ESTUDO EVOLUTIVO-COMPARATIVO; PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO

Por AMANDA DUARTE MARIANO | 01/11/2016 | Direito

Amanda Duarte Mariano[2]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

 O Estado dentro de seus modos de atuação estatal passou de Estado Liberal para o Estado de Direito social e democrático, atuando em diversas searas no país. Assim, no campo econômico, segundo Machado, ele absorveu para si a execução de diversas tarefas, que em um primeiro momento garantiu benefícios para a sociedade, mas em um segundo acabou por oprimir, em razão da ostensiva intervenção. Dessa forma, o mercado que nesse processo cronológico antes era livre, justo e autônomo, passou a sofrer interferência direta do Estado empresário. (MACHADO, 2014).

Em meio a esse cenário de intervenção ostensiva, constatou-se que o Estado não poderia arcar com tantas funções, em razão das inúmeras prestações que se comprometeu a fornecer. Assim, em razão da tamanha concentração e intervenção estatal (que durou até os últimos anos do governo militar), vislumbrava-se a necessidade de que tanto as atividades econômicas, quanto os serviços públicos deveriam ser transferidos para atuação da iniciativa privada, como maneira de solucionar a questão. Alguns autores trazem a atuação do Estado e das estatais como forma de favorecimento, descontrole e irresponsabilidade, haja vista, resultou em uma vasta crise econômica e precarização em diversos serviços fornecidos para a população, como os serviços de telefonia, fornecimento de energia, dentre outros. (MACHADO, 2014).

Vale ressaltar ainda que, nesse contexto histórico ocorrido nos anos 1980, o Brasil atravessava significativas mudanças no cenário político e econômico, embora tal década estivesse marcada por uma profunda crise econômica, no ano de 1985 era o fim da ditatura miliar, a volta da democracia e a logo após, a promulgação da Constituição Federal de 1988.  (SANTANGADA, ?)

Com sua promulgação, a Constituição Federal de 1988 tentou dar solução a essa situação, ao determinar, em seus artigos 173 e 175, que o Estado somente prestará diretamente atividade econômica nas hipóteses previstas na própria Constituição, ou quando necessário aos imperativos de segurança nacional e de relevante interesse coletivo quanto aos serviços públicos estes seriam, em regra, prestados diretamente pelo Estado, ou, por particulares, sob os regimes de permissão ou concessão.

Nesse sentido, a partir do ano de 1990 com o Governo Collor (1990 – 1992), o processo de desestatização ganhou impulso de verdade no Brasil a partir do advento da Lei nº 8.031/90 que trazia o Programa Nacional de Desestatização (PND), no qual vigorou até 1997 quando a citada lei foi revogada pela Lei nº 9491/97 que até hoje regulamenta a desestatização (RUSSO, 2013).

                     Por fim, para a análise do caso e das questões propostas, cabe observar que embora utilizem desestatização como sinônimo de privatização, o primeiro na verdade é gênero e privatização, permissão e concessão são espécies. De modo que, a privatização (arts. 170 e 173, 1988) ocorre na atividade econômica e a concessão e permissão (art. 175, 1988) quanto a transferências de serviços públicos.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANALISE DO CASO

2.1 Os setores econômicos e produtos/serviços desestatizados

Como dito acima, a desestatização tomou impulso no país com o Programa Nacional de Desestatização no ano de 1990. Cabe ressalvar que trata-se de lei federal e não nacional, que versa sobre o processo de desestatização da União, de modo que não se aplica aos estados, haja vista cada um deve criar sua própria lei (Programa Estadual de Desestatização – PED)

Nesse sentido, com o Plano Collor a previsão era de sessenta e oito (68) empresas para o processo de desestatização, todavia, dentre as incluídas apenas dezoito foram realmente desestatizadas. Nessa esteira:

A criação do Plano Collor, idealizado pela ministra Zélia Cardoso de Mello, adotou o modelo mais liberal de ampla abertura às importações, modernização industrial e tecnológica e preparou o país para a série de desestatizações que viriam nos governos seguintes (RUSSO, 2013). 

Dentre tais empresas, um dos “pilares industriais do país”, as siderúrgicas começavam a ser privatizadas, sendo a primeira delas a Usiminas, que segundo o jornal O Globo desencadeou grande polêmica na época, tendo em vista ela representar uma das mais lucrativas para o sistema, na qual teve como beneficiário o Grupo Gerdau que a arrematou (RUSSO, 2013). Além dela, outras importantes estatais também foram desestatizadas em seu governo:

  • 1991 - Usiminas, Celma, Mafersa, Cosinor;
  • 1992 - SNBP, AFP, Petroflex, Copesul, Alcanorte, CNA, CST, Fosfértil.

Com o impeachment de Collor em 1922, seu sucessor, Itamar Franco (1992-1994), desacelerou o processo de desestatização ocorrido no período do Plano Collor, porém, no final de 1994 o ícone da indústria aeronáutica, a Embraer foi também desestatizada no valor de R$ 265 milhões em leilão vencido pelo grupo Bozano. (RUSSO, 2013).

No ano de 1995 a desestatização volta a todo vapor com o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ofertando empresas de setores de telecomunicações, energia e siderurgia. Tais desestatizações visavam melhorar a produtividade da economia e também ampliar o acesso da população a serviços como o da telefonia. Assim, segundo dados da Folha de São Paulo, o governo do FHC foi o que mais realizou desestatizações na história do país, no qual efetuou a venda de 10 empresas, 5 concessões de rodovias e 7 concessões de ferrovias:

  • 1995 – Escelsa, Via Dutra, BR- 040, BR- 116/RJ;
  • 1996 – Light, 5 malhas de Rede Ferroviária Federal;
  • 1997 – Vale do Rio Doce, Banco Meridional, BR-290/RS, Malha Nordeste da Rede Ferroviária;
  • 1998 – Telebrás, Gerasul, BR 116/RS, Malha Paulista da Rede Ferroviária;
  • 1999 – Datamec;
  • 2000 – Banespa;
  • 2001 – Banco do Estado de Goiás;
  • 2002 – Banco do Estado do Amazonas. 

Dentre as empresas desestatizadas, a Telebrás (1988) foi a maior privatização ocorrida no Brasil, vez que arrecadou $ 22,058 bilhões pelos 20% das ações em poder do governo na época. Outra importante privatização ocorrida foi da Companhia do Rio Doce (1997), como explica Russo:

Outra privatização emblemática foi a da Companhia Vale do Rio Doce, em 1997, então a maior exportadora de minério de ferro do mundo. A empresa foi arrematada por US$ 3,3 bilhões pelo consórcio Brasil, liderado pela CSN e que incluía fundos de pensão administrados pela Previ - do Banco do Brasil - e grupos nacionais e estrangeiros com menor participação. Já privatizada, a Vale tirou partido da grande valorização registrada pelo minério de ferrro nos últimos anos devido, em grande parte, à crescente demanda da China. (RUSSO, 2013). 

Como pode ser observado na lista acima, no período entre 1996 a 1999, houve a desestatização das estatais ferroviárias, em que ocorreu a concessão de praticamente toda a totalidade da malha para a iniciativa privada. Tal concessão visava acabar com o déficit operacional da Rede Rodoviária Federal e arrecadar recursos para a concessão de trechos. Todavia, embora a finalidade tenha sido alcançada, vez que houve o aumento no transporte de carga, consequentemente, o programa extinguiu praticamente todo o transporte de longa distância dos passageiros (RUSSO, 2013). Ainda, segundo dados do jornal O Globo, o PND durante o governo do FHC, foi calculado que tenha levado aos cofres públicos a média de US$ 78,6 bilhões.

No governo de Luís Inácio Lula da Silva (2013 – 2011), foi dado continuidade ao programa de desestatização:

  • 2005 – Banco do Estado do Ceará, Banco do Estado do Maranhão;
  • 2007 – Rodovia Regis Bittencourt, Dois outros trechos da BR-116, Rodovia Fernão Dias, BR-101, Rodovia Transbrasiliana, Rodovia do Aço;
  • 2009 – BR-116/BA; 

Como pode ser percebido acima, o programa durante o governo Lula deu ênfase a concessão de rodovias e a privatização dos bancos, em que hoje apenas os estados do Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Santa Catarina, e Distrito Federal, mantém bancos próprios, segundo o jornal O Globo.

No governo da então presidente, Dilma Rousseff (2011 -), a desestatizações continuam por meio dos Programas de Parcerias Privadas, chamadas de PPP’s (concessão especial). Em fevereiro de 2012, houve a concessão dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, dentre outros.

  • 2012 - BR-101/ES, Aeroporto de Cumbica, Aeroporto Juscelino Kubitschek, Aeroporto Viracopos;
  • 2013 – BR-050 (MG-GO), Aeroporto do Galeão, Aeroporto dos Confins.

2.2 Os objetivos gerais de cada processo

Dentre os processos de desestatização previsto pela Constituição de 1988, nos artigos 170 + 173 e 175, temos as espécies: privatização, permissão e concessão (há ainda outras espécies trazidas pela doutrina). O art. 170 versa acerca dos princípios norteadores da Ordem Econômica, como a livre concorrência e livre iniciativa, somado ao 173 nos traz a privatização, vez que trata da exploração da atividade econômica.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (BRASIL, 1988). 

                     Já o art. 175 versa acerca de outras duas espécie da desestatização (gênero), a concessão e a permissão em que prevê que “incube ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

                 Ademais, o art. 1º da Lei 9491/97 traz os objetivos do Programa Nacional de Desestatização, em que dentre os seis incisos do art. 1º da referida lei, podemos destrincha-los e dividi-los em dois principais objetivos, de um lado a reforma do setor público, de outro o incentivo/a fomentação da iniciativa privada. Ao reformar o setor público, surgem outros objetivos: o Estado deve voltar para suas atividades típicas (atividade típica não inclui a economia) e reduzir a dívida pública líquida. O mesmo ocorre para a fomentação da iniciativa privada: retomar os investimentos e fortalecer o mercado de capitais (BRASIL, 1997).

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