Eu Te Amo...

Por Nilson Maranhao Moreira | 26/08/2008 | Crônicas

O carteiro estendeu o telegrama. Arthur não agradeceu e enquanto abria o envelope, uma profunda ruga sulcou-lhe a testa. Uma expressão mais de surpresa do que de dor tomou-lhe conta do rosto.

 

Palavras breves e incisas: - Seu pai faleceu. Enterro 18 horas. Mamãe.

 

Arthur continuou parado, olhando para o vazio. Nenhuma lágrima lhe veio aos olhos nenhum aperto no coração. Nada!

 

Era como se houvesse morrido um estranho. Por que nada sentia pela morte do velho?

 

Com um turbilhão de pensamentos confundindo-o, avisou a esposa, tomou o ônibus e se foi, vencendo os silenciosos quilômetros de estrada enquanto a cabeça girava a mil.

 

No íntimo, não queria ir ao funeral e, se estava indo era apenas para que a mãe não ficasse mais amargurada.

 

Ela sabia que pai e filho não se davam bem. A coisa havia chegado ao final no dia em que, depois de mais uma chuva de acusações, Arthur havia feito as malas e partido prometendo nunca mais botar os pés naquela casa.

 

Um emprego razoável, casamento, telefonemas à mãe pelo Natal, Ano Novo ou Páscoa... Ele havia se desligado da família não pensava no pai e a última coisa na vida que desejava na vida era ser parecido com ele.

 

No velório, poucas pessoas. A mãe está lá, pálida, gelada, chorosa. Quando reviu o filho, as lágrimas correram silenciosas, foi um abraço de desesperado silêncio.

 

Depois, ele viu o corpo sereno envolto por um lençol de rosas vermelho, como as que o pai gostava de cultivar. Arthur não verteu uma única lágrima, o coração não pedia. Era como estar diante de um desconhecido um estranho, um...

 

O funeral: o sabiá cantando, o sol se pondo.

 

Ele ficou em casa com a mãe até a noite, beijou-a e prometeu que voltaria trazendo netos e esposa para conhecê-la. Agora, ele poderia voltar à casa, porque aquele que não o amava, não estava mais lá para dar-lhe conselhos ácidos nem para criticá-lo.

 

Na hora da despedida a mãe colocou-lhe algo pequeno e retangular na mão. Há mais tempo você poderia ter recebido isto - disse.  Mas, infelizmente só depois que ele se foi eu encontrei entre os guardados mais importantes...

 

Foi num gesto mecânico que, minutos depois de começar a viagem, meteu a não no bolso e sentiu o presente. Um foco mortiço de luz revelou uma pequena caderneta de capa vermelha.

 

Abriu-a curioso. Páginas amareladas. Na primeira, no alto, reconheceu a caligrafia firme do pai:

 

"Nasceu hoje o Arthur. Quase quatro quilos! O meu primeiro filho, um garotão! Estou orgulhoso de ser o pai daquele que será a minha continuação na Terra!".

 

À medida que folheava, devorando cada anotação, sentia um aperto na boca do estômago, mistura de dor e perplexidade, pois as imagens do passado ressurgiram firmes e atrevidas como se acabassem de acontecer!

 

"Hoje, meu filho foi para escola. Está um homenzinho! Quando eu o vi de uniforme, fiquei emocionado e desejei-lhe um futuro cheio de sabedoria. A vida dele será diferente da minha, que não pude estudar por ter sido obrigado a ajudar meu pai. Mas para meu filho desejo o melhor. Não permitirei que a vida o castigue".

 

Outra página: "Arthur me pediu uma bicicleta. Meu salário não dá, mas ele merece porque é estudioso e esforçado. Fiz um empréstimo que espero pagar com horas extras".

 

Arthur mordeu os lábios. Lembrava-se da sua intolerância, das brigas feitas para ganhar a sonhada bicicleta. Se todos os amigos ricos tinham uma, por que ele também não poderia ter a sua?

 

"É duro para um pai castigar um filho e bem sei que ele poderá me odiar por isso; entretanto, devo educá-lo para seu próprio bem. Foi assim que aprendi a ser um homem honrado e esse é o único modo que sei de ensiná-lo".

 

Arthur fechou os olhos e viu toda a cena quando por causa de uma bebedeira, tinha ido para a cadeia. Naquela noite, o pai tentara impedí-lo de ir ao baile com os amigos... Lembrava-se apenas do automóvel retorcido e manchado de sangue que tinha batido contra uma árvore... Parecia ouvir sinos, o choro da cidade inteira enquanto quatro caixões seguiam lugubremente para o cemitério.

 

As páginas se sucediam com ora curtas, ora longas anotações, cheias das respostas que revelam o quanto, em silêncio e amargura, o pai o havia amado.

 

O "velho" escrevia de madrugada. Momento da solidão, num grito de silêncio, porque era desse jeito que ele era, ninguém o havia ensinado a chorar e a dividir suas dores. Esperava-se dele que fosse durão, para que o mundo não o julgasse nem fraco e nem covarde. E, no entanto, agora Arthur estava tendo a prova que, debaixo daquela fachada de fortaleza havia um coração tão terno e cheio de amor.

 

A última página. Aquela do dia em que ele havia partido:

 

- "Deus, o que fiz de errado para meu filho me odiar tanto? Por que sou considerado culpado, se nada fiz, senão tentar transformá-lo em um homem de bem? Meu Deus, não permita que esta injustiça me atormente para sempre. Que um dia ele possa me compreender e perdoar por eu não ter sabido ser o pai que ele merecia ter."

 

Depois não havia mais anotações e as folhas em branco davam a idéia de que o pai tinha morrido naquele momento, Arthur fechou depressa a caderneta, o peito doía. O coração parecia haver crescido tanto, que lutava para escapar pela boca.

 

Nem viu o ônibus entrar na rodoviária, levantou aflito e saiu quase correndo porque precisava de ar puro para respirar. A aurora rompia no céu e mais um dia começava. "Honre seu pai para que os dias de sua velhice sejam tranqüilos!" - certa vez ele tinha ouvido essa frase e jamais havia refletido o na profundidade que ela continha.

 

Em sua egocêntrica cegueira de adolescente, jamais havia parado para pensar em verdades mais profundas. Para ele, os pais eram descartáveis e sem valor como as embalagens que são atiradas ao lixo. Afinal, naqueles dias de pouca reflexão tudo era juventude, saúde, beleza, música, cor, alegria, despreocupação, vaidade.

 

Não era ele um semideus? Agora, porém, o tempo o havia envelhecido, fatigado e também tornado pai aquele falso herói. De repente. No jogo da vida, ele era o pai de seus atuais contestadores. Como não havia pensado nisso antes?

 

Certamente por não ter tempo, pois andava muito ocupado com os negócios, a luta pela sobrevivência, a sede de passar fins de semana longe da cidade grande, a vontade de mergulhar no silêncio sem precisar dialogar com os filhos.

 

Ele jamais tivera a idéia de comprar uma cadernetinha de capa vermelha para anotar uma frase sobre seus herdeiros, jamais lhe havia passado pela cabeça escrever que tinha orgulho daqueles que continuam o seu nome. Justamente ele, que se considerava o mais completo pai da Terra?

 

Uma onda de vergonha quase o prostrou por terra numa derradeira lição de humildade. Quis gritar, erguer-se procurando encontrar o velho para sacudí-lo e abraçá-lo. Encontrou apenas o vazio.

 

Havia uma raquítica rosa vermelha num galho no jardim de uma casa, o sol acabara de nascer. Então, Arthur acariciou as pétalas e lembrou-se da mãozona do pai podando, adubando e cuidando com amor. Por que nunca tinha percebido tudo aquilo antes?

 

Uma lágrima brotou como o orvalho, e erguendo os olhos para o céu dourado, de repente, sorriu e desabafou-se numa confissão aliviadora:

 

"Se Deus me mandasse escolher, eu juro que não queria ter tido outro pai que não fosse você velho! Obrigado por tanto amor, e me perdoe por haver sido tão cego."

 

Fale, curta, abrace, beije, sinta e ame todas as pessoas com que você pode ver e tocar. Aproveite enquanto há vida!!!