Estudo da dessorção de ouro em carvão ativado

Por Marcos Antonio Silva | 23/11/2015 | Engenharia

Estudo da Dessorção de Ouro em Carvão Ativado

Marcos Antônio Silva

masilvanl@yahoo.com.br

 

Julio Cézar Balarini

Juliana Capanema Ferreira Mendonça

Coordenação de Engenharia Química

 

 


Resumo O objeto de estudo do presente trabalho foi à avaliação da remoção de ouro adsorvido em carvão ativado de um processo extrativo desse metal. Neste estudo, foi avaliado o efeito da adição de etapas ao processo de dessorção visando à maior extração de ouro. A partir dos resultados obtidos, verificou-se que o percentual de extração elevou de 89,4% para 97,2 e 94,4%, em diferentes ensaios. Dentre as variáveis operacionais de controle do processo, a temperatura foi a que obteve maior influência na dessorção do ouro.

Palavras-chave: Carvão ativado, ouro e dessorção.

 

  1. 1.      Introdução

 

A necessidade de melhoria constante nos processos industriais de beneficiamento de minério de ouro, devido ao aumento na demanda por esse metal precioso e também pela drástica diminuição da quantidade de minério encontrado na crosta terrestre, proporcionou um desenvolvimento das etapas desses processos ao longo dos anos [1]. Segundo Neto (2009), a grande maioria do ouro produzido em escala industrial é proveniente de jazidas subterrâneas e a sua presença encontra-se inserida em minérios na forma sulfetada (FeAsS). Essa característica é a responsável pela necessidade de utilização de processos metalúrgicos na cadeia de produção do ouro [2].

O minério extraído de minas subterrâneas e/ou a céu aberto possui baixo teor de ouro, que pode ser separado através de processos gravimétricos. O ouro não separado por gravimetria encontra-se geralmente contido ou em sulfetos ou em silicatos, sendo esse último não recuperado por processos metalúrgicos e hidrometalúrgicos convencionais, por requisitar meios ácidos e temperaturas elevadas.

Dentro do processo de beneficiamento do minério de ouro está inserido o processo CIP (Carbon in Pulp), que consiste em contactar a polpa de minério, previamente lixiviada, com carvão ativado, de forma que o ouro em solução seja adsorvido por este último.

O carvão ativado é o adsorvente mais utilizado no processo extrativo de ouro, devido à sua alta capacidade de adsorção. Sua estrutura porosa é bem desenvolvida e a sua elevada capacidade de adsorção está associada principalmente com a distribuição de tamanho de poros, área superficial e volume de poros, conforme observado na Figura 01 [1].

Figura 01 – Estrutura morfológica do carvão ativado.

Para completar o processo de produção de ouro, faz-se necessário que as espécies auríferas adsorvidas sejam retiradas do carvão ativado por um processo de dessorção. Nesse processo, o carvão ativado é submetido a uma etapa de lixiviação em presença de íons CN- (solução aquosa preparada na proporção de 2% de NaOH (50%), juntamente com a adição de 13% de NaCN a 10% m/v), onde são adicionados 3% dessa solução, previamente preparada, com posterior lavagem com água, mantendo-se o valor do pH acima de 10,0. Manter o pH em níveis elevados evita a formação de ácido cianídrico (HCN), que possui elevada toxicidade.

Durante o processo de dessorção, é de extrema importância a obtenção de uma máxima eficiência extração do ouro adsorvido, pois, agindo dessa forma, resultará em um menor manejo do carvão entre os tanques com consequente economia no processo.

O objetivo do presente trabalho foi o estudo da etapa de dessorção de ouro de uma planta hidrometalúrgica típica que utiliza o processo CIP (Carbon in Pulp). A partir dos dados dessa planta, observou-se que, ao final da etapa de dessorção, ainda havia ouro remanescente no carvão ativado com potencial de ser extraído. Por isso, o presente trabalho se propôs a estudar mais detalhadamente o efeito da adição de novas etapas, ao final do processo de dessorção, na remoção do ouro remanescente.

  1. 2.      REFERENCIAL TEÓRICO

 

2.1.            Produção industrial de ouro

Os corpos minerais auríferos, presentes na crosta terrestre, encontram-se atualmente em grandes profundidades no subsolo, uma vez que a grande maioria do ouro da superfície já foi extensivamente extraída [1]. A composição desses minérios é variável, mas, em sua maioria, eles se encontram oclusos em formas sulfetadas. Na região de Sabará (MG), por exemplo, o teor de ouro nos minérios está compreendido, em média, entre 5 e 12 g/t, sendo necessários vários processos industriais para a recuperação economicamente viável desse metal precioso, conforme ilustrado na Figura 02 [1].

LAVRA

BENEFICIAMENTO (BRITAGEM, MOAGEM E GRAVIMETRIA)

FLOTAÇÃO

BARRAGEM 02

OXIDAÇÃO

LIXIVIAÇÃO

ESPESSAMENTO OU FILTRAGEM

PRECIPITAÇÃO

CIP

FUNDIÇÃO

DESSORÇÃO

BARRAGEM 01

Figura 02 - Fluxograma do processo produtivo de ouro.

Segundo o fluxograma da Figura 02, a cadeia produtiva de ouro metálico inicia-se com a extração do minério do solo (lavra). Após a lavra, o material passa por processos físicos ou de tratamentos mecânicos para a redução do tamanho das partículas (britagem e moagem) e, em seguida, por processos de separação/concentração (gravimetria e flotação). No processo gravimétrico, uma pequena porcentagem do ouro contido no minério é recuperada (em torno de 20% em massa, conforme aspectos mineralógicos). O restante está ocluso em moléculas de enxofre demandando processos posteriores para viabilizar sua extração. Na flotação, o minério proveniente da gravimetria é concentrado, reduzindo a massa de material a ser processada posteriormente e aumentando o teor de enxofre, que, consequentemente, aumenta o teor de ouro em níveis ideais para a alimentação do processo oxidativo subsequente.

Dentre os processos oxidativo têm-se, como exemplo, a pré-aeração, a ustulação, a oxidação sob pressão (autoclave) e a oxidação biológica. Na oxidação ocorre a quebra da ligação do enxofre pelo oxigênio, de forma que o íon de ouro seja exposto, tornando-se susceptível à solubilização pelo íon CN- nos processos hidrometalúrgicos.

O processo hidrometalúrgico mais utilizado na indústria aurífera é a lixiviação por cianetação em meio alcalino (Fig. 02), que consiste na adição de uma solução contendo o íon cianeto (30% m/v de NaCN) sobre a polpa a ser lixiviada. Essa operação é realizada em tanques dotados de agitação, com ou sem aeração, podendo alcançar uma recuperação de ouro acima de 90%.

Um fator importante na lixiviação com cianeto é a manutenção do pH da polpa em valores acima de 10,0, uma vez que em valores inferiores a 9,2, ocorre a formação de HCN (ácido cianídrico), um gás tóxico, conforme diagrama de especiação apresentado na Figura 03. Para manutenção da referida faixa de pH, utiliza-se de leite de cal (solução de Ca(OH)2) preparada a uma densidade de 10 g/L. A leite de cal é um agente alcalinizante de baixo custo, que, além de garantir ao processo um valor seguro de pH, promove a precipitação, na forma de hidróxidos ou óxidos, de outras espécies além do ouro, que foram solubilizadas durante a lixiviação (Ca(OH)2, Mg(OH)2, Fe3O2 e outros).

Figura 03 - Diagrama de especiação do HCN.
([CN-]total = 10-3 mol.L-1, 25ºC, 1 atm e pKa = 9,2).

Após o ouro ser removido da fase sólida, este forma um complexo com o íon cianeto, conforme apresentado na Equação 01.

 

(01)

Em sequência, a polpa passa por um processo de decantação (espessamento ou filtração) onde o minério lixiviado será separado da fase líquida, que é denominada licor rico (alta concentração de Au+). O licor rico passa, então, por um processo de eletrodeposição ou de cementação com adição de zinco (Zn0) e nitrato de chumbo (PbNO3), cujo resultado é um precipitado contendo o metal precioso, que passará por uma filtração e posterior fundição.

A polpa gerada durante a etapa de separação sólido-líquido (espessamento ou filtragem) (Fig. 02) passa por um processo de adsorção com carvão ativado, denominado Carbon in Pulp (CIP). Essa etapa visa remover o ouro que ainda não foi recuperado nas etapas anteriores. O fenômeno que ocorre no CIP denomina-se adsorção, que é um fenômeno de superfície resultante da aderência de um componente da fase fluida na superfície de um sólido. O sólido (carvão ativado), com capacidade de adsorver, é denominado adsorvente e o componente da fase fluida, que tem a capacidade de ser adsorvido, é denominado adsorvato ou adsorbato. A adsorção pode ser representada pela Equação 02 [3].

 

(02)

Na Equação 02, A é o adsorvato, S é o adsorvente e A·S é a espécie A adsorvida. Em se tratando de adsorção física, como é o caso da adsorção do ouro em carvão ativado, o ouro (adsorvato) é mantido no interior do carvão (adsorvente) devido a interações dipolo-dipolo e forças de Van der Waals.

No processo CIP, a polpa é mantida em contato com carvão ativado, onde o ouro solúvel é adsorvido. Posteriormente, o carvão carregado com ouro passará por um processo de dessorção, que também vai gerar uma solução rica em ouro. Essa solução segue o mesmo caminho da solução rica gerada na etapa de espessamento (Fig. 02).

O carvão ativado é um composto amorfo à base de carbono puro. Ele possui uma grande porosidade e elevada área superficial, podendo atingir valores de até 1.200 m²/g. Devido à sua elevada capacidade de adsorção, o carvão ativado, no processo CIP, além de remover as espécies auríferas da solução aquosa, também adsorve impurezas dissolvidas e outros metais complexados, como prata, cobre, níquel, ferro, dentre outros [1].

Após um ciclo de adsorção/dessorção, o carvão ativado geralmente é regenerado antes de retornar ao processo de adsorção. A regeneração ocorre em um forno a 750ºC de forma que as impurezas orgânicas sejam eliminadas e as propriedades adsortivas do carvão sejam reativadas. A regeneração térmica não elimina compostos inorgânicos, como o carbonato de cálcio. O CaCO3 advém do processo de lixiviação e acaba ficando impregnado na superfície do carvão, o que diminui a sua capacidade adsortiva, uma vez que o CaCO3 obstrui os poros ou os sítios que seriam ocupados pelas espécies de ouro. Para a remoção desse sal, o carvão ativado é submetido a uma limpeza química com ácido clorídrico [4].

Neste trabalho, o processo de extração de ouro em estudo é proveniente de uma planta hidrometalúrgica típica que utiliza a técnica de extração CIP, cujo fluxograma é semelhante àquele apresentado na Figura 02. A etapa de dessorção (Fig. 02), foco deste trabalho, se subdivide em 05 etapas: pré-lavagem, primeira lavagem, lixiviação, segunda lavagem e resfriamento, conforme pode ser observado mais detalhadamente no fluxograma da Figura 04.

Na etapa de pré-lavagem, o sólido presente na superfície do carvão ativado é removido através da limpeza com água quente (aproximadamente 90ºC). Essa remoção é necessária a fim de se evitar o entupimento dos strainers (peneiras na entrada e saída do tanque de adsorção), o que acarretaria um aumento de pressão no trocador de calor e no tanque de adsorção. Essa etapa também é responsável pelo aumento da temperatura da coluna até aproximadamente 70ºC, diminuindo a demanda energética de aquecimento da próxima etapa. Cabe ressaltar que na pré-lavagem a extração de ouro do carvão adsorvido é praticamente desprezível, tanto pela baixa concentração de ouro na solução aquosa quanto pela elevada quantidade de sólidos indesejáveis em suspensão.

 

Coluna de Dessorção

 

Tanque

 

CIP

 

Precipitação

 

Segunda lavagem

 

Lixiviação

 

Primeira lavagem

 

Pré-lavagem

 

Resfriamento

 

Figura 04 - Fluxograma detalhado do processo de dessorção de ouro.

Na primeira lavagem, a dessorção é iniciada por meio da percolação do carvão ativado com uma solução de NaCN/NaOH (0,013 e 0,010 g/L), onde já se observa o aumento gradativo, porém discreto, da concentração de ouro em solução. Sua função é garantir que a solução contenha as espécies responsáveis pela dessorção (Na+ e CN-) e que a temperatura de operação se mantenha a uma faixa necessária para a etapa subsequente de lixiviação.

Na etapa de lixiviação, o carvão ativado é mantido em repouso durante 1 hora na solução de cianeto, em uma faixa de temperatura entre 105 e 120ºC. Nesse período, os íons da solução interagem com as espécies adsorvidas de ouro, promovendo a transferência de massa desse metal da superfície do carvão ativado para o seio da solução aquosa. Esse processo ocorre em ambiente fechado e, por isso, não é possível realizar a coleta de amostras para análise química.

Na segunda lavagem, a remoção de ouro é intensificada pela percolação de água a 105ºC através do carvão ativado no interior da coluna. Por fim, no estágio de resfriamento, a temperatura da coluna é decrescida a valores abaixo de 80°C a fim de que a coluna seja preparada para uma nova dessorção e que ambos a solução e o carvão ativado sejam transferidos adequadamente para outras etapas.

2.2. Cinética de Adsorção

A adsorção é um processo cuja cinética vai depender da velocidade ou taxa relativa das etapas que a compõem, conforme apresentado na Figura 05.

 

Figura 05 – Etapas do processo de adsorção [5].

Na Figura 05, a primeira etapa (1) consiste no transporte das espécies (adsorvato) do seio da solução para a superfície da camada-limite hidrodinâmica, existente ao redor da partícula sólida do adsorvente. Essa transferência de massa ocorre tanto por mecanismos convectivos quanto por difusivos, sendo o primeiro muito mais significativo que o segundo. A etapa 2 representa o transporte difusivo do adsorvato através da camada-limite (difusão externa), visto que, nessa região, há a predominância do escoamento laminar. Na etapa 3 ocorre a transferência de massa no interior dos poros pela combinação da difusão molecular através do líquido interno e da difusão ao longo da superfície do adsorvente (difusão interna). Por último, na etapa 4, ocorre a adsorção, ligação do adsorvato ao sítio disponível do adsorvente, envolvendo vários mecanismos, tais como: adsorção física, adsorção química, troca iônica, precipitação, ou complexação. O processo de dessorção é descrito como o sentido inverso das quatro etapas supracitadas [5].

O processo global é controlado pela etapa de menor velocidade (taxa), que é determinada por meio da comparação dos dados cinéticos experimentais com o modelo matemático-teórico de cada estágio.

2.3  Ciclos de Adsorção/Dessorção

O principal objetivo da dessorção é restaurar a capacidade de adsorção do adsorvente, assim como recuperar os componentes presentes na fase adsorvida [6].

Conforme descrito anteriormente, o ouro é adsorvido no carvão ativado no processo CIP e é dessorvido durante o processo de eluição. Esse comportamento cíclico permite que o adsorvente (carvão ativado) seja reutilizado, favorecendo o aspecto econômico do sistema.

Para que esse comportamento seja mantido, é necessário conhecer a termodinâmica do fenômeno de adsorção/dessorção. Como esses dois fenômenos ocorrem em sentidos opostos, ambos entram em equilíbrio após um determinado período de tempo. Esse equilíbrio é alterado modificando-se as condições operacionais do sistema.

O carvão é carregado com as espécies auríferas a temperatura e pressão ambientes (sistema aberto). Nessas condições operacionais, a adsorção é favorecida, aumentando a transferência de massa do adsorvato da solução para a superfície do carvão ativado. Para que haja a remoção dessas espécies, é necessário que o equilíbrio desse sistema seja deslocado no sentido a favorecer a dessorção. Essa condição é alcançada quando se opera a temperaturas elevadas e altas pressões (sistema fechado).

Em geral, pode-se promover a dessorção utilizando-se:

  1. Dessorção por corrente de gás inerte;
  2. Dessorção à alta temperatura;
  3. Dessorção por extração dos adsorvatos por solventes;
  4. Remoção dos adsorvatos pela decomposição química, térmica, fotocatalítica e bioquímica.

Como pode ser observado, o processo CIP compreende a dessorção tanto por elevação de temperatura quanto pela extração por solventes.

O estudo do comportamento da adsorção e dessorção pode fornecer informações úteis para o desempenho do adsorvente, pois a dessorção afeta consideravelmente os processos subsequentes de adsorção [7].

  1. 3.      METODOLOGIA

Para se estudar o processo de dessorção de ouro do carvão ativado, foram realizados três grupos de ensaios de monitoramento, sendo estes constituídos de coletas amostrais seguidas de análises químicas, visando determinar a concentração de ouro nas etapas de lavagem (primeira e segunda) e a de resfriamento. Após uma análise preliminar do primeiro grupo de ensaios, foram propostos dois grupos adicionais, em que se repetiram as etapas de 2ª lavagem e resfriamento, a fim de que se obtivesse uma maior remoção de ouro.

Conforme descrito anteriormente, na etapa de lixiviação não foi possível a coleta de amostras, pois, nessa etapa, a dessorção encontra-se em vaso fechado. Adicionalmente, a etapa de pré-lavagem também foi desconsiderada devido ao baixo nível de dessorção de ouro e por ser uma etapa de limpeza do carvão.

O intervalo de tempo para a amostragem foi diferente em cada grupo de experimentos, visto que esse tempo estava vinculado às condições operacionais de coleta da amostra e de análise química.

Para cada amostra, foram coletados, por meio de gotejamento, de 25 a 30 litros de solução durante o período da percolação de água no carvão. A partir de cada amostra, foram retiradas alíquotas que, posteriormente, foram enviadas para análise química de ouro, por meio da técnica de espectrofotometria de absorção atômica (aparelho modelo AA50B, Variant). Foram construídas curvas de calibração com padrões de ouro variando de 0 a 3 mg/L, sendo o limite superior de detecção do equipamento de 4 mg/L. Quando as amostras apresentavam valores acima do limite superior, elas eram devidamente diluídas.

Além das amostras líquidas (solução), o carvão ativado também foi enviado para análise química, a fim de que se pudesse determinar a quantidade de ouro contido nele no início e no fim do processo.

O cálculo da massa de ouro dessorvido em cada amostragem foi efetuado através da concentração obtida pela análise química e o volume de solução presente no tanque. O cálculo do percentual de extração foi definido conforme apresentado na Equação 03.

 

(03)

Na Equação 03, Mad é a massa inicial de ouro adsorvido no carvão e Mdes é a massa de ouro dessorvido no final do processo.

  1. 4.       RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados obtidos nos ensaios de dessorção de ouro, presente inicialmente no carvão ativado, estão apresentados na Figura 06.

Observa-se, a partir da Figura 06 (a), que, no início do processo, o valor da concentração de ouro é baixo e, à medida que as etapas de dessorção continuam, essa concentração atinge um valor máximo para, então, decrescer a valores próximos a zero. Com o intuito de se obter uma maior compreensão desse comportamento, a curva de concentração de ouro em função do tempo foi dividida em diversos setores, cada qual representando uma etapa de dessorção, conforme pode ser observado na Figura 06 (b).

1

2

3

4

5

6

(a)

(b)

Figura 06 - Curva de concentração de ouro em função do tempo. (a) processo global de dessorção do ouro e (b) etapas de dessorção: 1) 1ª lavagem, 2) lixiviação, 3) 2ª lavagem, 4) resfriamento, 5) 2ª lavagem (repetição) e 6) resfriamento (repetição).

A região 1 da Figura 06 (b) representa a etapa de 1ª lavagem, onde observa-se que a concentração de ouro na solução aquosa permanece em um nível muito baixo com uma discreta elevação antes de se entrar na próxima região.

Na literatura, existem diversos trabalhos que vem tentando elucidar o mecanismo de adsorção/dessorção de ouro em carvão ativado [8]. No entanto, os pesquisadores ainda não conseguiram atingir um consenso. Os três mecanismos mais comumente aceitos para a eluição de ouro são a reação química com as espécies adsorvidas de cianeto de ouro (AuCN e Au(CN)2-), a adsorção competitiva e a reação com os grupos funcionais do carvão ativado [8].

Conforme dito anteriormente, na 1ª lavagem acontece o primeiro contato do carvão ativado com a solução eluente, que contém os íons necessários (Na+ e CN-) para a remoção das espécies adsorvidas do ouro. A presença desses íons, juntamente com a elevação da temperatura, favorece o transporte das espécies auríferas para a fase aquosa. O pequeno aumento da concentração de ouro nessa lavagem justifica-se porque o sistema ainda não atingiu a temperatura necessária para uma remoção considerável das espécies de interesse.

Durante a etapa subsequente de lixiviação, região 2 da Figura 06 (b), o carvão ativado imerso na solução eluente permanece em repouso durante uma hora, a uma temperatura variando de 105 a 120ºC e pressão entre 3 e 5 kgf/cm². Como esse estágio se processa em sistema fechado, não foi possível a coleta de amostras em função do tempo para a quantificação de ouro extraído na solução.

Uma das teorias propostas para explicar o fenômeno da remoção das espécies auríferas (AuCN e Au(CN)2-) da superfície do carvão ativado para a solução, na etapa de lixiviação, sugere que o íon cianeto, presente no eluente, reage com as espécies adsorvidas segundo as reações apresentadas nas Equações 04 e 05 [8].

 

(04)

 

(05)

A partir das Equações 04 e 05, pode-se observar a importância de se ter a presença de íons cianetos na solução de eluição, visto que esses íons deslocam ambas as reações no sentido de solubilizar as espécies auríferas. Adicionalmente, o sentido direto das Equações 04 e 05 é favorecido com o aumento da temperatura [8], o que justifica a operação dessa etapa entre 105 e 120ºC.

Uma vez removidas as espécies auríferas da superfície do carvão ativado, prosseguiu-se a 2ª lavagem, representada na Figura 06 (b) pela região 3. Observa-se, nessa região, que a concentração atinge um valor máximo e com consecutivo decréscimo. Supõe-se que o aumento da concentração de ouro, resultante da elevada taxa de remoção de ouro (inclinação), seja devido às espécies completamente solubilizadas na fase aquosa e que são continuamente carreadas pela água de lavagem. No entanto, podem ainda existir espécies interagindo com a superfície do carvão ativado, seja por interações dipolo-dipolo, seja por forças de Van der Waals ou por outros mecanismos citados anteriormente. Essas interações dificultam a remoção dessas espécies remanescentes, o que pode ser observado na diminuição da inclinação da curva na parte decrescente da região 3 (Fig. 06 (b)).

Durante a etapa de resfriamento, região 4 (Fig. 06 (b)), observa-se que, com exceção do ensaio 02, valor da concentração de ouro começa a se estabilizar, uma vez que a temperatura vai sendo gradativamente reduzida, o que desfavorece a remoção das espécies auríferas.

Cabe ressaltar que a etapa de resfriamento encerra um ciclo típico do processo de dessorção de ouro em carvão ativado. No entanto, observa-se, a partir das curvas da Figura 06, que ainda existe uma quantidade significativa de ouro presente no carvão. Como esse metal possui elevado valor de mercado, é de interesse sua máxima remoção. Por isso, no presente trabalho, foi proposta a continuação do processo de extração do ouro do carvão ativado repetindo-se as etapas de 2ª lavagem e resfriamento (regiões 5 e 6 da Fig. 06 (b)) nos ensaios 02 e 03.

Nota-se que no início da repetição da 2ª lavagem (região 5 da Fig. 06 (b)) a concentração de ouro torna a crescer, formando-se um novo pico. Esse crescimento ocorreu porque, após a etapa anterior de resfriamento, o sistema foi aquecido novamente (acima de 100º C), o que comprova que a temperatura é um parâmetro operacional com grande influência na remoção das espécies adsorvidas de ouro.

Terminada a repetição da segunda lavagem, o sistema novamente foi resfriado (região 6 da Fig. 06 (b)), apresentando uma ligeira remoção final.

Com o intuito de se avaliar a quantidade extraída de ouro do carvão ativado, foram construídas as curvas de massa cumulativa de Au extraído em função do tempo, conforme apresentado na Figura 07.

 

Figura 07 – Curva cumulativa de massa de ouro extraído em função do tempo de dessorção.

A partir das curvas da Figura 07, observa-se que a massa extraída nos três ensaios foi diferente. Esse comportamento ocorre porque o processo de adsorção possui grande relação com o material adsorvente e com suas condições de processamento. Mesmo os três ensaios utilizando carvão ativado de mesma origem, as condições operacionais e os processos de regeneração para posterior reutilização afetam a forma como cada amostra irá adsorver as espécies auríferas. Na literatura [8], existem relatos de experimentos utilizando as mesmas condições operacionais e mesmo tipo de carvão ativado que geraram resultados de adsorção/dessorção distintos.

A fim de se comparar a capacidade de extração dos três ensaios, a remoção de Au foi expressa em percentual de extração em função do tempo, conforme apresentado na Figura 08. Observa-se, nessa figura, que os três ensaios praticamente apresentam um mesmo comportamento. A linha tracejada da Figura 08 delimita a região de um único ciclo completo de dessorção (1ª e 2ª lavagens, lixiviação e resfriamento). Nota-se, a partir dessa delimitação, que a adição de uma nova etapa de lavagem e de resfriamento (equivalentes às regiões 5 e 6 da Fig. 06 (b)) proporcionou um aumento significativo no percentual de extração de ouro, o que pode ser comprovado pelos dados da Tabela 01.

 

Ciclo completo de dessorção

 

Etapas adicionais

Figura 08 – Curva de percentual de extração de ouro em função do tempo de dessorção. A linha tracejada demarca o término do ensaio 01.

Tabela 01 – Dados de extração de ouro: massa inicial de ouro no carvão ativado (mAu0), no eluente (água de lavagem) e percentual de extração.

Ensaio

mAu0 (g)

mAu dessorvido no ciclo completo (g)*

mAu dessorvido nas etapas adicionais (g)**

Extração (%)

01

1728,70

1545,43

-

89,4

02

1597,80

1418,27

133,94

97,2

03

1238,00

1082,50

85,65

94,4

* O ciclo completo constitui as etapas de 1ª lavagem, lixiviação, 2ª lavagem e resfriamento.

** As etapas adicionais constituem a repetição da 2ª lavagem e do resfriamento, acrescidas após o término do ciclo completo descrito anteriormente.

A inclusão das novas etapas proporcionou uma remoção de cerca de 134 g de Au no ensaio 02 e cerca de 86 g de Au no ensaio 03, elevando o percentual de extração de 89,4% para 97,2 e 94,4%, respectivamente. Essa maior eficiência no processo de dessorção, após a repetição das etapas de 2ª lavagem e resfriamento, deve-se ao maior tempo fornecido para a remoção e também ao reaquecimento do sistema no início da etapa de 2ª lavagem.

Ressalta-se que os cálculos dos valores da Tabela 01 foram realizados utilizando-se a massa inicial de ouro adsorvido no carvão ativado (fase sólida) e a quantidade final de ouro dessorvido na solução aquosa (fase líquida).

A fim de minimizar os erros analíticos devido à determinação de uma mesma espécie (Au) em fases distintas (sólido/líquido), foram realizadas análises químicas adicionais no carvão ativado ao final do processo de dessorção. Dessa forma, o percentual de extração pôde ser recalculado tendo-se como referência uma mesma fase (carvão ativado). Os dados dessa nova análise estão apresentados na Tabela 02.

Tabela 02 – Dados de extração de ouro: massa inicial e final de ouro no carvão ativado; massa de ouro dessorvido e percentual de extração.

Ensaio

Massa inicial (g)

Massa final (g)

Massa de Au dessorvido (g)

Extr. (%)

01

1728,70

467,79

1260,39

72,9

02

1597,80

42,51

1555,29

97,3

03

1238,00

39,53

1198,47

96,8

Pelos dados da Tabela 02, nota-se que os valores de percentual de extração de ouro são muito próximos dos obtidos quando se comparam fases distintas (Tab. 01), sendo o ensaio 01 aquele que apresentou a maior diferença. A partir desses resultados, observa-se que é possível fazer um acompanhamento com relativa precisão apenas analisando inicialmente a quantidade de ouro no carvão ativado e as demais análises químicas na fase aquosa. No âmbito industrial, essa é uma forma mais vantajosa, visto que a análise química em fase aquosa é geralmente mais rápida e prática de ser realizada.

  1. 5.      CONCLUSÃO

No presente trabalho, foi estudada a dessorção de ouro, presente em carvão ativado, após o processo CIP. Os resultados de remoção de ouro demonstraram que um ciclo completo de dessorção, constituído pelas etapas de 1ª e 2ª lavagens, lixiviação e resfriamento, ainda apresentava espécies auríferas adsorvidas com potencial de serem extraídas. Após a inserção de duas etapas adicionais (repetição da 2ª lavagem e resfriamento), os dados de dessorção revelaram que foi possível a remoção adicional de ouro, elevando o percentual de extração de 89,4% para, aproximadamente, 97,2 e 94,4%, em diferentes ensaios. Adicionalmente, os resultados de dessorção comprovaram que a temperatura é um parâmetro operacional de grande influência na eluição do ouro, corroborando os dados da literatura.

Devido ao elevado valor agregado do ouro na atualidade, pequenas melhorias no processo podem significar um maior retorno financeiro, mesmo essas mudanças elevando o gasto energético do sistema.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus (pela força de vontade e perseverança), à minha família (pela paciência em minha ausência nestes últimos anos), aos professores da UNA BH por essa grande jornada, em especial aos professores Juliana Capanema, Ionara, Margareth, Madrith, Rodrigo, a todo o grupo docente do Centro Universitário UNA e também ao grande apoio do professor Julio Cézar Balarini; pela dedicação, acompanhamento e paciência no decorrer desse semestre e outros anteriores.

  1. 6.      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Freitas, L.R. & Costa, R.S. Extração de ouro: princípios, tecnologia e meio ambiente- CETEM/MCT, Rio de Janeiro, 2002.

[2] Neto, H.A. Relatório Técnico 28 – Perfil do ouro.  Agosto, 2009. Disponível vem: http://www.. mmegov.br/sgm/galerias/arquivos/plano_duo_decenal/amineracao_brasileira P19_RT28_Perfil_do_Ouro.pdf. Acesso em: 02/04/2013.

[3] Loureiro, L.F., Avaliação da adsorção do herbicida 2,4-D em carvão ativado em pó e granular por meio de análises de isotermas de adsorção utilizando diferentes qualidades de água.  Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012.

[4] Oliveira, M. H. A. Cinética e equilíbrio de adsorção para armazenamento de gás natural em carvão ativado- Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004. 

[5] www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/10607/10607_4.PDF

[6] Muranaka, C. T., Combinaçäo de adsorçäo por carväo ativado com processo oxidativo avançado (POA) para tratamento de efluentes contendo fenol. Tese de doutorado. USP, São Paulo, 2010.

[7] Schmitt, C. C., Adsorção de compostos sulfurados e nitrogenados do óleo diesel em coluna de carvão ativado. Dissertação de mestrado. UFPR, Curitiba, 2013.

[8] Van Deventer J. S. J. e Van der Merwer P. F., The Mechanism of Elution of Gold Cyanide from Activated Carbon. Metallurgical and Materials Transactions B, 25 (6), 829 – 838, 1994.