ÉTICA E EDUCAÇÃO: REFLETINDO A CONDIÇÃO HUMANA

Por Láudia Silva de Oliveira Góes | 26/08/2019 | Educação

RESUMO

Muitos aspectos referentes ao ser e estar no mundo são relevantes, principalmente aqueles relacionados à educação e a ética. Neste artigo objetiva-se propor uma reflexão acerca da condição humana fazendo-se relação com a ética e a educação. A pesquisa foi qualitativa e de cunho bibliográfico. A discussão tecida direciona para a reflexão proposta conforme o pensamento dos autores que estudam a temática em questão.  Os resultados apontam que a aproximação entre a educação e a ética se constitui em condição de possibilidade da ação educativa. As considerações finais trazem que a educação encaminha para a busca de soluções para os possíveis problemas por meio do pensamento racional.

Palavras-chave: Aprendiz. Humanidade. Princípios. Conduta. Ser Humano.

Resumen

Muchos aspectos referentes al ser y estar en el mundo son relevantes, principalmente aquellos relacionados a la educación y la ética. Neste artigo objetiva-se propor uma reflexão acerca da condição humana fazendo-se relação com a ética e a educação. La investigación fue cualitativa y de cuño bibliográfico. La discusión tecida dirige hacia la reflexión propuesta según el pensamiento de los autores que estudian la temática en cuestión. Los resultados apuntan que la aproximación entre la educación y la ética se constituye en condición de posibilidad de la acción educativa. Las consideraciones finales traen que la educación encamina hacia la búsqueda de soluciones para los posibles problemas por medio del pensamiento racional.

Palabras clave: Aprendiz. Humanidad. Principios. Conducta. Ser humano

Introdução

O pensamento ético, desde os primórdios da humanidade, guia a ação humana, visando a sobrevivência e o bem-estar da coletividade (MORAN, 2005). Segundo o autor, ao longo da história, ele teve diversos fundamentos, que se manifestaram em forma de moral, dando força de lei, ao pensamento ético. Os fundamentos eram: na antiguidade, os ancestrais comuns, os heróis da cidade, os deuses, as forças da natureza; na cristandade, Deus e os Dogmas Católicos; na modernidade, a razão e a ciência.

O tempo passou e nesse terceiro milênio vem-se descortinando uma nova percepção de realidade que questiona valores éticos e força o homem a se interrogar a respeito de sua humanidade e de seu ser (BOHADANA, 2003). Percebe-se um redesenhar da humanidade. A autora descreve que o termo humanidade evocava os diferentes empenhos do pensamento em demarcar o que no homem há de humano.

Se o homem vem buscando se redesenhar, muitos aspectos do seu ser e estar no mundo podem ser considerados, principalmente aqueles relacionados à educação e a ética.  Sabe-se que a educação tem um papel relevante na vida do ser humano e a ética o leva a refletir as suas relações sociais. Assim, discutir o papel da educação é retomar o sentido ético da existência, pois pensar um novo homem é considerá-lo no interior de outra civilização, na qual deverá valer uma formação que incentive e ative sua capacidade crítica que lhe forneça a consciência da sua condição humana (BOHADANA, 2003).

É nesse contexto que, na atualidade, percebe-se um quantitativo grande de publicações sobre ética no mundo inteiro e com foco em diversas áreas do conhecimento, como exemplo, ética na política, na indústria, na escola, no esporte, na economia, nos meios de comunicação, dentre outros (WONSOVICZ, 2001). De acordo com o autor, já existem movimentos que exigem ética no comportamento pessoal, na vida social e até na vida pública.

Nota-se que a dimensão ética da condição humana em tempos contemporâneos vem ocupando cada vez mais os espaços das discussões filosóficas. Segundo Morin (2017) a discussão sobre a ética faz-se extremamente necessária na atualidade, dada a carência ética do nosso tempo.

Entende-se que ética é uma das questões mais importantes no contexto de nossa sociedade, tanto da esfera pública, quanto de nossas vidas privadas, conforme expõe Tiburi (2012). A autora infere que somos éticos quando refletimos sobre o que fazemos, quando medimos e qualificamos nossas ações levando em conta o que somos e podemos ser, com base no reconhecimento do outro, seja ele nosso próximo, a sociedade ou até mesmo o planeta. Tiburi (2012) ainda ressalta que sem a ética não sabemos nos situar em nenhuma esfera de nossas vidas. Sem a ética nos tornamos alienados, ou seja, figuras desconectadas de uma reflexão sobre o sentido da vida em sociedade.

De acordo com Bauman (1997), os grandes temas da ética, como direitos humanos, justiça social, equilíbrio entre cooperação pacífica e auto-afirmação pessoal, sincronização da conduta individual e do bem-estar coletivo, não perderam nada de sua atualidade. Apenas precisam ser vistos e tratados de maneira nova. Sendo assim é que se entende a relevância de novos estudos que trazem a questão da condição humana, da ética e da educação.

Considerando-se o Tema Análise Filosófica da Condição Humana, na inquietação, elaborou-se a questão problema: Há relação entre a questão da condição humana, a ética e a educação? Buscando-se possíveis respostas para este questionamento, alguns objetivos foram traçados. De modo geral objetiva-se propor uma reflexão acerca da condição humana fazendo-se relação com a ética e a educação. Especificamente, pretende-se analisar as ideias dos autores que trazem a condição humana como foco de estudos e ainda estabelecer relação entre a ética e educação.

A pesquisa foi qualitativa. Para Godoy (1995) a pesquisa qualitativa enquanto técnica de ensino procura estabelecer relação entre a teoria e a prática. “A abordagem qualitativa”, enquanto exercício de pesquisa, não se apresenta como uma proposta rigidamente estruturada, ela permite que a imaginação e a criatividade levem os investigadores a propor trabalhos que explorem novos enfoques (Godoy, 1995, p.21). A pesquisa também foi bibliográfica que, para Fonseca (2002) é feita somente a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas.

A coleta de dados foi a partir da análise de obras de autores que focam a temática. Por se tratar de um artigo relacionado à disciplina Fundamentos Filosóficos, Políticos e Antropológicos da Educação de um programa de mestrado, seguiram-se as sugestões contidas numa bibliografia básica apresentada. Utilizou-se de obras disponíveis em bancos de dados eletrônicos e obras impressas. As obras selecionadas foram lidas de modo exploratório e os dados obtidos foram fichados e possíveis de serem utilizados na elaboração deste texto. Primeiramente na discussão relata-se acerca da condição humana. Na sequência, a ética é conceituada e discutida fazendo-se relação com a educação. Conclusivamente, apresentam-se ideias que emergiram em conformidade com o pensamento dos autores consultados. Espera-se contribuir com informações que agreguem conhecimento aos acadêmicos da área da Filosofia, Sociologia, Pedagogia e educadores de modo geral.

Caminhos para a formação da condição humana

 

 Para início da discussão traz-se primeiramente a ideia dos autores para conceituar a condição humana. De acordo com Cabrera (2007), as características da condição humana são estruturais, no sentido de não dependerem de características particulares de existências específicas e no sentido de nunca nenhum ser humano natural poder ver-se livre delas. Para o autor, “a condição humana é aquilo que, ao mesmo tempo, é fundamental e óbvio, completamente à vista de qualquer um” (CABRERA, 2007, p. 63). O autor salienta que “a condição humana estabelece, de maneira radical, uma igualdade estrutural entre todos os seres humanos, independentemente de suas diferenças [...]“ (Idem).

Em conformidade com Arendt (2002) a condição humana é definida como sendo as condições nas quais a vida é dada ao homem na Terra. A autora explicita que tais condições são uma espécie de ferramentas por meio das quais os homens arcam e dão conta do viver. Para a autora, as condições humanas se referem à vida biológica; à mundanidade, essa capacidade que os seres humanos têm de reconstruir sobre o habitat natural um outro artificial, de artefatos; a pluralidade, o fato de que os seres humanos, e não o ser humano, vivem na Terra e habitam o mundo, o que está relacionado ao fato de os homens só poderem agir em conjunto e terem como instrumento fundamental dessa ação os gestos e as palavras.

Segundo Wonsovicz (2001) como seres humanos, vivemos no mundo e buscamos ser autores de nossa existência. Queremos poder fazer as coisas, escolher o que mais convém, ser livres para responder por nossas ações. Temos a inteligência, e o uso da razão nos diferencia de tudo o que existe. Isso é bom, mas também exige mais de cada um. Por isso, algumas coisas são essenciais para vivermos. Para Wonsovicz (2001) alguns requisitos são exigidos para que o homem tenha suas ações definidas como éticas e morais. Para o autor, o ser humano precisa desenvolver capacidade de reflexão do reconhecimento da existência de outros, ou seja, a consciência de si e de outros; capacidade para dominar-se, controlar-se e também decidir e deliberar entre alternativas, isto é vontade, desejo, sentimentos, dentre outros; ser responsável, assumindo consequências da ação e reflexão, respondendo a elas; ser livre, conseguindo auto determinar-se, fazer as suas regras de conduta.

Nesse sentido somos remetidos para a questão da ética, que segundo Baumann (1997) está estabelecida por códigos legais e aliada à visão teleológica da modernidade. De acordo com Bauman (1997) a ética moderna é um código moral, um único conjunto de preceitos harmonicamente coerentes no qual toda pessoa deve obediência. O autor expõe que a ética moderna é a ética dos códigos, da legalidade. Para ele legisladores e pensadores modernos têm a moralidade, antes mesmo de ser traço natural da vida humana, como algo que se precisa planejar e inocular na conduta humana. Salienta que por esta razão tentam compor uma ética onicompreensiva e unitária- ou seja, um código coeso de regras morais que podem ser ensinadas e as pessoas forçadas a obedecer. Bauman (1997) ainda destaca que a ética é feita à semelhança da Lei e não do impulso moral. Aqui não se refere a moral, relacionando a questões dos costumes de uma comunidade, mas com aquelas que afetam a condição humana como tal e sua morada no mundo. “A complexidade dos problemas éticos tem uma origem e uma feição que as ideologias são incapazes de compreender e, portanto, de tratar e de superar, porque também são problemas gerados por elas” (CRITELLI, 2006, p. 43).

Mas somos humanos, e é da nossa natureza não nascermos sabendo ser ou agir como humanos. Temos que aprender a viver como seres humanos e também aprender a ser o ser humano peculiar, o indivíduo exclusivo que cada um de nós é e pode vir a ser. Nossa humanidade não paira em qualquer definição, ideia, teoria ou ideologia (CRITELLI, 2006, p.45).

Pelo exposto pode-se entender que o homem ao longo do tempo vai aprendendo a ser humano e agir do modo ético para viver como ser humano. Assim a ética deve ser pensada e refletida nas ações do ser humano.

No pensamento de Pedro (2014, p. 485), “o termo ética deriva do grego ethos, evocando o lugar onde se guardavam os animais”. A autora argumenta citando Renaud (1994) que o significado deste termo evoluiu para o lugar onde brotam os atos, ou seja, a interioridade dos homens, tendo, mais tarde passado a significar, a habitação do ser, e comportamento, costumes, hábito, caráter, modo de ser de uma pessoa. De acordo com a autora, “apesar de estes conceitos serem distintos, existe uma estreita articulação entre si, na medida em que a ética tem como objeto de estudo a própria moral, não existindo desligada uma da outra” (PEDRO, 2014, p. 486).

 Para Morin (2017), mesmo havendo uma relação estreita entre ética e moral, o termo ética deve ser usado para designar um ponto de vista supra ou meta individual e, moral para situar-nos no nível da decisão e da ação dos indivíduos. “Mas a moral individual depende implícita ou explicitamente de uma ética” (MORIN, 2017, p.15).

Tiburi (2012) expressa que ética é um tipo de postura e, consequentemente, de ação, mediada em princípios, tais como o respeito à subjetividade, à dignidade da pessoa, à diversidade, ao outro. Trata-se da relação entre pensamento e ação. Neste sentido, para que cheguemos à ética, precisamos lutar pela desmistificação da separação entre teoria e prática. Ética é a capacidade de pensar e fazer a partir de um princípio de autonomia pessoal em que cada sujeito se questiona sobre o que pensa e faz, levando em conta que o questionamento já é em si mesmo, pensamento e ação que terá consequências concretas.

Em se tratando de ética, Morin (2017), ainda argumenta que esta, se manifesta de forma imperativa como uma exigência moral. Na ideia do autor a ética, se manifesta como uma exigência moral advinda subjetivamente do ser humano, e também do seu exterior, considerando-se a cultura, as crenças e as normas.

Considerando-se a condição humana, vale fazer foco na ética do gênero humano. No pensamento de Morin (2004), a ética propriamente humana, a chamada antropoética, deve ser considerada como a ética que se baseia na tríade: indivíduo/sociedade/espécie, de onde emerge nossa consciência e nosso espírito humano. Segundo o autor essa base é a base para ensinar a ética do futuro. Ainda de acordo com o autor, antropoética supõe a decisão consciente e esclarecida de:  assumir a condição humana indivíduo/sociedade/espécie na complexidade do nosso ser; alcançar a humanidade em nós mesmos em nossa consciência pessoal; assumir o destino humano em sua antinomias e plenitude. Para Morin (2004), a antropoética instrui-nos a assumir a missão antropológica do milênio: trabalhar para a humanização da humanidade; obedecer à vida, guiar a vida; alcançar a unidade planetária na diversidade; respeitar no outro, ao mesmo tempo, a diferença e a identidade quanto a si mesmo; desenvolver a ética da solidariedade; desenvolver a ética da compreensão; ensinar a ética do gênero humano.

A antropoética compreende, assim, a esperança na completude da humanidade, como consciência e cidadania planetária. Compreende, por conseguinte, como toda ética, aspiração e vontade, mas também aposta no incerto. Ela é a consciência individual além da individualidade (MORIN, 2004, p. 106).

 

Na linha de pensamento do autor que ressalta a consciência individual, cabe fazer foco para a ética da compreensão que “é a arte de viver que nos demanda em primeiro lugar compreender o modo desinteressado”. O autor também salienta que a ética da compreensão demanda grande esforço, pois, segundo ele não se pode esperar nenhuma reciprocidade. “A ética da compreensão pede que se compreenda a incompreensão” (MORIN, 2004, p. 99). “A ética da compreensão pede que se argumente que se refute em vez de excomungar e anatematizar (MORIN, 2004, p. 100).

A ética é originada numa fonte interior do indivíduo, como uma obrigação imposta, portanto, trata-se de uma exigência subjetiva (MORIN, 2017). O autor destaca que embora haja a tríade indivíduo-sociedade-espécie, que podem ser distintas, mas não isoladas uma das outras, estas são três fontes que se encontram na qualidade própria de cada sujeito. Dessa maneira, a proposta de Morin (2017) é uma ética do gênero humano, que supõe decisão de assumir a complexidade da condição humana, buscando a compreensão da humanidade na consciência de cada ser.

Como se busca estabelecer relação entre ética e educação traz-se aqui aquilo que está referendado nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs. Nestes documentos, “a ética é a reflexão crítica sobre a moralidade” (BRASIL, 2000, p 52). Em tais documentos a ética não tem um caráter normativo. Propõe uma reflexão ética, questionando-se sobre a consistência e a coerência dos valores que norteiam as ações, buscando-se esclarecer e questionar os princípios que orientam essas ações, para que elas tenham significado autêntico nas relações humanas (BRASIL, 2000).

A ética trata de princípios e não de mandamentos. Supõe que os seres humanos devam ser justos. Porém, como ser justo? Ou como agir de forma a garantir o bem de todos? Não há resposta predefinida. É preciso entender as concepções relacionadas aos princípios que contribuem para a construção da moralidade do cidadão, levando em consideração conhecimentos históricos e sociais que resgatem a gênese desses princípios na prática social.  (BRASIL, 2000, p. 53).

Nesse contexto a ética precisa estar relacionada à prática social que se fundamenta em princípios. E, considerando-se as possibilidades de o homem só poder viver naquilo que permite sua condição humana, entende-se que a ética mescla-se com a Educação (BOHADANA, 2003). A autora argumenta que é justamente quando os indivíduos se associam que eles transcendem a individualidade, garantindo assim o indivíduo. “Enquanto olha somente para si, o homem não pode se reconhecer, necessitando, assim, de um outro que, por sua vez, pertença a algum grupo para que já tenha se reconhecido” (BOHADANA, 2003, p. 18).

Para Morin (2017) quanto mais uma sociedade é complexa, menos são rígidos ou coercitivos os limites que pesam sobre os indivíduos e os grupos, de maneira que o conjunto social pode beneficiar-se de estratégias, iniciativas, invenções ou criações individuais. Desse modo, necessita-se de vivenciar a solidariedade que precisa ser interiorizada em cada um dos membros da sociedade. “Uma sociedade de alta complexidade deveria garantir a sua coesão não somente por meio de “leis justas”, mas também pela responsabilidade/solidariedade, inteligência, iniciativa, consciência dos seus cidadãos. Quanto mais a sociedade se complexificar, mais ela necessitará de auto ética” (MORIN, 2017, p. 149).

Nesse sentido a ética questiona a unicidade e singularidade do sujeito, lhe servindo de fundamento, além de questionar a ordem e o controle do Eu adquirido na disciplina moral (IMBERT, 2002).

Os PCNs, documentos educacionais citados anteriormente trazem que talvez seja impossível ensinar a moralidade, mas chama atenção afirmando que “não se quer dizer com isso que não haja nada a aprender, nesse campo, por parte do educando” (BRASIL, 2000, p. 75). Ainda está descrito naqueles documentos que o desafio de promover uma educação em valores consiste em desenvolver um trabalho pedagógico que auxilie o educando a tomar consciência da presença dos valores em seu comportamento e em sua relação com os outros (BRASIL, 2000). Complementando esta ideia, tais documentos enfatizam que

Como todo saber prático, a moral não pode ser ensinada sem a participação plena e ativa de quem aprende. Em vez de impor valores, trata-se de afirmá-los, de torná-los visíveis e de tornar compreensível o seu significado, na vida de todos e na participação de cada um no contexto social (BRASIL, 2000, p. 75).

 

Considerando-se o exposto e se a educação inclui a ética como uma condição para que ela se construa de acordo com a sua tarefa primordial, conforme ressalta Johann (2009), assim, antes de tudo, se deve buscar compreender o que se entende por educar. Desse modo é válido apresentar a origem etimológica desse termo. De acordo com Bohadana (2003, p. 18), “educar é um termo latino composto do prefixo e-, de ex-, que indica movimento para fora, e da partícula duc, proveniente de ducere, que significa conduzir, guiar”. A autora infere que educar (educere) é primordialmente um ato de conduzir, introduzir, guiar. Salienta que é desse modo que a ação induzirá o movimento capaz de deslocar o outro em direção a um fim estipulado. Destaca que é nessa ação que o educador não é somente aquele que provoca, mas também o guia. A autora discorre:

Na Grécia Antiga, a noção de educar era expressa pelo termo paidéia, que designa um conjunto de conteúdos que incluía desde a perspectiva histórica da vida de uma nação até o universo espiritual do homem. Assim, o ato de educar jamais se apartou das várias expressões culturais e existenciais da pessoa. Por meio de ação participativa, interfere na dinâmica exterior, interior e espiritual de uma sociedade. Como fenômeno social, a educação independe de instituições, mas não de laços sociais e, portanto, de normas e valores (BOHADANA, 2003, p. 18).

Do exposto fica a ideia de que a educação sempre estará relacionada com as questões sociais, aos princípios, normas e valores humanos. Para Johann (2009, p. 19), “a educação sempre implicará um processo amplo de transformação e desenvolvimento do ser humano, em toda a sua pluridimensionalidade”. O autor discorre que a educação se dará quando forem mobilizadas as potencialidades humanas de um ser bio-psico-social. “O ser humano haverá de ser tanto mais humanizado quando puder avançar no desenvolvimento de suas potencialidades”(JOHANN, 2009, p. 19).

Segundo Imbert (2002), é a educação que se constitui no espaço e no instrumento, por excelência, de implementação do engajamento ético. Destaca que é a educação tem a obrigação de propor um engajamento ético. O autor argumenta que

A educação pressupõe tal engajamento em uma práxis em que cada qual consegue separar-se das definições e designações que trabalham por conta das propriedades do eu; neste caso, a práxis educativa é entendida como processo de inscrição das rupturas que suportam o poder de conduzir-se como sujeito (IMBERT, 2002, p. 140).

No pensamento do autor é na práxis educativa que se busca romper com as barreiras que impedem o sujeito de ser ele mesmo e livre. Assim, conforme o documento dos PCNs, a proposta é buscar realizar uma educação moral que proporcione às crianças e adolescentes condições para o desenvolvimento de suas autonomias, entendidas como capacidade de posicionar-se diante da realidade, fazer escolhas, estabelecendo critérios, participando da gestão de ações coletivas. Nesse sentido,

trazer a ética para o espaço escolar significa enfrentar o desafio de instalar, no processo de ensino e aprendizagem que se realiza em cada uma das áreas de conhecimento, uma constante atitude crítica, de reconhecimento dos limites e possibilidades dos sujeitos e das circunstâncias, de problematização das ações e relações e dos valores e regras que os norteiam (BRASIL, 2000, p. 61).

Partindo-se deste ponto de vista, fica a ideia de que a ética relacionada com a questão da educação precisa ser crítica e reflexiva. De acordo com Johann (2009), sempre que se falar em educação, deve-se fazer referência a um processo amplo, completo, profundo e altamente comprometido com a mobilização de todas as potencialidades humanas. “Teremos somente um ser humano educado na medida em que ele crescer e for melhor sob todos os pontos de vista” (JOHANN, 2009, p. 20). Para Imbert, (2002, p. 100), “o engajamento ético situa cada qual como sujeito em relação com o outro sujeito [...]. É com uma compreensão ética que se constrói a capacidade de tomar decisões e de agir com responsabilidade. De acordo com Bauman (1997). Os deveres tendem a fazer os seres humanos iguais, mas é a responsabilidade que os faz indivíduos. Para Johann (2009, p. 36)

o exercício ético resulta de uma prática filosófica que desinstala, inquieta e rompe com toda sorte de dogmatismos. A permanente reflexão crítica leva a salvaguardar a liberdade individual e coletiva de submissões escusas e de manipulações indignas.

Compreende-se então, que a humanidade está no nosso agir cotidiano, além de ser o processo e o produto de uma contínua aprendizagem. “Nossa humanidade é conquistada e aprendida em meio a outros seres humanos”, em meio às formas que as outras pessoas já moldaram para a sua e nossa humanidade e para a sua (e nossa) individualidade (CRITELLI, 2006, p. 45). Na ideia da autora essa aprendizagem ocorre de duas maneiras principais: a aprendizagem decorrente de processos intencionais, como a que ocorre nas escolas, e a aprendizagem que acontece distraída, cotidianamente, nos mais diversos cenários e nas mais diferentes situações, a qualquer instante, sem qualquer propósito e, portanto, a mais profunda, a mais radical, a mais constitutiva. Nesse aspecto Bohadana (2003, p. 21) expressa que “cabe, assim, formar para garantir não apenas a produção e a reprodução do conhecimento, mas a capacidade de resgatar e reafirmar valores éticos que preservem a vida na Terra”. Considerando-se tal pensamento, entende-se que “uma nova ética deveria tomar a condição humana como seu eixo fundamental, sua fonte, sua origem e sua finalidade” (CRITELLI, 2006 p.48).

Desse modo, compreende-se que a educação precisa ser mobilizadora das múltiplas dimensões de um ser biológico, social, espiritual, intelectual, psicológico, material, estético, ético, etc., como ressalta Johann (2009). “Será neste sentido que se poderá falar em educação e ética e em uma aproximação necessária entre ambas” (JOHANN, 2009, p. 21).

Um aspecto que vale ser destacado relacionado com a educação e a ética são os conteúdos. Para Johann (2009, p. 30),

os conteúdos sempre serão importantes e significativos na medida em que forem selecionados e assumidos por professores e alunos, numa atitude de busca prazerosa e desafiadora, movida pela curiosidade construtora de todo o conhecimento. E toda educação será, sobretudo, uma construção profundamente ética.

 Posto isto, compreende-se que, é a partir dos conteúdos escolares que se faz um direcionamento da educação para a questão da ética considerando-se a condição humana. Certamente, “as exigências do saber pedagógico como um saber teórico-prático, envolvem posturas ética se morais desde a clarificação das finalidades da educação até a sua prática como um compromisso individual e coletivo” (JOHANN, 2009, p. 35). Assim, como explica Cristelli (2006), os princípios precisam ser vistos como sendo possibilidades que acenam de fora da nossa realidade, fazendo-nos uma convocação, ou seja, chamando a atenção para aquilo que ainda está por ser realizado, posto em prática e que o nosso modo de ser, não contempla ou jamais poderá deixar de contemplar, como a fraternidade, a liberdade, a igualdade, a honra, dentre outros. Frente a isso, a autora explica que o respeito à condição ou às condições humanas deveria se impor como um princípio para nosso existir e inspirar uma nova ordem do mundo, portanto, a elaboração de novos valores. O que implica constituir as próprias condições humanas em valores que ordenam, iluminam, qualificam nosso agir. “Desses novos valores, deveriam emergir condutas, comportamentos, atitudes que as garantissem e efetivassem” (CRITELLI, 2006 p. 44).

[...] tomar a condição humana como valor e princípio seria ter nela um ponto de partida. Eleger a condição humana como princípio e valor é a única maneira que temos de suplantar a determinação das ideologias. É dar às ações humanas e públicas a sua própria humanidade como razão de ser (CRITELLI, 2006 p.48).

No que tange à educação Johann (2009, p. 35) afirma que “é preciso ter claro que a busca de uma educação marcada por aspectos éticos nunca se dará de uma forma absoluta e completa [...]”, talvez pelo fato de a condição humana ser naturalmente, marcada pela imperfectibilidade e pela incompletude.  Contudo o que se sugere é a ideia de se buscar uma educação em que os aspectos éticos estejam presentes. Ou pelo menos buscar uma aproximação entre educação e ética. Porém, sabe-se que são muitas as situações referentes às relações humanas; isto quer dizer, serão infinitas as interveniências na construção de uma educação ética. Para autor “a ação ética sublinha que o ser humano é um inovador e que, não obstante, sua condição de mortalidade, nasceu para começar sempre de novo” (JOHANN, 2009, p.114). Enfatiza que não há ética sem novidade, sem ruptura, sem movimento, sem inovação e sem irrepetibilidade.

É a educação, que elabora os caminhos para a formação humana, conduzindo o ser humano para uma vida social virtuosa enquanto cidadão responsável no convívio com o outro. Já a ética, enquanto princípio formativo, fundamenta as ideias de liberdade e justiça como forma de orientação para o agir humano dentro da sociedade. E desde a sua origem grega, a ética representa a ideia de formação. A ética é o fundamento do agir moral humano, interpreta, discute e problematiza as normas necessárias para o convívio na sociedade. Assim, a educação se identifica com a ética visando educar o indivíduo para sua relação em uma comunidade, articulada com a ideia de bem (HERMANN, 2001).

A educação precisa possibilitar que os aprendizes se tornem críticos diante das realidades, que se tornem questionadores e autores da própria história. Portanto, como ressalta Cury (2003, p. 86), a educação deve ocorrer de maneira a consolidar o seu objetivo precípuo que “é estimular o aluno a pensar antes de reagir, a não ter medo do medo, a ser líder de si mesmo [...]”.

 A educação pode, enfim, possibilitar que o aprendiz saiba filtrar os estímulos e trabalhar não somente com fatos lógicos e problemas concretos, mas também com as contradições que a vida apresenta (CURY, 2003).

Considerações Finais

Como que se pretende é a proposição de uma reflexão acerca da condição humana fazendo-se relação com a ética e a educação, acredita-se que as informações contidas neste texto dão possibilidade para se refletir nesse aspecto.

Conforme o que se expôs até então, na linha de pensamento dos autores, percebe-se a educação pode contribuir para que os indivíduos se tornem autônomos, intelectual e moralmente. É a educação que encaminha para a busca de soluções para os possíveis problemas por meio do pensamento racional, de modo que o homem assuma o seu dever para com os seus semelhantes sociais.

Fica a ideia de que não se pode pensar o ser humano distante e fora da ética. Desse modo e considerando-se a condição humana, a aproximação entre a educação e a ética se constitui em condição de possibilidade da ação educativa. Além disso, a busca por estabelecer uma aproximação entre a educação e ética passa a ser condição de garantia de um futuro melhor para toda a humanidade. Pensa-se que talvez, a maior contribuição da educação utilizando-se da ética seja a busca da transformação da sociedade.

 Acreditando-se que a temática aqui apresentada tem relevância para a compreensão do ser e do agir humano, fica em aberto para que novos aspectos sejam pesquisados e discutidos visando enriquecimento do conhecimento humano-filosófico.

 

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