ÉTICA E POLÍTICA: CORONELISMO, VOTO E CABRESTO
Por valdira bezerra lima | 26/05/2014 | DireitoÉtica e Política: Coronelismo, Voto e Cabresto.
Valdira Bezerra Lima*
Resumo
Este artigo tem como objetivo mostrar como se procedeu ao surgimento do coronelismo, voto de cabresto, curral eleitoral e como influenciaram e influenciam a vida das pessoas até os dias atuais. Buscou-se apresentar da melhor forma a relação existente entre coronelismo, ética e voto. Observou-se a ética na política e o coronelismo mascarado que ainda existe na política de hoje. Utilizou-se como metodologia neste artigo a pesquisa documental e bibliográfica, na tentativa de compreender a importância do voto e seus efeitos positivos e negativos na sociedade brasileira. Foi necessário conceituar o voto, como ele era realizado, observando o cenário político na época do coronelismo, e hoje, anos depois, após inúmeras conquistas no âmbito da política e a mudança na realização do voto que agora se faz de forma secreta mesmo assim ainda restam resquícios da República Velha. Foi feita a comparação e adequação dessa situação ao texto Ética e Política, fazendo uma relação entre moral e política para tentarmos entender o contexto atual da nossa sociedade politica e respondermos a questão: “chegará o dia em que todos os homens serão livres para agir conforme sua moral, sua razão?”
Palavras-Chave: Ética. Política. Coronelismo.
___________________________________________
*Aluna do 10° semestre do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão
Introdução
Quando se fala em Coronelismo, erroneamente nos remetemos apenas e tão somente ao século XIX, de fato, auge de sua atuação e onde sua força era incontestada. O coronelismo foi uma das bases fundamentais de sustentação do domínio oligárquico na República Velha e foi um fenômeno comum em todo o país. Coronéis eram os grandes proprietários rurais de grande autoridade da região, político mais influente, patrão, padrinho de casamento ou batismo, a quem todos deviam favores e obediência, aquele que não hesitava em usar a força para conseguir seus objetivos. O coronelismo tinha força no contexto denominado “politica dos governadores”, onde aquele garantia as eleições municipais, em seguida apoiava as candidaturas estaduais e federais, era uma corrente oligárquica onde “uma mão lavava a outra”, era um verdadeiro jogo de cartas marcadas. A área de influência e controle político dos coronéis era chamada de Curral Eleitoral e ali todos acompanhavam as determinações políticas do coronel, sendo obrigados a votar nele ou no seu candidato. Era o chamado Voto de Cabresto, que foi favorecido pela própria Constituição de 1891 que estabeleceu o voto aberto, ou seja, era possível ver em quem o eleitor ia votar, e os jagunços dos coronéis acompanham esses eleitores e viam em quem os mesmos votavam, se contrariassem os interesses dos patrões esses eleitores sofriam sanções, agressões físicas, perdiam seus empregos, eram despejados de suas casas, suas famílias eram castigadas. Percebe-se como era fácil manipular uma eleição: a soma de poder, mandonismo e voto aberto daria um resultado certo: eleições sempre favoráveis aos poderosos. Mas e hoje? O que falar do coronelismo vigente em pleno século XXI? Infelizmente o mesmo ainda existe, e é no desenvolver do presente trabalho que analisaremos de forma didática esse fenômeno que mesmo depois de tantos anos ainda não foi completamente destruído.
Voto
Voto é o meio pelo qual o eleitor manifesta sua vontade, onde opta por determinado candidato a fim de elege-lo concedendo-lhe poderes para cuidar e administrar sua cidade, estado, país. Porém esse conceito não é tão simples assim, pelo menos não na prática. A constituição de 1891 estabeleceu o voto de forma direta, mas não secreta o que favorecia em muito aos coronéis que podiam acompanhar a votação dos eleitores e saber exatamente quem o obedeceu, já aos desobedientes: punições. O voto era realizado através de uma cédula onde o eleitor marcava em quem queria votar e depositava essa cédula na urna. Muitos desses eleitores já levavam as cédulas preenchidas de casa, sendo na maioria das vezes preenchidas pelo próprio coronel. Isso não era voto! Foge completamente ao conceito de sufrágio que deveria ser exercido de forma direta e ser a expressão de vontade livre do eleitor. Percebe-se que a época da República Velha o voto era controlado através do abuso de autoridade, onde os coronéis exigiam muitas vezes de forma coercitiva que o eleitor votasse neles ou em seus candidatos era o chamado voto de cabresto. Chega-se a uma conclusão: A Proclamação da República e criação da Constituição não modificou muito o cenário político brasileiro, afinal as eleições eram manipuladas e o povo não tinha liberdade para escolher quem realmente via como competente para cuidar da nação. Anos depois, já em pleno século XXI depois de tantas conquistas alcançadas, o brasileiro superou a Era Vargas, a Ditadura Militar, conseguimos uma Constituição verdadeiramente democrática, onde assegura que todo o poder emana do povo, e modificou a forma de votação. Art.14 CF:
“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei...”. Evoluímos, hoje o voto não é mais aberto, não a mais como saber em quem o eleitor votou, então é possível escolher de forma livre e direta o candidato preferido. Infelizmente ainda não é bem assim, por incrível que pareça, depois de tanto tempo, ainda existem resquícios do coronelismo.
Coronelismo: o Cabresto Ontem e Hoje
Mandonismo, imposição, abuso de poder, coercitividade, são características do coronelismo. Esse fenômeno ocorreu no século XIX, na então República Velha onde predominava a política dos governadores, os coronéis com seus currais eleitorais detinham do poder político de determinada região. Eram homens temidos, grandes latifundiários. Quando a vontade dos coronéis não era atendida, eles impunham a vitória de seus candidatos através de fraudes eleitorais. Em algumas situações até mortos votavam para forjar alguma vitória eleitoral, vê-se que esses coronéis não mediam esforços para conseguir o que queriam. E quanto ao povo restava apenas obedecer e nada mais. A questão é: e hoje ainda existe o coronelismo? Infelizmente a resposta é positiva, mesmo com tantos avanços e conquistas, mesmo o voto sendo exercido de forma direta e secreta o mandonismo ainda tem força na política brasileira. O fenômeno ocorre com maior frequência em pequenas cidades do interior brasileiro onde a principal fonte de renda é a prefeitura. Ora, um local pouco desenvolvido, onde a economia gira em torno de uma prefeitura o grande “coronel” será o prefeito, que usa dessa força para se beneficiar. Mesmo que o uso da força e da coerção não exista, e sendo o voto secreto, mesmo assim as pessoas sentem-se amarradas e obrigadas a votar em determinado candidato. É por isso que é forte a expressão:“ é quase impossível ganhar de quem está no poder”, os cidadãos que dependem desse emprego vindo da prefeitura, ainda que simpatizem com o candidato da oposição, gostem de suas propostas, não poderão escolher livremente em quem votar, em quem entendem ser o melhor para sua cidade, eles se veem obrigados a votar no prefeito ou no candidato apoiado por ele. Então por que não intitular esses prefeitos de “coronéis do século XXI”? Não utilizam da força física, mas usam como arma a força psicológica, o medo. O medo de se verem sem o emprego e consequentemente sem renda paralisa as pessoas que preferem votar em quem lhes é imposto do que enfrentar o poder em prol de seus ideais. Ao lançar essa questão para um senhor que reside em uma pequena cidade no interior do Estado ele me respondeu: “Eu só voto em quem está no poder sim! Vou votar em quem não tem nada pra oferecer? e que história é essa de ideal? Meu ideal é sobreviver, alimentar minha família e ter prestigio com o prefeito, senão, quando eu ou meus filhos adoecerem vão ser tratados que nem cachorro no hospital daqui ”. Comecei a entender o que passa de verdade, na prática na cabeça dessas pessoas, eles não se preocupam com a real intenção ou caráter do candidato em que estão votando, esses cidadãos só estão fugindo do sofrimento e da perseguição. Voltei a questiona-lo, falando que o voto é secreto e que isso lhe daria liberdade para escolher o melhor para sua cidade, e ele mais uma vez respondeu: “secreto? (risos) só se for o seu! Porque aqui as coisas não são bem assim não. Eu posso ate votar em outro mas sem ninguém saber, e outra coisa, o prefeito chega aqui com o candidato dele e uns baldes de tinta pra pintar a frente da minha casa com os nomes e os números, o que é que eu posso fazer? Se eu disser que não, ele ai achar que sou da oposição, ai já viu... e se eu deixar pronto! O outro candidato nunca vai acreditar que voto nele, o jeito é obedecer o “homi””. Isso caracteriza o coronelismo que conseguiu sobreviver a tantos anos.
A moral dos indivíduos somente se realiza na política e é nela onde se
desdobram suas virtudes – justiça, prudência, amizade – e onde se
pode alcançar – como assegura Aristóteles – a felicidade. Por isso
define o homem como um animal político. Ou seja, por sua
participação nos assuntos da pólis ou cidade-estado. As virtudes
morais do indivíduo somente podem ser alcançadas com sua
participação comunitária. (Filosofia Politica Contemporânea, Atílio
A.Boron (organizador) Adolfo Sánchez Vázquez, Ética e Política).
Mas como definir esse tipo de homem como animal político? Ora, se nem mesmo participa dos assuntos de sua cidade, se não tem a liberdade sequer de escolher em quem votar? Como então será realizada sua moral?, se no texto acima diz que essa moral somente se realiza na política, então a mesma não será alcançada enquanto os cidadãos não puderem agir politicamente, afinal, estão sendo meros objetos nas mãos dos “coronéis do século XXI”. Esses cidadãos não são livres, não são felizes em sua essência, pois a sua vontade é castrada de forma que apenas obedecem. A entrevista realizada ao senhor adequa-se ao trecho do mesmo texto:
Outra versão desta moral que prescinde da política é a que Max Weber chama de “ética da convicção”. Esta moral, embora reconheça que tem consequências políticas, desvencilha-se delas. Isto é, o sujeito moral não assume a responsabilidade de seus atos ou efeitos políticos.
O cidadão que precisa da prefeitura não se preocupa em analisar o caráter do homem em quem está votando, a quem está conferindo poder, ele apenas não quer se prejudicar, não quer sofrer e nem causar perseguição a sua família. Não age conforme sua liberdade, liberdade essa conferida pela Constituição mas não respeitada pelos poderosos que tudo podem, essa liberdade é suprimida e desaparece se formos analisar o contexto da política onde o coronelismo ainda predomina. O coronelismo apenas se modernizou, os coronéis de hoje se “civilizaram”, eles são formados, alguns com doutorado, pós-graduados, a forma de dominação é outra hoje em dia, o que não deixa nem deixará de ser dominação. A questão gira em torno de um problema: se ser livre é agir conforme a sua total vontade, conforme sua moral e razão, chegará o dia em que todos os homens serão livres para expressar e defender abertamente seus ideais?
Rawls fala da “conduta política justa”, mas esta
somente teria sentido no mundo justo, na sociedade
ordenada pelos princípios de justiça.
(Filosofia Política Contemporânea,
Controvérsias Sobre Civilização, Império e Cidadania.)
Infelizmente temos que admitir, a liberdade de fato só existirá quando nascer e prosperar uma sociedade perfeita, onde os valores, a ética, e a moral, puderem andar de mãos dadas com a política.
Mas como chegar a essa política perfeita? Uma política com moral. Enquanto o egoísmo dominar a mente dos homens e a sede por poder não despregar-se do íntimo do ser humano, não sairemos do lugar. O que infelizmente tem força nesse contexto é a política maquiavélica onde “ os fins justificam os meios”.
O Príncipe de Maquiavel, fala que a política basta-se a si
mesma. Portanto, não admite nenhum juízo moral; o que
conta é o fim que se persegue, fim considerado valioso tal
como Maquiavel considerava o seu.
(Filosofia Política Contemporânea, Atilio A. Boron. Ética e
Política, Adolfo Sánchez Vázquez)
Como percebe-se, para Maquiavel, a política basta por si mesma, onde não cabe nenhum juízo de moral, na política não há espaço para moral, pois o que importa é o objetivo, é o fim. Não há espaço para pesar o certo ou o errado, se os coronéis tinham o fim de ganhar as eleições e consequentemente mais prestígio junto ao governador e ao Presidente, e o meio utilizado deveria ser a força, a ameaça, a coerção, eles o usavam. Uma política como esta é totalmente desprovida de ética, de valores, de moral, aqui, o que se busca é o interesse próprio. A democracia que foi implantada para gerar igualdade onde seu mais valioso instrumento deveria ser o voto, acabava sendo esmagada por esses senhores, donos de tudo, até da vontade e liberdade do povo.
Um soberano, segundo Maquiavel deve poder ser mesquinho, necessita de astúcia, precisa quebrar sua palavra se necessário tendo de matar. Assim Maquiavel quebra os paradigmas da filosofia moral cristã.
Para Maquiavel se o individuo aplica de forma inflexível o código moral que rege sua vida pessoal à vida política, sem dúvida conhecerá os fracassos sucessivos, tornando-se um político incompetente. Dessa forma, para Maquiavel, o bom político é aquele que se amolda a situação, se tiver de ser duro, que seja. É essa a política que nasceu no coronelismo e ainda existe nos dias de hoje, uma política onde a moral é flexível e que a ética só é utilizada quando convém aos poderosos.
Maquiavel, constrói uma ética dos fins e não dos meios para governar a Política, não levando em conta o ato moral, mas a tática para manter-se no poder. Poder era e ainda é o que importa, é o fim desejado, almejado, e o meio é a usurpação da vontade, a castração da liberdade.
Portanto, ainda hoje o perfil do político, em sua maioria, é de alguém que não merece credito que busca o poder para benefícios privados e não tem compromisso com os interesses da população, que se utiliza de meios amorais para chegar e se manter no poder, não levando em conta as atrocidades deixadas pelo caminho. Assim, podemos afirmar que a política de Maquiavel é uma herança permanente.
Conclusão
Nesses dias estamos desacreditados que a política de nosso pais possa realmente mudar algo em nossa sociedade, tanta corrupção e violação de leis nos fazem cada vez mais desistir e abrir mão do nosso direito de voto.
A democracia participativa é algo real que deve ser experimentada por uma boa parte da população que vive à margem dos seus direitos, desprovida de um mínimo de dignidade mas essa participação deve ser realizada de forma livre. O candidato eleito, por sua vez, deveria se ver como um serventuário do povo que, além de deter o poder, é o sujeito passivo de uma série de direitos, dentre eles, os direitos fundamentais estampados na Constituição Federal de 1988.
Nesse aspecto se faz necessário consolidar cada vez mais, entre os detentores de mandatos e da sociedade em geral, que o povo é a principal peça de toda ação governamental e que seja inadmissível que esse mesmo povo sofra pressão na hora de escolher seus representantes. É dele que o poder deve ser irradiado e é para ele que deve ser exercido.
Nesse cenário, não dever haver espaço para propina nem negociações escusas. Não se podem conceber negociatas com algo tão precioso que é o voto, nem se pode admitir que quem receba um diploma de eleito, concomitantemente, o direito de trabalhar que não seja em prol do povo.
O presente trabalho teve o objetivo de mostrar como o coronelismo nasceu e que mesmo depois de tantos anos, o cenário pouco mudou.
Conclui-se, sem qualquer pretensão de esgotar este vasto e importante tema, que o aperfeiçoamento do sistema eleitoral brasileiro somente será atingido a partir de uma reforma política, onde sejam iniciadas a partir da criação de políticas governamentais que atendam aos anseios da população e respeito aos direitos fundamentais.
Não podemos deixar que coisas negativas nos façam desistir, de tentar mudar nossa nação. Esperamos ter contribuído com esse artigo, a reavivar o desejo dos eleitores de que o voto ainda pode sim mudar nosso futuro.
“Somente com o voto consciente do nosso povo poderemos trazer a moralidade e a ética na política”
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
Caldeira, Jorge. Brasil - A História Contada Por Quem Viu. Editora: Mameluco
Linhares, Maria Yedda. História Geral do Brasil. Editora: Campus
Maquiavel, Nicolau. O Príncipe. Saraiva
www.escolabrasil.com.br