ESTOU INDO PARA O TRABALHO. DEUS ME AJUDE QUE EU VOLTE PARA CASA
Por sander dantas cavalcante | 03/08/2009 | Crônicas
Estou indo trabalhar. Como todos os dias úteis, a mesma rotina: higiene básica, chuveirada, indumentária e café da manhã relâmpago. Os meninos estudam pela manhã, o que me dá a alegria de vê-los e trocar algumas idéias antes de sairmos para o dia-a-dia. Minha esposa não trabalha, ou melhor, trabalha mais do que eu, pois, não há nada mais estressante do que o trabalho do lar e nós maridos não damos conta disso. Juntos, naquela horinha, desfrutamos ao máximo a presença conjunta da família. Pena que dure tão pouco. É café relâmpago mesmo, mas, aproveitamos ao máximo. O caçula, mais falante, sempre sai com alguma. Todos rimos com suas tiradas.
Mas, hoje, especialmente, sinto algo diferente. Estou apreensivo. Não sei explicar bem o porquê. Minha vontade é congelar o tempo e ficarmos ali, sentados, todos juntos, naquela pequena mesa da copa. Tenho medo de que esse momento não se repita. Na televisão, rádios e jornais o tema violência urbana está cada vez mais intenso. São brigas no trânsito com conseqüências drásticas, não sendo incomum a ocorrência de homicídios e isso por motivos fúteis, banais mesmo, como uma buzinada, uma ultrapassagem mais arrojada ou sinais obscenos e outras bobagens que não justificam a barbárie que se observa nas ruas. Há também as notícias de assalto à mão armada, talvez as mais comuns, notícias de assaltos a bancos, arrastões em vias públicas, ataques a transportes coletivos, roubos de carro, apedrejamento de moradores de rua, quando não tocam fogo nos pobres coitados. Também me ocorre notícias sobre a violência nas escolas, praticada pelos próprios colegas ou por traficantes. Essas últimas notícias me saem logo da cabeça, ou pelo menos finjo que saíram. Não aceito, nem de longe, a idéia de algo ruim com os meus pequenos, que já não são tão pequenos, é verdade.
Cada dia que passa, mais se afasta a idéia de que as coisas ruins só acontecem com os outros. A violência tem se aproximado de mais e, algumas vezes, chegando até a gente, mesmo. Minha esposa, dia desses, foi assaltada e ainda agredida pelos bandidos, sem falar que, mais recentemente, foi perseguida por um veículo que encostou junto ao seu, com o claro propósito de assaltá-la, o que só não aconteceu porque ela acelerou e estacionou em um mercadinho do bairro, lotado de pessoas. Na rua em que moro, por exemplo, dois vizinhos tiveram suas casas roubadas. Sorte, se é que podemos falar assim, é que em uma dessas casas não havia pessoas no momento do crime e na outra, apesar de estarem no imóvel a empregada e dois filhos menores dos donos da casa, não houve violência física contra os mesmos. Poucos dias após o fato eles se mudaram, como se isso resolvesse o problema. Não resolve. A violência está em toda parte, infelizmente.
O pior é que não vejo luz no fim do túnel. Pelo contrário, só vejo escuridão, que se amplia cada vez mais, como um gigante buraco negro. A diferença é que os buracos negros engolem apenas os astros do universo e essa terrível escuridão engole nosso sossego, nossa paz e nossas esperanças. Pode parecer exagero, mas não é. Nossas principais instituições oficiais do Estado são os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. E o que lemos e ouvimos sobre ambos? O Legislativo, por exemplo, está totalmente desmoralizado. Escândalo em cima de escândalo, como mensalão, troca de favores, favorecimento de apadrinhados, inclusive contratações irregulares para o exercício do serviço público, além da participação de alguns parlamentares no crime organizado. E o Judiciário, que deveria ser reserva de moral, também se afoga no mar de lama. Basta lembrar o emblemático caso do Juiz Lalau e dos casos de venda de sentença envolvendo outros juízes. Até casos de pedofilia, mais recentemente, foram divulgados, envolvendo determinado juiz. E o Executivo, então. Esse não fica atrás. Desde os Chefes Municipais, passando pelos Governadores, até chegar ao Presidente da República, todos têm sua parcela de culpa no caos em que nos encontramos. Citei o Presidente da República e não me arrependo. Confesso que até nutro uma certa simpatia pelo nosso Chefe de Estado, mas ele poderia fazer mais pela Segurança Pública. Ouço seus discursos e admiro sua preocupação com a classe mais pobre e algo realmente tem que ser feito nesse sentido, mas não se deve parar por aí. Pouco ouço o Presidente falar sobre a questão da segurança e implemento de políticas de ações afirmativas nesse sentido, o que se constitui em grave erro e erro fatal, pois muitas vidas são ceifadas diariamente, fruto da violência desenfreada, estimulada pela complacência e impunidade.
Sei que a Polícia faz parte da estrutura do Poder Executivo, mas abro um parágrafo independente para falar sobre ela. Será que nos sentimos seguros com a Polícia que temos? Penso que não. Nossa Polícia é desaparelhada e os policiais despreparados, técnica e psicologicamente. Basta remetermos a casos recentes, onde policiais abriram fogo contra inocentes, pensando tratarem-se de bandidos, sem nenhum motivo relevante que justificasse o equívoco. E essa não é a pior parte. Observem que não raro há policiais envolvidos em grupos criminosos, como esquadrões de extermínio, tráfico de drogas, assalto a banco, extorsão, corrupção e outros crimes. É duro, mas é verdade. Não dá para sentir segurança com essa Polícia que está aí.
Esclareço que não tenho, aqui, a intenção de generalizar a participação das pessoas que integram a estrutura do Estado na criminalidade. Sei que há os bons políticos, bons juízes e bons policiais. Talvez esses acendam a vela que nos guie até o final do túnel e nos restabeleça a esperança perdida ou roubada; afinal, como já diziam nossos avós: a esperança é a última que morre. E tomara que nunca morra.
Ouço meu nome. É minha mulher, perguntando se estou pensando na morte da bezerra. Esqueci o café. Não tem importância. Sento à mesa de manhã mais pelo momento em família que pelo café. Pena que já acabou. Tchau pai, diz o mais velho. Até mais, coroa, brinca o caçula. Até mais, filha, digo eu para a patroa. E, só para mim, bem baixinho: Estou indo para o trabalho. Deus me ajude que eu volte para casa.