ÉTICA E VIOLÊNCIA

Por Ana Carolina Machado Ferrari | 02/09/2010 | Educação

ÉTICA E VIOLÊNCIA
Ana Carolina Machado Ferrari
Carla Lucilene da Silva Julio
Erica Tatiane Moreira
Lidiane Aparecida Pires



Ao longo da história o homem organizou sua vida em grupo, renunciando, como afirma Locke, "à sua liberdade natural" e se revestindo "dos laços da sociedade civil." Essa organização em sociedade faz surgir comportamentos socialmente estabelecidos, várias formas de relações e organizações sociais.

Esse processo organizacional só se faz possível devido ao surgimento do que Durkheim denominou de fatos sociais. Oliveira (1996) analisando este autor constatou que os fatos sociais "consistem em maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo e dotadas de um poder coercitivo em virtude do qual se impõem como obrigação".

Importante destacar que as organizações sociais, bem como as formas de relações estabelecidas, não são estáticas. Ao contrário, elas são constantemente passíveis de mudanças em virtude dos contextos históricos, sociais, culturais e das características específicas dos indivíduos neles envolvidos. Essas alterações provenientes dos contatos e da interação social entre os membros de uma sociedade constituirão o Processo Social, caracterizado pela contínua mudança de alguma coisa em uma direção definida. As diversas maneiras pelas quais indivíduos e grupos estabelecem suas relações sociais podem ser associativas, como a cooperação, a acomodação e a assimilação ou dissociativo, como a competição e o conflito. Quando se têm indivíduos, grupos e comunidades trabalhando juntos para um mesmo fim, vislumbra-se a forma mais comum de relações associativas: a cooperação.

Contudo, a sociedade globalizante que não respeita as individualidades, mas nos torna individualistas, tem fomentado o estabelecimento de relações de cunho dissociativo onde a competição é a força que leva os indivíduos a agirem uns contra os outros na busca da satisfação dos desejos particulares. Quando a competição assume características de elevada tensão social sobrevém o conflito. Esta incapacidade de pensar do ponto de vista do outro, fomentada pelo conflito, por sua vez assume as formas de rivalidade, discussão, disputa, guerra, ou seja, o conflito social culmina na personificação mais comum da quebra do pacto social inaugurado desde a passagem "do estado de natureza" para o "estado de cultura": a violência.

Conceito de ética

Ética vem do grego "ethos" e significa morada. Heidegger da ao "ethos" o significado de "morada do ser". A construção da ética parte das exigências ou necessidades fundamentais da natureza humana.

Ética é à parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo especialmente a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social.

A ética é algo prático, do dia a dia, que orienta a conduta dos indivíduos conforme valores interiorizados, a ética é virtuosa e positiva, levando aos direitos e deveres de uma sociedade justa, vai do social ao particular, pois ética não é apenas normas e leis, mas como as pessoas se comportam perante elas e mesmo quando não seguem o instituído a ética se faz presente perante por exemplo, à contestação de valores dominantes.

Uma sociedade justa se organiza em torno de valores éticos, pois a ética é a interiorização das normas e condutas não no sentido de proibição, mas no sentido de elevar o pensamento para o bem comum, para o respeito às diferenças e para um policiamento interior que lhe coíbe de tomar certas atitudes que não possuem princípios ético.
Numa perspectiva geral, podemos dizer que a ética procura definir, antes de mais nada, a figura do agente ético e de suas ações e o conjunto de noções (ou valores) que balizam o campo de uma ação que se considere ética. O agente ético é pensado como sujeito ético, isto é, como um ser racional e consciente que sabe o que faz, como um ser livre que decide e escolhe o que faz, e como um ser responsável que responde pelo que faz. A ação ética é balizada pelas idéias de bom e mau, justo e injusto, virtude e vício, isto é, por valores cujo conteúdo pode variar de uma sociedade para outra ou na história de uma mesma sociedade, mas que propõem sempre uma diferença intrínseca entre condutas, segundo o bem, o justo e o virtuoso. Assim, uma ação só será ética se for consciente, livre e responsável e só será virtuosa se for realizada em conformidade com o bom e o justo.

A ação ética só é virtuosa se for livre e só será livre se for autônoma, isto é, se resultar de uma decisão interior ao próprio agente e não vier da obediência a uma ordem, a um comando ou a uma pressão externos. Enfim, a ação só é ética se realizar a natureza racional, livre e responsável do agente e se o agente respeitar a racionalidade, liberdade e responsabilidade dos outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é uma intersubjetividade

A ética não é um estoque de condutas e sim uma práxis que só existe pela e na ação dos sujeitos individuais e sociais, definidos por formas de sociabilidade instituídos pela ação humana em condições históricas determinadas.

Conceito de violência

Segundo Aranha (1999) existe violência quando alguém voluntariamente faz uso da força para obrigar uma pessoa ou grupo a agir de forma contrária à sua vontade, quando os impede de agir de acordo com sua própria intenção, ou ainda, quando priva alguém de um bem.

A autora ainda apresenta diversos tipos de violência. Contudo, aqui será destacado apenas cinco.

a) A violência física: esta é a mais evidente e resulta do uso da força física para assaltar, ferir ou matar, ou ainda para constranger alguém a realizar atos contra a sua própria vontade.

b) A violência passiva: também podendo ser denominada como omissão. Esta ocorre toda vez que deixamos de fazer determinadas ações necessárias para salvar vidas ou evitar sofrimentos.

c) A violência indireta: acontece quando o ato visa um fim próximo que não é violento em si, mas pode desencadear um efeito posterior de perigo. Por exemplo, se sabemos que clorofluocarbono (CFC) destrói a camada de ozônio da Terra e com isso provoca câncer de pele, usar desodorante spray contendo CFC significa agressão não só aos contemporâneos, como também às gerações futuras.

d) A violência simbólica: esta é uma das expressões de violência mais comuns e resulta da força de natureza psicológica que atua sobre a consciência, exigindo a adesão irrefletida, só aparentemente voluntária. Ou seja, não existe violência quando tentamos superar os conflitos convencendo, por meio da persuasão, os que pensam de maneira diferente da nossa. No entanto, existe violência quando as informações sofrem uma manipulação ideológica de maneira a obrigar a adesão sem críticas. Relevando, apenas, que apesar das consciências e vontades serem massacradas, o indivíduo acredita estar pensando e agindo por livre vontade. Portanto, a violência existe, mas de forma disfarçada.

e) A violência branca, assim chamada por se distinguir da violência "vermelha" (ou sangrenta), aparentemente não existe no sentido de que não salta à vista. Às vezes não é possível conhecer o agente causador, outras vezes a ação nem é prevista nos códigos penais, e, portanto a tendência é não a reconhecer como violência propriamente dita. Por exemplo, a pobreza parece ser conseqüência inevitável de certa "ordem natural" que comanda as relações entre os homens. Haveria, então, pessoas pobres ou países subdesenvolvidos devido à incompetência, ao descuido ou à fatalidade: "sempre foi assim...", é o que se costuma dizer. Porém, na raiz desses problemas encontramos a violência da desigualdade social, fruto da injusta repartição das tarefas e dos privilégios que reservam para poucos o aproveitamento dos bens produzidos pela comunidade. Nesse sentido, violência é a fome crônica que prevalece em amplas regiões do mundo, como resultado do planejamento econômico que visa, em primeiro lugar, ao interesse dos negócios. Violência também é a criança permanecer fora da escola, privando-se de educação e do saber acumulado, pelo fato de precisar trabalhar, ou devido aos desfavoreci mentos da classe a que pertence.

Marilena Chauí (1995) sugere que uma maneira de se tentar reduzir a violência é o estabelecimento de juízos éticos de valor, que se constituem de avaliações sobre coisas, pessoas, situações e são preferidos na moral, nas artes, na política e na religião, que são também normativos. Hannah Arendt em As Origens do Totalitarismo afirma que "ninguém em sã consciência pode afirmar que a conduta moral seja algo natural" ou que temos em nós uma "voz a discernir o certo do errado". Sendo assim, os juízos éticos devem enunciar obrigações e avaliar intenções e ações segundo o critério do correto e do incorreto de maneira a garantir a integridade física e psíquica dos membros e a conservação do grupo social. Contudo, é imprescindível entender que moral funciona dialeticamente, ou seja, é preciso haver um equilíbrio entre a moral social, que diz respeito às normas externas, e a moral dos sujeitos, que se refere às normas internas.

Tomando como base as concepções de Chauí (1995) é possível verificar como as várias culturas e sociedades definiram e definem a violência de maneiras particulares segundo concepções e conceitos estabelecidos historicamente. Entretanto, apesar das diferenças, certos aspectos da violência são percebidos da mesma maneira, independente do tempo, do lugar, das culturas e sociedades, formando o fundo comum contra o qual os valores éticos são erguidos. Em essência, a violência é percebida como exercício da força física e da coação psíquica para obrigar alguém a fazer alguma coisa que contrarie a si, aos interesses e desejos, ao seu corpo e a sua consciência, causando-lhe danos profundos e irreparáveis, como a morte, a loucura, a auto-agressão ou a agressão aos outros.

Se analisarmos a teoria totêmica, identificaremos que o surgimento das normas e a definição do que é mal, crime e vício circunscrevem aquilo que cada sociedade e cultura julgam ser violência contra um individuo ou contra o grupo. No mesmo movimento, erguem os valores positivos ? o bem e a virtude ? como barreiras éticas contra a violência. Essas diferenças se evidenciam quando tomamos, por exemplo, momentos históricos onde sob a dominação totalitarista as concepções de bem e mal se confundem. Sendo assim, assassinato, tortura, injustiça, mentira, estupro, calúnia, má-fé, roubo ? comportamentos em geral considerados violência, imoralidade e crime na sociedade ocidental contemporânea ? são justificáveis e essa troca dos padrões morais se reveste de um discurso fundamentado no suposto "bem comum".


Relação violência - ética

A violência geralmente se refere à falta da ética, parte de um indivíduo que não interioriza os valores éticos, pois segue as leis sem compreendê-las e se firma na negação dos seus valores. Tudo isto pode ser explicado pela falta de valores históricos e culturais presentes na sociedade contemporânea que prega o desenvolvimento, sem a preservação histórico cultural, o sujeito perde a referência e fundamenta as suas atitudes no combate ao capitalismo selvagem que manipula sua própria vida.

Na atual organização da sociedade as normas e leis são cada vez mais desenvolvidas e bem elaboradas, necessitando dos valores éticos para fazer sentido, no entanto a ética parece estar cada vez mais longe e a violência é um retrato do esvaziamento de sentido do indivíduo e da atual organização social.

A ética está no nosso cotidiano. Em jornais, revistas, diálogos e outros aspectos de nossa realidade social, a ética é utilizada, lembrada, esquecida, mencionada ou até mesmo exigida. A ética está ligada às escolhas feitas na prática, na forma que decidimos viver.

As violências

Violência Física

Chamamos de violência o ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e que se caracteriza em relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror. Segundo Michel Misse expõe no artigo: "Violência: O que aconteceu?" A palavra violência na modernidade significa:" a força que se usa contra o direito e a lei", pode ainda significar" o emprego da força ou da dominação sem legitimidade, pois é na impossibilidade d conflito e da resistência."

Minayo (2003) define violência como processo no qual as relações sociais interpessoais, de grupos, de classes, de gênero, ou objetivadas em instituições, empregam diferentes formas, métodos e meios de aniquilamento de outrem, ou de sua coação direta ou indireta, causando-lhes danos físicos, mentais e morais.
Chauí (1998) diz que: "há no Brasil um mito poderoso, o da não violência, isto é, a imagem de um povo generoso, alegre, sensual, solidário que desconhece o racismo, [...] não discrimina pessoas por suas escolhas sexuais [...]".
Aqui buscaremos expor e analisar como e porque acontece a violência física em nossa sociedade. Escolhemos algumas categorias para desenvolver nosso trabalho de acordo com a temática acima citada, são elas: a violência em relação à classe social, em relação à cor, em relação ao sexo (contra mulheres e contra homossexuais); e à idade (contra crianças e idosos).

Violência Física contra a mulher
A Assembléia Geral das Nações Unidas, de 1993, definiu oficialmente a violência contra as mulheres, como: "Qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual, psicológico ou sofrimento para a mulher, inclusive ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da liberdade, quer ocorra em público ou na vida privada".

Day et al. (2003) caracterizam a violência física como: quando alguém causa ou tenta causar dano por meio de força física, de algum tipo de arma ou instrumento que possa causar lesões internas, externas ou ambas. E ainda definem como violência intrafamiliar ou violência doméstica:
"(...) toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de um membro da família. Pode ser cometida dentro e fora de casa, por qualquer integrante da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida. Inclui também as pessoas que estão exercendo a função de pai ou mãe, mesmo sem laços de sangue."


Segundo informações dadas por Day et al. (2003) a violência doméstica contra a mulher geralmente é composta por: maus-tratos ou espancamento da esposa, e é quase sempre, acompanhada de agressão psicológica e, de um quarto a metade das vezes, também de sexo forçado.

Para Boulding (1981) citado por Deslandes et al. ( 2000 ), a mulher é quem mais sofre, tanto a violência de comportamento como a violência estrutural, em virtude das definições sociais que lhe atribuem um papel secundário, limitando a sua cidadania em todos os níveis de hierarquia social. DESLANDES et al. (2000) ainda ressaltam Giffin (1994), que aponta que a família é uma instituição social que organiza as relações sexuais entre gêneros, exercendo de forma direta um controle social sobre a identidade e sobre o corpo da mulher. Tal controle pode legitimar direitos dos maridos sobre suas esposas, dando-lhes prerrogativa de exercerem até mesmo a força física contra elas. Nesse cenário, destacam-se os casos de mães que colaboram ativamente no "endurecimento" de seus filhos, transformando- os em "machos agressivos".

A tendência atual dos pesquisadores considera que os desencadeadores da violência contra as mulheres são formados pela interação de diferentes fatores pessoais, situacionais e socioculturais que se combinamos podem provocar o abuso. Pesquisadores apontam fatores que levam á agressão contra mulheres, fatores esses que estão divididos em quatro categorias que serão apresentadas a seguir:
1. Fatores pessoais do agressor:
? Ser homem;
? Ter presenciado violência conjugal quando criança;
? Ter sofrido abuso quando criança;
? Pai ausente;
? Consumo de bebidas alcoólicas e/ou drogas.
2. Fatores de risco da relação:
? Conflito conjugal;
? Controle masculino da riqueza e da tomada de decisões na família;
3. Fatores da comunidade:
? Pobreza, desemprego;
? Associação a amigos delinqüentes;
? Isolamento das mulheres e famílias.
4. Fatores da sociedade:
? Normas socioculturais que concedem aos homens o controle sobre o comportamento feminino;
? Aceitação da violência como forma de resolução de conflitos;
? Conceito de masculinidade ligado à dominação, honra ou agressão;
? Papéis rígidos para ambos os sexos.

Os fatores enumerados abaixo de acordo com Day et al. ( 2003) são as causas pelas quais muitas mulheres não reagem aos seus agressores: medo de represália, perda do suporte financeiro, preocupação com os filhos, dependência emocional e financeira, perda de suporte da família e dos amigos, esperança de que "ele vai mudar um dia". A esses podem ainda ser acrescentados: Repetição de modelo familiar/parental violento; vivências infantis de maus-tratos, negligência, rejeição, abandono e abuso sexual; casamento como forma de fugir da situação familiar de origem, sendo o parceiro e relacionamento idealizados; sintomas depressivos; sentimento de responsabilidade pelo comportamento agressivo do companheiro; ausência de uma rede de apoio eficaz no que se refere à moradia, escola, creche, saúde, atendimento policial e da justiça.

? Legislação em defesa à agressão contra mulheres
No Brasil foi sancionada recentemente em 07 de Agosto de 2006 a Lei 11.340 que ficou conhecida como " Lei Maria de Penha", por Maria da Penha uma nordestina que lutou durante anos para a criação de uma legislação menos conivente com os agressores de mulheres. Essa lei cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher .
Dentre os artigos de maior importância podemos citar:

Art. 2º - Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

Art. 8º - Parágrafo IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

Ainda como legislação referente à proteção dos direitos das mulheres em relação a agressões intrafamilliares ou domésticas citamos o artigo 226 da Constituição Federal Brasileira que em seus § 5º e 8º dispõe sobre os direitos tanto da mulher quanto do homem no casamento:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.


Violência Física contra a Criança e o Adolescente

A criança até o século XIX era vista pela maioria das sociedades como uma miniatura do adulto, portanto poderia trabalhar e realizar todas as tarefas que um adulto poderia desempenhar, e até mesmo ser punida como um adulto quando fizesse algo que infringisse o código moral da sociedade na qual vivia. Day et al. ( 2003) apontam que até 1960, pensava-se que a violência contra a criança era rara, em parte porque a disciplina física de crianças era mais aceita; em parte, pela sua negação.

Day et al. citaram Azevedo (1997) a fim de explicara o motivo pelo qual os adultos agridem as crianças na sociedade atual: A violência contra crianças e adolescentes "implica, de um lado, transgressão do poder de proteção do adulto e, de outro, coisificação da infância, isto é, negação do direito que Crianças e Adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento"

A violência física é a mais freqüente forma de violência contra a criança se configura da seguinte forma descrita por Day et al. ( 2003) como a vítima é indefesa e está em desenvolvimento, o caráter disciplinador da conduta exercida pelo progenitor ou por quem o substitua é um aspecto bastante relevante, variando de uma "palmada", a espancamentos e homicídios. Não há um consenso quanto aos métodos que se consideram violentos no processo educacional entre pais e filhos, embora mais recentemente, a tendência mundial é considerar violência qualquer modalidade ou ato disciplinar que atinja o corpo da criança ou adolescente. Em alguns países, a palmada é proibida por lei. Segundo estatísticas, a mãe é a maior agressora nestes casos, embora os pais, em números absolutos, prevaleçam.

De acordo com Day et al. (2003) o principal alvo de agressões física cometidas contra crianças e adolescentes é a pele, as lesões podem incluir desde vermelhidão, equimoses ou hematomas, até queimaduras de 1º a 3º grau. É comum encontrarem-se marcas do instrumento utilizado para espancar crianças ou adolescentes; elas podem apresentar forma de vara, de fios, de cinto ou até mesmo da mão do agressor. Ainda apontam que estudos realizados em países como: China, Colômbia, Egito, Índia, México, Filipinas, África do Sul e Estados Unidos forte correspondência entre a violência entre os casais e o abuso infantil. Crianças que testemunham violência, por sua vez, estão mais predispostas a reproduzir, quando adultas, relacionamentos disfuncionais com suas próprias famílias.

Deslandes (1994) afirma revisando a literatura referente ao tema que nas classes populares a ocorrência de agressões, sobretudo a agressão física é predominante. E ainda aponta alguns outros fatores que explicam a agressão contra crianças e adolescentes, tais como:

? O fato das famílias menos favorecidas terem o acesso mais "facilitado" dos serviços sociais às famílias mais pobres, pois essas convivem com constantes e variadas intervenções nas suas vidas privadas (do poder público, dos poderes locais, dos poderes paralelos). As famílias de maior poder aquisitivo geralmente estão muito menos à mercê de serem notificadas, pois, ao utilizarem serviços privados de atendimento médico, psicológico e de educação, "pagam" também pela discrição;
? A falta de um país dentro dos lares, sendo que em sua maioria essa ausência é a do pai,
? O consumo de drogas por parte do agressor;
? Comportamento rebelde da criança;
? Distúrbios comportamentais da criança;
? O primogênito da família costuma ser a vítima preferencial na maioria dos casos;
? Há a eleição de uma criança/adolescente por suas características pessoais ou a ela atribuídas por seus pais;
? Em 80% dos casos o filho agredido é filho biológico de seu agressor;
? Em quase 50% dos casos a agressora é a mãe; devido a alguns fatores como: é ela quem geralmente passa maior tempo com o filho;cabendo a essa culturalmente a educação dos filhos e o manejo do lar; a própria permanência no lar devido ao fato de ter filhos pequenos e por imposição do companheiro constitui-se como fator de frustração para a mulher, pois se pode muitas vezes impedi-la de uma realização pessoal;
? também o desemprego e a baixa renda são fatores de estress e motivos que levam à agressão dos filhos;
? ainda as condições de trabalho (extensa jornada, insalubridade, disciplina rígida, entre outros) como fatores que podem levar ao estresse e à frustração pessoal;

Deslandes (1994) nos aponta o motivo pelo qual as agressões físicas são muito comumente aplicadas às crianças e adolescentes, pois um modelo cultural arraigado como é o nosso que justifica e reforça a punição corporal como medida educativa. A relevância da percentagem para a negligência, ao que tudo indica, está associada a situações limites entre pobreza e maus-tratos. Ou seja, uma vez que a negligência se define pela omissão no trato dos cuidados e necessidades da criança, a reconhecida ausência de condições econômicas dessas famílias muitas vezes dificulta um julgamento mais preciso entre prática abusiva e impossibilidade de prover a atenção.

? Legislação contra a agressão à criança e ao adolescente

Day et al. ( 2003) citam as primeiras convenções internacional que defenderam os direitos das crianças. São em 1924, a União Internacional do Fundo para a Salvação de Crianças estabeleceu, através da Declaração de Genebra, a primeira tentativa de codificar os direitos elementares das crianças, merecendo a ratificação pela Liga das Nações. O texto, composto de cinco artigos foi o marco inicial, em nível internacional, na luta pelos direitos da infância. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas
reafirma o direito a cuidados e assistência especiais a esta parcela da sociedade Em 1959 foi realizada a Assembléia Geral da ONU na qual foram aprovados dez princípios em defesa dos direitos da criança que veio a constituir a base para a Declaração dos Direitos da Criança. Na Constituição Brasileira promulgada em 1988 podemos que é preservado o direito da criança e do adolescente em relação à vida e à saúde:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.


Em 1990 foi sancionada a Lei 8069 que dispõe sobre os direitos da Criança e do Adolescente; da qual destacamos os seguintes artigos:
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, guandu, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder.

? Violência Física contra os idosos
Consideramos para esse trabalho como idosa toda a pessoa com mais de 60 (sessenta) anos de idade conforme estipulado na Lei 3.561/1977 em seu artigo 1º. Pesquisadores apontam que a expectativa de vida das populações do mundo inteiro aumentou a partir do final do século XX. Com isso o número de idosos cresceu e também os problemas de violência com relação a essa faixa etária da população.
Conforme já observamos em momentos anteriores do presente trabalho, toda situação de vulnerabilidade física e/ou mental pode ser circunstância geradora para ações de violência. No caso de idosos não é diferente. Day et al. (2003) afirmam que as manifestações mais freqüentes da agressão física contra idosos são: estupro, maus cuidados de higiene, má nutrição, vestuário inadequado, escaras, impactação fecal, alopécia.

Recentes pesquisas apontam as mulheres idosas como a vítimas preferenciais, nesse caso. Geralmente, a vítima se submete aos maus tratos por se sentir como um "fardo" para a família.

Minayo (2003) aponta que dentro das culturas, geralmente, nos diferentes contextos históricos, há uma atribuição de poderes para cada ciclo da vida. Mas também faz parte da história um "desinvestimento" político e social na pessoa do idoso. A maioria das culturas tende a separar esses indivíduos, segregá-los e, real ou simbolicamente, a desejar sua morte. Para o Estado o idosos somente oneram os cofres públicos devido ao custo insustentável da Previdência Social. E ainda afirma que em nossas sociedades, esse desejo social de morte dos idosos se expressa, sobretudo, nos conflitos intergeracionais, maus-tratos e negligências, cuja elaboração cultural e simbólica se diferencia no tempo, por classes, por etnias, e por gênero.

Em geral as agressões ou maus-tratos físicos contra idosos advém da negligencia no cuidado desses, pois devido à última os idosos podem desenvolver lesões e traumas físicos. As causas dos maus tratos com idosos são vários,algumas delas são apontadas por Machado et al. (2001) citado por Minayo (2003):
? a negligencia social que se manifesta em nossa sociedade com relação aos idosos;
? a omissão do Estado em relação à criação de políticas públicas destinadas a esse grupo;
? a cultura das instituições assistenciais que cuidam dos idosos como se esses estivessem no corredor da morte;
? as famílias que por motivos financeiros ou outros muitas vezes abandonam seus parentes idosos em asilos e clínicas;

outros pesquisadores também citados por Minayo (2003) apontam outras causas que geralmente levam os próprios parentes a agredirem idosos, são eles:
? geralmente agressor e vítima vivem na mesma casa;
? os filhos serem dependentes dos pais em idade avançada;
? algumas vezes, o idoso é quem depende financeiramente do filho;
? o abuso de álcool e drogas por parte da pessoa que cuida do idoso ou por ele mesmo;
? vínculos familiares muito afetivos;
? isolamento social entre a vítima e a família;
? histórico de violência familiar;
? os cuidadores terem sofrido alguma violência;
? o fato de o idoso sofrer de depressão ou algum distúrbio mental ou psiquiátrico;
No interior da casa as mulheres são mais abusadas que os homens, porém na rua há ocorrência do contrário, segundo colocação de Wolf ( 1995) citado por Minayo (2003).

Minayo (2003) indica que as principais causas violentas de morte em idosos são: acidentes de trânsito e transportes, quedas e homicídios. A autora ainda expõe que 90% dos casos de agressão contra idosos são praticados por alguém da família. A incidência de filhos que agridem pais é maior que a de companheiros que também o fazem.

? 1.3.1 ? Legislação contra a agressão de idosos

Há uma legislação brasileira específica de proteção aos idosos. Essa legislação é expressa através das leis 8.842/94 e 10.741/03 que institui o Estatuto do Idoso. Minayo (2003) cita a Lei 8.842/94 que regulamenta o Conselho Nacional do Idoso:
I- a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;
II - o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos;
III - o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;
IV - o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas através desta política;(Art. 3º)
Da lei 10.741/03 são artigos e parágrafos que merecem destaque, devido à temática abordada no presente trabalho:
Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando--lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Art. 4o Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

? Violência Física contra homossexuais
Conforme já foi exposta no início desse trabalho, a violência se processa a revelia da pessoa em quem o ato violento incide. Os homossexuais assim como as mulheres, as crianças e os idosos constituem-se enquanto minoria social, diferente do padrão etnocêntrico sobre o qual está assentada a nossa sociedade. Portanto a violência contra esses

Os homossexuais devido a uma desestabilização provocada por sua performance de gênero, constantemente associada a um conjunto de estereótipos negativos sobre a homossexualidade em geral, torna as travestis as vítimas preferenciais de violência homofóbica em diferentes contextos, enquanto entre os gays, ou seja, homossexuais que não exibem tão claramente as marcas de sua "diferença", predominam indivíduos classificados como brancos, com alta escolaridade e oriundos das camadas médias urbanas. Diferentemente das travestis, os gays tendem a ser vitimados em casa, por meio de arma branca, asfixia ou objeto contundente, compondo a esmagadora maioria das vítimas letais dos crimes de lucro. Os assassinatos de travestis, por sua vez, têm lugar mais freqüentemente na rua, por arma de fogo, correspondendo quase todos a crimes de execução. (CARRARA, S. VIANNA, A.R.B, 2006)

Crimes e violências contra homossexuais contam com uma morosidade da justiça para serem resolvidos devido ao fato da homofobia estar presente no sistema de justiça e se o fato de a vítima ser homossexual implicava a impunidade dos acusados. Tradicionalmente há uma ligação entre a violência cometida contra homossexuais e "honra masculina", que aparecem como justificativa para esse tipo violência e são usados como argumentos e amparados por esses valores eram aceitos pelos operadores do direito. A violência cometida contra esse público geralmente está ligada ao tráfico de drogas.

Carrara e Viana (2006) apontam que Por envolverem no conjunto da nossa amostra majoritariamente travestis, os casos de execução chamam a atenção para a presença de diferentes hierarquias sociais no universo homossexual e, com isso, para a diversidade e complexidade das práticas homofóbicas. Nesses casos, há uma clara confluência entre hierarquia de classe e gênero, já que as vítimas são normalmente travestis ou homossexuais pobres, envolvidos com prostituição ou moradores de favelas, que carregam o peso mais estigmatizante da homossexualidade.

A respeito da legislação brasileira de proteção aos homossexuais com relação à violência, observamos que não há leis específicas para esses casos, se aplicando a eles a Constituição Federal e o Código Civil.


Violência Física contra as classes sociais menos favorecidas


O ato de agredir a alguém na categoria das classes sociais menos favorecidas está diretamente associada à prática de uso de drogas como: o tabagismo, o alcoolismo, e também o consumo de drogas ilícitas.

Em pesquisa realizada em entre 1993 e 1995 Gianini et al( 1999) constataram que o risco de sofrer agressões é aumentado na vitimização por agressão física nos indivíduos pertencentes as classes menos favorecidas, com ocupações menos qualificadas.

Os mesmos autores supracitados apontam que a ligação entre a vitimação de agressões físicas está ligada à ingestão de álcool, esse fato pode ser observado em outras . Segundo Cherpitel e Kosovsky, citados por Gianini et al. (1999) esse risco aumentado ocorre também em bebedores moderados ou eventuais, e não somente em bebedores abusivos ou regulares. A explicação largamente aceita e conhecida para o fenômeno é a ação farmacológica do álcool sobre o sistema nervoso central. Quanto à cor, o fato de não se ter encontrado associação reforça a hipótese de que a questão é econômica e não racial.

Cesare et al. (?) também citados por Gianin (1999) encontram risco maior nos negros, porém ajustando por classe social a diferença não se mantém. Considerando a situação conjugal, riscos maiores são mais facilmente encontrados para homens solteiros e separados, e para mulheres com uniões informais. O risco aumentado nos solteiros tem sido atribuído a maior freqüência de saídas noturnas e hábitos solitários, enquanto o risco aumentado nas uniões informais está no fato de serem muitas vezes conflituosas e instáveis.

Diversos autores têm encontrado risco aumentado de mortalidade por homicídio para indivíduos de grupos sociais de menor renda, com ocupações não qualificadas, residentes em áreas de piores condições socioeconômicas, e risco aumentado de agressões físicas em desempregados. O fato de esse risco aumentado ter sido encontrado apenas nas classes populares reforça e mostra mais uma faceta de sua situação extremamente crítica em nossa sociedade: vende sua força de trabalho braçal, não qualificada e pouco valorizada; freqüentemente é alijado do sistema produtivo ficando desempregado; trabalha em setores não fundamentais; raramente recebe o suficiente para sobreviver e se reproduzir; depende de políticas públicas; freqüentemente é excluído do processo social; tem ocupações de fácil substituição; tem vínculo empregatício
instável e representa o exército de reserva da força de trabalho.

A classe a qual nos referimos é submetida emocionalmente a uma condição de vida que afeta quanto à auto-estima que muitas vezes pode produzir depressão, estresse e ansiedade. Cognitivamente ignora sua vulnerabilidade e a gravidade de determinadas atitudes de risco, assim como as medidas de prevenção. Tudo isto resulta em autonomia limitada, nível de responsabilidade diminuído, autocontrole precário e maior exposição a diversos fatores de risco.

Conforme foi apontando no tópico Violência Física contra Homossexuais não há uma legislação específica para a defesa desse público em relação ás agressões, vigorando assim a Constituição Federal e o Código Civil.

Violência urbana e simbólica
Por meio de guerras, fome, torturas, assassinato, preconceito, entre outros a violência se manifesta de várias maneiras. Na comunidade internacional de direitos humanos, a violência é compreendida como todas as violações dos direitos civis (vida, propriedade, liberdade de ir e vir, de consciência e de culto); políticos (direito a votar e a ser votado, ter participação política); sociais (habitação, saúde, educação, segurança); econômicos (emprego e salário) e culturais (direito de manter e manifestar sua própria cultura).
As formas de violência, que são definidas como violação da lei penal, como assassinato, seqüestros, roubos e outros tipos de crime contra a pessoa ou contra o patrimônio, formam um conjunto que se convencionou chamar de violência urbana, porque se manifesta principalmente no espaço das grandes cidades.
Segundo Silva (2006) a violência urbana, no entanto, não compreende apenas os crimes, mas todo o efeito que provocam sobre as pessoas e as regras de convívio na cidade. A violência urbana interfere no tecido social, prejudica a qualidade das relações sociais, corrói a qualidade de vida das pessoas. Assim, os crimes estão relacionados com as contravenções e com as incivilidades. Gangues urbanas, pixações, depredação do espaço público, o trânsito caótico, as praças malcuidadas, sujeira em período eleitoral compõem o quadro da perda da qualidade de vida. Certamente, o tráfico de drogas, talvez a ramificação mais visível do crime organizado, acentua esse quadro, sobretudo nas grandes e problemáticas periferias.
Com toda a sua carga de sentimentos de insegurança e medo, a violência urbana é objeto de preocupação das populações das grandes cidades brasileiras . Mas a expressão não indica apenas um problema coletivo e um tema de debate. Sabemos que a violência urbana é real, concreta, e reconhecemos, com pouca margem a dúvidas, qual o complexo de práticas e relações sociais por ela designada.
Podemos definir a violência urbana como uma representação coletiva, uma categoria do entendimento de senso comum que consolida e confere sentido à experiência vivida nas cidades, bem como orienta instrumental e moralmente os cursos de ação que moradores e moradoras ? como indivíduos isolados ou em ações coletivas ? consideram mais convenientes nas diversas situações em que atuam.
O conceito de violência simbólica foi criado pelo pensador francês Pierre Bourdieu para descrever o processo pelo qual a classe que domina economicamente impõe sua cultura aos dominados. Bourdieu, juntamente com o sociólogo Jean-Claude Passeron, partem do princípio de que a cultura, ou o sistema simbólico, é arbitrária, uma vez que não se assenta numa realidade dada como natural. O sistema simbólico de uma determinada cultura é uma construção social e sua manutenção é fundamental para a perpetuação de uma determinada sociedade, através da interiorização da cultura por todos os membros da mesma.
A violência simbólica expressa-se na imposição "legítima" e dissimulada, com a interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do trabalho. O dominado não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe como vítima deste processo: ao contrário, o oprimido considera a situação natural e inevitável.
A violência simbólica pode ser exercida por diferentes instituições da sociedade: o Estado, a mídia, a escola, etc. O Estado age desta maneira, por exemplo, ao propor leis que naturalizam a disparidade educacional entre brancos e negros, como a Lei de Cotas para Negros nas Universidades Públicas. A mídia, ao impor a indústria cultural como cultura, massificando a cultura popular por um lado e restringindo cada vez mais o acesso a uma cultura, por assim dizer, "elitizada".

Violência urbana, simbólica e racismo
Apesar do tempo que separa a Abolição da Escravatura no Brasil dos dias atuais, os afros-descendentes permanecem discriminados sofrendo com o preconceito em vários setores sociais
O racismo existente hoje é ainda seqüela do período da escravidão. Legalmente, a escravidão foi extinta e todos os seres humanos tornaram-se iguais, com iguais direitos e deveres. No entanto, os negros, com séculos de exclusão, foram jogados às ruas sem nenhuma lei que os incorporasse à sociedade. Continuaram no mesmo estado de inferioridade em que se encontravam antes.
Na verdade, era difícil para uma sociedade que tinha a inferioridade negra como verdade absoluta, entender, de uma hora para outra, que eles eram seres humanos iguais aos brancos. Dessa forma, o efeito causado pela escravidão que, por muito tempo castigou os negros, deixou vestígios que ainda hoje permanecem, e se revelam às vezes de forma explicita e outras vezes de forma sutil.
Herdamos está tendência significativa de associar o negro tudo que é considerado errado, ao que é fora da lei. O negro está sempre sendo julgado em seu cotidiano e punido seja através da violência simbólica ou física. Dentro do contexto urbano tal tendência é percebida facilmente apesar da tentativa se camuflar o preconceito que se manifesta através da marginalização e exclusão da população negra afro- descendente.
Independente das adequações que possam sofrer as políticas afirmativas, hoje bastante em moda no país, o mais importante de todo o debate é perceber a inserção da população afro-descendente no noticiário. Até então, a discussão sobre a exclusão e resgate da dívida social com os descendentes dos escravos brasileiros era muito tímida. Os espaços destinados aos negros e seus descendentes estavam bastante definidos: o esporte (futebol e atletismo), a cultura popular (samba, sambistas e afins) e as páginas dedicadas ao cotidiano violento das cidades, isto é, o negro só se destaca através de algumas esportes ou da música, descartando assim outras possibilidades de destaque para os negros.
Hoje se pode perceber que o movimento em relação à questão do negro e dos afros - descendentes em nosso país ,aponta para um resgate desses sujeitos, os desassociando desta figura marginalizada que foi se moldando ao longo da história . Contudo é necessário analisar e debater os caminhos que estão sendo percorridos, para que ao invés de mudar uma realidade estejamos apenas a mascarando através das políticas públicas, pouco relevantes.
Violência urbana e simbólica contra a mulher
A violência contra a mulher é uma questão política, cultural, policial e jurídica.Agredir, matar, estuprar uma mulher ou uma menina são fatos que têm acontecido ao longo da história em praticamente todos os países ditos civilizados e dotados dos mais diferentes regimes econômicos e políticos.
A magnitude da agressão, porém, varia. É mais freqüente em países de uma prevalecente cultura masculina, e menor em culturas que buscam soluções igualitárias para as diferenças de gênero.
Organismos internacionais começaram a se mobilizar contra este tipo de violência depois de 1975, quando a ONU realizou o primeiro Dia Internacional da Mulher. Mesmo assim, a Comissão de Direitos Humanos da própria ONU, apenas há dez anos, na Reunião de Viena de 1993, incluiu um capítulo de denuncia e propõe medidas para coibir a violência de gênero.
A violência contra a mulher não acontece apenas dentro dos lares, ela se expande por todos os setores onde a mulher se faz presente( escola, trabalho, igreja).Estereotipada como o sexo frágil, a mulher se tornou alvo não só das figuras masculinas mais próximas, mas de toda uma sociedade, moldada em padrões machistas que tenta e por muitas vezes consegue excluir a figura feminina.
Nas grandes cidades é comum a figura da mulher que trabalha, estuda ,cuida da família,.Contudo apesar destas conquistas,ainda não podemos dizer que a mulher alcançou um patamar de individuo respeitado de forma igual na sociedade,uma vez que seja em casa, no trabalho, ou na escola,ela é vitima alem da violência física ,também da violência urbana, que a vê como um alvo fácil, quando se trata de cometer um ato de violência. È importante também falarmos da violência simbólica que está presente no cotidiano da mulher.As piadas, os gestos, os assédios os salários inferiores entre outros atos representam um outro tipo de violação em relação às mulheres.
Violência urbana e simbólica contra crianças e adolescentes
De acordo com cordeiro (2006) a lastimável conjuntura de violência que habitualmente é dirigida as nossas crianças e adolescentes é motivo de grande preocupação para o poder público e a sociedade civil e precisa ser combatida com veemência. A violência nem sempre consiste na agressão física propriamente dita que é ostensiva, visível, que causa às vezes clamor social. Existe a violência silenciosa, evidente, mas não vista (ou não se quer ver), perpetrada as vezes a luz do dia, aos olhos da sociedade e das autoridades, porém passa desapercebida, esta é a mais difícil de se combater.

Das diversas faces com que a violência se lança contra a infância e juventude brasileira, citamos aquela descarregada diariamente pela mídia através das programações obscenas, impróprias, desqualificadas e infames, que ofendem a dignidade, os valores morais, espirituais, a pureza e a inocência do ser em processo de desenvolvimento. A seu turno a Internet também tem sido utilizada para fomentar a globalização da violência infanto juvenil, porquanto promove o intercâmbio de hedionda exploração sexual de crianças e adolescente entre os abomináveis pedófilos.

Um outro espaço onde a violência contra a criança e o adolescente acontece é a escola. Sendo que o tipo de violência mais comum é a simbólica.
Segundo L'Apiccirella(2003), tomando, como foco principal, a escola pública brasileira, esta ignora a origem de seus alunos, transmitindo-lhes o "ensino padrão". Bourdie e Passeron explicam este processo pela Ação Pedagógica, que perpetua a violência simbólica através de duas dimensões arbitrárias: o conteúdo da mensagem transmitida e o poder que instaura a relação pedagógica exercido por autoritarismo. A autoridade pedagógica que visasse destruir a violência simbólica destruiria a si própria, pois se trata do poder que legitima a violência simbólica.
Os professores não só representam figuras autoridade, como também legitimam a mensagem que por eles são transmitidas, recebendo e interiorizando as informações. Tal fator promove a reprodução cultural e social da classe dominante.
No Brasil, o conteúdo transmitido nas escolas é aquele que interessa à perpetuação da hegemonia cultural da classe média e alta: a realidade do branco, urbano e bem sucedido é passada como exemplo natural de sucesso; as peculiaridades das culturas regionais são transmitidas a título de curiosidade; quanto às culturas do índio e do negro, indissociáveis do que poderíamos chamar de cultura brasileira, são transmitidas como algo à parte da cultura dominante, tornando-nos alienados quanto à sua presença no nosso cotidiano.
Para L'Apiccirella (2003), Ao focalizarmos "grupos menores", constataremos que o problema da violência simbólica é ainda mais gritante. Uma criança da periferia, por exemplo, tem um cotidiano muito distante do que é ensinado na escola. Na escola ela aprende que é importante estudar para ter uma profissão, para "ser alguém na vida". No entanto, muitas vezes esta criança trabalha para ajudar a família e, dependendo do caso, viver para ela é uma questão de sobreviver. Outro exemplo está na realidade das crianças que residem nas favelas dos grandes centros urbanos, onde é comum a família viver salvaguardada por traficantes: o mocinho que protege sua família torna-se o bandido, que na escola é tratado como o maior dilacerador da instituição família.


Violência urbana e simbólica contra idosos
As maiores violências que resultam em morte ou fraturas são muitas vezes as quedas, e os acidentes de trânsito ocasionados por negligências contra os idosos. Ocorrendo três quedas não-fatais para cada queda fatal. E observa que a elevada relação entre óbitos e lesões também costuma ser uma expressão de vários tipos concomitantes de maus-tratos por parte dos familiares ou dos cuidadores, dentro dos lares ou nas instituições de abrigo.
Além deste tipo de violência que o idoso sofre, um outro de igual ou maior importância se passa com as autoridades que deixam de tratar com respeito o idoso vítima de crimes, não dando imediata atenção a seus reclamos e apurando com rigor os delitos", nem se apurando com seriedade os abusos contra os idosos por não se dar valor a sua palavra. E isso já é outra violência contra ele.
Minayo (2) em seu artigo "Violência contra idosos: relevância para um velho problema" levanta a questão de que a violência faz parte do não investimento do governo e da família do idoso nestas questões, além de ser um problema cultural. A população hoje está sendo vitima de violências em todos os setores e como o idoso é mais frágil acaba sendo mais vitima desta situação sendo que os abusos físicos, psicológicos e sexuais; assim como a abandono, negligências, abusos financeiros e autonegligência são os responsáveis por esta situação, pois a sociedade adulta e jovem discrimina os idosos.
Os idosos não têm seus direitos respeitados, sofrem discriminação e são considerados como pessoas incapazes.Sendo assim fica evidente não somente a violência física, mas também a simbólica.
Violência urbana simbólica e homofobia
Crimes homofibicos
"Crimes homofibicos são aqueles em que a causa da violência está relacionada com ódio ou discriminação à orientação sexual da vítima", conceitua Emanuel Palhano, advogado especializado em causas homofóbicas e militante do movimento GLTB-RN (Gays,Lésbicas,Transgêneros e Bissexuais do Rio Grande do Norte). Para o advogado a maior dificuldade em lidar com esses crimes é "que eles são invisíveis para maioria da sociedade".

Uma das iniciativas que tem como objetivo dar visibilidade aos crimes homofóbicos é o ato nacional em comemoração ao Dia Internacional contra a Homofobia, que acontece no dia 17 de maio. Nesta data, integrantes do Movimento GLTB de todo o Brasil, em parceria com ONGs e outras entidades da sociedade civil organizada, prepararam protestos em suas cidades para alertar a sociedade sobre a existência desse tipo de violência.

Violência urbana x homofobia

Além da dificuldade da identificação, as autoridades que lidam com crimes homofibicos encontram outro grande problema pela frente. É que esses crimes, freqüentemente, são confundidos com outros crimes motivados por aspectos da violência urbana. A travesti Bibby, presidente da ASTRA-RN (Associação das Travestis do Rio Grande do Norte), diz que uma parte considerável das agressões e mortes á travestis aqui no RN tem como pano de fundo dívidas de drogas ou vingança pessoal. "As pessoas acham que nós somos anormais por termos nascidos homens e vivermos como mulheres, mas anormal é roubar e matar as pessoas" dispara Bibby.

Uma das ações tomadas pelo Governo Federal para combater a homofobia no país, é a publicação da cartilha "Brasil sem homofobia". A publicação lançada pelo Governo Federal através da Secretária Especial de Direitos Humanos e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação, é uma tentativa de conscientizar a sociedade sobre os direitos e deveres dos homossexuais. A cartilha trás orientações para implementação do Programa "Brasil sem Homofobia" e uma lista de explicações com as dúvidas mais freqüentes sobre o tema. Segundo a cartilha, Homofobia é "qualquer ato de violência ou discriminação contra homossexuais".
A discriminação pode ser vista neste caso como um tipo de violência simbólica contra os homossexuais, que além da violência física também sofrem de forma simbólica a violação do seu direito de optar por um modo de vida que não é aceito por grande parte da sociedade, promovendo assim a exclusão e marginalização desses indivíduos.

Conclusão

A ética, como ideologia, defende os direitos humanos, sendo contra a violência.
Chauí (1998) diz: "há no Brasil um mito poderoso, o da não violência, isto é, a imagem de um povo generoso, alegre, sensual, solidário que desconhece o racismo, [...]".
Como já foi explicada, a violência, tanto física como psíquica, exclui, atualmente, qualquer possibilidade desse mito virá realidade. Banaliza-se a desigualdade salarial entre homens e mulheres, entre brancos e negros, a exploração do trabalho infantil e dos idosos. As classes populares são consideradas perigosas e dissimuladas, preguiçosas, interessadas no dinheiro fácil. Esses porém, se recorrem ás autoridades por qualquer motivo, são ainda mais discriminados e violentados, seja de forma física, seja de forma simbólica. Isso tudo para que a "ordem" seja mantida. A violência tornou-se um fato massivo nas sociedades contemporâneas ao ponto de constituir um verdadeiro desafio para a consciência moral do nosso tempo. É justamente neste nosso século que a violência vem se apresentando nas formas mais insidiosas, mais cínicas, constituindo-se a partir de um grau de refinamento que provavelmente supera em muito os períodos mais cruéis da história da humanidade. A violência não é um fato novo na história do homem, estando presente desde a criação do mundo.
Ética e violência são opostas. Se opõem por se tratar de seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos e inertes ou passivos. Ambas estão no nosso dia-a-dia, porém a violência, á todo momento tenta fazer com que a Ética seja esquecida, recriando-a para justificar sua finalidade violenta. Não há como interligá-las, assim como a água e o óleo. Deve-se recriar o discurso, repensar nossas políticas públicas não abolindo nosso histórico cultural, mas reavaliando e modificando as atitudes desse ser racional, tantas vezes mais irracional, chamado homem.



















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