ESTUDO DE CASO (LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA E DIREITOS AUTORAIS)
Por Bianca Oliveira de Freitas Fernandes | 08/12/2016 | DireitoBianca Oliveira de Freitas Fernandes[2]
Amanda Thomé[3]
1 DESCRIÇÃO DO CASO
Roberto é o autor de uma obra tímida, que se viu menosprezada diante dos rebuscados e mais famosos volumes de Guimarães Rosa e Jorge Amado na sessão “Literatura Brasileira” das livrarias do país. Sua fama era bastante escassa, mesmo para quem demonstrava interesse e apreço às Letras, até o momento da publicação do seu último livro, em janeiro de 2013: Cem Anos de Companhia. Desde então não deixou de ocupar o topo das colunas de jornais de maior circulação no país, que ora o colocam como revolucionário do plano de escrita (utilização da intertextualidade), ora o criticam ferrenhamente, chegando a ser taxado de “enganador ardiloso”.
Tal repercussão divergente diz respeito à Roberto por razão do mesmo ter levado às últimas consequências a intertextualidade (a criação de um texto a partir das escrituras de outro já existente), haja vista ter-se reservado somente a modificar o título do mais famoso romance de Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão, continuando o conteúdo intacto, sem que haja, no entanto, qualquer referência expressa a Gabriel.
Por óbvio, Roberto é acusado de plágio, motivo pelo qual procura Borges, advogado de um famosíssimo e bem sucedido escritório especializado em direitos autorais. Para a apresentação de sua defesa elabora relevantes argumentos, quais sejam: a) que não teve o animus de enganar seus leitores, haja vista que a obra Cem Anos de Solidão é mundialmente conhecida; b) que a produção de Cem Anos de Companhia foi inspirada pelas palavras de Gabriel lembradas por Reinaldo Gama (“García Márquez costuma dizer que todo grande escritor está sempre escrevendo o mesmo livro”); c) argumentou também que a modificação do título da obra realoca o sentido da mesma a uma outra direção, o que faz de Cem Anos de Companhia um produto da sua interpretação de Cem Anos de Solidão.
Diante da eventualidade ocasionada pela publicação da obra Cem Anos de Companhia, e do conflito que adveio desse fato, analisaremos mais adiante as opções ou ao menos as saídas mais plausíveis para o caso.
2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
2.1 – Descrição das Decisões Possíveis:
-
Roberto cometeu plágio;
-
Roberto não cometeu plágio.
2.2 – Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão:
- É evidente que, diante dos fatos expostos acima, Roberto cometeu plágio, haja vista ter invadido a obra de Gabriel de forma descabida, proporcionando, por conseguinte, uma violação ao direito moral de autor deste último. Como explicaEliane Y. Abrão:
“Direitos morais de autor – Os direitos morais do autor são aqueles que unem indissoluvelmente o criador à obra criada. Emanam de sua personalidade e imprimem um estilo a ela (...). Esses direitos são: - O direito que tem o autor de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional ligado à obra. É o chamado direito ao crédito, que é a de ver uma qualidade (a de autor e ou titular) anunciada junto à obra, impressa junto a ela e o de reivindicá-la a qualquer tempo; - O direito de assegurar a integridade da obra desde que as modificações ou alterações reflitam sobre sua pessoa, atingindo-a em sua honra (...); - O direito de modificar a obra que não se confunde com assegurar-lhe a integridade. Esse é o direito que garante a exata correlação entre idéia e o resultado da criação, entre pensamento e obra criada, a ponto de liberar ao autor e somente a ele a possibilidade de modificar a obra, até mesmo depois de publicamente utilizada (...).”[4] (2002, p. 74)
Percebe-se, diante disso, que existem limites à intertextualidade, alegada por Roberto em sua defesa, pois os direitos morais de autor são personalíssimos, assegurados através da criatividade de cada indivíduo, sendo legítima a Gabriel sua reivindicação ao plágio, que como dizem Débora Diniz e Ana Terra M. Munhoz “é uma apropriação indevida de criação literária, que viola o direito de reconhecimento do autor e a expectativa de ineditismo do leitor” (2011, p. 4).
Mais adiante, utilizando-se mais uma vez das colocações de Eliane Y. Abrão, aprendemos que:
“Direitos morais são também indisponíveis, inalienáveis e irrenunciáveis, oponíveis ‘erga omnes’, imprescritíveis e impenhoráveis. Integrantes da categoria dos bens indisponíveis, como tais, os direitos morais são de valor inestimável. Sua inalienabilidade e irrenunciabilidade, da essência desse direito, encontram-se também expressamente reconhecidos pelo art. 27 da lei 9610/98” (2002, p.75)
Diante dessa perspectiva é difícil imaginar outra solução senão acometer Roberto de plágio, visto que a mera mudança do título da obra, sem que seja modificada nenhuma outra passagem da mesma, reflete visível invasão ao direito do seu originário criador (autor), qual seja Gabriel García Márquez.
- Utilizando outra perspectiva, pode-se perceber que o ato praticado por Roberto teve influente norte na intertextualidade (ou transtextualidade, como se referem alguns autores), que, como afirma Jürgen Graf, “é uma comunicação literária entre textos que coloca o pré-texto em relação com o texto recriado”.
Diante de tal conceituação, pode-se perceber que existem diversos outros autores que se utilizam de tal prática e não são martirizados como Roberto, como bem pontifica Marigê Quirino Marchini:
“Lembramos que na literatura (...) há inúmeros casos de incorporação de obras alheias, tal como trechos, paráfrases, epígrafes ou motes, paródias, etc. E recordamos que o ‘dolce stil nuovo’ de Petrarca, influência que se estendeu na Europa do século XV ao XVII, perpassa a poesia lírica de Camões. O primeiro verso de um soneto de Petrarca abre um soneto de Camões. Uma relação intertextual na poesia de gigantes da literatura.”
Outra linha de raciocínio que pode ajudar Roberto em sua defesa é a própria Lei de Direitos Autorais (LDA – Lei nº 9610/1998), mormente no seu artigo 14, que aduz: “É titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua”[5]. Entende-se, ao interpretar tal dispositivo, que o referido autor não se valeu de plágio e sim de intertextualidade, sobretudo no que diz respeito à adaptação feita pelo mesmo no tocante ao sentido da obra, o que a torna única e simetricamente diversa da obra de Gabriel Gacía Márquez.
2.3 Descrição dos critérios e valores
-
Direitos Morais de autor: garantia constitucional (e infraconstitucional, mediante reserva de lei) que estabelece direitos à criatividade e criação inéditas produzidas por um indivíduo.
-
Liberdade de expressão: garantia constitucional que define ao indivíduo livre expressão de atividade intelectual, artística e científica.
3 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ABRÃO, Eliane Y. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Editora do Brasil, 1ª. edição, 2002.
AUGUSTÍN, Kevin Perromat. Algunas consideraciones para el estudio del plagio literário en la literatura hispânica. Revista de estudios literários. n. 37. Disponível em: <http://pendientedemigracion.ucm.es/info/especulo/ numero37/coplagio.html>. Acesso em: 03 de out. 2013.
DINIZ, Débora; MUNHOZ, Ana Terra Mejia. Cópia e pastiche: plágio na comunicação científica. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/ 10072/1/ARTIGO_CopiaPastichePlagio.pdf>. Acesso em: 03 de out. 2013.
GRAF, Jürgen. A literatura nas fronteiras do copyright. Disponível em: <http://www.goethe.de/wis/bib/prj/hmb/the/154/pt6571975.htm>. Acesso em: 03 de out. 2013.
MARCHINI, Marigê Quirino. Intertextualidade: o limite. Disponível em: <http://www.linguagemviva.com.br/interxtualidade.html>. Acesso em: 03 de out. 2013.
[1] Estudo de caso apresentado à disciplina Constitucional II, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB;
[2] Graduanda em Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB;
[3] Professora, orientadora.
[4] Grifo nosso.
[5] Grifo nosso.