ÉTICA, MORAL E HONRA NA DECISÃO DO JUIZ

Por luiz.pach@hotmail.com | 27/11/2016 | Filosofia

 

 INTRODUÇÃO 

O objetivo do presente trabalho é mostrar as dimensões dos conceitos de ética, moral e honra e estabelecer algumas relações entre os seus conceitos, como forma de justificar as possíveis escolhas de um juiz. Para isto, procuraremos mostrar a sua origem e estruturação a partir dos conceitos universais e seus desmembramentos descritos por Aristóteles e Kant, a origem das diferenças entre as pessoas, segundo Marx, o mau uso das estruturas da moral ao longo dos séculos, descrito por Nietzsche e o maior prejuízo destas distorções, que seria a perda da honra, segundo Rawls. Para reavê-la, descreveremos a batalha pela igualdade entre os homens, na visão de Sen, como forma de levá-los de volta aos conceitos idealísticos do Sumo Bem e da Perfeição, descritos inicialmente por Aristóteles e Kant, auxiliados pelo papel fundamental do juiz.

DEFINIÇÕES

O primeiro passo para a demonstração da assertiva acima é a definição dos termos. Assim, fomos buscar nos mestres mais abalizados os sentidos sugeridos.

1. A origem e a estruturação da Ética, segundo Aristóteles

A leitura da Ética a Nicômaco, desde o seu início, nos faz crer que ética, em seu sentido mais genérico, é a busca do sumo bem, tanto nos seus fins, como nos seus meios. Qualquer movimento que não conduza ao bem seria antiético ou mau e arruinaria o processo desta busca. O bem, portanto, seria a fundamentação do justo, na concepção de Aristóteles, sendo uma teoria teleológica e substancialista. O problema está na definição de “bem”. O Filósofo afirma que “o bem como um sentido comum por referência a uma única ideia, não existe” (1096b1, 25) porque (...) “não pode ser realizável pela ação humana, nem pode vir a ser por ela alcançado” por ser absoluto, um atributo próprio ao que costumamos chamar de Deus. Segundo Aristóteles, o Sumo Bem, é a felicidade plena, completa. Já o bem do ponto de vista humano seria o resultado de um processo, o objetivo a ser alcançado por toda a ação humana. Como bem supremo Deus1 seria a encarnação perfeita do objetivo a ser alcançado, próprio do ser humano, que seria ainda imperfeito, mas teria a “tendência à perfeição”. A estruturação deste processo constitui o esqueleto do livro de Aristóteles, em questão e teria como uma finalidade (a felicidade), um modus operandi (as ações humanas), que gerariam (ou não) satisfação, que, por sua vez, seria uma antecipação, ou uma participação da felicidade total. A participação no Sumo Bem pode ser individual (bem particular) ou geral (bem comum), donde nascem processos individuais (ética) e coletivos (moral). Nos Livros VIII (que trata da amizade), 11-14 e X (que trata do prazer), 1-5 da Ética a Nicômaco Aristóteles estabelece relações entre felicidade, atividade e satisfação, afirmando que satisfação 1 O filósofo e teólogo alemão Ludwig Feuerbach, no seu livro “A Essência do Cristianismo”, (tradução de José da Silva Brandão, Editora Vozes, Petrópolis, 2ª edição, 2009) defende a ideia de que o conceito de Deus é apenas uma projeção feita pelo próprio homem, que cria um ser que reúne a perfeição de todas as virtudes e capacidades que encontra incipientes em si mesmo. 4 e prazer nem sempre são consequências do retorno a um estado natural e saudável; que o exercício de nossas capacidades naturais é um dos principais bens humanos e que a ideia de que as atividades mais prazerosas e as satisfações mais desejáveis e duradouras originam-se do exercício de habilidades maiores que envolvem discriminações mais complexas não só é compatível com a ordem natural, mas algo semelhante também se enquadra em seus juízos de valor, mesmo quando se deixa de expressar suas opiniões. Com isto, Aristóteles estabelece a ponte entre a finalidade e seu caminho natural (a ética), a atividade humana e os juízos de valor (moral e honra). A que bem, então, se refere à Ética? Aristóteles afirma que “há um bem para a medicina e outro para a estratégia militar” (1097a10), um bem “para o carpinteiro e outro para o sapateiro” (1097a5). Quis com isto dizer que o bem difere de pessoa para pessoa, individual (ética) ou coletivamente (moral) e que o que o move é o fim (1097a15), “em vista dos quais todos põem em prática o restante como meio para alcançá-lo” (1097a20). E complementa: “se houver um único fim para todas as ações realizáveis pelo [Ser] Humano, esse será o bem susceptível de ser alcançado pelas ações humanas” (1097a20) (...) mas, “se houver uma multiplicidade de fins, escolhemos alguns deles em vista de outro fim”... mostrando, com isto que “nem todos os fins atingem uma completude absoluta” (1097a25) – o que constituiria a diferença entre ética, moral e honra. A ética atingiria a completude absoluta e a moral e a honra, satisfações parciais. Quais seriam segundo Aristóteles, as “coisas boas que são susceptíveis de serem alcançadas, pois, nesta altura, teríamos como que um modelo e saberíamos reconhecer melhor as coisas boas relativamente a nós e se as soubermos reconhecer, alcançá-las- íamos mais facilmente” (1097a1)? Para ele seriam “os sentidos definitórios de honra, da sensatez e do prazer, enquanto são coisas boas, embora sejam diferentes e distintos” (10906a25). Como, então, escalonar os valores dos bens? “Nós entendemos que aquele fim que é perseguido por si próprio é mais completo do que o que é perseguido como meio em vista de outro”, afirma o Filósofo, em 1097a30, para continuar, no mesmo parágrafo, afirmando que ”um bem deste gênero parece ser, em absoluto, a felicidade” (...) “porque sempre a escolhemos por causa dela mesma e nunca em vista de outro fim para além dela” (1097b1), sendo, portanto “auto-suficiente” (1097b5). Assim, a felicidade “parece ser de uma completude plena e auto-suficiente, sendo o fim último de todas as ações possíveis” (1097b20), sendo, deste modo, a base maior das leis e da justiça. 5 Então, há um bem maior a ser atingido pelo Homem, mesmo dentro das suas limitações (a felicidade) e bens menores (todos os outros bens). Neste ponto Aristóteles coloca um elemento decisivo no estudo da ética humana, que é a razão: muito embora a vida seja um bem inequívoco, ela não é um bem no sentido aristotélico, porque “viver parece ser comum também aos vegetais e o que é procurado é o peculiar ao ser Humano” (1097a30). Esta peculiaridade, segundo ele, seria, “certa forma de vida ativa inerente à dimensão da alma que no Humano é capacitante de razão” (1098a1). O bem maior que a vida, portanto, é não apenas existir, mas saber que existe. Este elemento capacitante da razão se manifestaria sob duas formas: “uma, através da obediência ao sentido orientador” e a “outra, quando já o possui, através da ativação do seu poder de compreensão”, tendo, assim, “que ser entendida através da ativação e do exercício de sua função específica” (1098a5). A busca da felicidade, portanto, é um processo e, como tal, passível de estabelecimento de normas (leis outorgadas, preceitos morais, sentimentos de honra, usos e costumes), mas todos submetidos ao impulso maior, a busca da felicidade ou completude humana. Assim, se “a função do Humano é uma certa forma de vida que, por sua vez, é a atividade da alma e uma realização de ações conformadas pelo sentido” (1098a10) e se “a função do homem sério é a de cumprir estas funções bem e nobremente e se, finalmente, admitirmos que esta ação seja bem realizada se for cumprida com sua excelência específica [ética] – nesta altura, então, o bem humano é uma atividade da alma conformada por uma excelência e, se houver muitas excelências, será conformada pela melhor e mais completa” (1098a15). Aristóteles fundamenta este argumento em 1099b9, perguntando se a felicidade é algo fortuito, obtida por acaso ou pode ser fruto de aprendizagem e conclui que “confiar o sublime e o mais excelente ao acaso seria completamente absurdo” (1099b29). Seu principal argumento é: “se é melhor obter assim a felicidade através de certa aprendizagem e preocupação do que ser feliz por sorte é mais razoável obtê-la desse modo” (1099b20). Esta aprendizagem compreenderia a elaboração e o cumprimento das leis e preocupação com as consequências dos atos humanos em função delas. Aristóteles coloca aqui as bases para o que depois definirá como ética, moral e honra, uma vez que a ética diz respeito ao indivíduo em vista do seu próprio fim, e seria a procura adequada que todo ser humano faz da sua felicidade. Já moral e honra está diretamente subordinada à felicidade coletiva, que mudam de acordo com certas 6 características próprias, como cultura, geografia, história e necessidades locais.

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