ESTUDOS LINGUÍSTICOS SAUSSURIANOS

Por Eliete Silva Cardoso | 08/03/2017 | Educação

ESTUDOS LINGUÍSTICOS SAUSSURIANOS

                                                         Eliete Silva Cardoso'

 

Resumo: A linguagem desde há muito tempo tem sido objeto de investigação por estudiosos que buscam entendê-la explicá-la e justificá-la. Por isso, considera-se importante mostrar um breve histórico dos estudos linguísticos desde a Índia, Grécia, Roma, Idade Média, Renascimento até o século XX. Este artigo enfoca algumas concepções pós-saussurianas de lingua(gem), e tem o propósito de conduzir cognitivamente aos estudos dos fenômenos da linguagem que a sociolinguística vem desvendando brilhantemente, conquistando novas fronteiras, e, ao mesmo tempo, assumindo o engajamento no enfrentamento de novos desafios oriundos da persistência de pesquisadores e professores que encaram a linguagem.

Palavras-chave: Linguagem. Linguística. Concepções Saussurianas. Sociolinguística.

Abstract:

The language for a long time has been the subject of research by scholars who seek to understand, explain  and justify the language. Therefore, it is important to show a brief history of linguistic studies from India, Greece, Rome, Middle Ages, Renaissance to the 20th century.This article focuses on some conceptions of language post saussurianas, and  it is intended to lead to the studies of linguistic phenomena  cognitively that Sociolinguistics comes uncovering brilliantly, conquering new frontiers, and,at the same time, assuming the engagement in combating new challenges from the persistence of researchers and teachers who defies the language.

Keywords: Language. Linguistics. Saussuriana conceptions. Sociolinguistics.

Histórico

Na Grécia, Platão foi levado a estudar a estrutura do enunciado e estabelecer a primeira classificação das palavras: "nomes" e "verbos”. Depois, Aristóteles, acrescentou às duas primeiras, mais uma, reclassificando-as em: "nomes, "verbos" e "partículas". Mais tarde, Aristóteles, indo além das reflexões platônicas conduziu para outra direção as reflexões da língua (gem). Para ele, as palavras são os símbolos, e que estes não são imagens exatas do mundo exterior  (pragmata).

Os antigos hindus, foram levados ao estudo de sua língua por motivos religiosos quando buscavam a conservação da pureza primitiva dos textos sagrados. Posteriormente os gramáticos hindus - dos quais o mais célebre é Pãnini- dedicaram-se ao estudo do valor e do emprego das palavras e fizeram de sua língua, descrições fonéticas e gramaticais que são modelos neste gênero.

Os latinos debruçaram-se sob os estudos da língua grega adotando a gramática helênica como peça fundamental de seus trabalhos. Um desses, é o do estudioso Marcos Terêncio Varrão (116 a.C. a 27 d.C.) que tal qual Platão, concluiu que o significado original das palavras, imposto em concordância com a natureza, foi obscurecido em diversos casos pela passagem do tempo, e que a etimologia pode ajudar a recuperar o significado original das palavras.

No período medieval, as concepções da antiguidade continuam a dominar os estudos acerca da linguagem mesmo havendo traduções bíblicas em gótico, arménio, e em eslavo porque os evangelizadores consideravam as línguas dos gentios como instrumento de propaganda e não como instrumento de reflexão e estudo.

Nos estudos linguísticos renascentistas, surge um estilo linguístico sério com a chegada de numerosos sábios bizantinos à Itália com fervor religioso e provocando traduções dos livros sagrados em numerosos dialetos e consequentemente o desaparecimento do latim por conta de abundantes literaturas nacionais que circulavam através dos viajantes, comerciantes e diplomatas.

Por volta de 1870 os neogramáticos defenderam a tese das "leis fonéticas" criadas pelo linguista alemão Leskien. Estes aplicaram o positivismo e abandonaram as idealizações sobre a pureza da língua primitiva e com princípios realistas reconstruíram com rigor o plano indo-europeu.

 Concepções Formalistas de Linguagem

A linguística se firma como ciência no início do século XX, com Ferdinand de Saussure " Curso de linguística geral" (1916) que viu a necessidade de delimitar e definir o objeto de estudo da linguística distinguindo o sistema abstrato ( langue ), da realização concreta desse sistema nos atos individuais de fala ( parole), considerado um sistema homogêneo de natureza social. Para este autor, a língua é uma estrutura, uma rede de relações, e a tarefa da linguística seria a descrição das unidades dos diversos níveis da língua (fonológico, morfológico e sintático) além de estudar a língua de forma sincrônica e diacrônica.

Chomsky por sua vez desenvolve o conceito de uma gramática gerativa que se distanciava radicalmente do estruturalismo e do behaviorismo das décadas anteriores, e o que Saussure denominou langue/parole Chomsky denominou competência/desempenho. Entretanto, estes paralelos que envolvem as concepções saussurianas e chomskyanas, não podem ser rigorosos, uma vez que Chomsky dá ênfase à concepção de competência, no sentido de ressaltar que a língua é um sistema dinâmico e gerativo o que para Saussure é um sistema estático e dinâmico. Chomsky e Saussure têm em comum também a concepção da viabilidade de separação entre o que é linguístico e o que não é linguístico, ambos aderem a ficção da homogeneidade do sistema linguístico, embora haja também pontos diferentes quanto as distinções (langue-parole / competência-desempenho).

Neste sentido segundo John Lyons (1981, p. 216-217)

 

 

O gerativismo Chomskyano constitui sem dúvida um avanço em relação ao estruturalismo saussuriano   [...], o gerativismo Chomskyano está mais próximo do estruturalismo pós saussuriano no que diz respeito à necessidade de distinguir entre o sistema linguístico e o uso deste   sistema em determinados contextos de enunciação.

A Sociolinguística

 Desenvolvida a partir dos trabalhos de W. Labov, a Sociolinguística veio demonstrar o caráter sistemático das variações linguísticas, contrapondo a visão saussuriana de sistema homogêneo à concepção de que a língua apresenta vários subsistemas, utilizados por um mesmo individuo em função das circunstâncias de uso, pois o mesmo falante, ora usa uma, ora usa outra dependendo do contexto em que este se encontra.

Com nova metodologia baseada principalmente na mensuração da variabilidade novas perspectivas foram abertas para os estudos históricos,operando-se com conceito de mudança em progresso e procurando sistematizá-Ia. Isto consiste na possibilidade de distribuir os falantes por diferentes faixas etárias. Diante disso, os dados podem revelar uma clara correlação entre idade e o uso de determinadas variantes. Conclui-se então que a sociolinguística valoriza as informações sociais veiculadas por realizações diversas de acordo com a condição social, competência cognitiva, idade, sexo, contexto e ambiente social.

A Pragmática

Apontada como a ciência do uso linguístico, a pragmática analisa de um lado, o uso concreto da linguagem, com vistas em seus usuários na prática linguística, e de outro, estuda as condições que governam essa prática. Outro ponto acordado pelos estudiosos é que os fenômenos linguísticos não são puramente convencionais, mas sim compostos também por elementos inovadores que se alteram e interagem durante o uso da linguagem (PINTO, 2001, p. 50). No exemplo de Pinto (2001, p. 48).

Como a Pragmática é uma área genericamente definida por pesquisar sobre o uso linguístico, podem ser lidos temas sobre relação entre signos e falantes (Mey 1985); levantamento de aspectos de diálogos entre falantes de uma mesma comunidade como no exemplo dado por Pinto (2001, p. 50) (1) " A: você viu meu rato por aí? B: [apontando um rádio ao seu lado]: Está aqui o rádio. A: Não, é o rato mesmo. Meu rato de borracha. "B" compreende a palavra rato, mas considera 1º a improbabilidade de alguém está procurando seu próprio rato (!) 2º a proximidade concreta de um objeto e fonológica da palavra. Assim, uma análise pragmática desse diálogo deve considerar tanto aspectos da estrutura da própria língua quanto aspectos relacionados à situação que o usuário vivencia.

Ao escrever o ensaio Philosophical Conceptions and Pratical Results, em 1998, James cunha pragmatismo e inaugura o que ficou conhecido como Pragmatismo Americano. Para Pinto (2001 :53), é o americano Willard V. Quine quem prossegue as ideias de James e Peirce, abandona de vez o vocabulário logicista e reforça muitas ideias de Peirce. Para ele a expressão (2) " esta mesa está quebrada" proferida numa situação similar à ostensão, não deixa de produzir perguntas: a quina da mesa? O pé da mesa? etc.

Com exemplos como este, o estudioso americano defende a tese de que não se pode determinar, com toda clareza o alcance da expressão referencial no mundo. Para Davidson, se há coerência, pouco importa o valor de verdade dessa correspondência. O que ele quer mostrar é que as atitudes proposicionais de uma pessoa, sua fala, crenças e intenções são verdadeiras porque existe um princípio legítimo que diz que "qualquer uma das atitudes proposicionais do falante é verdadeira se ela é coerente com o conjunto de atitudes proposicionais desse mesmo falante".

Em um texto de M. Dascal (1986) chamado "A relevância do mal-entendido", mostra que o mal-entendido deve ser tratado como um fenômeno importante no trabalho  com a linguagem, mas ele defende que a relação entre entendimento/mal-entendido é importante na medida em que revela o funcionamento do entendimento. Seu enfoque não é para integrar propriamente o mal-entendido ao esquema interpretativo, mas sim criar um mecanismo que o evidencie e ao mesmo tempo permita corrigi-lo, pois pressupõe que a noção de entendimento deve ser mantida intocada.

Contudo,uma análise linguística baseada nos debates de Davidson e Rorty ilumina outros ângulos da questão do mal-entendido. Por que pensar em mal-entendido se existe apenas coerência interna nos sistemas interpretativos? A ideia de coerência interna em sistemas linguísticos nos diz, muito mais, apropriadamente, que é inadequada a argumentação em tomo de mal-entendido, pois o processo que acarreta esse fenômeno desconcertante dos diálogos cotidianos é parte coerente de uma interpretação, e não deve ser encarada como "erro" ou "inadequação" de significado.

Dessa forma, diz Pinto (2001, p. 57),

 

O Pragmatismo americano oferece, então, bases filosóficas para uma análise linguística que relacione a todo momento signo e falante, antes de qualquer coisa, compondo ambos o que se chama de fenômeno linguístico.

 

É nesta rede de raciocínios que a pragmática tem propiciado os estudos de Atos de Fala, e muitos estudiosos se debruçarem sobre a observância reflexiva deste exercício social. A Teoria dos Atos de Fala, tem por base conferências de Austin publicadas postumamente em 1962 sob o título "How to do things with words" onde o autor concebe a linguagem como uma atividade construída pelos interlocutores, ou seja, é impossível discutir linguagem sem considerar o ato de linguagem, o ato de estar falando em si- a linguagem não é assim descrição, mas ação.

Uma das distinções mais importantes feitas por Austin nesta sua defesa dos Atos de Fala é entre os enunciados performativos, e os enunciados constativos conforme apresentado em (3): Eu te batizo em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo - considerado performativo, por "praticar" uma ação enquanto é enunciado e (4): A mosca caiu na sopa - constativo, por não haver uma ação praticada, ao contrário, a ação [ a mosca cair na sopa] já ocorreu e provavelmente por isso há o enunciado.

Esses tipos de enunciados levaram Austin a prosseguir no raciocínio e sugerir a separação de níveis de ação linguística através de enunciados e propôs então chamá-los de atos locucionários (conjunto de sons) aqueles que dizem alguma coisa; atos ilocucionários (força do enunciado), os que refletem a posição do locutor em relação ao que ele diz; e atos perlocucionários, aqueles que produzem certos efeitos e consequências sobre os alocutários, o próprio locutor ou sobre outras pessoas.

Desde quando os estudos marxistas promovidos em todos os campos das chamadas ciências sociais tomaram conta da Europa, questões relativas à comunicação humana começaram a ser levantadas com a seriedade e a sistematicidade necessárias para formar um novo paradigma, e as diferenças de classe era o pano de fundo dessas questões. Isto quer dizer que, de uma maneira geral, muitos autores se perguntavam o que significaria a diferença de classe social para a comunicação entre as pessoas; outros que não seguiram o ímpeto das investigações marxistas, também empenhados sobre problemas relativos à comunicação inauguraram uma linha de inquirição para avaliar como estava sendo tratado o problema da comunicação no âmbito filosófico, linguístico, etimológico e nas ciências sociais em geral, resultando na reavaliação do conceito de cooperação.

De acordo com Grice, introdutor desse conceito, para haver comunicação seria preciso haver cooperação entre os usuários. Segundo Mey, atuais pragmáticas apostam em comunicação como trabalho social, realizado com todos os conflitos consequentes das relações na sociedade. Ou seja, os conflitos das relações entre homens e mulheres, professores e alunos, brancos e negros, ou entre judeus e antissemitas podem ser identificados linguisticamente. Roy Harris (1981), defende que somente levando-se em conta o que é metodicamente excluído na linguística tradicional podem-se desmitificar as ideias sobre as regras de funcionamento da linguagem.

Essas exclusões, quando debatidas, podem dar conta de problemas que atormentaram linguistas durante muito tempo. Uma garotinha que está na ponta dos pés, com o mato alcançando seus joelhos, diz: (5): Olhe, mãe, vai direitinho até minhas dobras! O que ela quis dizer? A mãe sabe, ainda que ela nunca tenha ouvido esse uso de "dobras" uma situação como esta tem sido tomada pela Linguística Tradicional como exemplo para a distinção "necessária" entre conhecimento linguístico e conhecimento pragmático, ou conhecimento contextual, conhecimento de mundo etc. Assim, o problema não é de fato levado a sério, pois reduz a questão a decidir entre a falta de conhecimento linguístico, ou a falta de conhecimento extralinguístico.

Para os estudos atuais da comunicação, a questão principal é "como a mãe sabe, se esse uso não é devido?". Ou, "como o uso é indevido se a mãe sabe?". Sendo o uso da linguagem lugar de conflito, situa também negociações, recusas. Isso torna inevitável as inovações, e mais inevitável ainda que para se falar em linguagem tenha-se que falar em fatos até então considerados como não-linguagem. Esses argumentos enfrentam a constante crítica de não estarem de fato "fazendo Linguística", mas sociologia, ou qualquer coisa do gênero.

O contra-argumento principal a essa crítica é que a demarcação dos limites entre linguagem e mundo, ou entre linguagem e sociedade é pensar que incluir aspectos sociais chamados "extralinguísticos" em uma análise leva ao risco de não se "fazer Linguística”. Desvirtuando o campo sagrado do saber sobre a língua, é o mesmo que pensar que aulas de educação sexual vão fazer as pessoas terem mais relações sexuais. Defendendo essas posições, os estudos da comunicação procuram ampliar as possibilidades de objetos de estudo de linguistas, tirando a criatividade do nível da mera estatística.

A Concepção Funcionalista da Linguagem

Em oposição às concepções formalistas surgem as teorias funcionalistas representadas na Escola de Praga (Fontaine,1978), bem como no modelo de gramática funcional de Givón (1984), Halliday (1985), Dik (1989), dentre outros que se propõem a analisar o desenvolvimento do discurso levando em conta a relação linguagem/função, ou seja, o papel que a língua desempenha na comunidade, pois segundo essas teorias, a língua se manifesta em contexto de uso - tudo que é dito ou escrito.

Na teoria funcional, a forma particular assumida pelo sistema gramatical da linguagem está relacionada de perto com as necessidades sociais e pessoais, as quais ela é chamada a atender. Para os funcionalistas, há uma relação entre a natureza da linguagem e as funções por ela desempenhadas em situações de uso que se refletem na estrutura das orações a partir da noção de ato de fala.

No paradigma funcional, a investigação linguística vai além da estrutura gramatical, uma vez que há preocupação de se buscar a explicação para os fatos de língua na situação comunicativa e nos propósitos interlocutivos dos falantes, o que é considerado no paradigma formal (FERREIRA,2002, p.18).

Considerações Finais

"Os estudos linguísticos pós-Saussure" foram apresentados, desde o início obedecendo a uma ordem na qual fez se necessária uma abordagem histórica mostrando o interesse desde os filósofos gregos em explicar a relação entre as palavras e as coisas que estas significavam. Assim, foram os trabalhos dos hindus que ao descrever o Sânscrito contribuíram para a investigação linguística histórica, descritiva, etc. Além dos romanos com o trabalho reflexivo de Varrão sobre a etimologia das palavras; na idade média com as influências clássicas, até o renascimento - um período fértil para os avanços linguísticos com a chegada dos sábios bizantinos à Itália.

Nas concepções formalistas são apresentados os trabalhos de Ferdinand Saussure com "Curso de Linguística Geral" (1916), considerado marco divisor na história dos estudos linguísticos. Este, vendo a necessidade de delimitar o objeto de estudo da linguística, distinguiu o sistema abstrato (langue) da realização concreta desse sistema nos atos individuais de fala (parole). Chomsky por sua vez, segue as concepções formalistas de Saussure e cria a gramática gerativo transformacional, e é considerado um dos maiores linguistas da contemporaneidade. Mais tarde com a sociolinguística, destaca-se William Labov por apresentar reação à ausência do componente social no modelo gerativo, e insistir na relação entre língua e sociedade. Assim como Austin, que desenvolveu estudos sobre “atos de fala”. Por fim, as teorias funcionalistas que concebem a língua como meio de interação social ao contrário do formalismo que concebia a língua como sistema abstrato. Quanto aos estudos pós-saussurianos da linguagem apresentados aqui, tem-se consciência de que estes estão sujeitos a crítica e que serão, sem dúvida, aperfeiçoados, pois o campo da linguística é vasto, heterogêneo, multidisciplinar, formando uma rede complexa, mas muito produtiva, de relação de outros lugares de construção do conhecimento.

REFERÊNCIAS

 FERREIRA ,Ediene Pena. Padrões Funcionais da língua portuguesa: aspectos sintáticos  semânticos e pragmáticos. Belém: UFPA, 2002, p. 14-19.

 LYONS, John. Linguagem e Linguística. Rio de Janeiro. Editora Guanabara. 1987.

 BALLY, SECHEHAYE. Curso de Linguística Geral. 27 ed. São Paulo: Cultrix, 1999.