Eu Faço Tudo Para Os Meus Funcionários...
Por Armando Correa de Siqueira Neto | 03/07/2006 | CrescimentoCerta ocasião um rei acreditou ser uma vaca e recusou-se a comer. Ele desejava que o abatessem. Ninguém o demovia de triste idéia. Foi então que convocaram o sábio médico persa Avicena (980-1037). Ele decidiu se passar por açougueiro e apalpou o rei para verificar a qualidade da carne. Protestou alegando que aquela vaca estava muito magra e que só a abateria quando engordasse. O rei, envolvido por aquela circunstância, aceitou ser alimentado e assim recuperou a saúde integralmente.
Constantemente precisamos ser mais sábios do que técnicos ao lidar com as pessoas. É importante ter domínio sobre determinado conhecimento, mas ele não alcança o ser humano em suas necessidades mais íntimas. Avaliamos superficialmente como entender e motivar os colaboradores de nossa empresa, e desta forma propomos soluções equivocadas para situações que merecem maior aprofundamento diagnóstico.
Líderes bem intencionados promovem festas e reuniões descontraídas a fim de agradar o seu pessoal. Criam ambientes aconchegantes e oferecem farta e apetitosa alimentação. Aos finais de semana viajam juntos para parques de lazer ou assistem a filmes no cinema. Investem no aperfeiçoamento por meio de cursos e palestras. Ajudam em despesas pessoais. Em suma, estendem o tapete vermelho. Estes líderes lêem livros, revistas, jornais, bulas, hieróglifos e tudo que lhes pareça ensinar a receita dourada de como gerar um excelente ambiente de trabalho. Chegam mesmo a forçar a sua personalidade a mudanças radicais. O tipo explosivo tenta ser um monge tibetano. O acanhado impressiona pelas poucas, mas inusitadas palavras que consegue discursar. De comportamentos mais gélidos podem sair poemas a respeito do calor humano nas organizações. É um contraste pitoresco.
Mudanças bruscas dificultam a adaptação, e as tentativas de acompanhá-las contemplam este manancial de estratégias. No entanto, mesmo empregando pacotes de gestão humana, a resposta não é satisfatória, ou pelo menos não dura. É nesta hora que se ouve a queixa do milênio: Eu faço tudo para os meus funcionários, mas eles não estão nem ai! E continua: Acho melhor voltar ao tempo do pelourinho e senzala, parece que eles preferem. Mesmo diante de tantos presentes os colaboradores demonstram ingratidão, chegando atrasado, não entregando as atividades nos prazos, enrolando no cafezinho, atendendo com displicência os clientes, demonstrando irresponsabilidade, falta de comprometimento etc.
Alguns empresários e gerentes chegam a questionar sua competência acerca do comando e da administração de pessoal. Outros adotam a expressão: Onde foi que eu errei? Ah! Se fosse antigamente, queria ver só! Todavia, estamos no século vinte e um e se retrocedermos, a vaca vai pro brejo! Resta-nos desenvolver formas adequadas de convivência no trabalho. Mudança no tipo de convívio não ocorre magicamente. É preciso respirar fundo e avançar em direções talvez nunca percorridas, aprendendo novamente.
Mude hábitos - O hábito é resultado de prática constante. Este é um entendimento a se considerar, pois ele indica que novo tipo de relacionamento ocorrerá para se obter nova resposta. A liderança é um modelo e, portanto, o que ela expressar, assim será entendido como filosofia local pela maioria. Se o líder não tem paciência e pouco ouve as pessoas, a comunicação é comprometida. Todavia, se existe problemas desta ordem, todo o restante praticamente estará comprometido: informações, apoio, trabalho em equipe, resultados, questões emocionais, problemas pessoais etc. Mecanismos de defesa surgem e podem ser identificados pelo sintoma da formação de panelinhas ou feudos, que são apenas escudos para a defesa no ambiente hostil criado. Em sã consciência, ninguém entra no campo minado sem antes se proteger e muito menos sem ser preciso.
Mude conceitos - O líder precisa modificar alguns conceitos e não o seu temperamento, canalizando suas energias para tais fins. As pessoas desconfiam de quem se despede batendo a porta à noite e na manhã seguinte distribui balas de caramelo. Os conceitos dizem respeito a aplicar o gerenciamento organizacional que determina prazos, cobra resultados, trabalha números, gráficos etc. As pessoas querem triunfar com a sua produção. Em contrapartida, existem os malandros, e o trabalho não lhes atrai. Tenta-se algumas vezes integrá-los e nada se obtém. Para eles, o melhor é a dispensa. Não obstante, o relacionamento carece de aproximação, cujo interesse pelo ser humano deve ser captado nos olhos e nas ações de quem o promove com empenho. Quando somos percebidos verdadeiramente nos abrimos e compartilhamos muitas coisas, inclusive a confiança. Sem ela, não seguimos alguém legitimamente.
Envolva e desafie - Participar mais e ter desafios motiva a um melhor desempenho e ao aumento de responsabilidade. Todo trabalho tem sua rotina, porém ela desmotiva e pode murchar a auto-estima se não houver provocações. Os colaboradores têm capacidades que, se desenvolvidas, resgata o moral e aumenta a crença no futuro. A presença de perspectiva é um tesouro sem igual. A sua ausência é mortal. Delegar trabalhos diferentes e acompanhar sutil e responsavelmente é ideal. Crer no porvir nos anima no presente.
Reconheça valores - Ser reconhecido é uma aspiração de elevado número de profissionais já estabilizados no campo financeiro, mas dignidade e respeito são prioridade. Salários compatíveis são símbolos de valorização. Oportunidades de crescimento e carreira o são também. Abertura e autonomia em projetos elevam a boa sensação de capacidade evidente, aflorada ou em desenvolvimento. Reconhecer a grandeza e o potencial humano ressaltam valores de toda ordem: Saiba, ó bem amado, que o homem não foi criado por brincadeira nem por acaso, mas foi maravilhosamente feito, e para um grande fim. (Al-Ghazzali, 1058-1111, pensador muçulmano)
Seja solidário - Solidariedade à diversidade e não apenas aos mais chegados faz parte da alma deste conjunto de formas de relacionamento qualitativo. Um olhar de compaixão é capaz de dar esperança a quem se encontra em desespero. Às vezes, permanecer em silêncio por instantes ao lado de alguém traz conforto e suporte precisamos de bem pouco, ao contrário do que se imagina pela ótica da cultura consumista.
Ampliar a capacidade de se relacionar e ser sábio em muitas ocasiões requer vontade e prática firme de propósito. Mas é preciso compreender isso primeiramente, para que a persistência ganhe em qualidade e não apenas em quantidade de tentativas. A frase Eu faço tudo para os meus funcionários... é válida, contudo, ela deve estar acompanhada de outros elementos como a aprendizagem de nova filosofia de se relacionar. Mudar alguns conceitos e adotar comportamentos gerenciais e humanos. Propor desafios e extrair belezas inusitadas dos colaboradores. Reconhecer coerentemente o valor de cada pessoa. Ser solidário ao dar de si aquilo que gostaria de receber de alguém em diferentes momentos da vida. Ser o que for preciso.
Ser açougueiro se a situação assim o demanda não é se humilhar ou experimentar o ridículo. Muitas vezes é a única forma de superar obstáculos. A técnica e a experiência não bastam por si só. Ser sábio implica em adentrar o universo particular humano utilizando a estrada disponível que cada um possui. Para acessá-la é preciso estar sintonizado, cuja freqüência só se estabelece através das boas relações.