ESTRESSE E LESÕES GÁSTRICAS
Por Paula Marsolla | 13/12/2009 | PsicologiaO trabalho tem por objetivo contextualizar o estresse e focar os problemas que este acarreta no sistema gastrointestinal, mais especificamente, as lesões como úlceras e gastrites. A contextualização se baseia numa análise da estrutura social, nas práticas econômicas e de trabalho utilizadas antes e depois a Revolução Industrial na Inglaterra e como esses elementos influenciam as práticas econômicas atuais no trabalho e sua influência nas práticas culturais, no sentido de valores socialmente disseminados. Outro ponto da análise é onde se define o que é estresse e o argumento evolutivo para explicar como a espécie lida com isso e seu preparo frente ao estresse de curto prazo, e quando este se permanece em longo prazo quais são os efeitos. Quais são os efeitos frente ao comportamento e subjetividade do indivíduo frente às exposições nocivas e novamente como o feedback estresse contínuo e sistema gástrico relacionam.
Em muitos artigos, livros e revistas o estresse é mostrado como o "mal do século" como de fato é, ele pode ser definido como um "mal" que atinge um grande número de pessoas na atualidade. Muitas vezes interpretações errôneas levam as pessoas a pensar, devido a essa nomenclatura, que o estresse é como uma epidemia. Assim, parece que não haviam pessoas estressadas nos séculos anteriores e talvez não haverá daqui alguns séculos.
O estresse, por si só, não causa nenhum mal, ele produz mudanças adaptativas que ajudam o animal a responder ao estressor. Essas mudanças são características evolutivas dos animais, pois os preparam para luta/fuga o enfrentamento da situação.
. Entretanto, em longo prazo, ele produz mudanças mal-adaptativas, ou seja, "não planejadas pela evolução" um exemplo disso é o aumento das glândulas adrenais devido a uma maior liberação de glicocorticóides, como o cortisol. O estresse em longo prazo pode ser chamado também de estresse crônico, é o estresse de todo o dia, devido à rotina vivida pelas pessoas nos tempos modernos, como trabalho, trânsito, contas, entre outros eventos estressores.
Estranho é pensar que o estresse existe por si só, contudo, ele depende um número maior de fatores, para isso é preciso analisar o contexto sócio-histórico-cultural desse "mal" para assim termos uma noção maior sobre o assunto.
Abordemos aqui primeiramente o contexto histórico, de como historicamente o estresse se mostrou como uma patologia. Anteriormente a Revolução Industrial, o ritmo de vida, ou seja, as atividades desempenhadas pela maior parte da população de voltavam para a agricultura. Com o advento da Revolução Industrial o trabalho se baseou no manejo de máquinas, e uma maior carga horária, aproximadamente de 12 a 14 horas por dia. No fordismo (um novo meio de produção) baseava-se em uma maior produção para um maior consumo, ou seja, maior disponibilidade de mão de obra.
O trabalho que vemos hoje não se diferencia muito desse tipo de produção, e esse estilo de trabalho leva-nos a valorizar a atividade bem como a produtividade. A cultura, por sua vez, vem confirmar esses valores. Mas onde fica o indivíduo nisso? Fica estressado!
Do ponto de vista da ciência psicológica a principal contribuição da resposta de estresse é identificar um mecanismo pelo qual fatores psicológicos podem influenciar o estresse físico, como a úlcera e/ou gastrite e ou malefícios provocados por estresse crônico.
As úlceras gástricas são lesões dolorosas no revestimento do estômago e do duodeno que, em casos extremos, podem ser fatais. Durante décadas, as úlceras gástricas foram consideradas o protótipo das doenças psicossomáticas (doenças físicas com evidências incontestáveis de causa psicológica). Contudo, essa visão parece ter mudado com o relato de que úlceras gástricas seriam causadas por bactérias, isso parece excluir o estresse como fator causal desse tipo de úlceras, mas a avaliação minuciosa das evidências sugere o contrário (PINEL, 2005).
A gastrite, por sua vez, é uma inflamação da mucosa existente no estômago, esse estado tem muita relação com as situações específicas em que ocorre uma constante exposição a situações aversivas como o estresse do dia-a-dia e pode torná-la crônica.
No presente trabalho, enfocaremos o que de onde "veio" o estresse, o que é, e um olhar mais atento aos problemas gastrointestinal que originários deste.
Contexto sócio-histórico-cultural
Atentemo-nos aqui para o contexto onde "surgiu" o estresse e suas manifestações físicas e psíquicas a partir de um olhar para o trabalho, maior causa relatada pelos pacientes ditos estressados.
Anteriormente a Revolução Industrial, a fonte de riqueza e de produção vinha do manejo com a terra, da vida no campo para obtenção do sustento. A economia era amonetária, isto é, as relações se baseavam na troca de favores entre senhores e vassalos. A maior parte da população era formada por camponeses, e esses trabalham a quantidade necessária para obter o suficiente para sobreviver, nada mais além de moradia e alimento. O trabalho braçal e o cansaço muscular também constituem causas que remetem ao estresse. Mas até então ninguém se quer pronunciava o devido termo.
Com o advento da maquinaria na Inglaterra a economia que antes se baseava na troca agora precisa de capital para sua manutenção, e essa estrutura capitalista precisa de produção e consumo. Os camponeses que antes lavravam a terra agora manuseiam máquinas, recebem salários, tem horas determinadas para entrada e saída do trabalho, aproximadamente de 12 a 14 horas.
Hoje, vivemos na era do novo capitalismo, mesmo que as horas de trabalho tenham diminuído, a mesma ou maior produtividade é exigida dos trabalhadores. Esse novo tipo de trabalho contribui para a valoralização da atividade, e a cultura, por sua vez vem confirmar esses valores: "Olha lá fulano, o patrão disse que ele da conta de todas as suas atividades, filhos, casa, mulher, trabalho...". A competividade do mercado também auxilia para que essa produtividade seja ainda mais valorizada.
Mas onde fica a subjetividade do indivíduo? Fica estressada! As pressões do meio contribuem para que os indivíduos se estressem, outros hábitos como fumo, álcool, sedentarismo, má alimentação e/ou ingestão em excesso de alimentos açucarados potencializam o efeito do estresse.
Muitas vezes no senso comum, costuma-se confundir estresse com ansiedade, porém a ansiedade é anterior a ele, a ansiedade é que faz que se tenha o estresse. A ansiedade é comum, e de certa forma é bom que se tenha, pois é ela que fará que a pessoa fique em estado de alerta frente a alguma situação perigosa que possa vir a acontecer, entretanto quando ela for em excesso, acabará acarretando o estresse.
O estresse é uma resposta a acontecimentos externos, que acarretará em reações físicas, psicológicas e comportamentais no indivíduo, e ele pode ser dividido em estresse agudo e patológico. O stress agudo é aquele que a pessoa fica exposta a uma situação aversiva por um curto período de tempo, já no estresse patológico a pessoa perde a capacidade de adaptação, o que ajudaria a sair da situação aversiva e isso se prolonga por um longo período de tempo.
Quando em uma situação estressante a pessoa sofrerá diversas modificações fisiológicas, primeiramente a pessoa receberá:
Os sinais do ambiente à cérebro à hipotálamo à hipófise à glândula supra-renal.
Quando esse sinal externo chega á glândula supra-renal disparará a adrenalina e o cortisol e esses irão fazer um feedback com o hipotálamo, e por sua vez o hipotálamo disparará o sistema nervoso simpático que terá seus efeitos na glândula supra-renal que disparará a adrenalina e o cortisol e assim agirá formando um ciclo.
O sistema nervoso simpático é importante nesse caso pois é ele que faz com que a pessoa reaja perante as mais variadas situações como alerta emocional, reação de luta ou fuga, medo, raiva, ansiedade, alegria entre outras, já o sistema nervoso parassimpático irá totalmente contra a esses efeitos pois ele causará tranqüilidade, reações de relaxamento, calma, meditação entre outros. O ideal é que se tenha perfeita homeostase entre os dois sistemas para que o stress não venha a causar danos ao organismo.
"O stress, é produzido cada vez que o indivíduo depara-se com a eminência de enfrentar um novo ambiente, já que consiste em primeira instância, de um fenômeno de adaptação à mudança" (ALBERT; URURAHY, 1997, p. 36-37), e por sua vez essa mudança tanto pode ser boa ou má, lógico que as situações ruins tenderão a serem mais estressantes, porém as situações que são consideradas como tranqüilas também serão estressantes, desde que elas sejam muito repetitivas. O estresse em si, não é ruim, pois o tempo todo temos que nos adequar as mais variadas situações ele só se tornará ruim desde que não consigamos nos adaptar à essas mudanças.
O estresse crônico ocasionará vários danos ao indivíduo, como distúrbios metabólicos de: proteínas, carboidratos, lipídeos, células sangüíneas, tecido linfático, sistema nervoso central, sistema muscular esquelético, tecido ósseo, sistema cardiovascular, olhos, testículos/ovários e gastrointestinais (ao último que daremos ênfase).
Em decorrência ao excesso de cortisol que é liberado no organismo, dentre esses diversos danos, destaca-se o sistema gastrointestinal, que terá sua secreção de ácido clorídrico e pepsinogênio aumentadas e em virtude disso ocorrerá à diminuição do muco protetor intestinal, já o excesso de adrenalina terá como efeito as doenças do trato digestivo, como: úlceras, gastrites, doenças inflamatórias, colites e diarréias crônicas.
Algumas manifestações fisiológicas gastrointestinais em detrimento do stress.
Úlcera:ela é o distúrbio mais mencionado, ao relacionar com o psicológico, ela pode ser chamada de úlcera gástrica ou péptica, essa úlcera gastrointestinal é uma lesão que ocorre na membrana mucosa que é típica do estômago pela hipersecreção do suco gástrico, que é bastante ácido, e ele ocasiona novas lesões ou pode também reativar as úlceras já cicatrizadas. É um distúrbio que ocasiona dor, e essa pode variar de um leve desconforto ou uma dor crônica, a dor tende a se relacionar com o ciclo digestivo, em geral antes do desjejum ela é ausente e no decorrer do dia se intensifica, e essa dor, com freqüência é aliviada pela ingestão de alimentos leves e antiácidos e pode ter seu efeito intensificado por ingestão de alimentos muito temperados e também pelo álcool.
Gastrite:é uma inflamação no estômago, esse estado tem muita relação às situações específicas em que ocorre uma constante exposição a situações aversivas o que pode a tornar crônica. Esse distúrbio pode ter vários sintomas como: indigestão, hiperacidez, eructação, flatulência e náuseas, ele pode também varias de intensidade podendo ser fraco ou a um estado grave. Na gastrite superficial crônica a maioria das pessoas relatam ter sensações de queimadura epigástrica (no popular-azia) e ela pode ocasionar náuseas e vômitos, já a gastrite aguda pode ser considerada uma conseqüência direta da ativação do sistema nervoso simpático, ocorrem reações autônomas à tensão, podendo ocasionar desorganizações das funções digestivas, distúrbio do equilíbrio de acidez-alcalinidade e interrupções do movimento peristáltico e essas reações acorrem perante a determinadas situações tensas para o indivíduo.
Colite:é a inflamação do cólon, e ela pode se apresentar de duas diferentes formas, uma delas é a colite ulcerosa crônica, é um estado do cólon ulceroso, inflamatório, não especificado e persistente, se assemelha muito a úlcera péptica, em certos casos ele pode ocasionar hemorragia ou perfuração do cólon, quando em estado mais avançado, todo o revestimento mucoso do cólon pode se desintegrar-se sendo necessária a remoção parcial do cólon; já a segunda forma é a colite da mucosa, ele é um estado menos grave e se caracteriza, pelo distúrbio da atividade motora e das atividades secretoras de muco do cólon. O sistema nervoso parassimpático tem uma atuação aqui também promovendo a facilidade das atividades do canal intestinal, promovendo o fluxo sanguíneo, a secreção mucosa, o peristaltismo, e outras atividades do processo digestivo.
Diarréia crônica:é um estado de freqüência ou fluxo anormal de descargas fecais, em muitas vezes devido a casos emocionais, há casos em que as pessoas podem ter cerca de 40 ou 50 movimentos do intestino por dia.
Algumas manifestações psíquicas em detrimento do stress:
Hiper-reatividade ao meio ambiente, irritabilidade, sensação de expectativa, visão pessimista, dificuldade de concentração, ansiedade, depressão, isolamento, impulsividade, perda ou excesso de apetite e pânico.
Algumas manifestações comportamentais em detrimento do stress:
Alcoolismo, bulimia, tabagismo, consumo de drogas ilícitas, uso de calmantes e ansiolíticos, automedicação (para suprimir sintomas específicos), aumento de ingestão de café ou bebidas do tipo cola e comportamento autodestrutivo.
O estresse pode ter seus efeitos potencializados por alguns elementos que se denomina ciclo dos excitantes, são eles: o fumo, o álcool, o próprio stress, café, sedentarismo e alimentos açucarados; já na tentativa de se controlar o nível de stress temos o ciclo controladores dos excitantes, ou seja alguns comportamentos como: alimentação balanceada, beber bastante líquido, atividade física regular e respeitar os ritmos biológicos (como dormir bem por exemplo), ou seja uma mudança em hábitos diários já ajudaria a manter o nível de stress regular.
Em dezembro de 1996 foi feita uma pesquisa, em uma clinica de check-up médico no Rio de Janeiro, entre dez mil executivos e profissionais liberais na faixa de 30 a 75 anos, em que demonstrou:
Alimentação desequilibrada............................80%
Estilo de vida competitivo e obsessivo por resultados, determinando alto nível de stress...............................................................70%
Vida sedentária...............................................60%
Pacientes com o peso acima do ideal.............60%
Uso de bebidas alcoólicas regularmente........50%
Fumantes........................................................40%
Lesões cutâneas por stress..............................26%
Insônia............................................................26%
Altos níveis de colesterol...............................25%
Auto-medicação.............................................20%
Hipertensão arterial........................................19%
Gastrite/Úlcera...............................................16%
Fadiga............................................................15%
Diante desses dados pode-se notar que há muita interferência da forma que se vive com os sintomas que se apresentam no físico das pessoas, e é nesse meio que o psicólogo poderá atuar, pois ao detectar, por meio das sessões psicoterápicas, qual será o sintoma ou sintomas que se apresentam, ele poderá buscar a melhor forma de tratamento, para que possa alterar as contingências aversivas que estão atuando sobre o indivíduo e buscar modificá-las.
O psicólogo atuará nas manifestações psíquicas e comportamentais do stress para que assim possa melhorar a qualidade de vida das pessoas e reduzindo assim as conseqüências que se acarretam no físico dos indivíduos diminuindo assim também seu sofrimento físico e psicológico.
Tem-se como acréscimo a partir deste estudo que o estresse em longo prazo é extremamente prejudicial à saúde tanto física quanto psíquica do indivíduo. Um olhar mais atento foi dado ao sistema gastrointestinal mesmo que ocupe uma pequena parcela das manifestações sentidas pelos indivíduos (como foi relatado na tabela) considerados estressados não deve ser lhe tirada a devida importância. Além disso, destacou-se um ponto diferencial sobre o estresse, o seu contexto, ou seja, o ambiente onde os indivíduos interagem, e o "surgimento" do seu termo no contexto histórico a partir do relato sobre as novas formas de trabalho dentro do sistema capitalista. E como a cultura confirma os valores como a atividade e a produtividade dentro de um mercado competitivo.