Estética e Literatura em Amilcar Cabral

Por Maria Helena Barros Silva | 05/10/2012 | Literatura

Resumo:

Esse trabalho tem por objetivo analisar a estética e literatura em Amilcar Cabral. Para Cabral, a poesia tem a missão de dar voz ao povo oprimido, conscientizando-o e sendo um poderoso instrumento de revolução.

Palavras-chave: Amilcar Cabral, poesia, estética, Cabo Verde

 

Introdução

O intelectual, guerrilheiro e poeta Amilcar Cabral nasceu em 12 de Setembro de 1924 em Bafatá (Guiné-Bissau). Em 1943, passa a viver nas ilhas de Cabo Verde, onde começa a afirmar seu comportamento contra o sistema colonial. Em 1945 vai para Lisboa e inicia seus estudos de agronomia. Cabral já manifesta uma grande preocupação em fazer parte das correntes de pensamento político e cultural que agitava a época e com isso participa de vários movimentos da juventude progressista. Em 1951, Amilcar juntamente com um grupo de colegas estudantes cria o “Centro de Estudos Africanos” onde travam várias lutas a fim de resgatarem suas origens africanas fazendo assim a ‘reafricanização dos espíritos’.

Mais tarde regressa à sua terra natal e utiliza todo o seu conhecimento técnico de engenheiro agrônomo a serviço da análise da realidade de Guiné-Bissau. Nesse tempo, Amilcar já amplia sua experiência de luta contra a dominação colonial e participa de vários movimentos nacionalistas. Em 1956, funda o PAIGC (Partido Africano de Independência da Guiné e Cabo Verde), travando lutas, inclusive a luta armada, contra o imperialismo português.

Em 20 de Janeiro de 1973, Amilcar Cabral é barbaramente assassinado por agentes do colonialismo português. Todas essas informações citadas anteriormente são necessárias para compreender o porquê de Cabral ser uma das figuras mais importantes na luta em favor a libertação da África, especialmente de Guiné-Bissau e Cabo verde onde viveu a maior parte da vida.

A poesia como arma de revolução

Assim como acontece com a flor numa planta, é na cultura que reside a capacidade (ou a responsabilidade) da elaboração e da fecundação do germe que garante a continuidade da história, garantindo, simultaneamente, as perspectivas da evolução e do progresso da sociedade em questão.

(Amilcar Cabral, cadernos de resistência cultural)

 

Amilcar Cabral viveu parte de sua infância e juventude em Cabo-Verde num período marcado pela crise agrícola, pela miséria, pela fome e pela ocupação dos soldados portugueses. Por isso, a poesia foi uma das formas encontradas por ele para descrever e interpretar a sociedade em que vivia. O intelectual utilizava a cultura como arma de combate para o esclarecimento da consciência popular, aliás, ele acreditava que sem a conscientização do povo não era possível fazer uma revolução, era preciso mobilizar e educar politicamente o povo só assim a revolução teria sucesso. E sua arma para isso era a poesia:

A poesia como qualquer manifestação artística, e apesar de toda a característica individual, emanente da personalidade do poeta, é necessariamente um produto do meio em que tem expressão. Quer dizer: por maior que seja a influência do próprio indivíduo sobre a obra que produz, esta é sempre, em última análise, um produto do complexo social em que foi gerada. (CABRAL, 1976)

A poesia de Amilcar Cabral pode ser marcada por três fases. A primeira que se aproxima do movimento Claridade (movimento esse que tinha por objetivo redescobrir as raízes do povo caboverdiano), suas poesias vão trazer a temática da terra, retratando a fome, a seca, a miséria e o abandono nas ilhas de Cabo Verde como podemos observar nos poemas Chuva e Regresso:

 

CHUVA

Um sol abrasador,

Teimoso,

Ardente,

E mau

Sufoca com seus raios os

Transeuntes,

Nas ruas da cidade...

Havia já seis dias

Que a chuva não vinha...

Havia já seis dias

Que o sol, teimosos, ardente,

Torturava,

Queimava,

As fases contraídas dos

Transeuntes,

E fazia

Mais triste

Tão triste a pobre gente...

De súbito, um trovão

Falou num rimbombar

Tremendo,

Rolante e assustador

(...)

Caia fortemente

A desejada chuva

Caia

E, na rua,

Em bando hilariantes

Em filas de nudez,

Passavam

Meninos e meninas...

 

REGRESSO

Mamãe Velha, venha ouvir comigo

O bater da chuva lá no seu portão.

É um bater de amigo

Que vibra dentro do meu coração

A chuva amiga, Mamãe Velha, a chuva,

Que há tanto tempo não batia assim...

Ouvi dizer que a Cidade-Velha

– a ilha toda –

Em poucos dias já virou jardim...

Dizem que o campo se cobriu de verde

Da cor mais bela porque é a cor da esp’rança

Que a terra, agora, é mesmo Cabo Verde.

– É a tempestade que virou bonança...

Venha comigo, Mamãe Velha, venha

Recobre a força e chegue-se ao portão

A chuva amiga já falou mantenha

E bate dentro do meu coração!

Já na segunda fase, as poesias de Amilcar Cabral tomam um cunho universalista. O poeta passa a retratar temas que não só fazem parte do cotidiano de Cabo Verde, mas sim de todos os cantos do mundo, principalmente do continente africano. Desta fase, cabe destacar dois poemas:

 

ROSA NEGRA

Rosa,

Chamam-te Rosa, minha preta formosa

E na tua negrura

Teus dentes se mostram sorrindo.

Teu corpo baloiça, caminhas dançando,

Minha preta formosa, lasciva e ridente

Vais cheia de vida, vais cheia de esperanças

Em teu corpo correndo a seiva da vida

Tuas carnes gritando

E teus lábios sorrindo...

Mas temo tua sorte na vida que vives,

Na vida que temos...

Amanhã terás filhos, minha preta formosa

E varizes nas pernas e dores no corpo;

Minha preta formosa já não serás Rosa,

Serás uma negra sem vida e sofrente

Ser’as uma negra

E eu temo a tua sorte!

Minha preta formosa não temo a tua sorte,

Que a vida que vives não tarda findar...

Minha preta formosa, amanhã terás filhos

Mas também amanhã...

... amanhã terás vida!

 

 

QUE FAZER

(...)

Eu não compreendo a vida:

Há luta entre os humanos,

Há guerra;

Há fome e há injustiça imensa:

Há pobres seculares,

Aspirações que morrem...

Enquanto os fortes gastam

Em gastos não precisos

Aquilo que os outros querem...

(...)

Por fim, a terceira fase da poesia de Amilcar Cabral será marcada por poemas que além de descrever as mazelas de Cabo Verde e África passam a dar voz e consciência para o povo caboverdiano e africano. O poeta utiliza a poesia para contestar e incitar o povo à luta. Podemos verificar esse fato nos poemas a seguir:

POEMA

Quem é que não se lembra

Daquele grito que parecia trovão?!

– É que ontem

Soltei meu grito de revolta.

Meu grito de revolta ecoou pelos vales mais longínquos da Terra,

Atravessou os mares e os oceanos,

Transpôs os Himalaias de todo o Mundo,

Não respeitou fronteiras

E fez vibrar meu peito...

Meu grito de revolta fez vibrar os peitos de todos os Homens,

Confraternizou todos os Homens

E transformou a Vida...

... Ah! O meu grito de revolta que percorreu o Mundo,

Que não transpôs o Mundo,

O Mundo que sou eu!

Ah! O meu grito de revolta que feneceu lá longe,

Muito longe,

Na minha garganta!

Na garganta de todos os Homens

 

... NÃO, POESIA:

Não te escondas nas grutas de meu ser,

não fujas à Vida.

Quebra as grades invisíveis da minha prisão,

abre de par em par as portas do meu ser

— sai...

Sai para a luta (a vida é luta)

os homens lá fora chamam por ti,

e tu, Poesia és também um Homem.

Ama as Poesias de todo o Mundo,

— ama os Homens

Solta teus poemas para todas as raças,

para todas as coisas.

Confunde-te comigo...

Vai, Poesia:

Toma os meus braços para abraçares o Mundo,

dá-me os teus braços para que abrace a Vida.

A minha Poesia sou eu.

 

Considerações Finais

Sem dúvida nenhuma, Amilcar Cabral é um dos intelectuais mais importantes da história da libertação de Cabo Verde e Guiné-Bissau. Fez da cultura sua arma de combate e pelo uso da pena, possibilitou que o povo oprimido encontrasse a sua voz e lutasse por mudanças. Cabral acreditava que a intelectualização do povo era a arma mais eficaz para a revolução e isso só é possível por meio da palavra.

Referências bibliográficas

BORGES, S.V. Tese sobre Amilcar Cabral, 2008. Disponível em: http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/411/3/17664_Tese.pdf

CABRAL, Amilcar. Apontamentos sobre a poesia caboverdiana. In: Revista de Cultura Vozes, N. 1 / 1976 / Ano 70 p. 15 a 21.

COMITINI, Carlos. Amilcar Cabral: A arma da teoria. Rio de Janeiro: Codecri, 1980.

FERREIRA, Manoel. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São Paulo: Ática, 1987.

MATOS, Nailton Santos de. A dimensão revolucionária da literatura de Amilcar Cabral e Lucien Goldman. Públicado em: Anais do IV Encontro de Pesquisa Discente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uninove.