Estudante-estrela do Grupo Kabbalista
Por Germano Brandes | 26/05/2016 | FilosofiaEstudantes-estrela
Enquanto o grupo começa a desenvolver sua infra-estrutura, emerge uma hierarquia em três níveis: os não comprometidos, os meio comprometido e os totalmente comprometidos. Esta escada de envolvimento varia desde os meros curiosos, passando pelos que buscam soluções para problemas pessoais, até aqueles para os quais a Kabbalah é um modo de vida. Nos últimos, existe novamente uma subdivisão: os que buscam o Trabalho como um serviço para Deus, aqueles para quem o Trabalho se tornou a razão da vida, e os que vêem isso como um instrumento da mais alta expressão de si mesmos. Estes últimos possuem o potencial para um grande bem, ou para um grande mal.
O primeiro tipo são pessoas que já possuem uma profunda convicção religiosa. Em geral, tiveram alguma experiência mística e um certo treinamento. Significa não só terem encontrado um ensinamento esotérico e suas disciplinas, mas também haverem exercitado o que a vida ensinou. Com freqüência são pessoas maduras, que já viram muito e experienciaram muitas mudanças internas. Tal pessoa pode ser um oficial do exército por profissão, nascido de uma família de militares, e, compreendendo não ser este o seu caminho, pode decidir renunciar ao se cargo na única ocasião possível, em um pequeno intervalo entre duas guerras. Foi como se o Céu tivesse cuidado de removê-lo, enquanto os seus camaradas seguiam para lutar o que se revelou ser um conflito injusto e desastroso. As pessoas do Caminho são, muitas vezes, preservadas do rodamoinho dos acontecimentos globais pelo que aparenta ser uma intervenção providencial porque há bem poucos seriamente comprometidos com o Trabalho do Espírito. Outro exemplo de pessoa profundamente comprometida é a mulher que suportou o enorme sofrimento de uma incapacidade física e de uma imensa solidão. Disso surgiu uma profunda coragem que desenvolveu sua fé, de modo a ser capaz de tolerar um sentido de inutilidade capaz de esmagar a maior parte das pessoas inúteis. Isso proporcionou-lhe a maturidade e o entendimento de ver que o trabalho espiritual consciente era a maneira de dar e de servir a outros em dificuldades, e interceder a favor deles. Era este o seu trabalho.
Pessoas como estas são vitais para um grupo. Formam o âmago do núcleo e atuam, em conjunto com o tutor, como o elo na tríade da alma que está começando a emergir da tríade do despertar. Constituem o primeiro grupo interno, do qual podem ser conscientes só os que estão no mesmo nível. Essas pessoas comparecem todas as semanas sem falta, sob o mau tempo, ou a grandes distâncias. Nada as detém, pois reconhecem ser decisivo para elas e para o grupo o prosseguimento do Trabalho, mesmo que apenas para o bem do Santo. Nem sempre são as que falam, ou são, de alguma forma, conspícuas. Muitas vezes não dizem nada e, ainda assim, contribuem mais no nível da alma e do espírito, que a maioria dos oradores brilhantes e volúveis. Se um desses indivíduos, devido a circunstâncias externas, como a doença, não puder comparecer à reunião, logo se torna evidente aos mais sensíveis estar faltando algo no grupo. Há uma falta de luz, menos graça está presente e as pessoas se tornam cônscias da ausência de alguém, até aquela pessoa voltar e o grupo recuperar seu equilíbrio.
A segunda seção daqueles para os quais a Kabbalah possui grande significado é a maioria do núcleo interno. Vêem a Tradição auxiliando a integrar eles mesmos, e tudo o que pensam, sentem e fazem está relacionado ao Ensinamento. Isso lhes proporciona uma estrutura e uma dinâmica que só um ensinamento espiritual pode prover. Fazem ambos, os grandes e os pequenos acontecimentos de suas vidas assumirem um significado mais profundo, de modo a poderem ver qual o seu próprio lugar no esquema do Universo. Estes participantes comprometidos são, em geral, extremamente diligentes e executam cada exercício e instrução do tutor. Saem do seu caminho para serem úteis e muitas vezes farão coisas que lhes custam muito, para serem prestimosos e pagarem o débito que sentem dever à Tradição. Quase sempre isso surge em relação ao tutor, que para eles representa a personificação do Ensinamento. Aqui, infelizmente, existe um perigo, pois a qualidade da devoção é às vezes excessiva; e se o tutor não for seduzido por semelhante adulação, deve constantemente moderar tais devotos, demonstrando que ele também é humano. O tópico da admiração amoroso é encorajado em algumas escolas como um modo de ensinar pela imitação, mas para os que vivem em um contexto moderno e desejam trabalhar até a individuação é necessário compreender ser o tutor apenas uma conexão, e não uma personificação, ou toda a energia gerada pelas reuniões será acumulado e cristalizada no Tiferet do grupo, o que não é o caso. Alguns tutores, reconhecendo os sinais de perigo da adulação, têm sido deliberadamente vulgares a fim de desiludir os adoradores em potencial. A maneira tradicional de se evitar esse problema é aquela em que o tutor mantém uma constante modéstia.
O fenômeno do estudante-estrela está relacionado ao problema de identificação e projeção. Tais pessoas muitas vezes chegam a um grupo com considerável conhecimento e experiência anteriores, o que lhes dá uma enorme vantagem, porque sabem mais que quase todos, com exceção do tutor. Isso não só os faz sobressair como superiores, mas lhes proporciona também um relacionamento especial com o tutor, que necessita de alguém com experiência suficiente para assumir a cadeira quando ele se ausentar por algum motivo, como uma doença, ou um compromisso kabbalístico de maior prioridade em outro lugar. Esse papel de número dois é em geral aceito pela maioria dos membros do grupo, exceto pelos que sentem ou pensam que são iguais ou superiores ao aluno-estrela. Tal situação pode provocar algum atrito, que revela a todos, em especial aos não envolvidos, o poder da alma animal e seu desejo de sobressair-se e de ser o chefão. Quando as pessoas envolvidas compreendem ter sido expostas à sua motivação, partem, porque não podem admitir o que vêem como uma posição de comando, ou porque concordam com o fato de que o estudante-estrela é, na verdade, o candidato mais adequado a assistente do tutor. Este estágio é uma experiência muito instrutiva para todos, pois demonstra os elementos misteriosos e obscuros que agem na psique inferior e que devem ser identificados e controlados.
Sempre há, contudo, os que não aceitam a situação, mas estão preparados para esperar, talvez durante anos, que o estudante-estrela caia em descrédito, pois isto acontece, ou aguardam a sua vez, até ganhar seu próprio grupo, deixando a função de estar perto da cadeira, e o poder da mesma, vago. Pode parecer estranho, mas em um grupo dedicado a assuntos esotéricos tais coisas acontecem, porque é exatamente sob essas condições que Lúcifer faz seu melhor trabalho. Aqui reside a lição: “A mais alta traição é fazer o certo pelo motivo errado”, e é o que nos leva à específica tentação do estudante-estrela. Quase sempre, tais pessoas parecem exagerado em seus esforços, até mesmo o estudante mais empenhado. Passam muito tempo com o tutor, e nada é demasiado para auxiliar o Trabalho. Perguntam como aumentar a profundidade, e aprendem tudo o que podem de seu mentor, observando seu modo de vida cuidadosamente reproduzindo cada aspecto, e até possuindo os mesmos livros e objetos, bem como as formas de expressão e conduta. Em geral, o tutor está ciente do início dessa identificação, e indica, através de comentários cautelosos ou de ações, que embora competir com seu professorr seja útil, não se deve limitar-se a ser apenas uma reprodução. Contudo, às vezes, o estudante-estrela, sob o domínio do papel, não percebe que tais observações são dirigidas a ele, pois a situação não é crítica o suficiente para ser reconhecida. Isso indica problemas. Contudo, o tutor pode não agir, pois deve conceder ao estudante o benefício do tempo para ele mesmo corrigir a disfunção. Tais atos de diplomacia devem ser tentados a fim de exercitar a autoconsciência do estudante, antes de se fazer uma revelação. A confiança é algo delicado quando se lida com o nível da alma e do espírito.
A maioria dos estudantes-estrela passam pelo estágio da imitação fiel, e seguem adiante para expressar seu conhecimento e modo de ser nos termos de suas vidas individuais, Contudo, alguns, conscientes ou inconscientes, permitem serem usados por aqueles elementos sombrios existentes em todos nós e que buscam destruir os que mais amamos se opondo a toda autoridade. Esta rebelião contra professores, figuras paternas e Deus pode causar uma crise muito profunda para o tutor, para o estudante-estrela e para o grupo, à medida que o elemento luciférico se apodera do estudante no ponto crítico onde a presunção dele é, eventualmente, verificada por um confronto com outros estudantes ou com o tutor. Isso acelera a questão do orgulho, pois a sua condição especial está ameaçada. Tal iniciação requer enorme honestidade psicológica e integridade espiritual, e alguns estudantes-estrela não podem gerir este teste de Tiferet. Sentem-se em estado de choque, humilhados e irados, pois a motivação verdadeira surge agora, para eles mesmos e outros enxergarem. Quase sempre, decidem deixar o grupo repentinamente, em vez de “perderem o prestígio”, pois caíram de Tiferet ao nível do ego yesódico. Se permanecerem, isso pode se transformar em uma crise de maior ordem para o grupo, até ser trabalhada. Essa é uma das provações que um estudante-estrela deve agüentar, se não prestar atenção às insinuações do tutor e às circunstâncias, para poder anular a tentação. De vez em quando, alguns que fracassam dramaticamente nesse teste de fato se voltam contra o grupo e contra o tutor, e até mesmo falam com malícia em público sobre as reuniões. Isso pode provocar um enorme dano, mas, em geral, onera a própria pessoa, pois ela interrompe o seu próprio desenvolvimento. Torna-se um tutor de direito não é incomum aos estudantes-estrela, mas isso não pode acontecer se os pré-requisitos de integridade não forem preenchidos.
As situações dramáticas descritas acima em geral acontecem no meio da rotina normal do trabalho de um grupo. Na verdade, muitos membros nem mesmo estarão cientes do que está se passando, pois nas reuniões, a atenção maior é sempre dedicada ao desenvolvimento do indivíduo e ao fortalecimento e aprofundamento da capacidade e das técnicas do grupo.