoa humana, que assim se mostra que não basta ser assegurada a vida se esta não for digna, assim fazendo-se pensar que de nada vale ter uma vida se esta não for boa, saudável e feliz.

Nesse contexto verifica-se que o Estado protegeu a vida e criminalizou crimes de atentado contra à vida, dificultando o exercício do direito de escolha e também o direito a dignidade da pessoa humana previstos na Constituição Federal de 1988 aos individuas que assim necessitarem.

Também o presente artigo abordará a previsão do código penal relativo à eutanásia que tipifica como homicídio a conduta ou ato  contra a vida,  venha ocorrer pelo motivo de relevante valor moral e social.

Assim deseja-se que seja reconhecida o  direito de uma morte digna em vista de que não basta ter o direito à vida se esta não for digna no que entende-se de no mínimo necessário para viver.

  1. 1.      EUTANÁSIA

 

1.1. Evolução Histórica

 

    Desde os primórdios já se podia encontrar registros de eutanásia na humanidade, na antiguidade essa prática era comum entre os humanos. Os filhos na comunidades pré celtas e celtas matavam os seus próprios pais quando estes estivessem velhos e doentes.[2]

Assim, mostra-se que esta prática era utilizada  há muitos anos, ainda nesse sentido a bíblia traz em seu velho testamento o primeiro caso conhecido de eutanásia ,  luta entre filisteus e israelitas, por ocasião da morte do rei Saul, de Israel, que quando ferido na batalha, lançou-se sobre a própria espada e, sem morrer, pediu a um amalecita que lhe tirasse a vida. David, ao receber a notícia da morte de Saul, contada pelo amalecita que o matara a seu pedido, não o perdoou e mandou puni-lo com a morte.[3]

Na idade antiga  primeiramente surgiu a prática de eutanásia na Grécia antiga, com isso fez surgir debates sobre valores sociais e religiosos e culturais , filósofos como Platão defendiam a idéia de que  se o individuo viesse a ter uma doença grave, que causasse sofrimento ao ser, tornaria assim um grande motivo para este se suicidar e acabar com o a dor. Diferente de Platão, Aristóteles descordava desta idéia e condenava o suicídio.

É importante salientar que Hipócrates (460-377 a.c.), descreveu em seu famoso juramento o seguinte: “a ninguém darei, para agradar, remédio mortal nem conselho que o induza à perdição”.[4] Assim, colocando-se desde já contra a prática de eutanásia e representando uma das primeiras tentativas relacionadas a medicina frente ao respeito dos valores da pessoa humana quanto a vida. Em Esparta a prática de eutanásia era bastante comum, uma vez que  recém nascidos tivessem alguma deficiência, seria obrigatório sua morte.

Na idade média, no Egito, Cleópatra VII na tentativa de descobrir meios menos dolorosos de administrar a morte, criou uma “academia” para estudar tais formas de morte. Na idade moderna surgiu a palavra Eugênia, criada pelo Francis Galton, sendo que o objetivo era a melhoria da raça humana, o nazismo por exemplo foi um dos momentos principais em que a prática da Eugenia foi utilizada com a justificativa com sua revoltante “teoria de supremacia da raça ariana e antijudaísmo”[5].

Desta forma  há quem confunda Eugenia com Eutanásia, porém são totalmente distintas, uma vez que Eutanásia versa sobre a piedade humana e Eugenia diferentemente independe desta.

Na atualidade a prática de eutanásia é vedada, uma vez que quem cometa, responderá por crime de homicídio, com o passar dos anos a medicina e suas tecnologias foram avançando, porém a sociedade não acompanhou tal evolução, pois trata da morte ainda como um tabu, tornando delicado se falar em eutanásia, pois a sociedade esquece que todos irão morrer algum dia e que talvez precisem exercer seus direitos de escolha caso acreditem ser necessários para o caso.

A eutanásia não foi aceita na antiguidade em vista que o Judaísmo e o Cristianismo, tratam a vida como um princípio sagrado. Na bíblia Sagrada está descrita em uma frase “Não Matarás”, sendo uma das frases mais fortes do cristianismo à respeito da vida. Nesse sentido a Eutanásia se tornou um ato criminoso em vista de que o bem mais valioso entende-se ser a Vida.

1.2. Conceito de Eutanásia

 Foi criada no Século XVII, a palavra eutanásia pelo filósofo inglês Francis Bacon, quando prescreveu na sua obra “Historia vitae et mortis”, como tratamento mais adequado para as doenças.[6] A palavra eutanásia deriva do grego EU que significa bom e THANATOS: que significa morte, que significa, boa morte, morte doce, morte calma, indolor e tranqüila.[7]

Influenciado pelos filósofos da época Bacon, sustentava a tese de que doentes com enfermidades graves consideradas incuráveis, deveriam ter uma morte tranquila sem sofrimentos.

A legislação brasileira não prevê o crime eutanásico, mas tipifica-o conforme suas condutas praticadas no ato como homicídio. O Código penal não prevê o crime de eutanásia por entrar em conflitos com a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º caput que prevê como direito indisponível e inviolável  à vida.


    1.3.  Legislação Brasileira

 

Ao se falar de eutanásia, é impossível não abordar os aspectos constitucionais previsto no artigo 1º da Constituição Federal , em que se refere como um de seus fundamentos a Dignidade da pessoa humana:

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;[8]

O princípio da dignidade da pessoa humana é basilar e por isso deve estar em harmonização com os demais princípios, entende-se também este princípio como o direito de ter uma vida digna. Na  pratica da eutanásia  deve se levar em consideração o principio fundamental da Dignidade da pessoa humana, pois é através deste que se tem a garantia de uma vida digna e talvez uma morte digna.

Segundo Maria Helena Diniz apud Maria Garcia explana: “ exprime a aptidão genérica pra adquirir direitos e contrair obrigações”[9], e assim impedir que os indivíduos não  possam utilizar de seus direitos em situações desumanas em que não se garanta a dignidade.

A dignidade da pessoa humana é  núcleo essencial dos direitos fundamentais a fonte jurídico- positiva dos direitos fundamentais,[10] e por esse motivo tem extrema importância para os indivíduos, uma vez que necessitarem exercer seus direitos terão a garantia assegurada pela constituição Federal. E assim ressalta José Cabral Pereira Fagundes Júnior[11]:

[...] o respeito à dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos pilares que sustentam a legitimação de atuação do Estado, proibindo a ideia que procure de alguma forma restringi-la- quer dentro da dimensão material ou espiritual-, que,  portanto, deverá ser tida como ilegítima desde o nascedouro, impondo-se-lhe a pecha de inconstitucional.

Lembrando ainda, que se deve levar em consideração o caso concreto para que tenha a real noção da gravidade da situação, levando em consideração demais princípios previstos como o direito à vida e o direito a liberdade de escolha dos cidadão.

O direito à vida está assegurado em nossa Constituição Federal  no seu artigo 5º caput  em que se refere que o direito à vida e a liberdade são invioláveis, sendo esses direitos também essenciais ao ser humano. O Direito à vida e a Dignidade da pessoa humana estão entrelaçados, uma vez que se tem o direito  de dignidade logicamente se tem uma vida que deve ser construída e desenvolvida com respeito.

Um obstáculo para que a prática da eutanásia não seja considerada crime é a garantia do direito à vida que veda qualquer atentado contra a vida, pois é considerada um direito indisponível e inviolável, dificultando o direito de escolha de um doente incurável em ter uma morte digna ou menos dolorosa. O Estado ao prever o direito à vida, abriu uma brecha criando o direito a uma vida digna, pois não basta manter-se vivo, mas sim ter uma vida digna.

Assim, os princípios e direitos previstos na Constituição não devem ser interpretados de  forma separada, pois devem se manter harmônicos entre si. Diante de um caso concreto deve-se analisar  a situação e aplicar o principio cabível, invalidando o outro, o princípio da dignidade da pessoa humana vem tem grande valor, por assegurar uma proteção ao individuo e sua liberdade de escolha.

O direito brasileiro não previu o ato típico ou atípico de matar alguém por motivos solidários  em razão da situação de saúde do indivíduo. O código penal atual prevê homicídio praticado por relevante valor moral no seu art. 121 parágrafo primeiro:

Art.121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos

Caso de diminuição de pena:

 § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou

moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da

vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.[12]

Observa-se que o Código penal não tipifica o crime de homicídio eutanásico, mesmo com o consentimento do indivíduo doente, porém permite minoração da pena de homicídio por motivo de relevante valor moral, tornando-se um privilégio apenas em ser minorada a pena, mas há doutrinadores que descordam da atual previsão, pois acreditam que não basta apenas a pena ser minorada, mas sim haver exclusão de ilicitude, uma vez que diante do consentimento e em razão de uma morte tranqüila do indivíduo esta conduta não deveria ser tipificada.

Desse modo pode-se verificar que eutanásia não deveria ser tipificada, pois há o consentimento do ofendido, na tentativa de tornar a morte tranquila,  distinguindo-se do crime de homicídio que independe do consentimento do ofendido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Conclui-se que a eutanásia apesar de ser um tema importante a ser debatido perante a sociedade, há muitos tabus referentes à morte, pois a sociedade entende-se eutanásia como uma morte antecipada. , esquecendo que todos vão morrer e que não há momento certo, uma vez que não se consegue viver uma vida digna sem que esta seja boa, saudável e feliz . E ao se falar em eutanásia não seria impossível não citar os princípios que norteiam a  vida e a morte, e que muitas vezes se conflitam.

Assim é assegurado na Constituição Federal os princípios fundamentais no qual garantem o direito à vida e por consequência o direito fundamental de dignidade da pessoa humana, que devem ser mantidos de forma inviolável, sendo vedado qualquer forma tentada contra a vida, porém esses princípios se conflitam nesses casos.

Nesse sentido o Código penal brasileiro também prevê atentados contra a vida como já  citado no presente artigo, notando-se que a lei penal não prevê o crime eutanásico propriamente dito e sim a previsão de homicídio por motivo de relevante valor moral e social, minorando a pena nesses casos.

E por foi compreendido que eutanásia  deve-se sempre observar o caso concreto, apenas dessa forma  se verificará a necessidade da pratica de eutanásia e assim dar o direito de escolha ao indivíduo em situação de saúde incurável, se deve ou não continuar vivo garantindo seus direitos invioláveis previstos na Constituição Federal.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

BRASIL, Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988/organização de textos por Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL, Código Penal. Organização de textos por Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

COSTANZI, Thiago Gomes. Eutanásia: Direito de escolha do paciente. Junho de 2008. Disponível em: < http://siaibib01.univali.br/pdf/Thiago%20Gomes%20Costanzi.pdf >. Acesso em 22 de set. 2015.

DA SILVA, Tiago Santos. Eutanásia no Direito Brasileiro. Disponível em:< http://www.apmeducacao.com.br/arquivos/monografia/glioche/tiago_santos_da_silva.pdf>. Acesso em 20 de Set. 2015.

MORAES, Henrique Viana Bandeira. Eutanásia: conceito, história e legislaçãoRevista Jus Navigandi, Teresina. Ano 24 dez. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23299/da-eutanasia-no-direito-comparado-e-na-legislacao-brasileira#ixzz3mgcoNz6w>. Acesso em 22 de set. 2015.

SILVA, Angélica Munhos do Rozário e BARBOSA, Mariane Brito. Eutanásia. Disponível em : <http://www.webartigos.com/artigos/eutanasia/3835/#ixzz3mgEGFnFp>. Acesso em 23 de set. 2015.



[1] Autora, Estudante do 9º semestre do curso de Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA.

[2]  SILVA, Angélica Munhos do Rozário e BARBOSA, Mariane Brito. Eutanásia. Disponível em : <http://www.webartigos.com/artigos/eutanasia/3835/#ixzz3mgEGFnFp>. Acesso em 23 de set. 2015.

[3] DA SILVA, Tiago Santos. Eutanásia no Direito Brasileiro apud  Bíblia Sagrada. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Samuel, capítulo 31, versículos 1 a 13. Disponível em:< http://www.apmeducacao.com.br/arquivos/monografia/glioche/tiago_santos_da_silva.pdf>. Acesso em 23 de Set de 2015.

[4] DA SILVA, Tiago Santos. Eutanásia no Direito Brasileiro  apud SGRECCIA, Elio apud ROHE. Op.cit.p.9  Disponível em:< http://www.apmeducacao.com.br/arquivos/monografia/glioche/tiago_santos_da_silva.pdf>. Acesso em 22 de set. 2015.

[5] DA SILVA, Tiago Santos. Eutanásia no Direito Brasileiro. Disponível em:< http://www.apmeducacao.com.br/arquivos/monografia/glioche/tiago_santos_da_silva.pdf>. Acesso em 20 de Set. 2015.

[6] MORAES, Henrique Viana Bandeira. Eutanásia: conceito, história e legislaçãoRevista Jus Navigandi, Teresina. Ano 24 dez. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23299/da-eutanasia-no-direito-comparado-e-na-legislacao-brasileira#ixzz3mgcoNz6w>. Acesso em 22 de set. 2015.

[7] DA SILVA, Tiago Santos. Eutanásia no Direito Brasileiro. Disponível em:< http://www.apmeducacao.com.br/arquivos/monografia/glioche/tiago_santos_da_silva.pdf>. Acesso em 20 de Set. 2015.

[8] BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988/organização de textos por Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[9]  COSTANZI. Thiago Gomes. Eutanásia: Direito de escolha do paciente. Junho de 2008 apud GARCIA. Maria.Limites da Ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade, p. 177/178. Disponível em: < http://siaibib01.univali.br/pdf/Thiago%20Gomes%20Costanzi.pdf >. Acesso em 22 de set. 2015.

[10] COSTANZI. Thiago Gomes. Eutanásia: Direito de escolha do paciente. Junho de 2008 apud  ADONI, André Luiz. Biomédica e Biodireito.Aspectos gerais sobre a Eutanásia e o Direito a morte digna. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003. Disponível em: < http://siaibib01.univali.br/pdf/Thiago%20Gomes%20Costanzi.pdf >. Acesso em 22 de set. 2015.

[11] COSTANZI. Thiago Gomes. Eutanásia: Direito de escolha do paciente. Junho de 2008 apud FAGUNDES JR. José Cabral Pereira.Limites da ciência e o respeito a dignidade humana. In: Santos,Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.).Biodireito: Ciência da vida, os novos desafios.p 273. Disponível em: < http://siaibib01.univali.br/pdf/Thiago%20Gomes%20Costanzi.pdf >. Acesso em 22 de set. 2015.

[12] BRASIL, Código Penal. Organização de textos por Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.